Por Débora Fogliatto, no site Sul-21:
Na primeira semana de 2019, foram registrados pelo menos 21 casos e 11 tentativas de feminicídio no Brasil. Como geralmente ocorre nesse tipo de crime, na maioria deles o agressor mantinha alguma relação com a vítima, seja como marido, namorado ou ex-namorado. Apenas em dezembro do ano passado, o Ligue 180 registrou denúncias de 391 mulheres agredidas por dia no Brasil.
Ao mesmo tempo em que os números são alarmantes, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) anunciou nesta quarta-feira (9) que retiraria a pauta da igualdade entre homens e mulheres e do combate à violência contra a mulher dos livros didáticos. Após pressão popular, o Ministério da Educação voltou atrás e cancelou a portaria que determinava as alterações nas regras para o material.
Em seu material de campanha, Bolsonaro só mencionava a temática da violência contra a mulher ao mencionar o estupro. Ou seja, nenhuma palavra sobre agressões domésticas e feminicídio – termo que, aliás, ele não apoia. Quando deputado, o agora presidente votou contra a Lei do Feminicídio, aprovada em 2015, que determina a tipificação dos assassinatos de mulheres relacionados ao fato de serem mulheres. Durante a campanha eleitoral de 2018, milhares de mulheres em todo o país se uniram contra a candidatura de Bolsonaro no movimento que ficou conhecido como “ele não”.
Também em 2018, quando questionado sobre o assunto, Bolsonaro disse acreditar que as mulheres prefeririam ter ‘uma arma na bolsa’ à lei do feminicídio, acrescentando ser a favor de 30 anos de prisão para quem mata “sem motivo”. Ao longo dos anos, ele ganhou antipatia do eleitorado feminino por suas declarações machistas, tendo inclusive dito à deputada Maria do Rosário (PT), em 2014, que “não a estupraria” porque ela “não merece”.
Ao mesmo tempo, ele defende a castração química para estupradores, a qual comprovadamente não resolveria o problema da violência contra a mulher. Declarações e ações como essas, propagadas por alguém que agora se encontra na presidência da República, acabam gerando o fortalecimento da “cultura de toda herança da banalização da agressão contra a mulher”, conforme avalia a doutora em Comunicação e Informação Pâmela Stocker.
Integrante do coletivo Aquenda- Núcleo de Estudos em Comunicação, Gêneros e Sexualidades, Pâmela pesquisa justamente a respeito dos discursos relacionados à violência contra a mulher. Em 2016 e 2017, ministrou o curso de extensão ‘Gêneros, Sexualidades e Comunicação: desconstruindo normatividades e refletindo dissidências’, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), instituição onde também obteve seu mestrado e doutorado.
“A gente vem numa luta para que haja uma mudança de valores e comportamento e esse tipo de discurso vai reforçar a manutenção daqueles velhos padrões machistas e patriarcais, que de alguma forma acabam autorizando e até justificando que alguns crimes sejam cometidos”, aponta ela. Ao mesmo tempo, levando em conta que Bolsonaro já está na presidência do país, Pâmela menciona que neste momento não se trata apenas de discurso, e sim de ações de governo, o que é ainda mais preocupante.
“Já no governo [de Michel] Temer temos a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), que na época foi incorporada ao Ministério de Direitos Humanos, e agora um novo ministério, que é das Mulheres, Família e Direitos Humanos. Então não é mais só o discurso, temos aí um novo posicionamento de governo que está ligado à justamente fortalecer essa banalização das agressões, de olhar para isso como ‘mimimi’, como algo sem importância”, destaca.
Confira a entrevista completa:
A lei do feminicídio, sancionada em 2015, foi uma importante conquista do movimento feminista. Tu avalias que ela representou uma mudança de paradigmas na forma como o tema é tratado pelas polícias e pela sociedade?
Com certeza, juntamente com a Lei Maria da Penha, a lei do feminicídio foi uma das grandes conquistas dos últimos anos do movimento feminista. Veio quase 9 anos depois da lei Maria da Penha, que se foca mais nas medidas protetivas, enquanto a do Feminicídio determina um agravante para o crime de homicídio, penas mais duras para esse crime, que é diferente do homicídio. Faz essa diferenciação do assassinato de uma mulher por ser mulher. A principal mudança de paradigma é mais social do que estrutural, porque faz com que os casos saiam da invisibilidade. Todos os crimes antes iam para uma vara comum do homicídio, hoje temos agravante de pena, penas mais duras, o que faz com que a gente olhe com mais seriedade também para esses crimes, com a atenção que ele merece.
