Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Enquanto o ministro Luiz Roberto Barroso organiza audiências públicas sobre a possibilidade de candidaturas avulsas disputarem cargos eletivos, o sujeito oculto dessa discussão, Jair Bolsonaro, permanece em silêncio do outro lado da Praça dos Três Poderes.
Vivemos num país onde a "filiação partidária" é "condição de elegibilidade"( artigo 14, parágrafo 3o da Constituição).
Isso quer dizer que, salvo uma mudança na própria Constituição, com base no ritual necessário para alterações na carta de 1988, as candidaturas avulsas estão proibidas -- um fato tão evidente que, embora este debate seja assunto recorrente nos jornais e mesmo tribunais, até agora a discussão jamais avançou.
Numa amostra da natureza do debate, dos 12 partidos que se manifestaram oficialmente na audiência de ontem, onze se alinharam como adversários das candidaturas avulsas. Apenas o representante da Rede de Sustentabilidade defendeu a posição contrária, a partir do curioso argumento de que via no Supremo uma abertura para "experimentações".
Olhando para o conjunto de possíveis candidatos presidenciais para 2022, pano de fundo real de todo debate político envolvendo regras eleitorais na atual conjuntura, Bolsonaro é o único que hoje não dispõe de um partido registrado para lançar sua candidatura presidencial.
Embora não falte prazo para isso -- em teoria, até abril de 2022 -- o passado ensina que podem ocorrer surpresas no caminho. Em particular, quando se trata de um presidente que passou por nove partidos em 31 anos de carreira.
No último, onde ingressou em março de 2018, apenas cinco meses antes da eleição presidencial, Bolsonaro permaneceu um ano e oito meses, prazo que joga uma imensa dúvida sobre a competência para colocar de pé uma legenda nova, Aliança pelo Brasil, a ser construída da estaca zero, num trabalho mais delicado e minucioso do que se costuma imaginar.
Em 2013 o TSE negou o registro à Rede Sustentabilidade, retirando Marina Silva da campanha presidencial de 2014, decisão que forçou uma aliança dos verdes com o PSB de Eduardo Campos em 2014. Ao vetar o registro, por 6 votos a 1, o tribunal alegou que a Rede não fora capaz de apresentar um conjunto confiável de 491 000 assinaturas para sustentar o pedido.
Seis anos depois, a dificuldade em obter o número necessário de assinaturas para permitir a seu partido participar das eleições municipais do ano que vem - uma espécie de ensaio geral para as presidenciais - tornou-se o principal campo de batalha dos bolsonoristas. Tanto é assim que eles tentam uma mudança nas regras a seu favor, capaz de facilitar as coisas.
Diante do risco notório de um fracasso - o prazo vence em março de 2020, - que pode inviabilizar o próprio partido no futuro, os aliados de Bolsonaro tentam convencer Rosa Weber a autorizar a coleta de assinaturas digitais, que iriam substituir o velho corpo-a-corpo das máquinas partidárias com eleitores, simpatizantes e mesmo curiosos. É uma novidade que a presidente do TSE resiste em aceitar, num prazo tão curto para uma mudança que, longe de constituir pura formalidade, representaria um novo atalho para articulações políticas improvisadas, num país que já possui 32 legendas registradas oficialmente.
Não por acaso, as vozes mais empenhadas na defesa de candidaturas avulsas tem partido do coro bolsonarista. Conforme relato do Conjur (9/12/2019), o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), que chegou a ser cogitado para vice de Bolsonaro antes de Hamilton Mourão, definiu os partidos políticos como oligarquias e afirmou que a candidatura avulsa é uma válvula de escape para a sociedade. Outra intervenção foi da deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), co-autora do pedido de impeachment contra Dilma Rousseff. Ela argumentou que a admissão de candidaturas avulsas confere aos cidadãos a totalidade do poder da cidadania, de votar e ser votado, sem o requisito da filiação, que retira a individualidade do sistema político.
Já o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, declarou que a instituição utilizará as diversas visões e perspectivas trazidas no debate para formar uma convicção sobre o tema. Legalmente responsável pela defesa dos interesses do presidente, o ministro preferiu deixar todas as portas abertas para escolhas possíveis no futuro.
Embora Barroso tenha anunciado a ideia de colocar o tema em pauta no plenário do Supremo no primeiro semestre do ano que vem, será preciso enfrentar uma questão anterior e essencial.
Como toda matéria constitucional, o parágrafo 3o do artigo 14 só pode ser mudado por emenda a carta de 1988 -- e isso é um trabalho que a Constituição reserva para o Legislativo, poder que tem a função de elaborar leis, e não para o STF, a quem cabe acompanhar sua aplicação.
Ao definir que a "filiação partidária" é condição para um cidadão disputar uma eleição, os constituintes de 1988 definiram um projeto de país e desenharam uma forma de democracia. É ao Congresso, expressão da soberania popular, que cabe debater essa questão.
