Por Antonio Luiz M. C. Costa, na revista CartaCapital:
A 11 dias da eleição presidencial dos Estados Unidos, quando nada mais parecia capaz de afetar as tendências já consolidadas, o diretor do FBI, James Comey, entendeu de comunicar a reabertura da investigação sobre os e-mails irregulares de Hillary Clinton.
A candidata, como se sabe, foi alvo de inquérito de março a junho por usar um e-mail pessoal para tratar de assuntos da Secretaria de Estado, quando ocupou o cargo. Os e-mails não deletados, dela e de seus assessores, foram submetidos aos investigadores.
Em 5 de julho, o próprio Comey concluiu que a ex-secretária de Estado havia sido “extremamente descuidada” ao transmitir informação secreta por e-mail, mas não recomendou um processo e a procuradora-geral Loretta Lynch seguiu seu parecer.
Agora, o FBI diz ter encontrado material “pertinente” para o caso de Hillary ao investigar um caso de suposto sexting, transmissão de imagens sexuais explícitas, a uma menina de 15 anos pelo ex-deputado democrata Anthony Weiner.
Sua esposa Huma Abedin, dele separada desde agosto, foi vice-chefe de gabinete de Hillary na Secretaria de Estado e é hoje vice-chefe de sua campanha, abaixo de John Podesta. Muitos e-mails entre ela e sua chefe estariam no laptop, celular e tablet apreendidos de Weiner.
A nota de Comey na sexta-feira 28 foi sibilina, redigida de maneira a poder significar tudo ou nada. “Normalmente não falamos ao Congresso de investigações em andamento, mas sinto-me na obrigação de fazê-lo por ter testemunhado antes que nossa investigação estivesse concluída. Como não sabemos o significado desta coleção de e-mails recém-descoberta, não quero criar uma impressão enganosa.”
Oficialmente, o FBI nada sabia do conteúdo e só na segunda-feira obteve o mandado para examiná-los. Não parece pretender divulgar mais informações, muito menos uma conclusão, antes do dia da eleição, terça-feira 8 de novembro.
A carta de três parágrafos ao Congresso contrariou a política do Departamento de Justiça e o parecer de Lynch e outros altos funcionários, que estão furiosos. A campanha de Hillary e o Partido Democrata também estão revoltados e têm bons argumentos.
Se há algo de grave nesses e-mails, isso deveria ser informado com clareza. Caso contrário, o comunicado deveria ter sido postergado. Para um brasileiro, a atitude do FBI lembra muito a maneira como a sua Polícia Federal conduziu as investigações sobre corrupção durante e depois da campanha de 2014.
O diretor do FBI foi nomeado por Barack Obama em 2013, mas, como também sugere a analogia brasileira, isso não significa muito. Comey, ex-procurador-geral do governo Bush júnior, ex-advogado da Lockheed Martin e ex-diretor de um fundo de hedge, é republicano de carteirinha. Foi um dos muitos acenos inúteis de Obama a uma cooperação bipartidária.
Teria sido difícil conseguir do Congresso a aprovação da alternativa democrata Lisa Monaco, e, como ela cuidava da área de segurança e inteligência na época do atentado em Bengazi, a indicação teria dado aos republicanos mais um foro para criticar o governo.
Como se não bastasse, uma conta secundária do FBI no Twitter (@FBIRecordsVault), muito pouco usada (110 mensagens em seis anos), repentinamente despertou no domingo 30 para voltar a divulgar o material sobre Hillary, umas 20 outras postagens sobre assuntos menos relevantes e, no dia seguinte, documentos sobre a investigação do controvertido perdão de Bill Clinton ao sonegador e trapaceiro Marc Rich no último dia de mandato (20 de janeiro de 2001), encerrada há 11 anos sem acusações.
Os documentos nada dizem de novo, mas pautam a mídia. Havia em 2001 a suspeita de que o perdão retribuía doações da esposa de Rich ao partido e à Fundação Clinton e a nota foi pretexto para lembrar as suspeitas, relacionadas a e-mails anteriormente vazados, de que Hillary usara o Departamento de Estado para prestar favores a doadores mais recentes.
No pacote, havia uma mensagem inócua sobre Fred Trump, “incorporador imobiliário e filantropo” e uma polpuda e legal doação sua ao Partido Democrata em 1966, quando a única preocupação do filho e atual candidato republicano era escapar do serviço militar no Vietnã.
Mas nem um pio sobre a investigação do FBI de 1973 sobre pai e filho por discriminação racial de clientes imobiliários, encerrada por um termo de ajuste de conduta. Nada sobre os milhares de processos contra Donald em sua carreira, 75 dos quais seguem nos tribunais.
