Por Paulo Kliass, no site Carta Maior:
Um dos principais recursos utilizados pelo financismo para esmagar toda e qualquer alternativa ao seu projeto de desmonte do Estado brasileiro reside na manipulação teórica e na falsificação de informações relativas à realidade econômica do País. Esse, aliás, foi exatamente o procedimento adotado pelos artífices do modelo neoliberal ao longo de décadas pelo mundo afora. Eles contavam com uma suposta chancela das instituições multilaterais em torno do chamado Consenso de Washington para o apoio ao modelo de liberalização geral e privatização desenfreada. E essa estratégia de esmagamento recorria uma suposta sofisticação globalizada, apresentando a sigla TINA, do inglês “There Is No Alternative”, para justificar a inexistência de alternativa ao que propunham os papas do neoliberalismo.
Ocorre que a profundidade e a extensão da crise econômico-financeira que teve início entre 2008 e 2009 nos Estados Unidos mudou bastante o panorama daquilo que era considerado como uma unanimidade no interior das classes dominantes em todos os continentes. Alguns dogmas, até então considerados intocáveis, passaram a ser objeto de questionamento em organismos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Além disso, mudam de opinião também vários economistas e pesquisadores que haviam defendido o antigo modelo com garras e dentes até a antevéspera da eclosão do Lehman Brothers, do Citibank e seu efeito dominó por todo o globo. Em resumo, o paradigma inquebrantável do arcabouço neoliberal parecia apresentar suas primeiras fissuras.
No entanto, em nossas terras insistimos em não aproveitar as ondas portadoras das boas novidades vindas de ultramar. Nossas elites importam orgulhosamente os péssimos modismos dos modelos que perpetuam a relação de dominação e subalternidade ao chamado mundo desenvolvido. Porém, o famoso complexo de vira-lata parece deixar de operar quando se trata de aproveitar as oportunidades de refletir a respeito de experiências heterodoxas vividas em países do centro do capitalismo. Até nisso somos seletivos, como que para evitar qualquer risco de pensar as particularidades de um modelo brasileiro de desenvolvimento.
Golpeachment e austericídio
Ocorre que a profundidade e a extensão da crise econômico-financeira que teve início entre 2008 e 2009 nos Estados Unidos mudou bastante o panorama daquilo que era considerado como uma unanimidade no interior das classes dominantes em todos os continentes. Alguns dogmas, até então considerados intocáveis, passaram a ser objeto de questionamento em organismos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Além disso, mudam de opinião também vários economistas e pesquisadores que haviam defendido o antigo modelo com garras e dentes até a antevéspera da eclosão do Lehman Brothers, do Citibank e seu efeito dominó por todo o globo. Em resumo, o paradigma inquebrantável do arcabouço neoliberal parecia apresentar suas primeiras fissuras.
No entanto, em nossas terras insistimos em não aproveitar as ondas portadoras das boas novidades vindas de ultramar. Nossas elites importam orgulhosamente os péssimos modismos dos modelos que perpetuam a relação de dominação e subalternidade ao chamado mundo desenvolvido. Porém, o famoso complexo de vira-lata parece deixar de operar quando se trata de aproveitar as oportunidades de refletir a respeito de experiências heterodoxas vividas em países do centro do capitalismo. Até nisso somos seletivos, como que para evitar qualquer risco de pensar as particularidades de um modelo brasileiro de desenvolvimento.
Golpeachment e austericídio
Essa compreensão histórica do problema é importante para avaliarmos o debate atual que atravessa a sociedade brasileira. A falta de legitimidade de Temer é ainda mais potencializada pelos elevados índices de impopularidade de seu governo. Os propulsores do golpeachment tentaram esse tempo todo lastrear algum apoio graças à intervenção descarada e criminosa dos grandes meios de comunicação na defesa do retrocesso. E um dos principais argumentos residia justamente na tentativa de desqualificação da política econômica levada a cabo desde 2003, com ênfase especial para o último período de Dilma. De nada valeu o esforço da reeleita em 2014 em se distanciar das forças que lhe asseguraram o segundo mandato em disputa acirrada com Aécio Neves. Ao patrocinar o estelionato eleitoral e trazer o inimigo para comandar a área econômica de seu governo, a Presidenta incorporou o austericídio como a receita segura para seu futuro fracasso.