Essa visibilidade maior que acontece a partir de 2015 faz com que mais mulheres vítimas de violência se encorajem a fazer a denúncia. Temos também um interesse maior da imprensa em cobrir os casos, nomear, trazer esclarecimentos dessa nomenclatura como algo novo. Mas mesmo tendo avanços, creio que a mudança de paradigma ainda não foi estrutural em termos de delegacia e atendimento, mas acho que a principal quebra foi social, em relação à percepção das pessoas, a abordagem da imprensa e essa visibilidade maior.
“Já no governo [de Michel] Temer temos a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), que na época foi incorporada ao Ministério de Direitos Humanos, e agora um novo ministério, que é das Mulheres, Família e Direitos Humanos. Então não é mais só o discurso, temos aí um novo posicionamento de governo que está ligado à justamente fortalecer essa banalização das agressões, de olhar para isso como ‘mimimi’, como algo sem importância”, destaca.
Confira a entrevista completa:
A lei do feminicídio, sancionada em 2015, foi uma importante conquista do movimento feminista. Tu avalias que ela representou uma mudança de paradigmas na forma como o tema é tratado pelas polícias e pela sociedade?
Com certeza, juntamente com a Lei Maria da Penha, a lei do feminicídio foi uma das grandes conquistas dos últimos anos do movimento feminista. Veio quase 9 anos depois da lei Maria da Penha, que se foca mais nas medidas protetivas, enquanto a do Feminicídio determina um agravante para o crime de homicídio, penas mais duras para esse crime, que é diferente do homicídio. Faz essa diferenciação do assassinato de uma mulher por ser mulher. A principal mudança de paradigma é mais social do que estrutural, porque faz com que os casos saiam da invisibilidade. Todos os crimes antes iam para uma vara comum do homicídio, hoje temos agravante de pena, penas mais duras, o que faz com que a gente olhe com mais seriedade também para esses crimes, com a atenção que ele merece.
Essa visibilidade maior que acontece a partir de 2015 faz com que mais mulheres vítimas de violência se encorajem a fazer a denúncia. Temos também um interesse maior da imprensa em cobrir os casos, nomear, trazer esclarecimentos dessa nomenclatura como algo novo. Mas mesmo tendo avanços, creio que a mudança de paradigma ainda não foi estrutural em termos de delegacia e atendimento, mas acho que a principal quebra foi social, em relação à percepção das pessoas, a abordagem da imprensa e essa visibilidade maior.
Ao mesmo tempo, temos o discurso do novo presidente Bolsonaro de que seria mais útil as mulheres terem “uma arma para se defender” do que a lei do feminicídio – ele inclusive votou contra a aprovação da lei. De que forma isso afeta as opiniões populares acerca do tema, fazendo as pessoas pensarem que o tema da misoginia é ‘mimimi’, por exemplo?
É complicado comentar declarações de pessoas como o Bolsonaro e a Damares [Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos], porque tenho a sensação de que a gente fica nesse círculo de comentar o absurdo. Falar de arma para mulheres se defenderem do feminicídio demonstra o total desconhecimento desse senhor a respeito do crime do feminicídio no Brasil, em que a grande maioria dos crimes são cometidos dentro de casa, elas não estão sendo assassinadas por pessoas desconhecidas, mas sim pelos seus próprios maridos, companheiros, namorados, ou ex-maridos. Então é tão equivocado e absurdo que fica difícil de comentar.
Mas com certeza o discurso dessa pessoa que ocupa a presidência vai afetar a opinião pública sobre o tema. Quando se tem alguém em uma posição de poder, o discurso dele vai ter uma maior ampliação e repercussão do que dito em outros espaços. O tipo de discurso que o Bolsonaro propaga acaba fortalecendo essa cultura de toda herança da banalização da agressão contra a mulher. A gente vem numa luta para que haja uma mudança de valores e comportamento e esse tipo de discurso vai reforçar a manutenção daqueles velhos padrões machistas e patriarcais, que de alguma forma acabam autorizando e até justificando que alguns crimes sejam cometidos.
No caso do Bolsonaro, não é mais só o discurso, já temos um novo posicionamento de governo que não mostra nenhuma inclinação para construir políticas públicas voltadas para o direito das mulheres. Já no governo de [Michel] Temer temos a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), que na época foi incorporada ao Ministério de Direitos Humanos, e agora um novo ministério, que é das Mulheres, Família e Direitos Humanos. Então não é mais só o discurso, temos aí um novo posicionamento de governo que está ligado à justamente fortalecer essa banalização das agressões, de olhar para isso como ‘mimimi’, como algo sem importância. Então é um cenário bem desolador mesmo, não creio que a gente possa ter muita esperança caso esse governo continue com essa linha de pensamento.
