Por Osvaldo Bertolino, em seu blog:
Se não bastasse a saraivada de pontapés no governo e tiros para os lados contra Lula e Dilma, a mídia tirou o dia para distribuir receitas sobre como “salvar” a Petrobras das mãos do “petê”. De novo, cabe a comparação com aquela célebre explicação dada por um oficial norte-americano, durante a Guerra do Vietnã, após pulverizar uma aldeia acusada de abrigar guerrilheiros comunistas: “Para salvar a aldeia, tivemos de destruí-la.” A direita está se lixando para a Petrobras, na verdade. O que ela quer mesmo e pôr suas mãos ossudas no pote de ouro dos brasileiros, o nosso pré-sal.
O festival de asneiras, de números desconexos e cálculos que não fecham tem uma única finalidade: manter o assunto na superfície escondendo a sua profundidade. “Hoje, o nível de consciência que o Brasil tem sobre o petróleo que sai do pré-sal é muito baixo, até por conta da desinformação sistemática e do pessimismo militante que viceja e, a gente sabe, é característico da forma como se transmitem as informações na imprensa brasileira”, disse a presidenta Dilma Rousseff durante um ato em apoio à sua reeleição que reuniu intelectuais e artistas em um teatro do Rio de Janeiro.
Até o cidadão mais manipulado pela mídia sabe que essa toada tem o propósito único de acabar com o modelo de partilha, aprovado durante o governo do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, pelo qual o país fica com a maior parte dos lucros obtidos e a Petrobras é parte obrigatória na exploração de todos os campos. Isso foi dito abertamente na campanha eleitoral de 2014 pelas candidaturas de Aécio Neves e Marina Silva. A ideia é retomar o modelo de concessões, vigente durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Bacias sedimentares
A mudança “seria um grave erro para o interesse dos brasileiros”, rebate Haroldo Lima, ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP) na época da descoberta das jazidas do pré-sal, durante o governo Lula. Segundo ele, a alteração “contraria os interesses nacionais”, uma vez que procuraria “satisfazer os interesses das multinacionais” na exploração de grandes áreas de petróleo. “Temos que levar em conta os interesses nacionais, e para não perdê-los de vista temos que olhar os hábitos que existem no setor do petróleo. Esse é o costume normal no mundo. Essa divisão não é inovação do Brasil”, disse ele ao Portal Brasil 247.
Haroldo Lima informa que o Brasil tem uma enormidade de bacias sedimentares, em terra e mar, e apenas de 4 a 5% estão em processo de exploração e produção. “O próprio conhecimento geológico delas, pelos métodos sísmicos modernos, é muito limitado, não chega a 10%”, detalha. Com razão, muita gente não quer se desfazer desse pote de ouro. E o Brasil, a muito custo, conseguiu fugir da armadilha criada pela máquina neoliberal montada durante o reinado de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Cartel mundial
Uma frase de um recente anúncio publicitário do grupo norte-americano Chevron-Texaco ilustra muito bem o que está por trás dessa polêmica: foram necessários 125 anos para que o mundo consumisse o primeiro trilhão de barris de petróleo, mas bastarão 30 anos para consumir o segundo. O mundo nunca usou tanto petróleo. O consumo global está prestes a empatar com a oferta, no patamar de 86 milhões de barris por dia. Prever até onde vai essa escalada é um exercício de futurologia — a Agência Internacional de Energia (AIE), por exemplo, diz que a produção mundial vai atingir o pico em algum ponto ”entre 2013 e 2037”. O alerta é especialmente válido para quem tem no petróleo seu principal negócio, como a Petrobrás, a maior empresa do país. O Brasil, com reservas ainda incalculáveis e praticamente no caminho de se tornar um exportador de petróleo, é um território muito cobiçado — fato que exige dos brasileiros atenção e preparo.