Esse movimento ingênuo e equivocado em sua estratégia política terminou por consolidar a alternativa desastrada da dobradinha “juros elevados e austeridade fiscal” com a legitimidade do governo que havia derrotado os tucanos, considerados os autênticos representantes do financismo no pleito presidencial. Assim, ficava ainda mais estreita a margem de crítica às proposições de política econômica do governo golpista. Afinal, a equipe comandada por Joaquim Levy não havia proposto nem encaminhado nada de substancialmente diferente.
O aprofundamento da atual crise política, econômica, social e institucional isola ainda mais o governo Temer e antecipa as alternativas para o debate sucessório. E junto com ele vem a discussão a respeito das alternativas ao modelo atual. Cabe às forças progressistas aproveitar a oportunidade e romper de forma definitiva com as armadilhas passadas de fazer o bom mocismo para os interesses do sistema financeiro. É preciso dar um basta às experiências com a ortodoxia econômica. São elas as principais responsáveis pelo grau da nossa recessão, destruição da indústria, entrega da economia ao capital internacional e, principalmente, a tragédia de 13 milhões de desempregados.
Investimento público para superar crise
Esse movimento ingênuo e equivocado em sua estratégia política terminou por consolidar a alternativa desastrada da dobradinha “juros elevados e austeridade fiscal” com a legitimidade do governo que havia derrotado os tucanos, considerados os autênticos representantes do financismo no pleito presidencial. Assim, ficava ainda mais estreita a margem de crítica às proposições de política econômica do governo golpista. Afinal, a equipe comandada por Joaquim Levy não havia proposto nem encaminhado nada de substancialmente diferente.
O aprofundamento da atual crise política, econômica, social e institucional isola ainda mais o governo Temer e antecipa as alternativas para o debate sucessório. E junto com ele vem a discussão a respeito das alternativas ao modelo atual. Cabe às forças progressistas aproveitar a oportunidade e romper de forma definitiva com as armadilhas passadas de fazer o bom mocismo para os interesses do sistema financeiro. É preciso dar um basta às experiências com a ortodoxia econômica. São elas as principais responsáveis pelo grau da nossa recessão, destruição da indústria, entrega da economia ao capital internacional e, principalmente, a tragédia de 13 milhões de desempregados.
Investimento público para superar crise
Um dos aspectos centrais na busca de alternativas reside na superação do quadro recessivo e na retomada do crescimento da atividade econômica. Para dar conta de tal tarefa, é necessário muito mais do que simplesmente aguardar os efeitos nefastos da criminosa estagnação provocada de forma deliberada. E para tanto torna-se cada vez mais evidente que o caminho exige o abandono de alguns dogmas do financismo tupiniquim.
Dentre eles, talvez o mais essencial seja o aspecto relativo à recuperação do protagonismo do Estado na dinâmica da economia.
O investimento produtivo foi reduzido a níveis mínimos, absolutamente incapazes de sustentar qualquer ritmo de recuperação da atividade. A longa convivência com elevados níveis de remuneração financeira desestimulou o investimento por parte do setor privado. Assim, além de comprometer seriamente os recursos orçamentários para o cumprimento das despesas com juros da dívida pública, o patamar campeão da taxa de juros em nossas terras liquidou a atividade no setor real.
Ao contrário do alardeado pelos economistas do “establishment”, o governo federal conta com meios para assegurar esse processo. O financismo cria e amplifica o quadro catastrofista da antevéspera do caos, argumentando inclusive a favor do desmonte do pouco que resta de elementos de bem-estar social em nosso País. O argumento pode ser resumido na constatação multiplicada pelos meios de comunicação: “não há recursos!”. Porém, essa é mais uma das inúmeras mentiras que acabam por se tornar aceitas pela maioria da população – seja pela dificuldade em lidar com os aspectos técnicos do debate econômico, seja pela falta de transparência na divulgação das informações.
Reservas internacionais
Dentre eles, talvez o mais essencial seja o aspecto relativo à recuperação do protagonismo do Estado na dinâmica da economia.
