Por Paulo Nogueira Batista Jr., na revista CartaCapital:
Desde a grande recessão de 2015-2016, a economia brasileira tem patinado lamentavelmente. De 2017 a 2019, o crescimento ficou sempre abaixo do projetado pelos economistas. E o PIB per capita permaneceu estagnado.
Comprovou-se uma vez mais a nossa incapacidade de antecipar o futuro. Apesar disso, não há quem não nos pergunte: 2020 será diferente?
Arrisco responder na afirmativa. Se não houver choques de grande magnitude – por exemplo, uma crise financeira internacional ou, ainda, uma crise política no Brasil que desorganize tudo –, parece perfeitamente possível, até provável, que a economia nacional consiga finalmente sair da casa de 1% para algo como 2% a 2,5% de crescimento, talvez um pouco mais.
Por que digo isso? Basicamente, porque ocorreu uma mudança silenciosa da política econômica brasileira desde meados do ano. É importante ressaltar este ponto, pois está em curso uma disputa de narrativas.
Apresento a que me parece mais plausível. Paulo Guedes e sua equipe começaram com uma abordagem radicalmente irrealista, diria mesmo ligeiramente lunática, baseada na expectativa de que a realização de uma série de reformas de corte ultraliberal, a começar pela previdenciária, provocaria um choque de confiança. O setor privado, inspirado por essa renovada fé, lideraria a recuperação da atividade, do emprego e do investimento. Os economistas do governo lançaram-se por esse caminho e ficaram esperando Godot, como notei ironicamente em artigo publicado neste espaço em junho.
A decepção era inevitável. Primeiro, porque as reformas decolaram com grande dificuldade, como seria de esperar. Aprovou-se, sim, uma reforma abrangente da Previdência, ainda que desidratada em comparação com o desenho original. Mas as demais reformas tramitaram com dificuldade no Congresso e em alguns casos nem sequer conseguiram sair do Executivo.
O fundamental, entretanto, é perceber que o caminho pretendido por Guedes e companhia dificilmente funcionaria na prática, mesmo que as reformas ultraliberais tivessem progredido com mais velocidade. A experiência nacional e internacional mostra, no meu entender, que as recuperações econômicas raramente acontecem dessa maneira – até porque as reformas costumam introduzir um componente fiscal contracionista, isto é, de diminuição da demanda agregada.
Na maior parte das vezes, as recuperações começam quando o Estado consegue, pelas vias fiscal e/ou monetária, introduzir algum estímulo de demanda. As exceções a essa regra geral são quase sempre pequenas economias abertas que se beneficiam de um impulso de demanda externa ou da descoberta de novas fontes de recursos naturais.
Por volta de meados deste ano, tornou-se evidente que a economia brasileira continuava catatônica. Não estava reagindo e corria até mesmo o risco de cair em recessão. O governo começou então a alterar, sem mudar a sua retórica, a orientação da política econômica. Caiu a ficha. Aproveitou-se finalmente a oportunidade proporcionada por uma situação de capacidade ociosa e desemprego elevados, inflação baixa e reservas internacionais altas. E vários estímulos foram aplicados.
O Banco Central começou a reduzir a taxa Selic, superando a inércia herdada do paquidérmico Ilan Goldfajn, presidente do BC no governo Temer e no início do governo Bolsonaro. Acionou-se a Caixa Econômica Federal para reduzir o custo e ampliar a oferta de crédito. Liberaram-se recursos do FGTS. Introduziu-se o 13º salário para o Bolsa Família. Os recursos com os leilões do pré-sal foram usados para descontingenciar gastos federais e a sua distribuição para estados e municípios favorecerá a ampliação do gasto público, particularmente em um ano eleitoral como 2020.
A queda da Selic reduz, além disso, a carga de juros do setor público e diminui o superávit primário requerido para estabilizar a razão dívida/PIB. A depreciação cambial induzida pela queda dos juros e outros fatores ajudará também a reativar os setores da economia que exportam e aqueles que concorrem com importações.
“Keynesianismo envergonhado”, como observou Nelson Barbosa em artigo publicado na Folha de S.Paulo. A recuperação não será brilhante, o desemprego continuará alto, a qualidade dos empregos criados seguirá precária. Mas a mudança de tendência será objeto de atenção crescente.
Começou uma guerra de interpretações. As vozes dominantes entre os economistas, no mercado financeiro e na mídia tradicional, tentarão vender o peixe de que a recuperação deve ser creditada à adoção de uma agenda de reformas pelo governo.