Desde cedo, os defensores da posse do petróleo pelo Estado compreenderam a importância dessa bandeira para o desenvolvimento nacional e a defesa da nossa soberania. O petróleo é a base principal da economia e do poder do Estado nacional. A história do cartel mundial do petróleo merece um capítulo à parte na história do capitalismo e, dentro dele, cabe um importante item sobre a Petrobrás. De 1870, quando a indústria petrolífera mundial já movimentava milhões de dólares, até 1934, quando as riquezas do nosso subsolo foram nacionalizadas, o Brasil esteve disponível para que qualquer país — ou empresa — investisse na pesquisa de petróleo. A decisão brasileira foi uma resposta aos propósitos dos monopólios que se formaram com a história do imperialismo do século XIX e do início do século XX.
Eram tempos de partilhas de mercados, de guerras mundiais, de modificações nas correlações de forças e de soberanias nacionais ameaçadas. Na América Latina, território historicamente cobiçado pelos norte-americanos, o México nacionalizou seu petróleo em 1938 e a Argentina já explorava suas jazidas na década de 1940. Chile e Bolívia encaminhavam-se para o monopólio do Estado sobre o combustível nacional. E a formação do bloco socialista tirou do campo de visão dos monopólios imperialistas importantes reservas mundiais — um dos quatro maiores lençóis de petróleo, o do Mar Cáspio, passou para as mãos dos povos soviéticos.
Monteiro Lobato
O drama do petróleo entrava em uma fase nova, marcada pelo avanço da democracia contra o imperialismo. Já naquela época, as concessões abarcavam regiões imensas. Uma companhia norte-americana era concessionária de toda a Abissínia — hoje Etiópia. Na Arábia Saudita, metade do país estava nas mãos de outras duas empresas dos Estados Unidos. Em 1945, o Paraguai outorgou a uma petrolífera norte-americana concessões que compreendiam dois terços do seu território. Na Venezuela, regiões imensas foram entregues às companhias norte-americanas e inglesas. Os Estados Unidos controlavam mais de 80% do petróleo do mundo capitalista, cerca de 70% de toda a produção mundial. Em muitos países, como a Venezuela, populações miseráveis vegetavam em torno de poços riquíssimos.
A luta pelo petróleo nacional, portanto, brotou em plena batalha mundial pelas reservas petrolíferas. Era uma questão que requeria a união do povo brasileiro e um governo minimamente comprometido com a independência nacional. Apoiada na tenacidade de pioneiros como Monteiro Lobato e Oscar Cordeiro, e fortalecida pelo esclarecimento das campanhas do Partido Comunista do Brasil, a palavra de ordem “O Petróleo é Nosso” abriu caminho entre todas as barragens e emergiu como um grande movimento popular em defesa da soberania nacional.
Entidade autárquica
O deputado comunista Pedro Pomar disse na tribuna da Câmara que “o problema fundamental (do Brasil) é produzir petróleo para nosso consumo e assegurar reservas para qualquer emergência”. Segundo Pomar, os brasileiros não podiam ficar à mercê da política agressiva e provocadora de guerra dos norte-americanos. Além da mobilização popular e das denúncias na tribuna do Congresso Nacional, os comunistas apresentaram três projetos sobre o petróleo.
De autoria do deputado Carlos Marighella, o primeiro — subscrito por Maurício Grabois, Gregório Bezerra, Henrique Oest, José Maria Crispim, Jorge Amado, Abílio Fernandes e Diógenes Arruda Câmara — dizia que “as jazidas de petróleo e gases naturais existentes no território nacional pertencem à União, a título de domínio privado imprescindível”. Ou seja: só brasileiros poderiam pesquisar e lavrar petróleo e gases naturais. O segundo — não há registro de subscrição —, declarava de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo. Isto é: a produção, importação, exportação, refino, transporte, construção de oleoduto, distribuição e comércio seriam exclusividade de empresas de capital nacional, com 51% das ações em poder do governo federal. O terceiro projeto de Marighella — subscrito por Maurício Grabois, Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Henrique Oest, Gregório Bezerra, Gervásio Azevedo, Jorge Amado e Abílio Fernandes —, criava o Instituto Nacional do Petróleo, entidade autárquica com ampla competência.