O investimento produtivo foi reduzido a níveis mínimos, absolutamente incapazes de sustentar qualquer ritmo de recuperação da atividade. A longa convivência com elevados níveis de remuneração financeira desestimulou o investimento por parte do setor privado. Assim, além de comprometer seriamente os recursos orçamentários para o cumprimento das despesas com juros da dívida pública, o patamar campeão da taxa de juros em nossas terras liquidou a atividade no setor real.
Ao contrário do alardeado pelos economistas do “establishment”, o governo federal conta com meios para assegurar esse processo. O financismo cria e amplifica o quadro catastrofista da antevéspera do caos, argumentando inclusive a favor do desmonte do pouco que resta de elementos de bem-estar social em nosso País. O argumento pode ser resumido na constatação multiplicada pelos meios de comunicação: “não há recursos!”. Porém, essa é mais uma das inúmeras mentiras que acabam por se tornar aceitas pela maioria da população – seja pela dificuldade em lidar com os aspectos técnicos do debate econômico, seja pela falta de transparência na divulgação das informações.
Reservas internacionais
A primeira fonte de recursos que pode ser utilizada pelo Estado para dar fundamento e substância à retomada da atividade, em um projeto mais amplo de desenvolvimento sustentável, reside no bom desempenho de nosso setor externo ao longo da última década e meia. Apesar de ser um tema que exige cautela e prudência em sua articulação para um desenho adequado, o fato concreto é que não se pode ignorar o potencial de contribuição.
Os números são expressivos. Atualmente o estoque de reservas internacionais em poder da administração pública federal atinge o montante de US$ 370 bilhões. Existem diferentes formas de avaliação desse fenômeno e de cálculo de qual seria o nível mais “adequado” desse volume para assegurar a economia brasileira frente a eventuais crises no balanço de pagamentos ou problemas de liquidez internacional.
O fato é que as reservas cresceram em ritmo bastante significativo. Em dezembro de 2002, por exemplo, elas somavam US$ 38 bi. Ao final do segundo mandato de Lula, já estavam no patamar de US$ 289 bi em dezembro de 2010. Dilma termina seu primeiro governo com US$ 363 no final de 2014. Esse salto impressionante contribui para oferecer um quadro de solidez no setor externo de nossa economia, apesar de todos os problemas relativos à valorização de nossa taxa de câmbio ao longo de todo esse período.
Outro aspecto relevante que não pode ser ignorado no debate refere-se ao elevado custo de manutenção de tal nível de reservas em moeda estrangeira. Para evitar a contaminação da economia doméstica por tal montante, o governo aplica o equivalente em moeda estrangeira nos vários tipos de modalidade de instrumentos financeiros existentes no mercado internacional. No entanto, a taxa de juros média desses títulos é muito mais reduzida do que as praticadas por nosso Banco Central. Por outro lado, o governo é obrigado a emitir títulos internos correspondentes às reservas e paga uma remuneração bastante elevada por eles. Esse diferencial é conhecido no jargão do economês como o “custo de carregamento” das reservas.
Ainda que lance mão de uma estratégia conservadora e cautelosa, utilizando apenas o equivalente a 10% das reservas, por exemplo, o governo poderia internalizar para o investimento tão necessário algo próximo a US$ 37 bilhões. Em um único movimento, ele reduz os custos financeiros do carregamento e oferece um volume expressivo de recursos para destravar a estagnação em setores que considere essenciais.
Conta Única do Tesouro
Os números são expressivos. Atualmente o estoque de reservas internacionais em poder da administração pública federal atinge o montante de US$ 370 bilhões. Existem diferentes formas de avaliação desse fenômeno e de cálculo de qual seria o nível mais “adequado” desse volume para assegurar a economia brasileira frente a eventuais crises no balanço de pagamentos ou problemas de liquidez internacional.
O fato é que as reservas cresceram em ritmo bastante significativo. Em dezembro de 2002, por exemplo, elas somavam US$ 38 bi. Ao final do segundo mandato de Lula, já estavam no patamar de US$ 289 bi em dezembro de 2010. Dilma termina seu primeiro governo com US$ 363 no final de 2014. Esse salto impressionante contribui para oferecer um quadro de solidez no setor externo de nossa economia, apesar de todos os problemas relativos à valorização de nossa taxa de câmbio ao longo de todo esse período.
