Por Wladimir Pomar, no Correio da Cidadania:
Uma das dificuldades na discussão sobre o desenvolvimento econômico e social brasileiro, tendo por base uma indústria de cadeias produtivas adensadas, consiste em entender as contradições do capitalismo atual.
Alguns supõem que o bloqueio à industrialização teria se acentuado. As economias nacionais teriam perdido força e os mercados teriam deixado de ser nacionais, passando a ser globais, e crescentemente liberalizados. Com a fragmentação ou segmentação das cadeias produtivas, o padrão de concorrência teria mudado radicalmente. O núcleo tecnológico da produção teria permanecido nas empresas e países centrais, enquanto os sistemas produtivos menos relevantes teriam sido transferidos para os países periféricos.
Nos países centrais, os investimentos teriam seguido padrão peculiar, com a concentração dos mercados e a monopolização das técnicas, através de alianças estratégicas, fusões e aquisições. Na periferia, os investimentos diretos estrangeiros teriam buscado menores custos, principalmente do trabalho. No México e em vários países asiáticos, incluindo a China no início de sua industrialização, isso teria originado indústrias montadoras, ou maquiladoras. O êxito da industrialização só teria ocorrido porque algumas dessas economias – em particular a chinesa – tiveram a capacidade de adensar suas cadeias produtivas.
Exceção que desmente a suposição de que as economias nacionais teriam perdido força. E coloca todos diante da necessidade de sair da economia e entrar na economia política para explicar por que algumas economias, em particular a chinesa, tiveram tal êxito, aproveitando-se da fragmentação e segmentação das indústrias dos países capitalistas avançados.
Como já previa o velho Marx, o alto desenvolvimento das forças produtivas tendia a acentuar a queda da taxa média de lucro, ou das margens de rentabilidade, obrigando o capitalismo a tentar aplainar o mundo, através da disseminação de seu modo de produção. Isto é, globalizando-se, para aproveitar a força de trabalho barata dos países ainda agrários, e arrancar uma mais-valia que compensasse aquela queda, ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, promovia sua desindustrialização relativa.
A situação para o capitalismo central se complicou porque em alguns países a globalização não foi enxergada apenas como ameaça, mas também como oportunidade para uma industrialização que combinasse abertura e desenvolvimento soberano. A maior parte dos países que adensou suas cadeias produtivas o fez aplicando políticas de recepção de investimentos estrangeiros diretos em que era aceita a instalação inicial de maquiladoras, mas também era exigido que elas fossem acompanhadas de transferência de tecnologias.
No caso da China, além dessas exigências, ela impôs às empresas estrangeiras investidoras outros três itens: ficarem inicialmente restritas a cinco zonas econômicas especiais e a 14 portos abertos, estabelecerem joint ventures com empresas estatais chinesas, e destinarem toda a sua produção para o mercado externo. Em outras palavras, garantiu que suas estatais se modernizassem e transferissem as novas tecnologias para o interior do país, evitou a concorrência estrangeira no mercado doméstico por algum tempo e entrou no mercado internacional na garupa das multinacionais estrangeiras. Ou, dizendo de outro modo, assimilou a liberalização, usando-a como instrumento de competição contra as próprias empresas e países centrais.
A partir de meados dos anos 1990, quando a China ampliou a abertura de seu mercado interno para as empresas estrangeiras, suas empresas nacionais, inclusive as novas empresas privadas, já tinham musculatura tecnológica suficiente para concorrer com as multinacionais estrangeiras, tanto no mercado doméstico, como no mercado internacional. Tudo isso explica, em parte, por que a economia da China teve mais sucesso do que a dos demais países que adotaram políticas soberanas diante da globalização.