Batalha pelas reservas
Além destes três projetos, Abílio Fernandes apresentou outro, em nome da bancada comunista, regulamentando a aplicação dos artigos 152 e 153 da Constituição de 1946, relativos às minas e demais riquezas do subsolo. Segundo o projeto, “os decretos de concessões de petróleo e de autorizações de lavra serão conferidos exclusivamente a brasileiros ou sociedades organizadas no país”. Os projetos pararam na Comissão de Constituição e Justiça e o assunto passou a ser monopolizado por uma nova legislação que seria enviada ao Congresso pelo presidente Eurico Gaspar Dutra.
A concretização do monopólio estatal do petróleo só viria no segundo governo do presidente Getúlio Vargas, eleito em 1950. Ao longo dos debates, ficou evidenciada a importância da “batalha pelas reservas”. Por ter esse papel, os entreguistas brasileiros nunca aceitaram de bom grado o papel da Petrobrás. Já em 1975, o governo brasileiro — na época liderado pelo ditador Ernesto Geisel — permitiu que empresas estrangeiras pesquisassem dois milhões de quilômetros quadrados de bacias sedimentares brasileiras. Nos 14 anos em que esta concessão vigorou, nenhuma gota de petróleo foi encontrada pelas maiores petrolíferas do mundo. Enquanto isso, a Petrobrás manteve seu vertiginoso crescimento e, no mesmo período, duplicou a produção brasileira.
Guizo no pescoço do gato
Com a chegada de FHC ao poder, os ataques ao monopólio estatal do petróleo se intensificaram — e resultaram na aprovação da Emenda Constitucional nº 9, no dia 9 de novembro de 1995, que deu nova redação ao parágrafo primeiro do artigo 177 da Constituição Federal de 1988. Iniciava-se o processo de abertura da indústria petrolífera e gasífera no Brasil. “Privatizar ou não (a Petrobras) é uma questão que tem de ser avaliada de maneira objetiva, não ideológica”, disse o economista tucano Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi ministro das Comunicações e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na “era FHC”. Tucano de alta plumagem, coube a ele, ainda em 1996, descer do muro para colocar o guizo no pescoço do gato. Miriam Leitão, a comentarista de economia das Organizações Globo, também defendeu a privatização da Petrobras e a escolha do presidente da empresa pelo “mercado”.
Contudo, se alguém duvida da importância da área de energia para a soberania nacional basta lembrar como nasceu a União Europeia. O bloco começou a surgir em 1951, com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Inicialmente, a preocupação era basicamente o suprimento de energia. No caso da América do Sul, para que a integração seja efetiva são necessárias obras gigantescas, que tendem a consolidar a ligação entre os países. Por exemplo: só o gasoduto entre Brasil e Bolívia custou mais de 2 bilhões de dólares. Ninguém faria uma obra desse porte se não fosse para ter uma relação de longo prazo.
Decisão estratégica
Há duas formas de se aproveitar o gás: empregando-o diretamente como fonte de energia, em casas ou indústrias, ou usando-o para gerar eletricidade. No segundo caso, são necessárias usinas térmicas, que queimam o gás e produzem energia elétrica. E há aí mais investimentos, pois o Brasil precisa de um bom número de usinas térmicas. Há vários outros projetos ligando Brasil e seus vizinhos. Por exemplo: os argentinos e os uruguaios produzem mais energia elétrica do que consomem. Para que possam vender ao Brasil, a infraestrutura de transmissão elétrica no Estado do Rio Grande do Sul está inserida no sistema interligado brasileiro, estando também conectada ao sistema elétrico da Argentina (por meio das estações conversoras de Garabi e Uruguaiana) e ao sistema elétrico do Uruguai (estação conversora de Rivera, fronteira com Santana do Livramento).
