Quando eu tinha 16 anos, quase 17, passei no vestibular de Comunicação na Universidade Federal da Bahia, em Salvador. Foi provavelmente o grande acontecimento da minha vida, o mais libertador. Até então, eu, menina nascida e criada no interior, estive sempre sob a rédea curta do meu pai, que tratava com zelo excessivo sua primeira filha mulher.
Até hoje confesso que não sei por que ele me prendia tanto. Sempre fui estudiosa e responsável. Mas a cabeça de meu pai ainda funcionava como as de antigamente, embora nem fosse tão velho assim (tinha 46 anos!) e estivéssemos em plenos anos 1980... Interior da Bahia é fogo, acho que ainda tem gente por lá que cria as filhas deste jeito.
Bem, aos 17 anos a única coisa em que eu pensava era em ser livre. Como toda adolescente, não queria ninguém pegando no meu pé, claro. E passar no vestibular na capital foi tipo ganhar a mega-sena da independência, tirar o passaporte da soltura no mundo. Lá estava eu, na cidade grande, sem precisar prestar contas de por onde andava nem com quem andava. Que sensação boa.
Depois de morar uns meses num pensionato, fui dividir apartamento com uma amiga e aí então tudo ficou ainda melhor. Vocês, criados em capital com pais liberais, não têm ideia de como é poder ir ao cinema, a um show, namorar na rua, na praia... Meu pai não me deixava fazer nada disso. Sério! Só podia namorar se fosse na porta de casa. Parece narrativa do século 19, mas é a minha vida.
E então, subitamente, a universidade. Linda UFBA! Sobretudo o prédio da Faculdade de Filosofia, em São Lázaro, lotado de jambeiros e sapotizeiros, com vista para o mar de Ondina. Lembro de tudo, da matrícula, dos primeiros amigos, da primeira aula – o professor faltou. O ambiente na Escola de Comunicação da UFBA em 1984 era levemente anárquico. Meninos se beijavam (entre eles) pelos corredores e até em sala de aula, fumava-se maconha embaixo do flamboyant... Nada daquilo me chocava, pelo contrário.
O aparecimento da Aids, sim, foi um divisor de águas para minha geração. Pouco antes das notícias sobre o vírus HIV, as sexualidades estavam tão diluídas como começam a estar hoje novamente. Muitos meninos pintavam os olhos, usavam batom e não era nada “anormal” que beijassem na boca uns dos outros. Veio a Aids e infelizmente o mundo encaretou, não sem antes levar tantos queridos embora.
Eu acho que a Aids representou um breque na revolução dos gêneros que se desenhava naquele começo de década. Atrasou em trinta anos o que estamos assistindo agora: gêneros não binários, transgêneros, pangêneros, pós-gêneros. E, no entanto, para meu profundo desapontamento, existe uma parte da juventude que tem a mesma cabeça que meu pai tinha, sendo que já era anacrônico então.
Nem em meus piores pesadelos eu poderia imaginar que, com os anos de faculdade tão longe na memória, assistiria o que estamos vendo hoje no Brasil de Michel Temer. Jovens com a mentalidade de velhinhos do século passado, capazes de se chocar com meia dúzia de quadros em uma exposição de arte. Me espanta ver com o quê eles se espantam. E olha que muitas vezes são “gente da capital”, hein?
Rapazinhos e mocinhas aparentemente “modernos”, tatuados, com roupas descoladas, mas que se revelam, nas redes sociais, uns sinhozinhos e sinhazinhas. Filhos e filhas que parecem querer pedir aos pais que os prendam dentro de casa e só lhes permitam namorar na porta. Afe!
Uns anos antes de passar no vestibular, eu gostava de ir à igreja aos domingos – mas só porque representava uma fuga dos olhos vigilantes do meu pai. Na igreja, podia ver garotos. Adorava aquela parte do “vamos abraçar uns aos outros” só para poder chegar mais perto do crush... Que me desculpem os muito religiosos, mas tem jovem hoje que não para de falar em Deus, Jesus, é muito fanatismo. Que bando de carola.
Dói em mim ver gente com tanta liberdade nas mãos e tanto desejo de oprimir o próximo. Quando tinha 20 anos, eu só pensava em namorar muito, viajar pelo mundo e sorver conhecimento. Hoje, com tantas facilidades que a juventude tem de namorar, de viajar e de se informar, preferem virar bedéis da vida e da sexualidade alheias. Pessoas rasas, com zero sede de saber, de cultura. O único objetivo dessa parcela da juventude é ganhar dinheiro. Isso me decepciona.
Nos diretórios estudantis das faculdades brasileiras de 2017, disputam (e vencem) chapas de direita, imaginem. Na época em que estudei, a briga era entre vermelhos: anarquistas versus comunistas. Ser de direita simplesmente não ornava com ser jovem. Ser de direita era coisa de velho. E acho que, de certa maneira, continua sendo. Estes “jovens” de direita são uns senhores rabugentos, que veem “pecado” em tudo.
Só me lembro daquela canção do Cazuza, grande ídolo de meus tempos de faculdade: “Vamos pedir piedade, senhor, piedade. Para essa gente careta e covarde”. Careta, o Brasil está cada vez mais careta. Sairá dessa fase? Não sairá? Para almas libertárias como a minha, está sendo uma tortura assistir a este museu de grandes novidades.
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