Por Eduardo Maretti, na Rede Brasil Atual:
Intitulada “O progressismo e o neoliberalismo em um mundo em desenvolvimento”, a segunda mesa do seminário Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar – realizado pela Fundação Perseu Abramo (FPA) nessa sexta-feira (14) – foi marcada por um amplo debate a respeito das relações conflituosas entre a democracia e o neoliberalismo. A questão brasileira foi analisada no contexto histórico desde o golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, até as eleições que acontecem em outubro no país, com a ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Participaram da segunda mesa Noam Chomsky, professor emérito em linguística do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Estados Unidos); Cuauhtémoc Cárdenas, ex-governador do Distrito Federal do México; José Luís Rodrigues Zapatero, ex-primeiro-ministro da Espanha; o chileno Carlos Ominami, ex-senador e diretor da Fundación Chile 21; e Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas. A mesa foi coordenada pela ex-ministra do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Miriam Belchior. O seminário foi uma iniciativa do ex-chanceler Celso Amorim.
Os participantes ressaltaram a importância de Lula não só como presidente do Brasil, mas enquanto líder mundial. “Não podemos deixar de pensar na pessoa que deveria ser nosso candidato à presidência. Conheci-o há dez anos e fiquei muito impressionado”, disse Noam Chomsky, com 91 anos, ao iniciar sua fala, na qual ressaltou o avanço da direita e extrema-direita em vários países na Europa. Segundo ele, o Brasil se tornou respeitável no mundo sob o governo Lula e com Amorim nas Relações Exteriores.
Chomsky citou a Suécia como exemplo do crescimento da extrema-direita. Nesse país, eleições gerais realizadas na quinta-feira (13) deram vitória ao bloco de esquerda, mas com importante crescimento da direita extremista.
Embora resultados como esse sejam atribuídos aos efeitos da imigração – explicou –, há razões mais profundas para o avanço neonazista na Europa. “O aumento dos votos para a extrema-direita vem de setores que têm pouco contato com os imigrantes, mas foram esquecidas pelo Estado e achavam, com razão, que foram abandonados pelas instituições políticas.” Segundo ele, desde o assalto do neoliberalismo na geração anterior, a recessão profunda de 2008, com impactos catastróficos, agravou o abandono social e deixou um legado “que nos empurrou ao abismo”.
Carlos Ominami apontou para duas “ausências sentidas” no atual quadro político brasileiro e latino-americano: Marco Aurélio Garcia (que morreu em 20 de julho de 2017) e Lula, para ele “o líder politico mais importante do Brasil e principal líder progressista do mundo”. “Desaparecido Mandela, resta Lula. Principalmente pela sua liderança, tentaram destruí-lo. Não conseguiram. Hoje ele é maior do que ontem. E, vendo o que acontece na América Latina hoje, como Marco Aurélio faz falta”, exclamou.
Zapatero fez uma exposição chamando a esquerda e setores progressistas ao otimismo. Se disse motivado pela campanha de Fernando Haddad à Presidência da República. “É uma campanha decisiva para o Brasil, a América Latina e a ordem global.” Na opinião do ex-primeiro-ministro espanhol, o Brasil é uma “referência decisiva” para a América Latina, após o governo petista. “O Brasil de Lula deixou legados decisivos: nunca ninguém tinha empenhado uma força contra a miséria no mundo como Lula, e sem ele não haveria compromisso no mundo para erradicar a morte por fome.”
O líder espanhol baseou sua argumentação em alguns pontos, principalmente a ideia de que a política é uma prática da esquerda. “A direita é que não gosta da politica. Nossa tarefa é fazer com se acredite nas instituições. Façam o esforço para que outubro (nas eleições) abra uma porta diferente no Brasil. Vimos o Brasil construir os melhores momentos de sua história nos últimos anos.”
Reafirmando seu otimismo, Zapatero acrescentou, com uma exortação: “Fernando (Haddad) vai ser o presidente. Eu sei disso. Vai ser uma vitória generosa. Deem esse exemplo de generosidade. Digam isso ao conjunto da América Latina.”
Ele lembrou que o México elegeu em julho deste ano o esquerdista Andrés Manuel López Obrador. “(A situação) começou a mudar a partir do México. A direita pode frear alguns processos, mas a esquerda vai se impor. Convençam-se disso”.
