Por Andrew Fishman, no site The Intercept-Brasil:
Ministros do Supremo Tribunal Federal são escolhidos por serem – teoricamente – os mais eruditos e sapientes magistrados do país. Um dos escolhidos para debater e avaliar os casos mais complexos à luz da Constituição, o Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes fez, nesta quinta (19), o julgamento mais difícil de sua carreira quando avaliou em entrevista coletiva que ele mesmo não faz um trabalho escravo.
“Nós mesmo já tivemos, no Supremo Tribunal Federal, debates a propósito disso, em que se diz que alguém se submete a trabalho estressante, exaustivo. Nós aqui… eu, por exemplo, acho que eu me submeto a um trabalho exaustivo. Mas com prazer. Eu não acho que eu faço um trabalho escravo.”
A declaração é referente à portaria publicada pelo governo Temer nesta segunda (16) que estripou medidas usadas no combate à escravidão. A portaria representa “um retrocesso de 20 anos” por limitar a definição do termo e dificultar a investigação de casos suspeitos e a divulgação de crimes confirmados. Decisões que antes eram tomadas pelo corpo técnico agora só serão divulgadas com a expressa autorização do Ministro do Trabalho.
É raro, mas, desta vez, eu concordo com o ministro: Gilmar Mendes não é um escravo.
Mas não foi fácil chegar à mesma conclusão do excelentíssimo senhor. Tive que analisar vários fatos que, suspeito, o senhor também deve ter considerado. Por exemplo:
Ministros do Supremo Tribunal Federal são escolhidos por serem – teoricamente – os mais eruditos e sapientes magistrados do país. Um dos escolhidos para debater e avaliar os casos mais complexos à luz da Constituição, o Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes fez, nesta quinta (19), o julgamento mais difícil de sua carreira quando avaliou em entrevista coletiva que ele mesmo não faz um trabalho escravo.
“Nós mesmo já tivemos, no Supremo Tribunal Federal, debates a propósito disso, em que se diz que alguém se submete a trabalho estressante, exaustivo. Nós aqui… eu, por exemplo, acho que eu me submeto a um trabalho exaustivo. Mas com prazer. Eu não acho que eu faço um trabalho escravo.”
A declaração é referente à portaria publicada pelo governo Temer nesta segunda (16) que estripou medidas usadas no combate à escravidão. A portaria representa “um retrocesso de 20 anos” por limitar a definição do termo e dificultar a investigação de casos suspeitos e a divulgação de crimes confirmados. Decisões que antes eram tomadas pelo corpo técnico agora só serão divulgadas com a expressa autorização do Ministro do Trabalho.
É raro, mas, desta vez, eu concordo com o ministro: Gilmar Mendes não é um escravo.
Mas não foi fácil chegar à mesma conclusão do excelentíssimo senhor. Tive que analisar vários fatos que, suspeito, o senhor também deve ter considerado. Por exemplo:
- Ele é uma das pessoas mais poderosas e privilegiadas no Brasil. Escravos, se tivessem poder, não seriam escravos. Só para destacar uns pontos mais evidentes:
- é ministro do Supremo Tribunal Federal,
- é presidente do Tribunal Superior Eleitoral,
- é íntimo de políticos poderosos como Michel Temer e Aécio Neves,
- vem de uma família com uma longa história de influência no judiciário.
- Ele é rico. Só por seu cargo no STF, o ministro ganha R$ 37.476,93 por mês. (No Brasil, o salário médio é R$ 1.853.) Pessoas escravizadas, geralmente, não são ricas.
- Ministros do STF tiveram 91 dias de folga em 2017. Não é incomum ex-escravos relatarem que tiveram que trabalhar até 14 horas por dia, 7 dias por semana, sem folga.
- Como ministro do STF, Gilmar Mendes tem entre 25 e 30 assessores para ajudá-lo em seu trabalho. Geralmente, pessoas escravizadas são explorados pelos outros e não têm nenhuma equipe de concursados para ajudá-los a cumprir o trabalho forçado.
- Ele pode deixar seus empregos quando quiser e passar o resto dos seus anos em uma vida de lazer. Geralmente, pessoas escravizadas não têm essa opção (veja pontos 1 e 2).
