Por Gilberto Maringoni
Fernando Haddad deu um baile hoje (14), no Jornal Nacional!
Seu brilhante desempenho me evocou lembranças. Fiz uma campanha para governador de São Paulo (PSOL), em 2014, que tem residual importância histórica.
Assistindo o petista - em situação mil vezes mais importante e dramática - me voltaram sensações que talvez todo candidato em desafios semelhantes tenha. Digo dos candidatos que não rezam pela cartilha dominante.
Montamos há quatro anos uma pequena e dedicada equipe, com a qual aprendi muito. Entre eles estavam Francisvaldo Mendes de Souza, Denise Simeão , Edson Carneiro Índio, Gesiel Monteiro e Pedro Ekman. Bia Barbosa e Cláudio Camargo também deram apoio fundamental
A primeira sensação que se tem em debates desse tipo é uma solidão quase absoluta.
A SOLIDÃO - Você está num estúdio, com jornalistas à sua frente que - quase sempre - querem apenas jogar cascas de banana esperando você fazer um papelão. Ao entrar e se sentar, você está só - sozinho! - e com uma responsabilidade monumental nos ombros. Se vacilar ou falar bobagem, centenas de camaradas, candidatas e candidatos que dão o sangue para construir uma ideia, um projeto e um partido podem ser rejeitados nas ruas e nas urnas. Vale uma analogia.
Fui nadador desde a adolescência e participei de dezenas de campeonatos. É talvez o esporte mais solitário existente. Quando você é chamado para a borda da piscina, posta-se atrás da baliza e aguarda o apito do juiz para subir. Entre o segundo silvo, para se abaixar, e o tiro de largada, passa-se no máximo um segundo. Nesse microtempo, você olha cinquenta metros de água adiante e a solidão é parecida. É você com você. Uma saída malfeita, uma entrada torta na água ou uma virada ruim, pronto! Está comprometido não apenas seu desempenho, mas a pontuação de toda a equipe.
A OFENSIVA - A segunda sensação nos debates é que você está num jogo de esperteza, muito mais do que numa troca de idéias. Se vacilar, dança. Não pode baixar a guarda em momento algum É algo extremamente tenso.
Haddad começou nervoso e foi se assenhorando do ambiente. É essencial nunca deixar a bancada tomar a ofensiva. Ou seja, as perguntas não podem lhe pautar. Há que virar o jogo e tentar você definir o ritmo da batalha. Como dizia Brizola, "Estamos numa democracia, você pergunta o que quiser e eu respondo o que quero".
Nesse ponto, eu fazia outra comparação. "Estou numa guerra e ninguém aqui é meu amigo", pensava. E me vinha à mente uma longa conversa mantida há exatas duas décadas com M. Roger Brochet, um francês de 80 anos, casado com Mme. Suzanne, uma extrovertida e divertida professora de francês, dois anos mais velha que ele. Moravam ambos numa casinha com quintal ao fundo, no bairro de Perdizes em São Paulo, desde o final dos anos 1940, quando chegaram ao Brasil.
M. Roger me fascinava. Fora piloto de caça na II Guerra Mundial. Com a França ocupada, integrou-se a uma esquadrilha de Spitfires da RAF, sediada em Nice. Sua história nada tinha de romântica: dos 72 pilotos, apenas ele e outro conterrâneo sobreviveram. Falava com amargor de episódios que eu via como heroicos.
Duas frases grudaram na minha cabeça. A primeira é: "Nunca deixe o inimigo ficar em sua cauda. A possibilidade de ser atingido é de 110%". A segunda era: "Quando você o tiver na alça de mira, não vacile, abra fogo. Em combate não existe segunda chance".
Nos debates, a analogia da solidão se completava com as palavras de M. Roger, que em gestos contidos desenhava no ar manobras realizadas mais de meio século antes.
JUNTO E MISTURADO - Não permita que assumam a ofensiva, quando puder, vá para cima, não os deixe pautá-lo, mentalize o tempo de fala, vá direto ao assunto, não enrole, não demonstre intimidade com quem está no estúdio. Isso repetiam meus camaradas de campanha nas reuniões preparatórias. E sobretudo, lembre-se, diziam eles, você não está conversando com quem está à sua frente. Abstraia-os. Tem de falar com quem está em casa!
Piscina, Spitfires e a paciência dos amigos se fundiam em vastas emoções e pensamentos imperfeitos. Eu ia com um frio na espinha para as emissoras. Às vezes me saia bem, às vezes malomenos.
A campanha, como disse, foi microscópica. Não quero fazer nenhuma egotrip aqui. Detesto ser cabotino.
Mas ao assistir Haddad hoje - e Boulos e Ciro em outras oportunidades -, eu me admiro com a maestria deles, embora cada um exiba um estilo. Encaram situações muito mais duras e cheias de armadilhas do que as enfrentadas por mim. Tenho enorme orgulho em ver gente do nosso lado dando show de arte e competência!
P. S. Disso tudo, só uma tristeza fica. Nunca mais vi M. Roger. Não havia celulares em profusão há vinte anos. Quando, tempos depois, busquei a casinha em Perdizes, um edifício tinha lhe tomado o lugar.