Aos olhos dos democratas, o viés é confirmado pela ausência de comentários sobre a suposta interferência do Kremlin na eleição. Em 7 de outubro, o Departamento de Segurança Nacional de Jeh Johnson e a Diretoria de Inteligência Nacional de James Clapper declararam-se em comunicado oficial “convictos de que o governo russo dirige os recentes vazamentos de e-mails de pessoas e instituições dos EUA, inclusive organizações políticas”, referindo-se à divulgação pelo WikiLeaks de e-mails da campanha democrata. Na ocasião, Comey se opôs ao documento com o argumento da divulgação “próxima demais” das eleições e recusou-lhe a chancela do FBI.
O senador democrata Harry Reid, de Nevada, acusou Comey de deliberadamente omitir informação. “Em minhas comunicações com você e outros altos funcionários, ficou claro que vocês têm informações explosivas sobre laços e coordenação entre Donald Trump, seus assessores e o governo russo. O público tem o direito de saber.” Reid teria tido acesso a essas informações por meio de reuniões confidenciais com autoridades da Inteligência.
A investigação do FBI à qual se refere é oficialmente sobre a suspeita de não declaração por Paul Manafort, ex-chefe de campanha de Trump, de honorários sobre serviços prestados ao governo do ucraniano Viktor Yanukovych, aliado de Vladimir Putin deposto em 2014. Os congressistas teriam sido informados sobre contatos entre computadores do russo Alfa Bank e as Organizações Trump, que também poderiam significar tudo ou nada – talvez, mero spam.
Noves fora, não há provas, apenas “convicção”, de que os hackers que vazaram e-mails do Partido Democrata para o WikiLeaks sejam agentes russos. O material contém embaraços para a candidata, tais como palestras privadas a Wall Street em contradição com seu discurso público e a revelação de que Donna Brazile, presidenta do Comitê Nacional Democrata e colaboradora da CNN, vazou a Hillary pelo menos uma das perguntas a serem feitas no debate com Trump.
Entretanto, o verdadeiro escândalo é bipartidário. A admissão por Hillary de que a Arábia Saudita e o Catar financiam a Al-Qaeda, o Estado Islâmico e o Taleban, enquanto recebem ajuda militar de Washington compromete igualmente o governo republicano de Bush júnior.
Que Putin tenha interesse em desmoralizar o sistema político de Washington faria sentido, mas, pelo andar da carruagem, não precisaria se dar a tanto trabalho. Parece haver uma disputa interna no aparelho de Estado dos EUA.
Com um macarthismo às avessas, a “comunidade de inteligência” toma partido pelos democratas e nutre sua implausível insinuação de que o candidato republicano é um fantoche de Moscou, enquanto o FBI trabalha para os republicanos com uma pseudotransparência enviesada e fora de hora para realimentar as suspeitas não provadas de corrupção do casal Clinton.
Kremlinólogos e sinólogos, acostumados a se debruçar sobre os significados ocultos de tais conflitos surdos para tentar entender e prever reviravoltas políticas em Moscou e Pequim, talvez devessem agora aplicar sua experiência ao próprio país.
É outro aspecto insólito desta eleição que contraria as regras não escritas da política estadunidense, a começar pela expectativa de um mínimo de compostura, conhecimento de questões públicas e credibilidade por parte de candidatos presidenciais. Trump pode afirmar o disparate de que Hillary “pode deixar 650 milhões entrarem nos EUA em uma semana” (comício no Novo México, no domingo 30) sem ninguém piscar.
Quanta diferença pode fazer nas pesquisas? As “surpresas de outubro” são uma tradição nas eleições dos EUA desde que Lyndon Johnson anunciou o fim do bombardeio do Vietnã e o início das negociações de paz em 31 de outubro de 1968, mas dias depois seu vice Hubert Humphrey perdeu para Richard Nixon e é improvável que em alguma ocasião um imprevisto de última hora tenha decidido o resultado.
Entretanto, a vantagem de Hillary, que chegou a 7% na média das pesquisas logo após o último dos três debates no qual teve bom desempenho, no dia 18, caíra a menos de 5%, na quinta 29, e foi a 3%, na quarta-feira 2.
Pelo menos uma pesquisa, da ABC e Washington Post, voltou a pôr Trump à frente por 1 ponto. Talvez seja até mais preocupante seu registro de que o número de eleitores de Hillary “muito entusiasmados” caiu de 51% para 43% em poucos dias, enquanto os de Trump permaneceram em 53%.
O candidato, que no último debate parecia apostar em deslegitimar a vitória da adversária e criar um clima de ingovernabilidade baseado em ameaças de chantagem e insurreição, com o apoio de fanáticos armados, volta a ter um caminho para a Casa Branca por meios legais.
