Por Brunna Rosa, na Revista Fórum:
Com apenas 3% de vantagem, a vitória do candidato progressista Ollanta Humala sobre a candidata da direita Keiko Fujimori evitou, nas palavras do prêmio Nobel de literatura Mario Vargas Llosa, o retorno “de uma gangue voraz aliada a negócios sem moralidade, jornalistas desonestos, bandidos e assassinos”, ou ainda do “fascismo do século XXI” no Peru.
O uso de palavras tão fortes não era mero acaso. Keiko Fujimori é filha do ex-presidente e ditador Alberto Fujimori, que comandou o país entre 1990 e 2000, e, apesar de tentar desvincular a sua imagem da de seu pai, não conseguiu se desvincular politicamente do seu legado. “Não se trata apenas de pedir desculpas em uma conjuntura eleitoral para ganhar votos. Trata-se de reconhecer os fatos e se comprometer que estes não vão se repetir. Mas quando se está rodeada das mesmas pessoas, corruptas e cúmplices de todos os crimes da ditadura de Fujimori, acho que não mudou nada”, denuncia Gisele Ortiz, parente de um dos desaparecidos políticos durante o governo fujimorista.
Em abril, o resultado do primeiro turno das eleições peruanas apontava a disputa final entre Ollanta Humala, candidato pela Gana Perú, que havia conquistado 33% dos votos, e Keiko Fujimori, da Fuerza 2011, com 21%. Começava a batalha pelos votos no segundo turno, e Lima, a capital peruana, seria o palco principal. Ali se concentram quase 35% dos habitantes do país, e nenhum dos dois candidatos havia conseguido maioria no primeiro turno. Quase 25% dos eleitores locais haviam optado pelo candidato da Alianza por el Gran Cambio, Pedro Paulo Kucinsky, seguido por Keiko, com quase 21% e Humala, com 19%.
A principal trincheira para a campanha de Humala também estava definida, a internet. Aproximadamente 5.280 milhões de peruanos têm acesso à rede, sendo que 77% possuem uma página pessoal no Facebook. Destes, 50,5% estão localizados em Lima, ou seja, a internet passava a ser mais do que estratégica para o candidato da Gana Perú diminuir a sua rejeição. À época, a primeira pesquisa divulgada após o primeiro turno, pelo instituto de pesquisa Ipsos – o mais confiável no país –, apontava para um cenário indefinido, no qual a vitória de um ou de outro candidato seria “cabeça a cabeça”. Humala entrava, então, em seu purgatório e passava a enfrentar o jogo sujo de uma significativa parcela dos meios de comunicação. Pesava também outro fator contra o candidato: a sua baixa popularidade entre a juventude peruana. Segundo o levantamento do Ipsos, Keiko Fujimori tinha 45% das preferências entre pessoas de 18 a 24 anos, enquanto Humala contava com 38%.
Plan Sabana
No segundo turno, Humala precisou enfrentar a avidez dos viúvos do poder, que contavam com o apoio de uma verdadeira ofensiva midiática, que se esmerava na fabricação de factoides para desestabilizar sua imagem. Era o “Plan Sabana” sendo colocado em marcha, jogando o candidato no meio de uma verdadeira avalanche de boatos, que, ainda que fossem continuamente desmentidos, na manhã seguinte seriam reproduzidos como verdade pelas manchetes dos jornais. O objetivo era imobilizar o candidato e associar de vez sua figura à do presidente Hugo Chávez – “o caudilho histérico”, de acordo com a mídia local.
De acordo com Rosa Maria Alfaro, diretora da Associação de Comunicadores Sociais Calandria, tais práticas estimularam o medo e a desconfiança em boa parte dos eleitores no país. “Tenho a impressão de que em muitos meios existia um grande temor de que Humala reproduzisse o que Chávez fez na Venezuela. O medo não era ideológico, nem político, o medo era de quem detém os meios”, avalia a especialista. A organização não governamental foi uma das instituições que apresentaram estudos que comprovam o apoio da imprensa à candidata da direita.