M. Roger Brochet, herói da luta contra o nazismo, faria cem anos neste 2018. Sei lá, tem tudo a ver com o que vivemos...
Seu brilhante desempenho me evocou lembranças. Fiz uma campanha para governador de São Paulo (PSOL), em 2014, que tem residual importância histórica.
Assistindo o petista - em situação mil vezes mais importante e dramática - me voltaram sensações que talvez todo candidato em desafios semelhantes tenha. Digo dos candidatos que não rezam pela cartilha dominante.
Montamos há quatro anos uma pequena e dedicada equipe, com a qual aprendi muito. Entre eles estavam Francisvaldo Mendes de Souza, Denise Simeão , Edson Carneiro Índio, Gesiel Monteiro e Pedro Ekman. Bia Barbosa e Cláudio Camargo também deram apoio fundamental
A primeira sensação que se tem em debates desse tipo é uma solidão quase absoluta.
A SOLIDÃO - Você está num estúdio, com jornalistas à sua frente que - quase sempre - querem apenas jogar cascas de banana esperando você fazer um papelão. Ao entrar e se sentar, você está só - sozinho! - e com uma responsabilidade monumental nos ombros. Se vacilar ou falar bobagem, centenas de camaradas, candidatas e candidatos que dão o sangue para construir uma ideia, um projeto e um partido podem ser rejeitados nas ruas e nas urnas. Vale uma analogia.
Fui nadador desde a adolescência e participei de dezenas de campeonatos. É talvez o esporte mais solitário existente. Quando você é chamado para a borda da piscina, posta-se atrás da baliza e aguarda o apito do juiz para subir. Entre o segundo silvo, para se abaixar, e o tiro de largada, passa-se no máximo um segundo. Nesse microtempo, você olha cinquenta metros de água adiante e a solidão é parecida. É você com você. Uma saída malfeita, uma entrada torta na água ou uma virada ruim, pronto! Está comprometido não apenas seu desempenho, mas a pontuação de toda a equipe.
A OFENSIVA - A segunda sensação nos debates é que você está num jogo de esperteza, muito mais do que numa troca de idéias. Se vacilar, dança. Não pode baixar a guarda em momento algum É algo extremamente tenso.
Haddad começou nervoso e foi se assenhorando do ambiente. É essencial nunca deixar a bancada tomar a ofensiva. Ou seja, as perguntas não podem lhe pautar. Há que virar o jogo e tentar você definir o ritmo da batalha. Como dizia Brizola, "Estamos numa democracia, você pergunta o que quiser e eu respondo o que quero".
Nesse ponto, eu fazia outra comparação. "Estou numa guerra e ninguém aqui é meu amigo", pensava. E me vinha à mente uma longa conversa mantida há exatas duas décadas com M. Roger Brochet, um francês de 80 anos, casado com Mme. Suzanne, uma extrovertida e divertida professora de francês, dois anos mais velha que ele. Moravam ambos numa casinha com quintal ao fundo, no bairro de Perdizes em São Paulo, desde o final dos anos 1940, quando chegaram ao Brasil.
M. Roger me fascinava. Fora piloto de caça na II Guerra Mundial. Com a França ocupada, integrou-se a uma esquadrilha de Spitfires da RAF, sediada em Nice. Sua história nada tinha de romântica: dos 72 pilotos, apenas ele e outro conterrâneo sobreviveram. Falava com amargor de episódios que eu via como heroicos.
Duas frases grudaram na minha cabeça. A primeira é: "Nunca deixe o inimigo ficar em sua cauda. A possibilidade de ser atingido é de 110%". A segunda era: "Quando você o tiver na alça de mira, não vacile, abra fogo. Em combate não existe segunda chance".
Nos debates, a analogia da solidão se completava com as palavras de M. Roger, que em gestos contidos desenhava no ar manobras realizadas mais de meio século antes.
JUNTO E MISTURADO - Não permita que assumam a ofensiva, quando puder, vá para cima, não os deixe pautá-lo, mentalize o tempo de fala, vá direto ao assunto, não enrole, não demonstre intimidade com quem está no estúdio. Isso repetiam meus camaradas de campanha nas reuniões preparatórias. E sobretudo, lembre-se, diziam eles, você não está conversando com quem está à sua frente. Abstraia-os. Tem de falar com quem está em casa!
Piscina, Spitfires e a paciência dos amigos se fundiam em vastas emoções e pensamentos imperfeitos. Eu ia com um frio na espinha para as emissoras. Às vezes me saia bem, às vezes malomenos.
A campanha, como disse, foi microscópica. Não quero fazer nenhuma egotrip aqui. Detesto ser cabotino.
Mas ao assistir Haddad hoje - e Boulos e Ciro em outras oportunidades -, eu me admiro com a maestria deles, embora cada um exiba um estilo. Encaram situações muito mais duras e cheias de armadilhas do que as enfrentadas por mim. Tenho enorme orgulho em ver gente do nosso lado dando show de arte e competência!
P. S. Disso tudo, só uma tristeza fica. Nunca mais vi M. Roger. Não havia celulares em profusão há vinte anos. Quando, tempos depois, busquei a casinha em Perdizes, um edifício tinha lhe tomado o lugar.
M. Roger Brochet, herói da luta contra o nazismo, faria cem anos neste 2018. Sei lá, tem tudo a ver com o que vivemos...
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