O mexicano Cuauhtémoc Cárdenas descreveu a realidade de seu país – governado por um projeto neoliberal e alinhado aos Estados Unidos há décadas – como muito semelhante ao que acontece ao Brasil de Michel Temer. O México também conta com uma enorme concentração da riqueza. Houve privatizações em larga escala de empresas estratégicas, desindustrialização, perda da qualidade na educação, redução do alcance da Previdência Social, reforma trabalhista com retirada de direitos e reformas estruturais.
O país passou por um processo pelo qual se desfez de boa parte de sua riqueza energética. “Isso nos fez perder constitucionalmente o controle dos recursos do subsolo, com o desmonte da indústria petroleira, que tinha sido o motor da industrialização e foi desmontada, e os recursos estão sendo entregues”, disse Cárdenas.
Também para o chileno Ominami, uma eventual vitória de Fernando Haddad no Brasil terá um "peso extraordinário" na geopolítica da região. “Obrador e Haddad representam 70% da população da América Latina. Enquanto isso, (Maurício) Macri, a ‘grande estrela’, hoje vive um ocaso”. Segundo ele, “a deposição de Dilma Rousseff é o fato mais grave na América Latina desde a derrubada de (Salvador) Allende”. Apesar de não contar com a brutal intervenção militar que depôs o chileno em 1973, o que houve no Brasil “é um golpe branco, mas um golpe. Estão em jogo coisas muito importantes no Brasil”.
Zapatero, que fez a intervenção mais longa na mesa da tarde, observou que considera “incrível tantos políticos levantarem a voz contra a Venezuela, mas ficarem em silêncio diante do impeachment no Brasil”.
Na opinião do economista Bresser-Pereira, há uma visível “piora” na democracia brasileira, mas ela não está ameaçada por algo semelhante ao quadro instaurado após o golpe de 1964. “Imaginar a volta a um regime autoritário, eu não creio nisso. Existem classes trabalhadoras e a classe média que não vão aceitar. Aceitaram o golpe que vitimou Dilma. Mas não aceitariam uma ditadura por 20, 30 anos.”
Ainda ressaltando o otimismo, Zapatero manifestou a expectativa de que, com a vitória progressista no México, e com o Brasil seguindo o mesmo caminho, a situação na Venezuela comece a ser revertida. “Espero que, após as eleições, o Brasil ajude a mudar os métodos que querem implantar na Venezuela. Mantenham o otimismo, porque os valores da esquerda foram os que mudaram os destinos de milhões”, concluiu o espanhol.
Intitulada “O progressismo e o neoliberalismo em um mundo em desenvolvimento”, a segunda mesa do seminário Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar – realizado pela Fundação Perseu Abramo (FPA) nessa sexta-feira (14) – foi marcada por um amplo debate a respeito das relações conflituosas entre a democracia e o neoliberalismo. A questão brasileira foi analisada no contexto histórico desde o golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, até as eleições que acontecem em outubro no país, com a ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Participaram da segunda mesa Noam Chomsky, professor emérito em linguística do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (Estados Unidos); Cuauhtémoc Cárdenas, ex-governador do Distrito Federal do México; José Luís Rodrigues Zapatero, ex-primeiro-ministro da Espanha; o chileno Carlos Ominami, ex-senador e diretor da Fundación Chile 21; e Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas. A mesa foi coordenada pela ex-ministra do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Miriam Belchior. O seminário foi uma iniciativa do ex-chanceler Celso Amorim.
Os participantes ressaltaram a importância de Lula não só como presidente do Brasil, mas enquanto líder mundial. “Não podemos deixar de pensar na pessoa que deveria ser nosso candidato à presidência. Conheci-o há dez anos e fiquei muito impressionado”, disse Noam Chomsky, com 91 anos, ao iniciar sua fala, na qual ressaltou o avanço da direita e extrema-direita em vários países na Europa. Segundo ele, o Brasil se tornou respeitável no mundo sob o governo Lula e com Amorim nas Relações Exteriores.
Chomsky citou a Suécia como exemplo do crescimento da extrema-direita. Nesse país, eleições gerais realizadas na quinta-feira (13) deram vitória ao bloco de esquerda, mas com importante crescimento da direita extremista.
Embora resultados como esse sejam atribuídos aos efeitos da imigração – explicou –, há razões mais profundas para o avanço neonazista na Europa. “O aumento dos votos para a extrema-direita vem de setores que têm pouco contato com os imigrantes, mas foram esquecidas pelo Estado e achavam, com razão, que foram abandonados pelas instituições políticas.” Segundo ele, desde o assalto do neoliberalismo na geração anterior, a recessão profunda de 2008, com impactos catastróficos, agravou o abandono social e deixou um legado “que nos empurrou ao abismo”.