“Não há análises sérias na imprensa peruana, o processo eleitoral é apresentado como se Humala representasse o inferno. Apenas dois veículos de comunicação impressos – o La Republica e o La Primeira – estavam com Humala, os demais, estavam todos com Keiko. É impressionante a sua força”, aponta. Foi justamente através do jornal La Primeira, que as primeiras denúncias sobre o “Plan Sabana” vieram a público. Por conta disso, o jornal recebeu em sua sede coroas fúnebres com os nomes dos editores, em 12 de maio.
Já nos veículos de rádio e TV, a opção à direita também era escancarada, o que resultou no pedido de demissão de vários jornalistas. Três repórteres da Rádio Líder, por exemplo, deixaram seus empregos depois de serem pressionados a favorecer Keiko. Federico Rosado Zavala, Jorge Álvarez e Jesús Coa debatiam como se dava a manipulação da mídia no governo de Alberto Fujimori quando receberam um telefonema do gerente da rádio, mandando que parassem de falar sobre o assunto. Federico Rosado, que comandava o programa havia 12 anos, não aceitou e se demitiu no ar.
Outro caso envolveu Patricia Montero e José Jara, produtores do canal a cabo “N”, do grupo El Comércio, que foram demitidos sob a “acusação” de “humanizar” Humala. Já a apresentadora Josefina Townsend, do mesmo canal, protestou ao vivo contra a decisão da emissora de interromper a transmissão do “juramento pela democracia”, feito pelo candidato.
Enquanto alguns jornalistas protestavam, outros dedicavam seu tempo na TV para promover campanhas difamatórias. Jaime Bayly, apresentador da América TV, dedicou quatro programas, de uma hora cada, para criticar o candidato da Gana Perú. Em um deles, Bayle pronunciou 40 vezes o nome de Humala (sempre de forma negativa), com acusações como a de que ele fingiria “ser um democrata, mas, no fundo, é um golpista, um capanga mascarado, um conspirador contra a democracia e a propriedade privada”. Como contraponto, o escritor Mario Vargas Llosa se ofereceu para produzir gratuitamente um programa específico para análise das eleições. A proposta foi encaminhada por Gustavo Mohme, que detém 30% das ações da rede, mas foi recusada pelo acionista majoritário, que é o próprio grupo El Comercio.
Faltando quatro semanas para o fim do segundo turno, o país estava em meio a uma guerra na comunicação. Organizações sociais e de direitos humanos, estudantes e vítimas do governo autoritário do pai de Keiko lançaram a campanha “Fujimorismo nunca mais”, com o objetivo de evitar que a filha repetisse a trajetória paterna. “Seria a reedição de um governo semelhante ao governo de Fujimori de 1992, quando deu o golpe, até 2000, quando já havia ‘comprado’ quase todos os meios de comunicação”, avalia Rocio Silva Santisteban, secretária executiva do Conselho Nacional de Direitos Humanos do Peru. A declaração é uma alusão ao que ocorria na era Fujimori, quando muitos veículos de comunicação foram subornados e/ou extorquidos para que o regime não sofresse oposição na imprensa.
“Fujimori encontrou um meio mais moderno de manter os veículos de comunicação ao seu lado. Em vez de ameaçar os jornalistas, ele comprou todas as opiniões”, opina Ângelo Páez, jornalista investigativo peruano. Fujimori contava com Vladimiro Montesinos, diretor do Serviço de Inteligência Nacional (SNI) e principal responsável pela estratégia de compra das opiniões e pela política dos factoides, que consistia na avalanche de notícias com um único objetivo: destruir qualquer adversário político em escândalos fabricados.
As imagens de Montesinos entregando US$ 15 mil ao congressista Alberto Kouri, episódio que foi o estopim da crise que levou à queda do ex-presidente, representavam bem como o governo baseava suas relações com parlamentares, empresários e mídia. O local onde se deu o flagrante foi uma das salas do Serviço de Inteligência Nacional (SIN), onde o dirigente recebia políticos, membros das Forças Armadas, autoridades do Executivo e Judiciário, além de donos de empresas privadas e de veículos de comunicação. O próprio Montesinos realizou as gravações que ficariam conhecidas como “vladivídeos”, hoje sob custódia do Congresso peruano. Em 2004, o Congresso transcreveu e publicou seis volumes chamados de “Na sala da corrupção: vídeos e áudio de Vladimiro Montesinos” (1998-2000). Disponíveis no YouTube, os vídeos revelam diálogos como o de Montesinos entregando “350 mil, para dois meses” nas mãos do então dono da Panamericana Televisión, Ernesto Schutz.
