Por Glauber Piva, no sítio SpressoSP:
Talvez um dos principais desafios do Brasil atual seja consolidar uma noção de cidadania cultural que vá além das convenções que aprisionam as políticas de cultura em algum lugar entre educação, economia e políticas sociais. Um “não-lugar” que, silenciosamente, tenta interditar seus atores na disputa da agenda política e das prioridades.
Se é assim para o Brasil, o que dizer de São Paulo? Esta cidade é histórica e tradicionalmente uma cidade desigual e seu povo carrega as marcas da exclusão, a marca do impedimento ao acesso e à produção de todos os tipos de bens, sobretudo os culturais. O reconhecimento desse quadro é fundamental para alicerçarmos o futuro.
Temos aqui um quadro muito interessante. É possível perceber facilmente que os governos no Brasil se organizam de tal forma que encaixam a cultura num intervalo entre as políticas prioritárias e as estratégicas: um espasmo teórico-político. Os governos no Brasil, via de regra, não conseguem definir que responsabilidades e compromissos cabem à Cultura no território da gestão pública. Surge, aí, um vazio tanto teórico quanto político, resultando em flagrante fragilidade institucional e instabilidade orçamentária.
Aqui trago Marilena Chauí para a conversa. Segundo ela, “para a esquerda, a cultura é a capacidade de decifrar as formas da produção social da memória e do esquecimento, das experiências, das idéias e dos valores, da produção das obras de pensamento e das obras de arte e, sobretudo, é a esperança racional de que dessas experiências e ideias, desses valores e obras surja um sentido libertário, com força para orientar novas práticas sociais e políticas das quais possa nascer outra sociedade”.
São Paulo é a cidade de maior diversidade social, cultural, étnica e religiosa do Brasil. A tarefa que se impõe à cidade neste momento é evidente: como fazer de São Paulo uma cidade para todos, assegurando não apenas diploma, casa e emprego, mas cidadania cultural. A cultura, aqui, não se reduz ao supérfluo, à preguiça, ao belo, mas se realiza como direito de todos, multiplicando a capacidade da cidade se reconhecer. Estamos falando da consolidação de uma visão de mundo menos mercadológica, menos consumista, menos egoísta, menos violenta.
Cidadania cultural é, portanto, o direito à cultura: direito à memória (que relação a população de São Paulo tem com sua história, seus museus, seu passado?); direito à participação (o traço autoritário que não reconhece a participação como ferramenta de consolidação da democracia não é um elemento de nossa cultura?); direito à produção e fruição cultural (expor a diversidade cultural de São Paulo e do Brasil não é superar nossas velhas categorias centro/periferia e cultura de elite/cultura de massas?); direito à comunicação (há algo mais democrático que a diversidade e a pluralidade de ideias circulando por todos os meios?).
O problema central, aqui, não é a desimportância que partidos e governos dispensariam à Cultura. Dizer isso seria uma meia-verdade. O problema, de fato, está no tal “espasmo teórico-político” que condena a Cultura a um “não-lugar”. E isso tem de ser enfrentado de maneira corajosa e criativa, atacando as fragilidades na estrutura legal, no arranjo institucional e nas concepções de políticas públicas que organizam os diferentes governos. A emancipação da gestão pública de cultura desse “não-lugar”, contudo, exige a rejeição a três soluções fáceis que lhes são oferecidas com frequência:
• Confundir Cultura com políticas assistencialistas, o que geralmente resulta na caricata ideia de que a “cultura combate a violência” e outros males, alimentando uma equivocada fragilidade institucional que relega os órgãos de cultura aos menores lugares e orçamentos dos governos;
• Reduzir a Cultura a um improvável economicismo cultural, submetendo as políticas à lógica e à inércia do capital, numa visão mesquinha de democracia que valoriza o consumidor antes do cidadão; e
• Curvar-se à robustez econômica e estrutural da Educação, aceitando, sem problematizar, que a cultura se transforme em beneficiária dos espaços de entretenimento aos quais os orçamentos públicos lhes convida e impermeável às estratégias de formação que o Estado concebe.
Para rejeitar esses três caminhos, é preciso aceitar o que sugere Marilena, que afirma que a gestão pública de cultura deve buscar desvelar o modo de produção da memória e do esquecimento, ou seja, iluminar as estratégias sociais de dominação e exclusão e, por outro lado, pôr à mostra os atalhos de contestação às ordens que se estabelecem. Este é o centro do debate cultural.
É por isso que, considerando as transformações tecnológicas, econômicas e sociais pelas quais passamos, e também o conservadorismo que tenta se cristalizar em nossa sociedade, não se pode conceber o debate da cidadania cultural sem que se promova um encontro entre cultura e comunicação, ampliando o leque das políticas culturais para novos públicos, novas práticas e novos valores e tentando transformar aquele “não-lugar” num espaço privilegiado.
Isso não é pouco e vai muito além do debate formal de verbas, alianças e organogramas. Ao propormos este caminho, estamos disputando os rumos da cidade e, portanto, o sentido que queremos dar ao futuro. Cultura e comunicação, sem dúvida, devem ser consideradas como parte desta mesma utopia que, por ser repleta de possibilidades, é plenamente factível.