No caso do petróleo, não se trata apenas de investimentos, mas de comércio: a Argentina passou a Arábia Saudita e é hoje o maior fornecedor do produto para o Brasil. Foi uma decisão estratégica do governo Lula para fortalecer os laços com o sócio do Mercosul. Além da questão energética, há outro tipo de ligação: a decisão das empresas de alocar seus investimentos entre os diferentes países da melhor maneira possível. É claro que essa estratégia só funciona se os países puderem comercializar livremente. E se existirem meios físicos de acesso entre os mercados. Ainda há muita ineficiência no transporte de mercadorias. Muito timidamente, começam os primeiros avanços nessa área. Um exemplo são os investimentos, embora ainda pequenos, na melhoria das estradas.
Comentários insultantes
O aumento do intercâmbio entre Brasil e os demais países da América do Sul é visível. Boa parte dele não sofre concorrência norte-americana, até por questões geográficas. Muito dificilmente a Bolívia venderá gás para os Estados Unidos, dada a distância entre os países, para citar um caso. Evidentemente, essa realidade favorece a integração regional e desagrada aos Estados Unidos. E consequentemente desperta a reação das forças políticas que representam os interesses norte-americanos. Quando a direita latino-americana armou o quiproquó em torno das relações do Brasil com a Bolívia envolvendo a Petrobras, o então presidente nacional do PSDB e senador Tasso Jereissati (CE), num surto de “nacionalismo mineral”, afirmou que os “ataques” de Evo Morales “contra a Petrobras” refletiam a maneira “amadora e até irresponsável” assumida pelo presidente Lula frente ao “impasse criado pelo país vizinho”.
Para o tucano, o governo Lula, ao invés de desagradar aos Estados Unidos, deveria jogar pesado com os bravos bolivianos. “Não se trata de ser carinhoso com o camarada e companheiro de farra. Está na hora de o estadista aparecer”, provocou. “Acima de amizades e afinidades ideológicas estão os interesses nacionais e a responsabilidade do presidente da República, que tem de raciocinar quando fala, quando age, e tem responsabilidade constitucional de defender os interesses nacionais”, disse Jereissati. O valente “nacionalista” tucano afirmou ainda que o governo não podia se “rebaixar” e ficar “a reboque de pequenos líderes populistas demagogos”. O então assessor da Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, reagiu: “Acho insultante, racista até, esses comentários. É como se o presidente Evo Morales não pudesse tomar atitudes por conta própria.”
Diagnóstico de Lênin
Os riscos para os norte-americanos é o Brasil criar por aqui um bloco parecido com a China, que está inventando seu próprio modelo de desenvolvimento, seu estilo de fazer a roda da economia girar. E o setor energético é o ponto central nessa questão. O sempre atual diagnóstico de Lênin no Capítulo X da obra Imperialismo – Fase Superior do Capitalismo, intitulado O Lugar do Imperialismo na História, diz que o imperialismo é, pela sua essência econômica, o capitalismo monopolista — do qual o setor energético é estratégico.
Esse diagnóstico pode ser aplicado inteiramente à atual situação da América Latina. Além de outras características, Lênin afirmou que os monopólios agudizam a luta pela conquista das mais importantes fontes de matérias-primas. “A posse monopolista das fontes mais importantes de matérias-primas aumentou enormemente o poderio do grande capital e agudizou as contradições entre a indústria cartelizada e a não cartelizada”, escreveu ele. “Aos numerosos ‘velhos’ motivos da política colonial, o capital financeiro acrescentou a luta pelas fontes de matérias-primas, pela exportação de capitais, pelas ‘esferas de influência’, isto é, as esferas de transações lucrativas, de concessões, de lucros monopolistas, etc., e, finalmente, pelo território econômico em geral”, acrescentou.