“Nós matamos menos que os outros”
A campanha de Humala passou a usar intensamente a internet para divulgar as denúncias das vítimas de Fujimori e contribuir para as mobilizações de rua. O movimento faria sua última manifestação em 26 de maio, o que na internet também ficaria conhecido como #26M, em alusão às manifestações dos “indignados” na Espanha. “Temos a firme convicção de que um futuro governo de Keiko dará as estruturas estatais a um grupo de pessoas que já esteve no poder na década de 1990 e que articulou um Estado corrupto, violou direitos humanos e realizou uma série de latrocínios”, discursou Rocio Silva Santisteban durante o lançamento do movimento.
Com as pesquisas apontando crescimento de Keiko perante Humala, associar de vez a imagem de Keiko à de seu pai Alberto Fujimori foi a principal estratégia da campanha do esquerdista na reta final. A coordenação do candidato elegeu as redes sociais como uma das principais frentes para a conquista de voto e produziu material específico sobre a era Fujimori e os desaparecidos políticos. “Muitos diziam que as redes sociais eram apenas para difundir temas, mas, na prática, elas foram o grande diferencial da campanha e por meio delas conseguimos atingir setores que estavam mais contidos”, avalia Elvis Mori, coordenador das redes sociais da campanha.
Mas a mudança de cenário contou com uma ajuda do outro lado. Faltando 15 dias para a eleição, o porta-voz da campanha de Keiko, Jorge Trelles, quis defender o governo de Alberto Fujimori com uma argumentação curiosa. “Em todo caso, nós matamos menos que os dois governos que nos antecederam”, afirmou. A frase gerou uma onda de críticas, que continuou mesmo após a candidata condenar as declarações. O porta-voz foi destituído, mas o estafe de Humala sabia que ali estava a oportunidade de fortalecer a ligação da candidata com seu pai. Foi promovida uma série de ações que culminaram na presença de mais de 20 mil pessoas no #26M, empunhando o “Não a Keiko”.
Faltando poucos dias para a eleição, Vargas Llosa enviou uma carta ao diretor do El Pais solicitando que sua coluna ‘Piedra de Toque’ não fosse mais reproduzida no jornal peruano El Comercio. Segundo Llosa, o diário havia se convertido “em uma máquina de propaganda de Keiko Fujimori”, fazendo de tudo para prejudicar a candidatura de Ollanta Humala, ao “violar as mais elementares noções de objetividade e da ética jornalística”. A carta, enviada, em 31 de maio foi mais uma forma de protesto, com o intuito de mobilizar a sociedade. Um dia depois, mais de 40 intelectuais peruanos lançaram um manifesto afirmando que a chegada de Keiko ao poder seria o pior ao país e que isso significaria dar o poder novamente ao pai.
Em 5 de junho, data do pleito final, o jornal La Republica publicou um editorial que fazia uma “menção especial” aos quase 200 mil jovens que, mesmo não se conhecendo, se associaram por ideias comuns em mobilizações nunca vistas no país. “Hoje os cidadãos contam com ferramentas que lhes permitem exercer diretamente seu direito a se expressar e ser informado. As redes sociais foram uma façanha eleitoral que transformou os fluxos de informação, criando sua própria corrente de opinião.”
No final desse mesmo dia, Ollanta Humala iniciou seu discurso da vitória. “Chegamos com êxito ao fim de uma campanha. A grande transformação que hoje chega ao Palácio do Governo é o resultado do trabalho de milhões de peruanos, homens e mulheres, que lutaram para defender a democracia e seus valores”, discursou, perante uma multidão na Plaza Dos de Mayo. Mas, sem a internet, a história poderia ter sido outra.