Talvez um dos principais desafios do Brasil atual seja consolidar uma noção de cidadania cultural que vá além das convenções que aprisionam as políticas de cultura em algum lugar entre educação, economia e políticas sociais. Um “não-lugar” que, silenciosamente, tenta interditar seus atores na disputa da agenda política e das prioridades.
Se é assim para o Brasil, o que dizer de São Paulo? Esta cidade é histórica e tradicionalmente uma cidade desigual e seu povo carrega as marcas da exclusão, a marca do impedimento ao acesso e à produção de todos os tipos de bens, sobretudo os culturais. O reconhecimento desse quadro é fundamental para alicerçarmos o futuro.
Temos aqui um quadro muito interessante. É possível perceber facilmente que os governos no Brasil se organizam de tal forma que encaixam a cultura num intervalo entre as políticas prioritárias e as estratégicas: um espasmo teórico-político. Os governos no Brasil, via de regra, não conseguem definir que responsabilidades e compromissos cabem à Cultura no território da gestão pública. Surge, aí, um vazio tanto teórico quanto político, resultando em flagrante fragilidade institucional e instabilidade orçamentária.
Aqui trago Marilena Chauí para a conversa. Segundo ela, “para a esquerda, a cultura é a capacidade de decifrar as formas da produção social da memória e do esquecimento, das experiências, das idéias e dos valores, da produção das obras de pensamento e das obras de arte e, sobretudo, é a esperança racional de que dessas experiências e ideias, desses valores e obras surja um sentido libertário, com força para orientar novas práticas sociais e políticas das quais possa nascer outra sociedade”.
São Paulo é a cidade de maior diversidade social, cultural, étnica e religiosa do Brasil. A tarefa que se impõe à cidade neste momento é evidente: como fazer de São Paulo uma cidade para todos, assegurando não apenas diploma, casa e emprego, mas cidadania cultural. A cultura, aqui, não se reduz ao supérfluo, à preguiça, ao belo, mas se realiza como direito de todos, multiplicando a capacidade da cidade se reconhecer. Estamos falando da consolidação de uma visão de mundo menos mercadológica, menos consumista, menos egoísta, menos violenta.
Cidadania cultural é, portanto, o direito à cultura: direito à memória (que relação a população de São Paulo tem com sua história, seus museus, seu passado?); direito à participação (o traço autoritário que não reconhece a participação como ferramenta de consolidação da democracia não é um elemento de nossa cultura?); direito à produção e fruição cultural (expor a diversidade cultural de São Paulo e do Brasil não é superar nossas velhas categorias centro/periferia e cultura de elite/cultura de massas?); direito à comunicação (há algo mais democrático que a diversidade e a pluralidade de ideias circulando por todos os meios?).
O problema central, aqui, não é a desimportância que partidos e governos dispensariam à Cultura. Dizer isso seria uma meia-verdade. O problema, de fato, está no tal “espasmo teórico-político” que condena a Cultura a um “não-lugar”. E isso tem de ser enfrentado de maneira corajosa e criativa, atacando as fragilidades na estrutura legal, no arranjo institucional e nas concepções de políticas públicas que organizam os diferentes governos. A emancipação da gestão pública de cultura desse “não-lugar”, contudo, exige a rejeição a três soluções fáceis que lhes são oferecidas com frequência:
• Confundir Cultura com políticas assistencialistas, o que geralmente resulta na caricata ideia de que a “cultura combate a violência” e outros males, alimentando uma equivocada fragilidade institucional que relega os órgãos de cultura aos menores lugares e orçamentos dos governos;
• Reduzir a Cultura a um improvável economicismo cultural, submetendo as políticas à lógica e à inércia do capital, numa visão mesquinha de democracia que valoriza o consumidor antes do cidadão; e
• Curvar-se à robustez econômica e estrutural da Educação, aceitando, sem problematizar, que a cultura se transforme em beneficiária dos espaços de entretenimento aos quais os orçamentos públicos lhes convida e impermeável às estratégias de formação que o Estado concebe.
Para rejeitar esses três caminhos, é preciso aceitar o que sugere Marilena, que afirma que a gestão pública de cultura deve buscar desvelar o modo de produção da memória e do esquecimento, ou seja, iluminar as estratégias sociais de dominação e exclusão e, por outro lado, pôr à mostra os atalhos de contestação às ordens que se estabelecem. Este é o centro do debate cultural.
É por isso que, considerando as transformações tecnológicas, econômicas e sociais pelas quais passamos, e também o conservadorismo que tenta se cristalizar em nossa sociedade, não se pode conceber o debate da cidadania cultural sem que se promova um encontro entre cultura e comunicação, ampliando o leque das políticas culturais para novos públicos, novas práticas e novos valores e tentando transformar aquele “não-lugar” num espaço privilegiado.
Isso não é pouco e vai muito além do debate formal de verbas, alianças e organogramas. Ao propormos este caminho, estamos disputando os rumos da cidade e, portanto, o sentido que queremos dar ao futuro. Cultura e comunicação, sem dúvida, devem ser consideradas como parte desta mesma utopia que, por ser repleta de possibilidades, é plenamente factível.
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