Se não bastasse a saraivada de pontapés no governo e tiros para os lados contra Lula e Dilma, a mídia tirou o dia para distribuir receitas sobre como “salvar” a Petrobras das mãos do “petê”. De novo, cabe a comparação com aquela célebre explicação dada por um oficial norte-americano, durante a Guerra do Vietnã, após pulverizar uma aldeia acusada de abrigar guerrilheiros comunistas: “Para salvar a aldeia, tivemos de destruí-la.” A direita está se lixando para a Petrobras, na verdade. O que ela quer mesmo e pôr suas mãos ossudas no pote de ouro dos brasileiros, o nosso pré-sal.
O festival de asneiras, de números desconexos e cálculos que não fecham tem uma única finalidade: manter o assunto na superfície escondendo a sua profundidade. “Hoje, o nível de consciência que o Brasil tem sobre o petróleo que sai do pré-sal é muito baixo, até por conta da desinformação sistemática e do pessimismo militante que viceja e, a gente sabe, é característico da forma como se transmitem as informações na imprensa brasileira”, disse a presidenta Dilma Rousseff durante um ato em apoio à sua reeleição que reuniu intelectuais e artistas em um teatro do Rio de Janeiro.
Até o cidadão mais manipulado pela mídia sabe que essa toada tem o propósito único de acabar com o modelo de partilha, aprovado durante o governo do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, pelo qual o país fica com a maior parte dos lucros obtidos e a Petrobras é parte obrigatória na exploração de todos os campos. Isso foi dito abertamente na campanha eleitoral de 2014 pelas candidaturas de Aécio Neves e Marina Silva. A ideia é retomar o modelo de concessões, vigente durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Bacias sedimentares
A mudança “seria um grave erro para o interesse dos brasileiros”, rebate Haroldo Lima, ex-diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP) na época da descoberta das jazidas do pré-sal, durante o governo Lula. Segundo ele, a alteração “contraria os interesses nacionais”, uma vez que procuraria “satisfazer os interesses das multinacionais” na exploração de grandes áreas de petróleo. “Temos que levar em conta os interesses nacionais, e para não perdê-los de vista temos que olhar os hábitos que existem no setor do petróleo. Esse é o costume normal no mundo. Essa divisão não é inovação do Brasil”, disse ele ao Portal Brasil 247.
Haroldo Lima informa que o Brasil tem uma enormidade de bacias sedimentares, em terra e mar, e apenas de 4 a 5% estão em processo de exploração e produção. “O próprio conhecimento geológico delas, pelos métodos sísmicos modernos, é muito limitado, não chega a 10%”, detalha. Com razão, muita gente não quer se desfazer desse pote de ouro. E o Brasil, a muito custo, conseguiu fugir da armadilha criada pela máquina neoliberal montada durante o reinado de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Cartel mundial
Uma frase de um recente anúncio publicitário do grupo norte-americano Chevron-Texaco ilustra muito bem o que está por trás dessa polêmica: foram necessários 125 anos para que o mundo consumisse o primeiro trilhão de barris de petróleo, mas bastarão 30 anos para consumir o segundo. O mundo nunca usou tanto petróleo. O consumo global está prestes a empatar com a oferta, no patamar de 86 milhões de barris por dia. Prever até onde vai essa escalada é um exercício de futurologia — a Agência Internacional de Energia (AIE), por exemplo, diz que a produção mundial vai atingir o pico em algum ponto ”entre 2013 e 2037”. O alerta é especialmente válido para quem tem no petróleo seu principal negócio, como a Petrobrás, a maior empresa do país. O Brasil, com reservas ainda incalculáveis e praticamente no caminho de se tornar um exportador de petróleo, é um território muito cobiçado — fato que exige dos brasileiros atenção e preparo.
