Por Marcelo Manzano, no site Brasil Debate:
À medida que aumentam as expectativas de uma provável reversão da política de lassidão monetária que tem sido praticada pelo Banco Central Europeu (BCE) nos últimos anos, borbulham na Zona do Euro os temores a respeito de uma nova crise de liquidez que afetaria especialmente os países da periferia. Diante de tal cenário, já se percebe o recrudescimento do inadiável debate em torno de alternativas para escapar da armadilha monetária em que se meteram os membros do continente azul.
Yanis Varoufakis, por exemplo, ex-ministro das finanças da Grécia, tem defendido a criação de uma “moeda fiscal” como uma estratégia para restaurar parte da soberania econômica que foi sequestrada com a introdução do Euro. A ideia é interessante e foi apresentada recentemente pelo economista em um artigo publicado pelo site Project Syndicate (leia aqui).
Em linhas gerais, depois de reconhecer que “neste novo e valente mundo financeiro, a independência dos bancos centrais está perdendo seu sentido” [se é que já houve algum] porque a grande usina de liquidez tem sido o mercado interbancário – respaldado por títulos públicos e, portanto, estritamente conectado à política fiscal –, Varoufakis sugere um mecanismo de desmame, o qual, sem romper com a sacrossanta independência dos bancos centrais, os deixaria gradativamente tão independentes a ponto de se tornarem quase desnecessários.
O pulo do gato seria a introdução de uma quase-moeda ou “moeda fiscal” – um Certificado de Crédito Tributário (CCT) emitido pelos governos nacionais para exclusiva circulação interna e lastreado nos impostos a serem coletados no futuro – que abriria espaço para, a um só tempo, financiar o gasto público e estimular a demanda doméstica em países que se encontram asfixiados pelos nós cegos que sustentam o Euro.
Ou seja, com as “moedas fiscais” fluindo para o bolso de famílias e empresas sem que isso se traduzisse em uma ampliação do endividamento público dos países membros (os CCTs não constituem títulos de dívida!), seriam devolvidos aos governos nacionais um potente instrumento para contrarrestar o garrote da austeridade imposta pelo BCE, num belíssimo e criativo olé sobre a ortodoxia.
Também na Itália – frequentemente apontada como a próxima bola da vez – o imbróglio monetário europeu tem animado o debate, fazendo crescer no país o consenso em torno da necessária adoção de uma moeda complementar ao Euro (leia aqui).
Entre o campo da direita, liderado pelo revigorado Berlusconi, defende-se sem meias palavras a criação da Nova Lira – o que provocaria um embate de grandes proporções com o BCE, visto que esse detém o monopólio da emissão monetária na eurolândia. Já entre os economistas mais alinhados com a centro-esquerda italiana, à semelhança do “Euro fiscal” de Varoufakis, propõe-se não apenas criar uma quase-moeda (certificado de crédito tributário) como distribuí-lo sem custos aos segmentos da sociedade com maior propensão a consumir (leia aqui).
Seja como for, um dos méritos das propostas das moedas fiscais é que, sem romper formalmente com a obtusa crença nas virtudes do equilíbrio fiscal – para o que seria necessário muito mais força política – se escoram na constatação empírica do multiplicador da renda para demonstrar que os custo fiscais dos Certificados de Crédito Tributário seriam pagos com sobra em virtude da expansão da renda agregada e seus efeitos positivos sobre a arrecadação fiscal.
Tardiamente, depois dos evidentes equívocos de uma união monetária que desune e amplia a distância entre os padrões de vida dentro do bloco europeu, parece que agora despontam algumas oportunas sugestões para a construção de uma arquitetura monetária que se assemelharia ao “clearing union” idealizado por Keynes nas reuniões de Bretton Woods.
Com diferentes nuances, vislumbra-se um sistema onde as “moedas nacionais” (de fato ou quase-moedas) teriam importante papel para dar curso às políticas fiscal e monetária de cada país e conviveriam com uma moeda supranacional – no caso o Euro – gerida por um organismo multilateral (o BCE) e que serviria como divisa tanto para as transações intra europeias quanto para aquelas realizadas com o resto do mundo.
Resta saber, contudo, quem colocará o guizo no gato e, mais do que isso, quão profunda deve ser a crise para que se estabeleçam as condições políticas suficientes para que esse alguém o faça.