Alguma dúvida?
Vivemos num país onde a "filiação partidária" é "condição de elegibilidade"( artigo 14, parágrafo 3o da Constituição).
Isso quer dizer que, salvo uma mudança na própria Constituição, com base no ritual necessário para alterações na carta de 1988, as candidaturas avulsas estão proibidas -- um fato tão evidente que, embora este debate seja assunto recorrente nos jornais e mesmo tribunais, até agora a discussão jamais avançou.
Numa amostra da natureza do debate, dos 12 partidos que se manifestaram oficialmente na audiência de ontem, onze se alinharam como adversários das candidaturas avulsas. Apenas o representante da Rede de Sustentabilidade defendeu a posição contrária, a partir do curioso argumento de que via no Supremo uma abertura para "experimentações".
Olhando para o conjunto de possíveis candidatos presidenciais para 2022, pano de fundo real de todo debate político envolvendo regras eleitorais na atual conjuntura, Bolsonaro é o único que hoje não dispõe de um partido registrado para lançar sua candidatura presidencial.
Embora não falte prazo para isso -- em teoria, até abril de 2022 -- o passado ensina que podem ocorrer surpresas no caminho. Em particular, quando se trata de um presidente que passou por nove partidos em 31 anos de carreira.
No último, onde ingressou em março de 2018, apenas cinco meses antes da eleição presidencial, Bolsonaro permaneceu um ano e oito meses, prazo que joga uma imensa dúvida sobre a competência para colocar de pé uma legenda nova, Aliança pelo Brasil, a ser construída da estaca zero, num trabalho mais delicado e minucioso do que se costuma imaginar.
Em 2013 o TSE negou o registro à Rede Sustentabilidade, retirando Marina Silva da campanha presidencial de 2014, decisão que forçou uma aliança dos verdes com o PSB de Eduardo Campos em 2014. Ao vetar o registro, por 6 votos a 1, o tribunal alegou que a Rede não fora capaz de apresentar um conjunto confiável de 491 000 assinaturas para sustentar o pedido.
Seis anos depois, a dificuldade em obter o número necessário de assinaturas para permitir a seu partido participar das eleições municipais do ano que vem - uma espécie de ensaio geral para as presidenciais - tornou-se o principal campo de batalha dos bolsonoristas. Tanto é assim que eles tentam uma mudança nas regras a seu favor, capaz de facilitar as coisas.
Diante do risco notório de um fracasso - o prazo vence em março de 2020, - que pode inviabilizar o próprio partido no futuro, os aliados de Bolsonaro tentam convencer Rosa Weber a autorizar a coleta de assinaturas digitais, que iriam substituir o velho corpo-a-corpo das máquinas partidárias com eleitores, simpatizantes e mesmo curiosos. É uma novidade que a presidente do TSE resiste em aceitar, num prazo tão curto para uma mudança que, longe de constituir pura formalidade, representaria um novo atalho para articulações políticas improvisadas, num país que já possui 32 legendas registradas oficialmente.
Não por acaso, as vozes mais empenhadas na defesa de candidaturas avulsas tem partido do coro bolsonarista. Conforme relato do Conjur (9/12/2019), o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), que chegou a ser cogitado para vice de Bolsonaro antes de Hamilton Mourão, definiu os partidos políticos como oligarquias e afirmou que a candidatura avulsa é uma válvula de escape para a sociedade. Outra intervenção foi da deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), co-autora do pedido de impeachment contra Dilma Rousseff. Ela argumentou que a admissão de candidaturas avulsas confere aos cidadãos a totalidade do poder da cidadania, de votar e ser votado, sem o requisito da filiação, que retira a individualidade do sistema político.
Já o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, declarou que a instituição utilizará as diversas visões e perspectivas trazidas no debate para formar uma convicção sobre o tema. Legalmente responsável pela defesa dos interesses do presidente, o ministro preferiu deixar todas as portas abertas para escolhas possíveis no futuro.
Embora Barroso tenha anunciado a ideia de colocar o tema em pauta no plenário do Supremo no primeiro semestre do ano que vem, será preciso enfrentar uma questão anterior e essencial.
Como toda matéria constitucional, o parágrafo 3o do artigo 14 só pode ser mudado por emenda a carta de 1988 -- e isso é um trabalho que a Constituição reserva para o Legislativo, poder que tem a função de elaborar leis, e não para o STF, a quem cabe acompanhar sua aplicação.
Ao definir que a "filiação partidária" é condição para um cidadão disputar uma eleição, os constituintes de 1988 definiram um projeto de país e desenharam uma forma de democracia. É ao Congresso, expressão da soberania popular, que cabe debater essa questão.
Alguma dúvida?
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