Desde cedo, os defensores da posse do petróleo pelo Estado compreenderam a importância dessa bandeira para o desenvolvimento nacional e a defesa da nossa soberania. O petróleo é a base principal da economia e do poder do Estado nacional. A história do cartel mundial do petróleo merece um capítulo à parte na história do capitalismo e, dentro dele, cabe um importante item sobre a Petrobrás. De 1870, quando a indústria petrolífera mundial já movimentava milhões de dólares, até 1934, quando as riquezas do nosso subsolo foram nacionalizadas, o Brasil esteve disponível para que qualquer país — ou empresa — investisse na pesquisa de petróleo. A decisão brasileira foi uma resposta aos propósitos dos monopólios que se formaram com a história do imperialismo do século XIX e do início do século XX.
Eram tempos de partilhas de mercados, de guerras mundiais, de modificações nas correlações de forças e de soberanias nacionais ameaçadas. Na América Latina, território historicamente cobiçado pelos norte-americanos, o México nacionalizou seu petróleo em 1938 e a Argentina já explorava suas jazidas na década de 1940. Chile e Bolívia encaminhavam-se para o monopólio do Estado sobre o combustível nacional. E a formação do bloco socialista tirou do campo de visão dos monopólios imperialistas importantes reservas mundiais — um dos quatro maiores lençóis de petróleo, o do Mar Cáspio, passou para as mãos dos povos soviéticos.
Monteiro Lobato
O drama do petróleo entrava em uma fase nova, marcada pelo avanço da democracia contra o imperialismo. Já naquela época, as concessões abarcavam regiões imensas. Uma companhia norte-americana era concessionária de toda a Abissínia — hoje Etiópia. Na Arábia Saudita, metade do país estava nas mãos de outras duas empresas dos Estados Unidos. Em 1945, o Paraguai outorgou a uma petrolífera norte-americana concessões que compreendiam dois terços do seu território. Na Venezuela, regiões imensas foram entregues às companhias norte-americanas e inglesas. Os Estados Unidos controlavam mais de 80% do petróleo do mundo capitalista, cerca de 70% de toda a produção mundial. Em muitos países, como a Venezuela, populações miseráveis vegetavam em torno de poços riquíssimos.
A luta pelo petróleo nacional, portanto, brotou em plena batalha mundial pelas reservas petrolíferas. Era uma questão que requeria a união do povo brasileiro e um governo minimamente comprometido com a independência nacional. Apoiada na tenacidade de pioneiros como Monteiro Lobato e Oscar Cordeiro, e fortalecida pelo esclarecimento das campanhas do Partido Comunista do Brasil, a palavra de ordem “O Petróleo é Nosso” abriu caminho entre todas as barragens e emergiu como um grande movimento popular em defesa da soberania nacional.
Entidade autárquica
O deputado comunista Pedro Pomar disse na tribuna da Câmara que “o problema fundamental (do Brasil) é produzir petróleo para nosso consumo e assegurar reservas para qualquer emergência”. Segundo Pomar, os brasileiros não podiam ficar à mercê da política agressiva e provocadora de guerra dos norte-americanos. Além da mobilização popular e das denúncias na tribuna do Congresso Nacional, os comunistas apresentaram três projetos sobre o petróleo.
De autoria do deputado Carlos Marighella, o primeiro — subscrito por Maurício Grabois, Gregório Bezerra, Henrique Oest, José Maria Crispim, Jorge Amado, Abílio Fernandes e Diógenes Arruda Câmara — dizia que “as jazidas de petróleo e gases naturais existentes no território nacional pertencem à União, a título de domínio privado imprescindível”. Ou seja: só brasileiros poderiam pesquisar e lavrar petróleo e gases naturais. O segundo — não há registro de subscrição —, declarava de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo. Isto é: a produção, importação, exportação, refino, transporte, construção de oleoduto, distribuição e comércio seriam exclusividade de empresas de capital nacional, com 51% das ações em poder do governo federal. O terceiro projeto de Marighella — subscrito por Maurício Grabois, Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Henrique Oest, Gregório Bezerra, Gervásio Azevedo, Jorge Amado e Abílio Fernandes —, criava o Instituto Nacional do Petróleo, entidade autárquica com ampla competência.