Com apenas 3% de vantagem, a vitória do candidato progressista Ollanta Humala sobre a candidata da direita Keiko Fujimori evitou, nas palavras do prêmio Nobel de literatura Mario Vargas Llosa, o retorno “de uma gangue voraz aliada a negócios sem moralidade, jornalistas desonestos, bandidos e assassinos”, ou ainda do “fascismo do século XXI” no Peru.
O uso de palavras tão fortes não era mero acaso. Keiko Fujimori é filha do ex-presidente e ditador Alberto Fujimori, que comandou o país entre 1990 e 2000, e, apesar de tentar desvincular a sua imagem da de seu pai, não conseguiu se desvincular politicamente do seu legado. “Não se trata apenas de pedir desculpas em uma conjuntura eleitoral para ganhar votos. Trata-se de reconhecer os fatos e se comprometer que estes não vão se repetir. Mas quando se está rodeada das mesmas pessoas, corruptas e cúmplices de todos os crimes da ditadura de Fujimori, acho que não mudou nada”, denuncia Gisele Ortiz, parente de um dos desaparecidos políticos durante o governo fujimorista.
Em abril, o resultado do primeiro turno das eleições peruanas apontava a disputa final entre Ollanta Humala, candidato pela Gana Perú, que havia conquistado 33% dos votos, e Keiko Fujimori, da Fuerza 2011, com 21%. Começava a batalha pelos votos no segundo turno, e Lima, a capital peruana, seria o palco principal. Ali se concentram quase 35% dos habitantes do país, e nenhum dos dois candidatos havia conseguido maioria no primeiro turno. Quase 25% dos eleitores locais haviam optado pelo candidato da Alianza por el Gran Cambio, Pedro Paulo Kucinsky, seguido por Keiko, com quase 21% e Humala, com 19%.
A principal trincheira para a campanha de Humala também estava definida, a internet. Aproximadamente 5.280 milhões de peruanos têm acesso à rede, sendo que 77% possuem uma página pessoal no Facebook. Destes, 50,5% estão localizados em Lima, ou seja, a internet passava a ser mais do que estratégica para o candidato da Gana Perú diminuir a sua rejeição. À época, a primeira pesquisa divulgada após o primeiro turno, pelo instituto de pesquisa Ipsos – o mais confiável no país –, apontava para um cenário indefinido, no qual a vitória de um ou de outro candidato seria “cabeça a cabeça”. Humala entrava, então, em seu purgatório e passava a enfrentar o jogo sujo de uma significativa parcela dos meios de comunicação. Pesava também outro fator contra o candidato: a sua baixa popularidade entre a juventude peruana. Segundo o levantamento do Ipsos, Keiko Fujimori tinha 45% das preferências entre pessoas de 18 a 24 anos, enquanto Humala contava com 38%.
Plan Sabana
No segundo turno, Humala precisou enfrentar a avidez dos viúvos do poder, que contavam com o apoio de uma verdadeira ofensiva midiática, que se esmerava na fabricação de factoides para desestabilizar sua imagem. Era o “Plan Sabana” sendo colocado em marcha, jogando o candidato no meio de uma verdadeira avalanche de boatos, que, ainda que fossem continuamente desmentidos, na manhã seguinte seriam reproduzidos como verdade pelas manchetes dos jornais. O objetivo era imobilizar o candidato e associar de vez sua figura à do presidente Hugo Chávez – “o caudilho histérico”, de acordo com a mídia local.
De acordo com Rosa Maria Alfaro, diretora da Associação de Comunicadores Sociais Calandria, tais práticas estimularam o medo e a desconfiança em boa parte dos eleitores no país. “Tenho a impressão de que em muitos meios existia um grande temor de que Humala reproduzisse o que Chávez fez na Venezuela. O medo não era ideológico, nem político, o medo era de quem detém os meios”, avalia a especialista. A organização não governamental foi uma das instituições que apresentaram estudos que comprovam o apoio da imprensa à candidata da direita.