A 11 dias da eleição presidencial dos Estados Unidos, quando nada mais parecia capaz de afetar as tendências já consolidadas, o diretor do FBI, James Comey, entendeu de comunicar a reabertura da investigação sobre os e-mails irregulares de Hillary Clinton.
A candidata, como se sabe, foi alvo de inquérito de março a junho por usar um e-mail pessoal para tratar de assuntos da Secretaria de Estado, quando ocupou o cargo. Os e-mails não deletados, dela e de seus assessores, foram submetidos aos investigadores.
Em 5 de julho, o próprio Comey concluiu que a ex-secretária de Estado havia sido “extremamente descuidada” ao transmitir informação secreta por e-mail, mas não recomendou um processo e a procuradora-geral Loretta Lynch seguiu seu parecer.
Agora, o FBI diz ter encontrado material “pertinente” para o caso de Hillary ao investigar um caso de suposto sexting, transmissão de imagens sexuais explícitas, a uma menina de 15 anos pelo ex-deputado democrata Anthony Weiner.
Sua esposa Huma Abedin, dele separada desde agosto, foi vice-chefe de gabinete de Hillary na Secretaria de Estado e é hoje vice-chefe de sua campanha, abaixo de John Podesta. Muitos e-mails entre ela e sua chefe estariam no laptop, celular e tablet apreendidos de Weiner.
A nota de Comey na sexta-feira 28 foi sibilina, redigida de maneira a poder significar tudo ou nada. “Normalmente não falamos ao Congresso de investigações em andamento, mas sinto-me na obrigação de fazê-lo por ter testemunhado antes que nossa investigação estivesse concluída. Como não sabemos o significado desta coleção de e-mails recém-descoberta, não quero criar uma impressão enganosa.”
Oficialmente, o FBI nada sabia do conteúdo e só na segunda-feira obteve o mandado para examiná-los. Não parece pretender divulgar mais informações, muito menos uma conclusão, antes do dia da eleição, terça-feira 8 de novembro.
A carta de três parágrafos ao Congresso contrariou a política do Departamento de Justiça e o parecer de Lynch e outros altos funcionários, que estão furiosos. A campanha de Hillary e o Partido Democrata também estão revoltados e têm bons argumentos.
Se há algo de grave nesses e-mails, isso deveria ser informado com clareza. Caso contrário, o comunicado deveria ter sido postergado. Para um brasileiro, a atitude do FBI lembra muito a maneira como a sua Polícia Federal conduziu as investigações sobre corrupção durante e depois da campanha de 2014.
O diretor do FBI foi nomeado por Barack Obama em 2013, mas, como também sugere a analogia brasileira, isso não significa muito. Comey, ex-procurador-geral do governo Bush júnior, ex-advogado da Lockheed Martin e ex-diretor de um fundo de hedge, é republicano de carteirinha. Foi um dos muitos acenos inúteis de Obama a uma cooperação bipartidária.
Teria sido difícil conseguir do Congresso a aprovação da alternativa democrata Lisa Monaco, e, como ela cuidava da área de segurança e inteligência na época do atentado em Bengazi, a indicação teria dado aos republicanos mais um foro para criticar o governo.
Como se não bastasse, uma conta secundária do FBI no Twitter (@FBIRecordsVault), muito pouco usada (110 mensagens em seis anos), repentinamente despertou no domingo 30 para voltar a divulgar o material sobre Hillary, umas 20 outras postagens sobre assuntos menos relevantes e, no dia seguinte, documentos sobre a investigação do controvertido perdão de Bill Clinton ao sonegador e trapaceiro Marc Rich no último dia de mandato (20 de janeiro de 2001), encerrada há 11 anos sem acusações.
Os documentos nada dizem de novo, mas pautam a mídia. Havia em 2001 a suspeita de que o perdão retribuía doações da esposa de Rich ao partido e à Fundação Clinton e a nota foi pretexto para lembrar as suspeitas, relacionadas a e-mails anteriormente vazados, de que Hillary usara o Departamento de Estado para prestar favores a doadores mais recentes.
No pacote, havia uma mensagem inócua sobre Fred Trump, “incorporador imobiliário e filantropo” e uma polpuda e legal doação sua ao Partido Democrata em 1966, quando a única preocupação do filho e atual candidato republicano era escapar do serviço militar no Vietnã.
Mas nem um pio sobre a investigação do FBI de 1973 sobre pai e filho por discriminação racial de clientes imobiliários, encerrada por um termo de ajuste de conduta. Nada sobre os milhares de processos contra Donald em sua carreira, 75 dos quais seguem nos tribunais.