Carlos Ominami apontou para duas “ausências sentidas” no atual quadro político brasileiro e latino-americano: Marco Aurélio Garcia (que morreu em 20 de julho de 2017) e Lula, para ele “o líder politico mais importante do Brasil e principal líder progressista do mundo”. “Desaparecido Mandela, resta Lula. Principalmente pela sua liderança, tentaram destruí-lo. Não conseguiram. Hoje ele é maior do que ontem. E, vendo o que acontece na América Latina hoje, como Marco Aurélio faz falta”, exclamou.
Zapatero fez uma exposição chamando a esquerda e setores progressistas ao otimismo. Se disse motivado pela campanha de Fernando Haddad à Presidência da República. “É uma campanha decisiva para o Brasil, a América Latina e a ordem global.” Na opinião do ex-primeiro-ministro espanhol, o Brasil é uma “referência decisiva” para a América Latina, após o governo petista. “O Brasil de Lula deixou legados decisivos: nunca ninguém tinha empenhado uma força contra a miséria no mundo como Lula, e sem ele não haveria compromisso no mundo para erradicar a morte por fome.”
O líder espanhol baseou sua argumentação em alguns pontos, principalmente a ideia de que a política é uma prática da esquerda. “A direita é que não gosta da politica. Nossa tarefa é fazer com se acredite nas instituições. Façam o esforço para que outubro (nas eleições) abra uma porta diferente no Brasil. Vimos o Brasil construir os melhores momentos de sua história nos últimos anos.”
Reafirmando seu otimismo, Zapatero acrescentou, com uma exortação: “Fernando (Haddad) vai ser o presidente. Eu sei disso. Vai ser uma vitória generosa. Deem esse exemplo de generosidade. Digam isso ao conjunto da América Latina.”
Ele lembrou que o México elegeu em julho deste ano o esquerdista Andrés Manuel López Obrador. “(A situação) começou a mudar a partir do México. A direita pode frear alguns processos, mas a esquerda vai se impor. Convençam-se disso”.
O mexicano Cuauhtémoc Cárdenas descreveu a realidade de seu país – governado por um projeto neoliberal e alinhado aos Estados Unidos há décadas – como muito semelhante ao que acontece ao Brasil de Michel Temer. O México também conta com uma enorme concentração da riqueza. Houve privatizações em larga escala de empresas estratégicas, desindustrialização, perda da qualidade na educação, redução do alcance da Previdência Social, reforma trabalhista com retirada de direitos e reformas estruturais.
O país passou por um processo pelo qual se desfez de boa parte de sua riqueza energética. “Isso nos fez perder constitucionalmente o controle dos recursos do subsolo, com o desmonte da indústria petroleira, que tinha sido o motor da industrialização e foi desmontada, e os recursos estão sendo entregues”, disse Cárdenas.
Também para o chileno Ominami, uma eventual vitória de Fernando Haddad no Brasil terá um "peso extraordinário" na geopolítica da região. “Obrador e Haddad representam 70% da população da América Latina. Enquanto isso, (Maurício) Macri, a ‘grande estrela’, hoje vive um ocaso”. Segundo ele, “a deposição de Dilma Rousseff é o fato mais grave na América Latina desde a derrubada de (Salvador) Allende”. Apesar de não contar com a brutal intervenção militar que depôs o chileno em 1973, o que houve no Brasil “é um golpe branco, mas um golpe. Estão em jogo coisas muito importantes no Brasil”.
Zapatero, que fez a intervenção mais longa na mesa da tarde, observou que considera “incrível tantos políticos levantarem a voz contra a Venezuela, mas ficarem em silêncio diante do impeachment no Brasil”.
Na opinião do economista Bresser-Pereira, há uma visível “piora” na democracia brasileira, mas ela não está ameaçada por algo semelhante ao quadro instaurado após o golpe de 1964. “Imaginar a volta a um regime autoritário, eu não creio nisso. Existem classes trabalhadoras e a classe média que não vão aceitar. Aceitaram o golpe que vitimou Dilma. Mas não aceitariam uma ditadura por 20, 30 anos.”
Ainda ressaltando o otimismo, Zapatero manifestou a expectativa de que, com a vitória progressista no México, e com o Brasil seguindo o mesmo caminho, a situação na Venezuela comece a ser revertida. “Espero que, após as eleições, o Brasil ajude a mudar os métodos que querem implantar na Venezuela. Mantenham o otimismo, porque os valores da esquerda foram os que mudaram os destinos de milhões”, concluiu o espanhol.
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