“Não há análises sérias na imprensa peruana, o processo eleitoral é apresentado como se Humala representasse o inferno. Apenas dois veículos de comunicação impressos – o La Republica e o La Primeira – estavam com Humala, os demais, estavam todos com Keiko. É impressionante a sua força”, aponta. Foi justamente através do jornal La Primeira, que as primeiras denúncias sobre o “Plan Sabana” vieram a público. Por conta disso, o jornal recebeu em sua sede coroas fúnebres com os nomes dos editores, em 12 de maio.
Já nos veículos de rádio e TV, a opção à direita também era escancarada, o que resultou no pedido de demissão de vários jornalistas. Três repórteres da Rádio Líder, por exemplo, deixaram seus empregos depois de serem pressionados a favorecer Keiko. Federico Rosado Zavala, Jorge Álvarez e Jesús Coa debatiam como se dava a manipulação da mídia no governo de Alberto Fujimori quando receberam um telefonema do gerente da rádio, mandando que parassem de falar sobre o assunto. Federico Rosado, que comandava o programa havia 12 anos, não aceitou e se demitiu no ar.
Outro caso envolveu Patricia Montero e José Jara, produtores do canal a cabo “N”, do grupo El Comércio, que foram demitidos sob a “acusação” de “humanizar” Humala. Já a apresentadora Josefina Townsend, do mesmo canal, protestou ao vivo contra a decisão da emissora de interromper a transmissão do “juramento pela democracia”, feito pelo candidato.
Enquanto alguns jornalistas protestavam, outros dedicavam seu tempo na TV para promover campanhas difamatórias. Jaime Bayly, apresentador da América TV, dedicou quatro programas, de uma hora cada, para criticar o candidato da Gana Perú. Em um deles, Bayle pronunciou 40 vezes o nome de Humala (sempre de forma negativa), com acusações como a de que ele fingiria “ser um democrata, mas, no fundo, é um golpista, um capanga mascarado, um conspirador contra a democracia e a propriedade privada”. Como contraponto, o escritor Mario Vargas Llosa se ofereceu para produzir gratuitamente um programa específico para análise das eleições. A proposta foi encaminhada por Gustavo Mohme, que detém 30% das ações da rede, mas foi recusada pelo acionista majoritário, que é o próprio grupo El Comercio.
Faltando quatro semanas para o fim do segundo turno, o país estava em meio a uma guerra na comunicação. Organizações sociais e de direitos humanos, estudantes e vítimas do governo autoritário do pai de Keiko lançaram a campanha “Fujimorismo nunca mais”, com o objetivo de evitar que a filha repetisse a trajetória paterna. “Seria a reedição de um governo semelhante ao governo de Fujimori de 1992, quando deu o golpe, até 2000, quando já havia ‘comprado’ quase todos os meios de comunicação”, avalia Rocio Silva Santisteban, secretária executiva do Conselho Nacional de Direitos Humanos do Peru. A declaração é uma alusão ao que ocorria na era Fujimori, quando muitos veículos de comunicação foram subornados e/ou extorquidos para que o regime não sofresse oposição na imprensa.
“Fujimori encontrou um meio mais moderno de manter os veículos de comunicação ao seu lado. Em vez de ameaçar os jornalistas, ele comprou todas as opiniões”, opina Ângelo Páez, jornalista investigativo peruano. Fujimori contava com Vladimiro Montesinos, diretor do Serviço de Inteligência Nacional (SNI) e principal responsável pela estratégia de compra das opiniões e pela política dos factoides, que consistia na avalanche de notícias com um único objetivo: destruir qualquer adversário político em escândalos fabricados.
As imagens de Montesinos entregando US$ 15 mil ao congressista Alberto Kouri, episódio que foi o estopim da crise que levou à queda do ex-presidente, representavam bem como o governo baseava suas relações com parlamentares, empresários e mídia. O local onde se deu o flagrante foi uma das salas do Serviço de Inteligência Nacional (SIN), onde o dirigente recebia políticos, membros das Forças Armadas, autoridades do Executivo e Judiciário, além de donos de empresas privadas e de veículos de comunicação. O próprio Montesinos realizou as gravações que ficariam conhecidas como “vladivídeos”, hoje sob custódia do Congresso peruano. Em 2004, o Congresso transcreveu e publicou seis volumes chamados de “Na sala da corrupção: vídeos e áudio de Vladimiro Montesinos” (1998-2000). Disponíveis no YouTube, os vídeos revelam diálogos como o de Montesinos entregando “350 mil, para dois meses” nas mãos do então dono da Panamericana Televisión, Ernesto Schutz.