Mais grave ainda, pode-se dizer que discursos violentos como o do Bolsonaro, que a todo tempo rebaixa as mulheres, inclusive legitimam as práticas de violência contra a mulher?
Eu não sei se legitima, mas acredito que endossa de alguma forma e autoriza esse tipo de violência, por naturalizar alguns comportamentos machistas e de intolerância. A maioria desses crimes de feminicídio, se falarmos dos crimes que ocorreram no início de 2019 – que foi um número muito alto nesses primeiros dias – a maioria se deram porque os homens em questão não aceitaram o término de seus relacionamentos. Então quando eu tenho um discurso onde há uma ênfase na manutenção de algumas posições de sujeito masculinos e femininos, uma ênfase na importância de uma família nuclear e tradicional, de certa forma retirando a autonomia da mulher e a colocando nesse papel de submissão e aceitação de alguns comportamentos masculinos, isso legitima sim que algumas agressões aconteçam. Esse crime passa a de alguma forma fazer sentido dentro desse discurso. É muito violento e endossa de alguma forma ou justifica, autoriza que esses crimes sejam cometidos contra as mulheres.
É complicado comentar declarações de pessoas como o Bolsonaro e a Damares [Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos], porque tenho a sensação de que a gente fica nesse círculo de comentar o absurdo. Falar de arma para mulheres se defenderem do feminicídio demonstra o total desconhecimento desse senhor a respeito do crime do feminicídio no Brasil, em que a grande maioria dos crimes são cometidos dentro de casa, elas não estão sendo assassinadas por pessoas desconhecidas, mas sim pelos seus próprios maridos, companheiros, namorados, ou ex-maridos. Então é tão equivocado e absurdo que fica difícil de comentar.
Mas com certeza o discurso dessa pessoa que ocupa a presidência vai afetar a opinião pública sobre o tema. Quando se tem alguém em uma posição de poder, o discurso dele vai ter uma maior ampliação e repercussão do que dito em outros espaços. O tipo de discurso que o Bolsonaro propaga acaba fortalecendo essa cultura de toda herança da banalização da agressão contra a mulher. A gente vem numa luta para que haja uma mudança de valores e comportamento e esse tipo de discurso vai reforçar a manutenção daqueles velhos padrões machistas e patriarcais, que de alguma forma acabam autorizando e até justificando que alguns crimes sejam cometidos.
No caso do Bolsonaro, não é mais só o discurso, já temos um novo posicionamento de governo que não mostra nenhuma inclinação para construir políticas públicas voltadas para o direito das mulheres. Já no governo de [Michel] Temer temos a extinção da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), que na época foi incorporada ao Ministério de Direitos Humanos, e agora um novo ministério, que é das Mulheres, Família e Direitos Humanos. Então não é mais só o discurso, temos aí um novo posicionamento de governo que está ligado à justamente fortalecer essa banalização das agressões, de olhar para isso como ‘mimimi’, como algo sem importância. Então é um cenário bem desolador mesmo, não creio que a gente possa ter muita esperança caso esse governo continue com essa linha de pensamento.
Mais grave ainda, pode-se dizer que discursos violentos como o do Bolsonaro, que a todo tempo rebaixa as mulheres, inclusive legitimam as práticas de violência contra a mulher?
Eu não sei se legitima, mas acredito que endossa de alguma forma e autoriza esse tipo de violência, por naturalizar alguns comportamentos machistas e de intolerância. A maioria desses crimes de feminicídio, se falarmos dos crimes que ocorreram no início de 2019 – que foi um número muito alto nesses primeiros dias – a maioria se deram porque os homens em questão não aceitaram o término de seus relacionamentos. Então quando eu tenho um discurso onde há uma ênfase na manutenção de algumas posições de sujeito masculinos e femininos, uma ênfase na importância de uma família nuclear e tradicional, de certa forma retirando a autonomia da mulher e a colocando nesse papel de submissão e aceitação de alguns comportamentos masculinos, isso legitima sim que algumas agressões aconteçam. Esse crime passa a de alguma forma fazer sentido dentro desse discurso. É muito violento e endossa de alguma forma ou justifica, autoriza que esses crimes sejam cometidos contra as mulheres.