Batalha pelas reservas
Além destes três projetos, Abílio Fernandes apresentou outro, em nome da bancada comunista, regulamentando a aplicação dos artigos 152 e 153 da Constituição de 1946, relativos às minas e demais riquezas do subsolo. Segundo o projeto, “os decretos de concessões de petróleo e de autorizações de lavra serão conferidos exclusivamente a brasileiros ou sociedades organizadas no país”. Os projetos pararam na Comissão de Constituição e Justiça e o assunto passou a ser monopolizado por uma nova legislação que seria enviada ao Congresso pelo presidente Eurico Gaspar Dutra.
A concretização do monopólio estatal do petróleo só viria no segundo governo do presidente Getúlio Vargas, eleito em 1950. Ao longo dos debates, ficou evidenciada a importância da “batalha pelas reservas”. Por ter esse papel, os entreguistas brasileiros nunca aceitaram de bom grado o papel da Petrobrás. Já em 1975, o governo brasileiro — na época liderado pelo ditador Ernesto Geisel — permitiu que empresas estrangeiras pesquisassem dois milhões de quilômetros quadrados de bacias sedimentares brasileiras. Nos 14 anos em que esta concessão vigorou, nenhuma gota de petróleo foi encontrada pelas maiores petrolíferas do mundo. Enquanto isso, a Petrobrás manteve seu vertiginoso crescimento e, no mesmo período, duplicou a produção brasileira.
Guizo no pescoço do gato
Com a chegada de FHC ao poder, os ataques ao monopólio estatal do petróleo se intensificaram — e resultaram na aprovação da Emenda Constitucional nº 9, no dia 9 de novembro de 1995, que deu nova redação ao parágrafo primeiro do artigo 177 da Constituição Federal de 1988. Iniciava-se o processo de abertura da indústria petrolífera e gasífera no Brasil. “Privatizar ou não (a Petrobras) é uma questão que tem de ser avaliada de maneira objetiva, não ideológica”, disse o economista tucano Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi ministro das Comunicações e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na “era FHC”. Tucano de alta plumagem, coube a ele, ainda em 1996, descer do muro para colocar o guizo no pescoço do gato. Miriam Leitão, a comentarista de economia das Organizações Globo, também defendeu a privatização da Petrobras e a escolha do presidente da empresa pelo “mercado”.
Contudo, se alguém duvida da importância da área de energia para a soberania nacional basta lembrar como nasceu a União Europeia. O bloco começou a surgir em 1951, com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Inicialmente, a preocupação era basicamente o suprimento de energia. No caso da América do Sul, para que a integração seja efetiva são necessárias obras gigantescas, que tendem a consolidar a ligação entre os países. Por exemplo: só o gasoduto entre Brasil e Bolívia custou mais de 2 bilhões de dólares. Ninguém faria uma obra desse porte se não fosse para ter uma relação de longo prazo.
Decisão estratégica
Há duas formas de se aproveitar o gás: empregando-o diretamente como fonte de energia, em casas ou indústrias, ou usando-o para gerar eletricidade. No segundo caso, são necessárias usinas térmicas, que queimam o gás e produzem energia elétrica. E há aí mais investimentos, pois o Brasil precisa de um bom número de usinas térmicas. Há vários outros projetos ligando Brasil e seus vizinhos. Por exemplo: os argentinos e os uruguaios produzem mais energia elétrica do que consomem. Para que possam vender ao Brasil, a infraestrutura de transmissão elétrica no Estado do Rio Grande do Sul está inserida no sistema interligado brasileiro, estando também conectada ao sistema elétrico da Argentina (por meio das estações conversoras de Garabi e Uruguaiana) e ao sistema elétrico do Uruguai (estação conversora de Rivera, fronteira com Santana do Livramento).