“Nós matamos menos que os outros”
A campanha de Humala passou a usar intensamente a internet para divulgar as denúncias das vítimas de Fujimori e contribuir para as mobilizações de rua. O movimento faria sua última manifestação em 26 de maio, o que na internet também ficaria conhecido como #26M, em alusão às manifestações dos “indignados” na Espanha. “Temos a firme convicção de que um futuro governo de Keiko dará as estruturas estatais a um grupo de pessoas que já esteve no poder na década de 1990 e que articulou um Estado corrupto, violou direitos humanos e realizou uma série de latrocínios”, discursou Rocio Silva Santisteban durante o lançamento do movimento.
Com as pesquisas apontando crescimento de Keiko perante Humala, associar de vez a imagem de Keiko à de seu pai Alberto Fujimori foi a principal estratégia da campanha do esquerdista na reta final. A coordenação do candidato elegeu as redes sociais como uma das principais frentes para a conquista de voto e produziu material específico sobre a era Fujimori e os desaparecidos políticos. “Muitos diziam que as redes sociais eram apenas para difundir temas, mas, na prática, elas foram o grande diferencial da campanha e por meio delas conseguimos atingir setores que estavam mais contidos”, avalia Elvis Mori, coordenador das redes sociais da campanha.
Mas a mudança de cenário contou com uma ajuda do outro lado. Faltando 15 dias para a eleição, o porta-voz da campanha de Keiko, Jorge Trelles, quis defender o governo de Alberto Fujimori com uma argumentação curiosa. “Em todo caso, nós matamos menos que os dois governos que nos antecederam”, afirmou. A frase gerou uma onda de críticas, que continuou mesmo após a candidata condenar as declarações. O porta-voz foi destituído, mas o estafe de Humala sabia que ali estava a oportunidade de fortalecer a ligação da candidata com seu pai. Foi promovida uma série de ações que culminaram na presença de mais de 20 mil pessoas no #26M, empunhando o “Não a Keiko”.
Faltando poucos dias para a eleição, Vargas Llosa enviou uma carta ao diretor do El Pais solicitando que sua coluna ‘Piedra de Toque’ não fosse mais reproduzida no jornal peruano El Comercio. Segundo Llosa, o diário havia se convertido “em uma máquina de propaganda de Keiko Fujimori”, fazendo de tudo para prejudicar a candidatura de Ollanta Humala, ao “violar as mais elementares noções de objetividade e da ética jornalística”. A carta, enviada, em 31 de maio foi mais uma forma de protesto, com o intuito de mobilizar a sociedade. Um dia depois, mais de 40 intelectuais peruanos lançaram um manifesto afirmando que a chegada de Keiko ao poder seria o pior ao país e que isso significaria dar o poder novamente ao pai.
Em 5 de junho, data do pleito final, o jornal La Republica publicou um editorial que fazia uma “menção especial” aos quase 200 mil jovens que, mesmo não se conhecendo, se associaram por ideias comuns em mobilizações nunca vistas no país. “Hoje os cidadãos contam com ferramentas que lhes permitem exercer diretamente seu direito a se expressar e ser informado. As redes sociais foram uma façanha eleitoral que transformou os fluxos de informação, criando sua própria corrente de opinião.”
No final desse mesmo dia, Ollanta Humala iniciou seu discurso da vitória. “Chegamos com êxito ao fim de uma campanha. A grande transformação que hoje chega ao Palácio do Governo é o resultado do trabalho de milhões de peruanos, homens e mulheres, que lutaram para defender a democracia e seus valores”, discursou, perante uma multidão na Plaza Dos de Mayo. Mas, sem a internet, a história poderia ter sido outra.
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