Em países em que a globalização não foi tomada como ameaça, como nos casos extremos da Argentina e da Grécia e, em menor escala, do Brasil e diversos outros países da América Latina, África e Europa, o ponto central a destacar não reside em que a maior parcela da indústria permaneceu estagnada e desatualizou-se tecnologicamente, justamente no momento em que teve início a nova revolução tecnológica. Embora isso tenha ocorrido, o ponto nodal consiste em que grande parte da indústria privada adquirida por empresas estrangeiras foi desativada, para não concorrer com seus segmentos em outros países de maior lucratividade, muitas das estatais foram privatizadas e subordinadas a interesses externos, e os principais ramos industriais tornaram-se oligopólios.
Essa situação foi evidente no Brasil do período neoliberal, em que a abertura comercial e a apreciação da moeda nacional funcionaram como máscaras para o desmonte e desnacionalização da parte nacional do parque produtivo do país e, num segundo momento, para a ação da concorrência externa intensificar aquilo que hoje se proclama como especialização regressiva, perda dos setores mais avançados tecnologicamente, esgarçamento das cadeias produtivas e desindustrialização, levando a uma crise econômica, social e política sistêmica, da qual ainda não saímos.
Diante dessa herança neoliberal, com dados inequívocos de especialização regressiva e desindustrialização, e de perda de segmentos tecnologicamente avançados, a questão chave que se coloca é retomar a industrialização através de reformas mais profundas na estrutura econômica, inclusive aproveitando algumas das experiências dos países que enfrentaram as ameaças e contradições da globalização, mas tiveram a capacidade de adensar suas cadeias produtivas.
O atual desdobramento da crise capitalista apresenta novas ameaças, mas também oportunidades para os países atrasados avançarem industrialmente, inclusive como forma de proteção ante as crises cíclicas do capital, que existem, apesar das negadas. O capitalismo das forças produtivas mais desenvolvidas ainda tem a possibilidade de sobreviver, reduzindo a tendência de queda das taxas médias de lucro, porque pode investir em países mais atrasados. Depende destes fazer com que o capital aceite a imposição de transferir altas tecnologias e associar-se a empresas estatais e privadas nacionais, criando novos competidores. Tudo isso embute perigos dos mais diversos tipos. Mas quem vive livre deles?
Alguns supõem que o bloqueio à industrialização teria se acentuado. As economias nacionais teriam perdido força e os mercados teriam deixado de ser nacionais, passando a ser globais, e crescentemente liberalizados. Com a fragmentação ou segmentação das cadeias produtivas, o padrão de concorrência teria mudado radicalmente. O núcleo tecnológico da produção teria permanecido nas empresas e países centrais, enquanto os sistemas produtivos menos relevantes teriam sido transferidos para os países periféricos.
Nos países centrais, os investimentos teriam seguido padrão peculiar, com a concentração dos mercados e a monopolização das técnicas, através de alianças estratégicas, fusões e aquisições. Na periferia, os investimentos diretos estrangeiros teriam buscado menores custos, principalmente do trabalho. No México e em vários países asiáticos, incluindo a China no início de sua industrialização, isso teria originado indústrias montadoras, ou maquiladoras. O êxito da industrialização só teria ocorrido porque algumas dessas economias – em particular a chinesa – tiveram a capacidade de adensar suas cadeias produtivas.
Exceção que desmente a suposição de que as economias nacionais teriam perdido força. E coloca todos diante da necessidade de sair da economia e entrar na economia política para explicar por que algumas economias, em particular a chinesa, tiveram tal êxito, aproveitando-se da fragmentação e segmentação das indústrias dos países capitalistas avançados.
Como já previa o velho Marx, o alto desenvolvimento das forças produtivas tendia a acentuar a queda da taxa média de lucro, ou das margens de rentabilidade, obrigando o capitalismo a tentar aplainar o mundo, através da disseminação de seu modo de produção. Isto é, globalizando-se, para aproveitar a força de trabalho barata dos países ainda agrários, e arrancar uma mais-valia que compensasse aquela queda, ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, promovia sua desindustrialização relativa.
