Por Flávio Aguiar, na Rede Brasil Atual:
Decididamente a “austeridade” europeia não vai bem. Na prática, ela não funciona. Inúmeros comentaristas não ortodoxos vêm insistindo na ideia de que a austeridade prejudica, ao invés de ajudar, as economias afetadas por crises de seus sistemas financeiros e/ou do gigantismo de suas dívidas públicas. Quer dizer, para estes comentaristas, como o prêmio Nobel Paul Krugman, ou mesmo o arqui-bilionário George Soros, a austeridade impede que as economias encalacradas voltem a crescer. Ela mesma, austeridade, é indutora da crise permanente em que estas economias – Grécia, Portugal, Irlanda, Chipre, Espanha – além de Itália, Bélgica, Reino Unido e outros países – estão afundando.
Entretanto, os economistas ortodoxos e os governantes que gravitam em seu redor fazem ouvidos moucos e poucos a tais críticas. Uma das razões dessa surdez está – ou estava – na certeza de que a “boa academia”, a razão universitária supostamente objetiva e sólida, lhes daria razão. E o pilar desta certeza era o artigo publicado em 2010 por dois pesquisadores do National Bureau of Economic Research, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, “Growth in A Time of Debt”,
Neste incensado artigo, os dois pesquisadores relacionavam dívida pública e crescimento econômico numa pesquisa que se estendeu por 200 anos. A conclusão era que, num país desenvolvido, sempre que a dívida pública atingisse 90% do PIB de uma nação, a atividade econômica estagnaria. O Estado perderia a capacidade de reagir, os investidores se retrairiam etc.
O artigo tinha vários atrativos para a ortodoxia que já vinha sendo aplicada na Europa e o fora também nos Estados Unidos. O mais importante deles era que ele estabelecia, com “científica acuracidade”, uma espécie de mecanismo automático entre crescimento da dívida e crise da economia. Portanto, os arautos da austeridade estariam com toda a razão – nem seque só alguma – e seus críticos não teriam nenhuma.
Agora este pilar desabou. A partir da pesquisa de um estudante de doutorado, um outro artigo – “Does High Public Debt Consistently Stifle Economic Growth? A Critique of Reinhart and Rogoff”, também disponível na internet (é só colocar o nome no google), de Thomas Hendon (o estudante) e seus professores Michael Ash e Robert Pollin – ficou demonstrado que o artigo de 2010 continha erros primários, que iam desde a ocultação de dados até falhas na manipulação do programa de computador que usaram, passando por problemas estatísticos.
Desde sempre o artigo de Reinhart e Rogoff despertara críticas por outros economistas. Mas como ele confirmava “objetivamente” tudo o que a ortodoxia queria que fosse confirmado, a mídia que também gravita em torno da “austeridade” simplesmente as ignorou. Agora não dá mais para igonorar. Os erros estão – agora sim objetivamente – comprovados.
Reinhart e Rogoff reconheceram os erros. Mas sustentam que eles não invalidam sua tese fundamental. Entretanto esta ficou na berlinda, porque o reexame dos dados mostra que, pelo menos em algumas vezes, como no caso do Japão dos anos 90, sucedeu exatamente o contrário: foi a falta de crescimento econômico que provocou o crescente endividamento público por, por exemplo, queda na arrecadação de impostos.
Outra coisa que este confronto acadêmico trouxe à baila (v. “The Excel Depression”, de Paul Krugman, The New York Times, 18/04/2013) foi que os arautos e adeptos da “austeridade” não enveredaram por este caminho porque “se viram obrigados a isso”, mas sim porque queriam impô-la. Avançando no caminho aberto pelo argumento de Krugman, pode-se inferir que a “austeridade” tornou-se uma “oportunidade” política, no sentido de desmantelar o chamado estado do bem estar social na Europa, remodelando as sociedades de acordo com o padrão da ortodoxia econômica, numa regressão histórica aos princípios do capitalismo desenfreado dos anos 20, que desaguou na crise de 29 e na ascensão – entre outras coisas danosas – do nazismo na Alemanha.
Este confronto acadêmico mudará alguma coisa? Dentro do espaço acadêmico provavelmente sim. Haverá mais cuidado em checar resultados que envolvam complexas operações hoje inteiramente digitalizadas, antes de dá-las à publicação. Bom, pelo menos por algum tempo, porque as universidades e outros centros de pesquisa continuam obcecadas pela obrigação do “publish or perish”. Mas fora dos corredores universitários provavelmente não haverá mudanças. A obsessão pela “austeridade” continuará, porque esta é a vontade política hegemônica hoje na Europa, e ela não arredará pé. Outros pilares substituirão o pilar que rachou. A ortodoxia econômica é, ela sim, autossustentável.