À medida que aumentam as expectativas de uma provável reversão da política de lassidão monetária que tem sido praticada pelo Banco Central Europeu (BCE) nos últimos anos, borbulham na Zona do Euro os temores a respeito de uma nova crise de liquidez que afetaria especialmente os países da periferia. Diante de tal cenário, já se percebe o recrudescimento do inadiável debate em torno de alternativas para escapar da armadilha monetária em que se meteram os membros do continente azul.
Yanis Varoufakis, por exemplo, ex-ministro das finanças da Grécia, tem defendido a criação de uma “moeda fiscal” como uma estratégia para restaurar parte da soberania econômica que foi sequestrada com a introdução do Euro. A ideia é interessante e foi apresentada recentemente pelo economista em um artigo publicado pelo site Project Syndicate (leia aqui).
Em linhas gerais, depois de reconhecer que “neste novo e valente mundo financeiro, a independência dos bancos centrais está perdendo seu sentido” [se é que já houve algum] porque a grande usina de liquidez tem sido o mercado interbancário – respaldado por títulos públicos e, portanto, estritamente conectado à política fiscal –, Varoufakis sugere um mecanismo de desmame, o qual, sem romper com a sacrossanta independência dos bancos centrais, os deixaria gradativamente tão independentes a ponto de se tornarem quase desnecessários.
O pulo do gato seria a introdução de uma quase-moeda ou “moeda fiscal” – um Certificado de Crédito Tributário (CCT) emitido pelos governos nacionais para exclusiva circulação interna e lastreado nos impostos a serem coletados no futuro – que abriria espaço para, a um só tempo, financiar o gasto público e estimular a demanda doméstica em países que se encontram asfixiados pelos nós cegos que sustentam o Euro.
Ou seja, com as “moedas fiscais” fluindo para o bolso de famílias e empresas sem que isso se traduzisse em uma ampliação do endividamento público dos países membros (os CCTs não constituem títulos de dívida!), seriam devolvidos aos governos nacionais um potente instrumento para contrarrestar o garrote da austeridade imposta pelo BCE, num belíssimo e criativo olé sobre a ortodoxia.
Também na Itália – frequentemente apontada como a próxima bola da vez – o imbróglio monetário europeu tem animado o debate, fazendo crescer no país o consenso em torno da necessária adoção de uma moeda complementar ao Euro (leia aqui).
Entre o campo da direita, liderado pelo revigorado Berlusconi, defende-se sem meias palavras a criação da Nova Lira – o que provocaria um embate de grandes proporções com o BCE, visto que esse detém o monopólio da emissão monetária na eurolândia. Já entre os economistas mais alinhados com a centro-esquerda italiana, à semelhança do “Euro fiscal” de Varoufakis, propõe-se não apenas criar uma quase-moeda (certificado de crédito tributário) como distribuí-lo sem custos aos segmentos da sociedade com maior propensão a consumir (leia aqui).
Seja como for, um dos méritos das propostas das moedas fiscais é que, sem romper formalmente com a obtusa crença nas virtudes do equilíbrio fiscal – para o que seria necessário muito mais força política – se escoram na constatação empírica do multiplicador da renda para demonstrar que os custo fiscais dos Certificados de Crédito Tributário seriam pagos com sobra em virtude da expansão da renda agregada e seus efeitos positivos sobre a arrecadação fiscal.
Tardiamente, depois dos evidentes equívocos de uma união monetária que desune e amplia a distância entre os padrões de vida dentro do bloco europeu, parece que agora despontam algumas oportunas sugestões para a construção de uma arquitetura monetária que se assemelharia ao “clearing union” idealizado por Keynes nas reuniões de Bretton Woods.
Com diferentes nuances, vislumbra-se um sistema onde as “moedas nacionais” (de fato ou quase-moedas) teriam importante papel para dar curso às políticas fiscal e monetária de cada país e conviveriam com uma moeda supranacional – no caso o Euro – gerida por um organismo multilateral (o BCE) e que serviria como divisa tanto para as transações intra europeias quanto para aquelas realizadas com o resto do mundo.
Resta saber, contudo, quem colocará o guizo no gato e, mais do que isso, quão profunda deve ser a crise para que se estabeleçam as condições políticas suficientes para que esse alguém o faça.
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