No caso do petróleo, não se trata apenas de investimentos, mas de comércio: a Argentina passou a Arábia Saudita e é hoje o maior fornecedor do produto para o Brasil. Foi uma decisão estratégica do governo Lula para fortalecer os laços com o sócio do Mercosul. Além da questão energética, há outro tipo de ligação: a decisão das empresas de alocar seus investimentos entre os diferentes países da melhor maneira possível. É claro que essa estratégia só funciona se os países puderem comercializar livremente. E se existirem meios físicos de acesso entre os mercados. Ainda há muita ineficiência no transporte de mercadorias. Muito timidamente, começam os primeiros avanços nessa área. Um exemplo são os investimentos, embora ainda pequenos, na melhoria das estradas.
Comentários insultantes
O aumento do intercâmbio entre Brasil e os demais países da América do Sul é visível. Boa parte dele não sofre concorrência norte-americana, até por questões geográficas. Muito dificilmente a Bolívia venderá gás para os Estados Unidos, dada a distância entre os países, para citar um caso. Evidentemente, essa realidade favorece a integração regional e desagrada aos Estados Unidos. E consequentemente desperta a reação das forças políticas que representam os interesses norte-americanos. Quando a direita latino-americana armou o quiproquó em torno das relações do Brasil com a Bolívia envolvendo a Petrobras, o então presidente nacional do PSDB e senador Tasso Jereissati (CE), num surto de “nacionalismo mineral”, afirmou que os “ataques” de Evo Morales “contra a Petrobras” refletiam a maneira “amadora e até irresponsável” assumida pelo presidente Lula frente ao “impasse criado pelo país vizinho”.
Para o tucano, o governo Lula, ao invés de desagradar aos Estados Unidos, deveria jogar pesado com os bravos bolivianos. “Não se trata de ser carinhoso com o camarada e companheiro de farra. Está na hora de o estadista aparecer”, provocou. “Acima de amizades e afinidades ideológicas estão os interesses nacionais e a responsabilidade do presidente da República, que tem de raciocinar quando fala, quando age, e tem responsabilidade constitucional de defender os interesses nacionais”, disse Jereissati. O valente “nacionalista” tucano afirmou ainda que o governo não podia se “rebaixar” e ficar “a reboque de pequenos líderes populistas demagogos”. O então assessor da Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, reagiu: “Acho insultante, racista até, esses comentários. É como se o presidente Evo Morales não pudesse tomar atitudes por conta própria.”
Diagnóstico de Lênin
Os riscos para os norte-americanos é o Brasil criar por aqui um bloco parecido com a China, que está inventando seu próprio modelo de desenvolvimento, seu estilo de fazer a roda da economia girar. E o setor energético é o ponto central nessa questão. O sempre atual diagnóstico de Lênin no Capítulo X da obra Imperialismo – Fase Superior do Capitalismo, intitulado O Lugar do Imperialismo na História, diz que o imperialismo é, pela sua essência econômica, o capitalismo monopolista — do qual o setor energético é estratégico.
Esse diagnóstico pode ser aplicado inteiramente à atual situação da América Latina. Além de outras características, Lênin afirmou que os monopólios agudizam a luta pela conquista das mais importantes fontes de matérias-primas. “A posse monopolista das fontes mais importantes de matérias-primas aumentou enormemente o poderio do grande capital e agudizou as contradições entre a indústria cartelizada e a não cartelizada”, escreveu ele. “Aos numerosos ‘velhos’ motivos da política colonial, o capital financeiro acrescentou a luta pelas fontes de matérias-primas, pela exportação de capitais, pelas ‘esferas de influência’, isto é, as esferas de transações lucrativas, de concessões, de lucros monopolistas, etc., e, finalmente, pelo território econômico em geral”, acrescentou.
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