Desde a grande recessão de 2015-2016, a economia brasileira tem patinado lamentavelmente. De 2017 a 2019, o crescimento ficou sempre abaixo do projetado pelos economistas. E o PIB per capita permaneceu estagnado.
Comprovou-se uma vez mais a nossa incapacidade de antecipar o futuro. Apesar disso, não há quem não nos pergunte: 2020 será diferente?
Arrisco responder na afirmativa. Se não houver choques de grande magnitude – por exemplo, uma crise financeira internacional ou, ainda, uma crise política no Brasil que desorganize tudo –, parece perfeitamente possível, até provável, que a economia nacional consiga finalmente sair da casa de 1% para algo como 2% a 2,5% de crescimento, talvez um pouco mais.
Por que digo isso? Basicamente, porque ocorreu uma mudança silenciosa da política econômica brasileira desde meados do ano. É importante ressaltar este ponto, pois está em curso uma disputa de narrativas.
Apresento a que me parece mais plausível. Paulo Guedes e sua equipe começaram com uma abordagem radicalmente irrealista, diria mesmo ligeiramente lunática, baseada na expectativa de que a realização de uma série de reformas de corte ultraliberal, a começar pela previdenciária, provocaria um choque de confiança. O setor privado, inspirado por essa renovada fé, lideraria a recuperação da atividade, do emprego e do investimento. Os economistas do governo lançaram-se por esse caminho e ficaram esperando Godot, como notei ironicamente em artigo publicado neste espaço em junho.
A decepção era inevitável. Primeiro, porque as reformas decolaram com grande dificuldade, como seria de esperar. Aprovou-se, sim, uma reforma abrangente da Previdência, ainda que desidratada em comparação com o desenho original. Mas as demais reformas tramitaram com dificuldade no Congresso e em alguns casos nem sequer conseguiram sair do Executivo.
O fundamental, entretanto, é perceber que o caminho pretendido por Guedes e companhia dificilmente funcionaria na prática, mesmo que as reformas ultraliberais tivessem progredido com mais velocidade. A experiência nacional e internacional mostra, no meu entender, que as recuperações econômicas raramente acontecem dessa maneira – até porque as reformas costumam introduzir um componente fiscal contracionista, isto é, de diminuição da demanda agregada.
Na maior parte das vezes, as recuperações começam quando o Estado consegue, pelas vias fiscal e/ou monetária, introduzir algum estímulo de demanda. As exceções a essa regra geral são quase sempre pequenas economias abertas que se beneficiam de um impulso de demanda externa ou da descoberta de novas fontes de recursos naturais.
Por volta de meados deste ano, tornou-se evidente que a economia brasileira continuava catatônica. Não estava reagindo e corria até mesmo o risco de cair em recessão. O governo começou então a alterar, sem mudar a sua retórica, a orientação da política econômica. Caiu a ficha. Aproveitou-se finalmente a oportunidade proporcionada por uma situação de capacidade ociosa e desemprego elevados, inflação baixa e reservas internacionais altas. E vários estímulos foram aplicados.
O Banco Central começou a reduzir a taxa Selic, superando a inércia herdada do paquidérmico Ilan Goldfajn, presidente do BC no governo Temer e no início do governo Bolsonaro. Acionou-se a Caixa Econômica Federal para reduzir o custo e ampliar a oferta de crédito. Liberaram-se recursos do FGTS. Introduziu-se o 13º salário para o Bolsa Família. Os recursos com os leilões do pré-sal foram usados para descontingenciar gastos federais e a sua distribuição para estados e municípios favorecerá a ampliação do gasto público, particularmente em um ano eleitoral como 2020.
A queda da Selic reduz, além disso, a carga de juros do setor público e diminui o superávit primário requerido para estabilizar a razão dívida/PIB. A depreciação cambial induzida pela queda dos juros e outros fatores ajudará também a reativar os setores da economia que exportam e aqueles que concorrem com importações.
“Keynesianismo envergonhado”, como observou Nelson Barbosa em artigo publicado na Folha de S.Paulo. A recuperação não será brilhante, o desemprego continuará alto, a qualidade dos empregos criados seguirá precária. Mas a mudança de tendência será objeto de atenção crescente.
Começou uma guerra de interpretações. As vozes dominantes entre os economistas, no mercado financeiro e na mídia tradicional, tentarão vender o peixe de que a recuperação deve ser creditada à adoção de uma agenda de reformas pelo governo.
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