O que pode explicar esse discurso de homens como o Bolsonaro que, ao mesmo tempo em que falam coisas criminosas (como quando fez apologia ao estupro da deputada Maria do Rosário) defendem penas mais duras para criminosos (mesmo que estas sejam penas comprovadamente sem efeito, como a castração química)?
A raiz desse discurso é conservadora, então quando ele fala que algumas mulheres merecem ou não ser estupradas, é importante demarcar que ele está falando de dois grupos de mulheres, dividindo entre as que ‘mereceriam’ ou não ser estupradas. E acho que tem muito a ver com uma construção do que seria uma mulher ideal, de respeito dentro dos padrões, daquilo que se espera do comportamento da mulher. Dos preceitos aliados ao que é feminino e a ocupação dos espaços que são construídos para nós mulheres. E daí uma ascensão, uma diferenciação para aquelas mulheres que ousam sair desse espaço pré-determinado que foi destinado a nós. Contra essas mulheres dissidentes, que não se enquadram nos padrões de feminilidade, estaria autorizado qualquer tipo de violência.
Em relação à castração química e essas penas mais duras, a gente sabe que são totalmente não efetivas. A motivação de um estupro não é o ato sexual em si, a conjunção carnal, e sim a dominação e o poder que está envolvido nesse ato. Não vai reduzir os índices de violência, porque daí a gente não teria mulheres sendo estupradas com cabos de vassoura por exemplo, esses casos em que não há a conjunção carnal. Em relação à feminicídio nem se fala, não adianta a gente encarcerar.
Voltamos à discussão do encarceramento em massa, não adianta encarcerá-los e não reabilitá-los para a vida em sociedade. Se eu tenho um homem que agride e violenta uma mulher, mesmo com as medidas protetivas e a lei do feminicídio ele mata essa mulher, quando ele voltar e se reinserir na sociedade, se relacionar de novo com outras mulheres, vai continuar reproduzindo esse comportamento. Por isso, precisamos terminar com a ideia de que o agressor é um monstro, que é alguém que precisa ser tratado com castração. Não estamos falando de pessoas doentes, e sim de cidadãos normais e comuns que convivem na sociedade.
A partir dessa perspectiva, seria possível apontar soluções que levem à diminuição dos índices de violência contra as mulheres?
O principal a fazer é fortalecer essa cultura de levar mesmo a sério toda a violência e escopo das agressões contra a mulher. Temos a 5ª maior taxa de feminicídios do mundo segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), então é um problema de saúde pública, não é algo no qual caiba uma opinião de alguém que esteja ocupando a presidência da república. Nos cabe mesmo continuar fomentando as discussões e continuar lutando para que haja essa mudança de percepção social e cultural desses valores e desses comportamentos. Porque quando a gente tem um reforço desses padrões machistas, como vemos fortemente no discurso do Bolsonaro, fica bem mais difícil a gente conseguir mudar essa ideia estrutural do que seja a violência contra a mulher. E o posicionamento desse governo não mostra nenhuma inclinação sequer para construir políticas públicas para mulheres e tampouco para os homens. Então temos alguns anos de muita luta pela frente, até para não retroceder no que já conquistamos.
Essa mudança na cultura e nos paradigmas do país passa pela educação, e estamos vendo que o novo governo agora está combatendo tudo o que julga como sendo ‘de esquerda’ nesse sentido. De que forma isso afeta a pauta da violência contra a mulher?
O Ministério da Educação (MEC) publicou uma nova versão do edital que orienta a produção de livros escolares e suprimiu trechos, como a questão do compromisso com a não-violência contra a mulher, com a justificativa de que seriam temas de esquerda. Isso demonstra o perigo desse discurso polarizado que o Bolsonaro fomenta e fortalece, do que é da esquerda e da direita, quando estamos falando de uma temática como essa, da violência contra a mulher, que afeta toda a população brasileira. Daí vemos o perigo desse discurso de dizer que o tema é de esquerda, como se não atingisse todas as mulheres. Em 2018, foram 13 mortes de mulheres por dia. É muito perigoso e inadmissível ter uma pessoa nessa posição da presidência disseminando toda essa desinformação.