Outro aspecto relevante que não pode ser ignorado no debate refere-se ao elevado custo de manutenção de tal nível de reservas em moeda estrangeira. Para evitar a contaminação da economia doméstica por tal montante, o governo aplica o equivalente em moeda estrangeira nos vários tipos de modalidade de instrumentos financeiros existentes no mercado internacional. No entanto, a taxa de juros média desses títulos é muito mais reduzida do que as praticadas por nosso Banco Central. Por outro lado, o governo é obrigado a emitir títulos internos correspondentes às reservas e paga uma remuneração bastante elevada por eles. Esse diferencial é conhecido no jargão do economês como o “custo de carregamento” das reservas.
Ainda que lance mão de uma estratégia conservadora e cautelosa, utilizando apenas o equivalente a 10% das reservas, por exemplo, o governo poderia internalizar para o investimento tão necessário algo próximo a US$ 37 bilhões. Em um único movimento, ele reduz os custos financeiros do carregamento e oferece um volume expressivo de recursos para destravar a estagnação em setores que considere essenciais.
Conta Única do Tesouro
A segunda fonte de recursos está localizada na própria estrutura do Tesouro Nacional. Ao contrário da informação manipulada e martelada cotidianamente pela imprensa conservadora, o governo federal conta com recursos disponíveis em excesso. A chamada Conta Única do Tesouro apresenta um expressivo saldo superavitário. Esse montante chegou a superar marca de R$ 1 trilhão no final do ano passado. A última informação divulgada pelo Banco Central registra R$ 937 bi para o final de fevereiro do presente ano. E ninguém em sã consciência consegue explicar a falta de disposição do governo em lançar mão desse montante para dar lastro às necessidades de investimento de nossa economia.
Esse montante à disposição na conta do Tesouro equivale a nada mais nada menos doque 15% do PIB. E vale observar que esse nível de ociosidade de utilização do saldo superavitário em suas contas cresceu especialmente depois da entrada em cena do austericídio como eixo da política econômica. Para o período 2003 a 2014, por exemplo, a média do saldo representava 9,4% do PIB. Já a partir de 2015, a média sobe para 13,7% do Produto. Como se sabe, essa retenção de recursos imobilizados em tempos de estagnação econômica só pode ser uma estratégia deliberada para acentuar os efeitos do desastre.
Como se vê, esses são apenas dois de inúmeros instrumentos que a sociedade brasileira pode lançar mão para fazer face à crise atual. Basta a vontade política de romper com os dogmas da ortodoxia. É preciso desmontar a farsa do financismo e do austericídio. Só um governo legitimado pelas urnas e apresentando o compromisso de promover o desenvolvimento pode contar com esse tipo de medida. Mas o ponto essencial é não se deixar levar pelo desânimo. Afinal, está claro que um outro Brasil é possível!
Esse montante à disposição na conta do Tesouro equivale a nada mais nada menos doque 15% do PIB. E vale observar que esse nível de ociosidade de utilização do saldo superavitário em suas contas cresceu especialmente depois da entrada em cena do austericídio como eixo da política econômica. Para o período 2003 a 2014, por exemplo, a média do saldo representava 9,4% do PIB. Já a partir de 2015, a média sobe para 13,7% do Produto. Como se sabe, essa retenção de recursos imobilizados em tempos de estagnação econômica só pode ser uma estratégia deliberada para acentuar os efeitos do desastre.
Como se vê, esses são apenas dois de inúmeros instrumentos que a sociedade brasileira pode lançar mão para fazer face à crise atual. Basta a vontade política de romper com os dogmas da ortodoxia. É preciso desmontar a farsa do financismo e do austericídio. Só um governo legitimado pelas urnas e apresentando o compromisso de promover o desenvolvimento pode contar com esse tipo de medida. Mas o ponto essencial é não se deixar levar pelo desânimo. Afinal, está claro que um outro Brasil é possível!
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