Por Tatiana Berringer, na revista CartaCapital:
A política externa foi um instrumento importante dos programas de governo do PSDB e do PT. Em conjunto com as demais políticas (econômica e social) a atuação internacional do Estado brasileiro foi determinada pelos interesses das frações de classe hegemônicas no bloco no poder que dirigiram duas frentes políticas distintas: a neoliberal e a neodesenvolvimentista.
A primeira é dirigida pela burguesia compradora, fração de classe subordinada ao capital externo, que reproduz de maneira passiva os interesses imperialistas no interior da formação social brasileira.
A segunda frente é dirigida pela grande burguesia interna brasileira, fração dependente do capital externo, mas que, ao mesmo tempo, concorre com ele e, por isso, necessita da intervenção estatal para garantir a sua sobrevivência.
Durante os governos PT a posição política do Estado brasileiro transitou de uma subordinação passiva ao imperialismo para uma posição de subordinação conflitiva dada à ascensão da grande burguesia interna no interior do bloco no poder. Essa alteração teve forte impacto geopolítico contribuindo para o fortalecimento do ciclo de governos progressistas na América do Sul, para a cooperação com os BRICS e a criação do Banco de Desenvolvimento desse agrupamento.
Desde o final dos anos 1980, quando o País vivia uma grave crise econômica, premido pela necessidade e urgência de renegociar a dívida externa, pela pressão dos Estados Unidos para a abertura econômica, pela privatização dos serviços públicos e o acesso às compras governamentais - tudo isso produziu efeitos sobre a burguesia industrial, que passou, após retaliações às suas exportações, a aderir a agenda neoliberal, ainda que com uma posição de certa forma moderada em relação à abertura comercial.
Interessava a essa fração da classe dominante brasileira a redução dos encargos trabalhistas e dos tributos, por isso, aderiu à falsa ideia de que as políticas de industrialização por substituição de importações estariam ultrapassadas, e que a estratégia para a recuperação da capacidade industrial brasileira deveria ser a “integração competitiva” à chamada globalização neoliberal.
Essa estratégia se resume à agenda da redução do “Custo Brasil”, defendida pelas entidades patronais como a Fiesp e a CNI. Como a história demonstrou, a ofensiva contra os direitos trabalhistas e a redução das políticas sociais, bem como as privatizações e a abertura comercial ao invés de dinamizarem a economia brasileira, aprofundaram a dependência e a vulnerabilidade externa do país.
Por isso, no final dos anos 1990, a grande burguesia interna brasileira, composta pela indústria manufatureira, grandes construtoras nacionais, empresas estatais e o agronegócio, tendo em vista as negociações da Área de Livre Comércio (ALCA) e os resultados negativos da implantação do neoliberalismo no Brasil, começou a se aglutinar reivindicando uma abertura comercial negociada (em detrimento da abertura comercial unilateral que vinha sendo adotada), além da preferência nas compras governamentais, a conquista de novos mercados para a exportação dos seus produtos e a garantia de acesso a territórios para a instalação de suas empresas.
Assim, durante os governos Lula e Dilma o Estado brasileiro se aproximou de muitos Estados dependentes, garantindo o fortalecimento da integração regional, o multilateralismo e o conflito pontual com o imperialismo.
Essa política garantiu enormes ganhos econômicos e obteve apoio da grande burguesia interna brasileira. Mas, desde 2013 essa postura mudou. Agora a Fiesp parece saudar a política externa do ministro das Relações Exteriores José Serra e do governo golpista: uma política que restabelece a subordinação passiva com o imperialismo.
O que teria produzido essa alteração na postura da entidade? O que a levou a integrar a frente política neoliberal e conservadora que dirige o golpe de Estado no Brasil?
Em primeiro lugar é preciso destacar que a ofensiva do imperialismo e da frente neoliberal exerceu um importante papel para que essa fração se desaglutinasse e para ao menos parte dela se aliasse aos setores que defenderam o afastamento do governo eleito em 2014. Além do fato de que uma parcela foi presa pela Operação Lava Jato.
Em segundo lugar, acreditamos que quatro elementos foram fundamentais para que a Fiesp e outras entidades patronais passassem a se opor ao governo do PT, aderindo ao golpismo, e acusando a política externa de ideologização e isolamento.