A raiz desse discurso é conservadora, então quando ele fala que algumas mulheres merecem ou não ser estupradas, é importante demarcar que ele está falando de dois grupos de mulheres, dividindo entre as que ‘mereceriam’ ou não ser estupradas. E acho que tem muito a ver com uma construção do que seria uma mulher ideal, de respeito dentro dos padrões, daquilo que se espera do comportamento da mulher. Dos preceitos aliados ao que é feminino e a ocupação dos espaços que são construídos para nós mulheres. E daí uma ascensão, uma diferenciação para aquelas mulheres que ousam sair desse espaço pré-determinado que foi destinado a nós. Contra essas mulheres dissidentes, que não se enquadram nos padrões de feminilidade, estaria autorizado qualquer tipo de violência.
Em relação à castração química e essas penas mais duras, a gente sabe que são totalmente não efetivas. A motivação de um estupro não é o ato sexual em si, a conjunção carnal, e sim a dominação e o poder que está envolvido nesse ato. Não vai reduzir os índices de violência, porque daí a gente não teria mulheres sendo estupradas com cabos de vassoura por exemplo, esses casos em que não há a conjunção carnal. Em relação à feminicídio nem se fala, não adianta a gente encarcerar.
Voltamos à discussão do encarceramento em massa, não adianta encarcerá-los e não reabilitá-los para a vida em sociedade. Se eu tenho um homem que agride e violenta uma mulher, mesmo com as medidas protetivas e a lei do feminicídio ele mata essa mulher, quando ele voltar e se reinserir na sociedade, se relacionar de novo com outras mulheres, vai continuar reproduzindo esse comportamento. Por isso, precisamos terminar com a ideia de que o agressor é um monstro, que é alguém que precisa ser tratado com castração. Não estamos falando de pessoas doentes, e sim de cidadãos normais e comuns que convivem na sociedade.
A partir dessa perspectiva, seria possível apontar soluções que levem à diminuição dos índices de violência contra as mulheres?
O principal a fazer é fortalecer essa cultura de levar mesmo a sério toda a violência e escopo das agressões contra a mulher. Temos a 5ª maior taxa de feminicídios do mundo segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), então é um problema de saúde pública, não é algo no qual caiba uma opinião de alguém que esteja ocupando a presidência da república. Nos cabe mesmo continuar fomentando as discussões e continuar lutando para que haja essa mudança de percepção social e cultural desses valores e desses comportamentos. Porque quando a gente tem um reforço desses padrões machistas, como vemos fortemente no discurso do Bolsonaro, fica bem mais difícil a gente conseguir mudar essa ideia estrutural do que seja a violência contra a mulher. E o posicionamento desse governo não mostra nenhuma inclinação sequer para construir políticas públicas para mulheres e tampouco para os homens. Então temos alguns anos de muita luta pela frente, até para não retroceder no que já conquistamos.
Essa mudança na cultura e nos paradigmas do país passa pela educação, e estamos vendo que o novo governo agora está combatendo tudo o que julga como sendo ‘de esquerda’ nesse sentido. De que forma isso afeta a pauta da violência contra a mulher?
O Ministério da Educação (MEC) publicou uma nova versão do edital que orienta a produção de livros escolares e suprimiu trechos, como a questão do compromisso com a não-violência contra a mulher, com a justificativa de que seriam temas de esquerda. Isso demonstra o perigo desse discurso polarizado que o Bolsonaro fomenta e fortalece, do que é da esquerda e da direita, quando estamos falando de uma temática como essa, da violência contra a mulher, que afeta toda a população brasileira. Daí vemos o perigo desse discurso de dizer que o tema é de esquerda, como se não atingisse todas as mulheres. Em 2018, foram 13 mortes de mulheres por dia. É muito perigoso e inadmissível ter uma pessoa nessa posição da presidência disseminando toda essa desinformação.
Tem esse debate também dentro da própria esquerda de que essas declarações como a da Damares do ‘rosa e azul’ seriam uma cortina de fumaça e que devemos nos preocupar é com as pautas econômicas, com as questões indígenas e outras pautas. Como tu vês esse tipo de colocação?
Mais do que voltar o foco para uma possível “cortina de fumaça” que se utiliza desses temas para desfocar de outras questões, o fato é que esse tipo de discurso encontra eco na sociedade. Bolsonaro se elegeu apoiado nesse discurso, onde o combate a uma suposta ideologia seria mais importante e urgente do que qualquer outra pauta de caráter econômico ou social. Continuamos encastelados discutindo essas declarações em nossas bolhas, nos negando a ouvir grande parte da população que não se identifica mais com o discurso intelectualizado da esquerda. Penso que sim, temos que nos preocupar com a pauta econômica, indígena e com todas as outras, sem deixar de lado a preocupação em definitivamente nos abrir a ouvir o compreender esse outro que pensa tão diferentemente de nós.
