Por Eduardo Campos Lima, no jornal Brasil de Fato:
O MST lança em São Paulo, nesta quinta-feira (25), o livro Agitprop: cultura política, uma coletânea de textos teóricos e peças teatrais relacionados à cultura de Agitação e Propaganda, com foco, sobretudo, nas experiências soviética e alemã – mas abordando também, como não poderia deixar de ser, a trajetória brasileira, especialmente a do próprio movimento.
A cultura de Agitação e Propaganda (ou agitprop) na Europa teve seu auge entre 1917 e 1932, período de grande efervescência da política de esquerda em todo o continente – iniciado com a Revolução Russa e encerrado com a ascensão do fascismo e do stalinismo. Diferentes fatores se combinaram, naquele momento, para que surgissem e fossem sistematizadas variadas formas de comunicação política com as massas operárias e camponesas, que precisavam ser esclarecidas quanto aos avanços da Revolução e mobilizadas para a luta. Na União Soviética, por exemplo, o analfabetismo atingia a grande maioria da classe trabalhadora e os meios de comunicação de massa ainda ensaiavam seus primeiros passos.
Ao mesmo tempo, a luta política era acompanhada de uma crítica radical à cultura burguesa e a suas formas artísticas, de modo que os socialistas pregavam a necessidade de se desenvolver uma cultura proletária e partidária. Na Rússia revolucionária, surgiram assim órgãos como o Proletkult, voltados à teoria e prática da educação e da cultura sob um ponto de vista operário, e o Teatro da Sátira Revolucionária (Terevsat). Milhares de coletivos artísticos, além disso, apresentavam-se nos bairros, sindicatos e em áreas rurais – o que exigia, frequentemente, longas viagens de trem ou barco.
Até hoje, a história da cultura de agitprop é pouco acessível ao público do mundo inteiro, especialmente o brasileiro. Uma das iniciativas para recuperá-la partiu do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, na década de 1970, e resultou na edição dos quatro volumes da coleção Le Théâtre d'agit-prop – de 1917 à 1932. A coleção congrega estudos, textos teóricos produzidos pelos próprios agitpropistas e peças teatrais, abrangendo o teatro de agitação e propaganda em diferentes países europeus e nos EUA. Entretanto, os livros nunca foram publicados em português. É dessa coleção que vêm os textos sobre Agitação e Propaganda na URSS e na Alemanha que integram o livro organizado pelo MST.
Uma década de pesquisa
O livro parte de vários anos de pesquisa empreendida por militantes da Cultura, Comunicação e Juventude do MST. Na apresentação, Douglas Estevam e Rafael Villas Bôas dão conta dessa trajetória, fazendo um resumo da história da cultura agitpropista desde o início do século 20 e inventariando as referências que obtiveram com relação às experiências europeias, asiáticas e latino-americanas.
Também são expostas as linhas mestras do debate cultural de esquerda que foram se delineando com o tempo: por um lado, a visão do agitpropismo como corrente que prega a pobreza estética, o maniqueísmo e o panfletarismo, disseminada após a derrota das lutas revolucionárias; por outro, a busca por uma nova cultura, surgida diretamente do ascenso operário e livre da perspectiva burguesa, em que os possíveis impasses pudessem ser superados, pela reflexão e pela prática, de
forma dialética.
Em capítulo sobre a cultura agitpropista no Brasil, Iná Camargo Costa, professora aposentada da USP e assessora cultural do MST, expõe os pressupostos teóricos para uma cultura proletária, apontando em Lênin a proposta de “tomar as providências necessárias para desenvolver uma literatura (e, por extensão, uma cultura) abertamente vinculada ao partido.” Em trecho incluído na íntegra por Costa, o revolucionário russo defende o desenvolvimento de uma literatura partidária que se contraponha ao costume burguês – “o objetivo do lucro, a imprensa burguesa comercial, o carreirismo literário burguês, o individualismo, o 'anarquismo aristocrático' e a busca do enriquecimento.”
Na mesma linha, Anatoli Lunatcharski, fundador do Proletkult, argumentava pela necessidade de “uma cultura de classe, muito definida e baseada na luta.” Com a Nova Política Econômica (NEP, na sigla em russo), a cultura agitpropista tem importante retrocesso, já que se reintroduzem, junto com alguns instrumentos de mercado, os pressupostos da cultura burguesa.
No Brasil, apenas 40 anos depois tais debates teriam lugar, conforme lembra a professora – e por um período fugaz, já que os Centros Populares de Cultura (CPCs), que experimentaram diversas formas de agitprop, tiveram existência de pouco mais de dois anos. Com o golpe e a repressão brutal aos movimentos sociais, o segundo capítulo da cultura agitpropista no Brasil teria início na década de 1980, quando o MST “inventou seu próprio teatro de agitprop (a mística).”
No capítulo seguinte, Miguel Enrique Stédile e Rafael Villas Bôas abordam a tradição de agitprop herdada pela esquerda brasileira, que inclui não apenas os CPCs, mas também o Movimento de Cultura Popular (MCP), surgido no fim da década de 1950 em Pernambuco, e o trabalho realizado pelas Ligas Camponesas (1955-1964) – todos eles movimentos interrompidos pela Ditadura Militar.