São eles: a diminuição do PIB a partir de 2012, fruto do impacto da crise econômica internacional e da decisão do governo chinês de reduzir o crescimento; a crise econômica na Argentina e a necessidade de imposição de barreiras comerciais que impactaram as exportações brasileiras; o golpe de Estado no Paraguai e a decisão de suspender esse Estado do Mercosul e aprovar a entrada da Venezuela; o avanço nas negociações dos mega-acordos internacionais (Acordos da Parceria Transpacífica, Acordo Transatlântico e Acordo de Comércio e Serviços) e a nova rodada de negociações do acordo entre o Mercosul e a União Europeia a partir de 2010.
A diminuição do PIB e os conflitos comerciais com a Argentina revelam que a relação dessa fração com os governos PT é ideologicamente frágil e condicionada a ganhos econômicos imediatos. A grande burguesia interna diante da redução dos lucros revê facilmente seu apoio a esses governos e à política externa de caráter progressista.
Ademais, a entrada da Venezuela no Mercosul é vista pela Fiesp e pela CNI como uma ameaça à agenda externa dado o anti-imperialismo dos governos Chávez e Maduro. Essa fração, dada sua dependência financeira e tecnológica em relação ao imperialismo, não aceita um confronto mais aberto com os Estados Unidos e União Europeia e também é refratária às políticas de distribuição de renda.
Em outras palavras, ela não é uma burguesia nacional que poderia em aliança com as classes populares assumir uma luta anti-imperialista. Ao contrário, nos momentos de crise política como em 1954, 1964 e agora ela se alia à burguesia compradora e ao imperialismo contra as classes populares.
Essa fração parece acreditar na celeuma de que o País ficaria isolado diante dos mega-acordos internacionais e o Mercosul seria o entrave para isso. Situação parecida com o início dos anos 1990 quando ela aderiu ao programa neoliberal, sobretudo quando a Fiesp apresenta a defesa de que o Brasil deveria apostar uma “integração competitiva” às chamadas cadeias globais de valor.
A entidade nega a história recente e as razões do desenvolvimento desigual e da dependência entre as nações. Ademais não tem compromisso estratégico com a integração regional econômica, produtiva, política e social e com os BRICS enquanto agrupamento capaz de trazer um novo equilíbrio de poder no sistema internacional.
* Tatiana Berringer é professora de Relações Internacionais da UFABC, membro do GR-RI (Grupo de Reflexões em Relações Internacionais) e autora do livro A burguesia brasileira e a política externa nos governos FHC e Lula. Editora Appris, 2015.
A política externa foi um instrumento importante dos programas de governo do PSDB e do PT. Em conjunto com as demais políticas (econômica e social) a atuação internacional do Estado brasileiro foi determinada pelos interesses das frações de classe hegemônicas no bloco no poder que dirigiram duas frentes políticas distintas: a neoliberal e a neodesenvolvimentista.
A primeira é dirigida pela burguesia compradora, fração de classe subordinada ao capital externo, que reproduz de maneira passiva os interesses imperialistas no interior da formação social brasileira.
A segunda frente é dirigida pela grande burguesia interna brasileira, fração dependente do capital externo, mas que, ao mesmo tempo, concorre com ele e, por isso, necessita da intervenção estatal para garantir a sua sobrevivência.
Durante os governos PT a posição política do Estado brasileiro transitou de uma subordinação passiva ao imperialismo para uma posição de subordinação conflitiva dada à ascensão da grande burguesia interna no interior do bloco no poder. Essa alteração teve forte impacto geopolítico contribuindo para o fortalecimento do ciclo de governos progressistas na América do Sul, para a cooperação com os BRICS e a criação do Banco de Desenvolvimento desse agrupamento.
Desde o final dos anos 1980, quando o País vivia uma grave crise econômica, premido pela necessidade e urgência de renegociar a dívida externa, pela pressão dos Estados Unidos para a abertura econômica, pela privatização dos serviços públicos e o acesso às compras governamentais - tudo isso produziu efeitos sobre a burguesia industrial, que passou, após retaliações às suas exportações, a aderir a agenda neoliberal, ainda que com uma posição de certa forma moderada em relação à abertura comercial.
Interessava a essa fração da classe dominante brasileira a redução dos encargos trabalhistas e dos tributos, por isso, aderiu à falsa ideia de que as políticas de industrialização por substituição de importações estariam ultrapassadas, e que a estratégia para a recuperação da capacidade industrial brasileira deveria ser a “integração competitiva” à chamada globalização neoliberal.
Essa estratégia se resume à agenda da redução do “Custo Brasil”, defendida pelas entidades patronais como a Fiesp e a CNI. Como a história demonstrou, a ofensiva contra os direitos trabalhistas e a redução das políticas sociais, bem como as privatizações e a abertura comercial ao invés de dinamizarem a economia brasileira, aprofundaram a dependência e a vulnerabilidade externa do país.