Aos olhos dos democratas, o viés é confirmado pela ausência de comentários sobre a suposta interferência do Kremlin na eleição. Em 7 de outubro, o Departamento de Segurança Nacional de Jeh Johnson e a Diretoria de Inteligência Nacional de James Clapper declararam-se em comunicado oficial “convictos de que o governo russo dirige os recentes vazamentos de e-mails de pessoas e instituições dos EUA, inclusive organizações políticas”, referindo-se à divulgação pelo WikiLeaks de e-mails da campanha democrata. Na ocasião, Comey se opôs ao documento com o argumento da divulgação “próxima demais” das eleições e recusou-lhe a chancela do FBI.
O senador democrata Harry Reid, de Nevada, acusou Comey de deliberadamente omitir informação. “Em minhas comunicações com você e outros altos funcionários, ficou claro que vocês têm informações explosivas sobre laços e coordenação entre Donald Trump, seus assessores e o governo russo. O público tem o direito de saber.” Reid teria tido acesso a essas informações por meio de reuniões confidenciais com autoridades da Inteligência.
A investigação do FBI à qual se refere é oficialmente sobre a suspeita de não declaração por Paul Manafort, ex-chefe de campanha de Trump, de honorários sobre serviços prestados ao governo do ucraniano Viktor Yanukovych, aliado de Vladimir Putin deposto em 2014. Os congressistas teriam sido informados sobre contatos entre computadores do russo Alfa Bank e as Organizações Trump, que também poderiam significar tudo ou nada – talvez, mero spam.
Noves fora, não há provas, apenas “convicção”, de que os hackers que vazaram e-mails do Partido Democrata para o WikiLeaks sejam agentes russos. O material contém embaraços para a candidata, tais como palestras privadas a Wall Street em contradição com seu discurso público e a revelação de que Donna Brazile, presidenta do Comitê Nacional Democrata e colaboradora da CNN, vazou a Hillary pelo menos uma das perguntas a serem feitas no debate com Trump.
Entretanto, o verdadeiro escândalo é bipartidário. A admissão por Hillary de que a Arábia Saudita e o Catar financiam a Al-Qaeda, o Estado Islâmico e o Taleban, enquanto recebem ajuda militar de Washington compromete igualmente o governo republicano de Bush júnior.
Que Putin tenha interesse em desmoralizar o sistema político de Washington faria sentido, mas, pelo andar da carruagem, não precisaria se dar a tanto trabalho. Parece haver uma disputa interna no aparelho de Estado dos EUA.
Com um macarthismo às avessas, a “comunidade de inteligência” toma partido pelos democratas e nutre sua implausível insinuação de que o candidato republicano é um fantoche de Moscou, enquanto o FBI trabalha para os republicanos com uma pseudotransparência enviesada e fora de hora para realimentar as suspeitas não provadas de corrupção do casal Clinton.
Kremlinólogos e sinólogos, acostumados a se debruçar sobre os significados ocultos de tais conflitos surdos para tentar entender e prever reviravoltas políticas em Moscou e Pequim, talvez devessem agora aplicar sua experiência ao próprio país.
É outro aspecto insólito desta eleição que contraria as regras não escritas da política estadunidense, a começar pela expectativa de um mínimo de compostura, conhecimento de questões públicas e credibilidade por parte de candidatos presidenciais. Trump pode afirmar o disparate de que Hillary “pode deixar 650 milhões entrarem nos EUA em uma semana” (comício no Novo México, no domingo 30) sem ninguém piscar.
Quanta diferença pode fazer nas pesquisas? As “surpresas de outubro” são uma tradição nas eleições dos EUA desde que Lyndon Johnson anunciou o fim do bombardeio do Vietnã e o início das negociações de paz em 31 de outubro de 1968, mas dias depois seu vice Hubert Humphrey perdeu para Richard Nixon e é improvável que em alguma ocasião um imprevisto de última hora tenha decidido o resultado.
Entretanto, a vantagem de Hillary, que chegou a 7% na média das pesquisas logo após o último dos três debates no qual teve bom desempenho, no dia 18, caíra a menos de 5%, na quinta 29, e foi a 3%, na quarta-feira 2.
Pelo menos uma pesquisa, da ABC e Washington Post, voltou a pôr Trump à frente por 1 ponto. Talvez seja até mais preocupante seu registro de que o número de eleitores de Hillary “muito entusiasmados” caiu de 51% para 43% em poucos dias, enquanto os de Trump permaneceram em 53%.
O candidato, que no último debate parecia apostar em deslegitimar a vitória da adversária e criar um clima de ingovernabilidade baseado em ameaças de chantagem e insurreição, com o apoio de fanáticos armados, volta a ter um caminho para a Casa Branca por meios legais.
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