A situação para o capitalismo central se complicou porque em alguns países a globalização não foi enxergada apenas como ameaça, mas também como oportunidade para uma industrialização que combinasse abertura e desenvolvimento soberano. A maior parte dos países que adensou suas cadeias produtivas o fez aplicando políticas de recepção de investimentos estrangeiros diretos em que era aceita a instalação inicial de maquiladoras, mas também era exigido que elas fossem acompanhadas de transferência de tecnologias.
No caso da China, além dessas exigências, ela impôs às empresas estrangeiras investidoras outros três itens: ficarem inicialmente restritas a cinco zonas econômicas especiais e a 14 portos abertos, estabelecerem joint ventures com empresas estatais chinesas, e destinarem toda a sua produção para o mercado externo. Em outras palavras, garantiu que suas estatais se modernizassem e transferissem as novas tecnologias para o interior do país, evitou a concorrência estrangeira no mercado doméstico por algum tempo e entrou no mercado internacional na garupa das multinacionais estrangeiras. Ou, dizendo de outro modo, assimilou a liberalização, usando-a como instrumento de competição contra as próprias empresas e países centrais.
A partir de meados dos anos 1990, quando a China ampliou a abertura de seu mercado interno para as empresas estrangeiras, suas empresas nacionais, inclusive as novas empresas privadas, já tinham musculatura tecnológica suficiente para concorrer com as multinacionais estrangeiras, tanto no mercado doméstico, como no mercado internacional. Tudo isso explica, em parte, por que a economia da China teve mais sucesso do que a dos demais países que adotaram políticas soberanas diante da globalização.
Em países em que a globalização não foi tomada como ameaça, como nos casos extremos da Argentina e da Grécia e, em menor escala, do Brasil e diversos outros países da América Latina, África e Europa, o ponto central a destacar não reside em que a maior parcela da indústria permaneceu estagnada e desatualizou-se tecnologicamente, justamente no momento em que teve início a nova revolução tecnológica. Embora isso tenha ocorrido, o ponto nodal consiste em que grande parte da indústria privada adquirida por empresas estrangeiras foi desativada, para não concorrer com seus segmentos em outros países de maior lucratividade, muitas das estatais foram privatizadas e subordinadas a interesses externos, e os principais ramos industriais tornaram-se oligopólios.
Essa situação foi evidente no Brasil do período neoliberal, em que a abertura comercial e a apreciação da moeda nacional funcionaram como máscaras para o desmonte e desnacionalização da parte nacional do parque produtivo do país e, num segundo momento, para a ação da concorrência externa intensificar aquilo que hoje se proclama como especialização regressiva, perda dos setores mais avançados tecnologicamente, esgarçamento das cadeias produtivas e desindustrialização, levando a uma crise econômica, social e política sistêmica, da qual ainda não saímos.
Diante dessa herança neoliberal, com dados inequívocos de especialização regressiva e desindustrialização, e de perda de segmentos tecnologicamente avançados, a questão chave que se coloca é retomar a industrialização através de reformas mais profundas na estrutura econômica, inclusive aproveitando algumas das experiências dos países que enfrentaram as ameaças e contradições da globalização, mas tiveram a capacidade de adensar suas cadeias produtivas.
O atual desdobramento da crise capitalista apresenta novas ameaças, mas também oportunidades para os países atrasados avançarem industrialmente, inclusive como forma de proteção ante as crises cíclicas do capital, que existem, apesar das negadas. O capitalismo das forças produtivas mais desenvolvidas ainda tem a possibilidade de sobreviver, reduzindo a tendência de queda das taxas médias de lucro, porque pode investir em países mais atrasados. Depende destes fazer com que o capital aceite a imposição de transferir altas tecnologias e associar-se a empresas estatais e privadas nacionais, criando novos competidores. Tudo isso embute perigos dos mais diversos tipos. Mas quem vive livre deles?
0 comentários:
Postar um comentário