De acordo com os autores, apesar de debater a cultura desde o início, apenas em 2003 o MST deliberou pela retomada do conceito de agitprop. A parceria com o teatrólogo Augusto Boal e o Centro de Teatro do Oprimido (CTO), concretizada pouco antes, mostrara ao movimento que “o processo de transferência dos meios de produção da linguagem teatral é relativamente simples, pois não depende de equipamentos e infraestrutura específica.”
Em 2005, com a preparação da Marcha Nacional, executou-se amplo trabalho de Agitação e Propaganda nas áreas metropolitanas que se situavam no trajeto. A experiência deixou “evidente que seria necessária uma ação pedagógica para instrumentalizar os militantes na leitura crítica da narrativa dos meios de comunicação de massa audiovisuais e da imprensa escrita” – ou seja, era importante avançar na discussão e na formação para a agitprop. De lá para cá, a agitprop vem sendo
encarada como ferramenta organizativa importante para a juventude e teve destaque no VI Congresso do MST, em 2014.
Os capítulos seguintes do livro trazem textos teóricos sobre a agitação e propaganda soviética e alemã e análises das experiências, algumas delas redigidas pelos próprios militantes. É o caso do texto “O Teatro Proletário”, do teatrólogo alemão Erwin Piscator, e de “O que é a Blusa Azul?”, de Pavel Novitsky, que trata do coletivo surgido em 1923 e que se notabilizou por encenar jornais vivos – uma forma de teatralização de notícias de jornal e despachos informativos. Dos blusas azuis, há quatro jornais vivos na íntegra, ao fim do livro.
Todo esse material, inédito em português, torna-se agora disponível para todos aqueles que procuram, conforme indicam os organizadores, “desenvolver formas de combate, de expressão de linguagem, de produção de bens simbólicos, em absoluta sintonia com as demandas e desafios organizativos e culturais da classe trabalhadora.”
Serviço:
Agitprop: cultura política
Editora Expressão Popular, 197 p.
Douglas Estevam, Iná Camargo Costa e Rafael Villas Bôas (organizadores)
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Agitprop para ocupar as ruas
Na entrevista a seguir, Douglas Estevam, militante do Setor de Cultura do MST e um dos organizadores do livro Agitprop: Cultura Política, fala sobre a discussão sobre cultura no MST e o processo de produção do livro.
Quando começou o debate sobre Agitação e Propaganda no MST?
A discussão é antiga, mas foi se ampliando com a consolidação da Brigada de Teatro, em 2001, após firmarmos uma parceria com Augusto Boal. Nesse processo se formaram vários grupos – chegamos a ter 40 coletivos de teatro. Estabeleceu-se um diálogo entre o Setor de Cultura e os setores de Comunicação e Juventude. O debate foi crescendo e, por volta de 2006, junto com a professora Iná Camargo Costa, surgiu a ideia de fazer uma publicação sobre agitprop.
Como o livro foi planejado, inicialmente?
Havíamos considerado a possibilidade de fazer livros sobre as diferentes linguagens artísticas envolvidas na Agitação e Propaganda. Reunimos bastante material e começamos a traduzir. Mas decidimos trabalhar com a ideia de uma cultura agitpropista mais ampla, superando visões reducionistas da agitprop como uma determinada forma artística ou como uma função a ser
desempenhada. Chegamos ao conceito de agitprop como uma construção importante para a cultura operária – algo que supera a visão clássica de agitprop dos Partidos Comunistas, por exemplo, que a relacionavam a distribuir panfletos ou ao papel do orador em grandes atos.
O que pautou a seleção dos textos?
Reunimos, na primeira versão, textos da coleção francesa Le Théâtre d'agit-prop e artigos sobre experiências nos EUA e na Indonésia. O livro ficou com cerca de 400 páginas e tivemos que reduzi-lo. Optamos pelas experiências da URSS e Alemanha, que foram mais impactantes. Queríamos
muito trabalhar com materiais sobre a América Latina, mas não deu para incluí-los no livro nesse momento. Talvez façamos isso no futuro.
Como vocês esperam que o livro contribua com o debate no movimento e com o debate cultural brasileiro?
Em 2014, o MST consolidou a Brigada de Agitação e Propaganda Nacional Carlos Marighella. Há diferenças na apropriação desse debate nos vários setores do movimento, mas temos avançado ao longo dos anos. O livro contribuirá para a consolidação das brigadas de agitprop e servirá como
insumo para formações nas escolas e nos encontros que faremos. Além disso, continuaremos buscando estreitar os laços com artistas e grupos teatrais – nos próprios lançamentos do livro, que ocorrerão em diferentes regiões do país, contaremos com pessoas do teatro. Desde 2013, o Brasil vê
uma retomada das ruas como espaço que vem sendo ocupado tanto pela direita como pela esquerda. Acreditamos que o debate sobre agitprop pode contribuir para a participação dos movimentos sociais nesse processo.
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