Decididamente a “austeridade” europeia não vai bem. Na prática, ela não funciona. Inúmeros comentaristas não ortodoxos vêm insistindo na ideia de que a austeridade prejudica, ao invés de ajudar, as economias afetadas por crises de seus sistemas financeiros e/ou do gigantismo de suas dívidas públicas. Quer dizer, para estes comentaristas, como o prêmio Nobel Paul Krugman, ou mesmo o arqui-bilionário George Soros, a austeridade impede que as economias encalacradas voltem a crescer. Ela mesma, austeridade, é indutora da crise permanente em que estas economias – Grécia, Portugal, Irlanda, Chipre, Espanha – além de Itália, Bélgica, Reino Unido e outros países – estão afundando.
Entretanto, os economistas ortodoxos e os governantes que gravitam em seu redor fazem ouvidos moucos e poucos a tais críticas. Uma das razões dessa surdez está – ou estava – na certeza de que a “boa academia”, a razão universitária supostamente objetiva e sólida, lhes daria razão. E o pilar desta certeza era o artigo publicado em 2010 por dois pesquisadores do National Bureau of Economic Research, Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, “Growth in A Time of Debt”,
Neste incensado artigo, os dois pesquisadores relacionavam dívida pública e crescimento econômico numa pesquisa que se estendeu por 200 anos. A conclusão era que, num país desenvolvido, sempre que a dívida pública atingisse 90% do PIB de uma nação, a atividade econômica estagnaria. O Estado perderia a capacidade de reagir, os investidores se retrairiam etc.
O artigo tinha vários atrativos para a ortodoxia que já vinha sendo aplicada na Europa e o fora também nos Estados Unidos. O mais importante deles era que ele estabelecia, com “científica acuracidade”, uma espécie de mecanismo automático entre crescimento da dívida e crise da economia. Portanto, os arautos da austeridade estariam com toda a razão – nem seque só alguma – e seus críticos não teriam nenhuma.
Agora este pilar desabou. A partir da pesquisa de um estudante de doutorado, um outro artigo – “Does High Public Debt Consistently Stifle Economic Growth? A Critique of Reinhart and Rogoff”, também disponível na internet (é só colocar o nome no google), de Thomas Hendon (o estudante) e seus professores Michael Ash e Robert Pollin – ficou demonstrado que o artigo de 2010 continha erros primários, que iam desde a ocultação de dados até falhas na manipulação do programa de computador que usaram, passando por problemas estatísticos.
Desde sempre o artigo de Reinhart e Rogoff despertara críticas por outros economistas. Mas como ele confirmava “objetivamente” tudo o que a ortodoxia queria que fosse confirmado, a mídia que também gravita em torno da “austeridade” simplesmente as ignorou. Agora não dá mais para igonorar. Os erros estão – agora sim objetivamente – comprovados.
Reinhart e Rogoff reconheceram os erros. Mas sustentam que eles não invalidam sua tese fundamental. Entretanto esta ficou na berlinda, porque o reexame dos dados mostra que, pelo menos em algumas vezes, como no caso do Japão dos anos 90, sucedeu exatamente o contrário: foi a falta de crescimento econômico que provocou o crescente endividamento público por, por exemplo, queda na arrecadação de impostos.
Outra coisa que este confronto acadêmico trouxe à baila (v. “The Excel Depression”, de Paul Krugman, The New York Times, 18/04/2013) foi que os arautos e adeptos da “austeridade” não enveredaram por este caminho porque “se viram obrigados a isso”, mas sim porque queriam impô-la. Avançando no caminho aberto pelo argumento de Krugman, pode-se inferir que a “austeridade” tornou-se uma “oportunidade” política, no sentido de desmantelar o chamado estado do bem estar social na Europa, remodelando as sociedades de acordo com o padrão da ortodoxia econômica, numa regressão histórica aos princípios do capitalismo desenfreado dos anos 20, que desaguou na crise de 29 e na ascensão – entre outras coisas danosas – do nazismo na Alemanha.
Este confronto acadêmico mudará alguma coisa? Dentro do espaço acadêmico provavelmente sim. Haverá mais cuidado em checar resultados que envolvam complexas operações hoje inteiramente digitalizadas, antes de dá-las à publicação. Bom, pelo menos por algum tempo, porque as universidades e outros centros de pesquisa continuam obcecadas pela obrigação do “publish or perish”. Mas fora dos corredores universitários provavelmente não haverá mudanças. A obsessão pela “austeridade” continuará, porque esta é a vontade política hegemônica hoje na Europa, e ela não arredará pé. Outros pilares substituirão o pilar que rachou. A ortodoxia econômica é, ela sim, autossustentável.
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