Por isso, no final dos anos 1990, a grande burguesia interna brasileira, composta pela indústria manufatureira, grandes construtoras nacionais, empresas estatais e o agronegócio, tendo em vista as negociações da Área de Livre Comércio (ALCA) e os resultados negativos da implantação do neoliberalismo no Brasil, começou a se aglutinar reivindicando uma abertura comercial negociada (em detrimento da abertura comercial unilateral que vinha sendo adotada), além da preferência nas compras governamentais, a conquista de novos mercados para a exportação dos seus produtos e a garantia de acesso a territórios para a instalação de suas empresas.
Assim, durante os governos Lula e Dilma o Estado brasileiro se aproximou de muitos Estados dependentes, garantindo o fortalecimento da integração regional, o multilateralismo e o conflito pontual com o imperialismo.
Essa política garantiu enormes ganhos econômicos e obteve apoio da grande burguesia interna brasileira. Mas, desde 2013 essa postura mudou. Agora a Fiesp parece saudar a política externa do ministro das Relações Exteriores José Serra e do governo golpista: uma política que restabelece a subordinação passiva com o imperialismo.
O que teria produzido essa alteração na postura da entidade? O que a levou a integrar a frente política neoliberal e conservadora que dirige o golpe de Estado no Brasil?
Em primeiro lugar é preciso destacar que a ofensiva do imperialismo e da frente neoliberal exerceu um importante papel para que essa fração se desaglutinasse e para ao menos parte dela se aliasse aos setores que defenderam o afastamento do governo eleito em 2014. Além do fato de que uma parcela foi presa pela Operação Lava Jato.
Em segundo lugar, acreditamos que quatro elementos foram fundamentais para que a Fiesp e outras entidades patronais passassem a se opor ao governo do PT, aderindo ao golpismo, e acusando a política externa de ideologização e isolamento.
São eles: a diminuição do PIB a partir de 2012, fruto do impacto da crise econômica internacional e da decisão do governo chinês de reduzir o crescimento; a crise econômica na Argentina e a necessidade de imposição de barreiras comerciais que impactaram as exportações brasileiras; o golpe de Estado no Paraguai e a decisão de suspender esse Estado do Mercosul e aprovar a entrada da Venezuela; o avanço nas negociações dos mega-acordos internacionais (Acordos da Parceria Transpacífica, Acordo Transatlântico e Acordo de Comércio e Serviços) e a nova rodada de negociações do acordo entre o Mercosul e a União Europeia a partir de 2010.
A diminuição do PIB e os conflitos comerciais com a Argentina revelam que a relação dessa fração com os governos PT é ideologicamente frágil e condicionada a ganhos econômicos imediatos. A grande burguesia interna diante da redução dos lucros revê facilmente seu apoio a esses governos e à política externa de caráter progressista.
Ademais, a entrada da Venezuela no Mercosul é vista pela Fiesp e pela CNI como uma ameaça à agenda externa dado o anti-imperialismo dos governos Chávez e Maduro. Essa fração, dada sua dependência financeira e tecnológica em relação ao imperialismo, não aceita um confronto mais aberto com os Estados Unidos e União Europeia e também é refratária às políticas de distribuição de renda.
Em outras palavras, ela não é uma burguesia nacional que poderia em aliança com as classes populares assumir uma luta anti-imperialista. Ao contrário, nos momentos de crise política como em 1954, 1964 e agora ela se alia à burguesia compradora e ao imperialismo contra as classes populares.
Essa fração parece acreditar na celeuma de que o País ficaria isolado diante dos mega-acordos internacionais e o Mercosul seria o entrave para isso. Situação parecida com o início dos anos 1990 quando ela aderiu ao programa neoliberal, sobretudo quando a Fiesp apresenta a defesa de que o Brasil deveria apostar uma “integração competitiva” às chamadas cadeias globais de valor.
A entidade nega a história recente e as razões do desenvolvimento desigual e da dependência entre as nações. Ademais não tem compromisso estratégico com a integração regional econômica, produtiva, política e social e com os BRICS enquanto agrupamento capaz de trazer um novo equilíbrio de poder no sistema internacional.
* Tatiana Berringer é professora de Relações Internacionais da UFABC, membro do GR-RI (Grupo de Reflexões em Relações Internacionais) e autora do livro A burguesia brasileira e a política externa nos governos FHC e Lula. Editora Appris, 2015.
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