Isso foi suficiente para que chegasse à minha conclusão – mesmo não sendo um especialista na área. Você pode ler a definição de trabalho escravo aqui. Mas outro detalhe chamou atenção na minha profunda análise do caso: a família do ministro é dono de uma empresa que fornece gado para a JBS, o maior “produtor de proteína animal” do mundo (e fonte de propinas bilionárias para políticos brasileiros): “Minha família é de agropecuaristas e vendemos gado para a JBS lá (Mato Grosso)”, afirmou Gilmar para a Folha de S.Paulo em maio.
Além de seu notório papel na corrupção de Brasília, a JBS também é conhecida por comprar gado e frango de fornecedores que utilizam trabalho escravo, de acordo com a ONG Repórter Brasil. A reportagem também detalha abuso de animais, inadimplência fiscal, abuso de trabalhadores e negócios com desmatadores da Amazônia.
Uma outra pesquisa de Repórter Brasil destaca que trabalho escravo é majoritariamente utilizado por agropecuaristas, – 80% dessa mão-de-obra é utilizada para produzir carne e leite.
Para ser claro e evitar qualquer risco de um processo indevido, ninguém está alegando que Gilmar Mendes ou sua família utiliza ou tem vínculo direto com trabalho escravo. Apenas é fato que sua família está ligada à indústria que mais utiliza trabalho escravo e também vende gado para uma empresa que já foi flagrada comprando gado de fornecedores que utilizam trabalho escravo. Sua empresa, o Instituto Brasiliense de Direito Público, também já recebeu R$ 2,1 milhões da J&F, empresa controladora da JBS (R$ 650 mil foi devolvido depois das delações premiadas dos donos da J&F).
Peraí. Então, na verdade, parece que o magistrado não entendeu o significado do debate sobre trabalho escravo. As leis e regras para combater escravidão não são feitos para proteger ministros do STF e grandes agropecuaristas, mas, sim para evitar que trabalhadores pobres e vulneráveis possam vir a ser explorados por “empresários” como eles.
Se isso for verdade, para o ministro do STF responder ao debate assim, é possível que esteja completamente alienado do mundo real em que a maioria do país vive ou esteja sendo intencionalmente obtuso para justificar o injustificável. Terei que refletir mais para chegar a uma conclusão neste ponto — e espero que Gilmar reflita também.
Isso foi suficiente para que chegasse à minha conclusão – mesmo não sendo um especialista na área. Você pode ler a definição de trabalho escravo aqui. Mas outro detalhe chamou atenção na minha profunda análise do caso: a família do ministro é dono de uma empresa que fornece gado para a JBS, o maior “produtor de proteína animal” do mundo (e fonte de propinas bilionárias para políticos brasileiros): “Minha família é de agropecuaristas e vendemos gado para a JBS lá (Mato Grosso)”, afirmou Gilmar para a Folha de S.Paulo em maio.
Além de seu notório papel na corrupção de Brasília, a JBS também é conhecida por comprar gado e frango de fornecedores que utilizam trabalho escravo, de acordo com a ONG Repórter Brasil. A reportagem também detalha abuso de animais, inadimplência fiscal, abuso de trabalhadores e negócios com desmatadores da Amazônia.
Uma outra pesquisa de Repórter Brasil destaca que trabalho escravo é majoritariamente utilizado por agropecuaristas, – 80% dessa mão-de-obra é utilizada para produzir carne e leite.
Para ser claro e evitar qualquer risco de um processo indevido, ninguém está alegando que Gilmar Mendes ou sua família utiliza ou tem vínculo direto com trabalho escravo. Apenas é fato que sua família está ligada à indústria que mais utiliza trabalho escravo e também vende gado para uma empresa que já foi flagrada comprando gado de fornecedores que utilizam trabalho escravo. Sua empresa, o Instituto Brasiliense de Direito Público, também já recebeu R$ 2,1 milhões da J&F, empresa controladora da JBS (R$ 650 mil foi devolvido depois das delações premiadas dos donos da J&F).
Peraí. Então, na verdade, parece que o magistrado não entendeu o significado do debate sobre trabalho escravo. As leis e regras para combater escravidão não são feitos para proteger ministros do STF e grandes agropecuaristas, mas, sim para evitar que trabalhadores pobres e vulneráveis possam vir a ser explorados por “empresários” como eles.
Se isso for verdade, para o ministro do STF responder ao debate assim, é possível que esteja completamente alienado do mundo real em que a maioria do país vive ou esteja sendo intencionalmente obtuso para justificar o injustificável. Terei que refletir mais para chegar a uma conclusão neste ponto — e espero que Gilmar reflita também.
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