Na Argentina, houve um grande movimento nacional do Ni Una Menos, que inclusive provocou o debate do aborto lá. E de certa forma se tentou repetir esses movimentos aqui no Brasil, com bem menos adesão. Tu achas que em geral essa pauta ainda é ‘escanteada’ no país?
A Argentina tem tradição de militância nas ruas, enquanto no Brasil esse tipo de mobilização sempre esteve muito ligada aos movimentos sociais. Prefiro olhar para o copo “meio cheio” e destacar os movimentos de mulheres nas ruas e na internet que vem brotando desde 2015, com a primavera das mulheres, a ocupação das escolas pelas estudantes secundaristas, a eleição de mulheres que defendem a pauta feminista na Câmara dos Deputados e Senado em todo o Brasil. Estamos avançando, e tenho certeza que os movimentos feministas, anti-racistas e LGBTs estão fortalecidos e prontos para a resistência.
Falando nisso, essa questão da violência afeta também os LGBTs, inclusive na época das eleições já foi constatado um aumento na perseguição a essa população. Já existem indicativos de que os LGBTs, especialmente as pessoas transexuais, devem se tornar vítimas de uma violência ainda maior nos próximos anos?
Da mesma forma que o discurso conservador pode naturalizar e autorizar a violência contra a mulher, pode naturalizar e autorizar a violência contra as pessoas LGBTs. Esse discurso que parte de um lugar legitimado de poder e encontra grande repercussão, de alguma forma autoriza o preconceito e a intolerância com todas e todos que não se enquadram nas expectativas de gênero e sexualidade vistas como “naturais”. De alguma forma, há cumplicidade com a violência nesse discurso oficial, que “amola a faca” (usando a metáfora de Luís Antônio Baptista em A atriz, o padre e o psicanalista) e prepara terreno para que a violência seja cometida.
Mais do que voltar o foco para uma possível “cortina de fumaça” que se utiliza desses temas para desfocar de outras questões, o fato é que esse tipo de discurso encontra eco na sociedade. Bolsonaro se elegeu apoiado nesse discurso, onde o combate a uma suposta ideologia seria mais importante e urgente do que qualquer outra pauta de caráter econômico ou social. Continuamos encastelados discutindo essas declarações em nossas bolhas, nos negando a ouvir grande parte da população que não se identifica mais com o discurso intelectualizado da esquerda. Penso que sim, temos que nos preocupar com a pauta econômica, indígena e com todas as outras, sem deixar de lado a preocupação em definitivamente nos abrir a ouvir o compreender esse outro que pensa tão diferentemente de nós.
Na Argentina, houve um grande movimento nacional do Ni Una Menos, que inclusive provocou o debate do aborto lá. E de certa forma se tentou repetir esses movimentos aqui no Brasil, com bem menos adesão. Tu achas que em geral essa pauta ainda é ‘escanteada’ no país?
A Argentina tem tradição de militância nas ruas, enquanto no Brasil esse tipo de mobilização sempre esteve muito ligada aos movimentos sociais. Prefiro olhar para o copo “meio cheio” e destacar os movimentos de mulheres nas ruas e na internet que vem brotando desde 2015, com a primavera das mulheres, a ocupação das escolas pelas estudantes secundaristas, a eleição de mulheres que defendem a pauta feminista na Câmara dos Deputados e Senado em todo o Brasil. Estamos avançando, e tenho certeza que os movimentos feministas, anti-racistas e LGBTs estão fortalecidos e prontos para a resistência.
Falando nisso, essa questão da violência afeta também os LGBTs, inclusive na época das eleições já foi constatado um aumento na perseguição a essa população. Já existem indicativos de que os LGBTs, especialmente as pessoas transexuais, devem se tornar vítimas de uma violência ainda maior nos próximos anos?
Da mesma forma que o discurso conservador pode naturalizar e autorizar a violência contra a mulher, pode naturalizar e autorizar a violência contra as pessoas LGBTs. Esse discurso que parte de um lugar legitimado de poder e encontra grande repercussão, de alguma forma autoriza o preconceito e a intolerância com todas e todos que não se enquadram nas expectativas de gênero e sexualidade vistas como “naturais”. De alguma forma, há cumplicidade com a violência nesse discurso oficial, que “amola a faca” (usando a metáfora de Luís Antônio Baptista em A atriz, o padre e o psicanalista) e prepara terreno para que a violência seja cometida.
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