Por Fernando Silva, no site Correio da Cidadania:
A primeira questão é a composição do governo. O Brasil está sob um governo de milicianos, fundamentalistas, ultraliberais e punitivistas. Essa composição não se resume à facção de extrema-direita ou ao setor fundamentalista religioso. Estão ali o mercado financeiro, representado por Paulo Guedes, e o setor punitivista e ultracriminalizador do Poder Judiciário, com Sérgio Moro. Ambos se complementam nestes tempos de autoritarismo político, jurídico e econômico, tão necessários entre si para impor a destruição dos direitos e coibir qualquer sinal de revolta.
A segunda questão está na unidade entre o governo e o chamado "Centrão" que governa o Congresso Nacional (e também o país em parte) em torno da agenda ultraliberal. Como sabemos o "centrão" não é centro, é a direita tradicional que em tempos de crescimento da extrema-direita ocupa um espaço político distinto, mas trata-se da velha unidade de toda direita e da ampla maioria da classe dominante em torno da agenda neoliberal, numa etapa na qual a ordem é varrer toda e qualquer proteção social. Nem mesmo o Bolsa Família está livre do arrocho implacável. Uma composição e uma unidade impiedosa, especialmente sobre os mais pobres.
Cenários: "parlamentarismo de coalizão"? Impeachment?
Mas o fato é que 2020 se desenvolve sob um agravamento das contradições entre o bolsonarismo governante e "Centrão" e do próprio presidente com a grande mídia. Mesmo um dos seus ministros mais blindados e queridos pelo grande capital, Paulo Guedes, não conseguiu escapar do vírus da incontinência verbal dos provocadores de plantão e dirigiu sua fúria de classe contra as empregadas domésticas. Como as expectativas econômicas não são nítidas, pois um novo crescimento medíocre na casa de 1% para este ano pode minar de vez a base de sustentação do governo, até esse superministro esteve e está ameaçado de queda.
Estas contradições viraram crise política diante das incertezas sobre o país. Estamos em um novo momento de instabilidade provocada pelo próprio presidente e pelas diversas manifestações de extremismo que crescem no país, como os recentes disparos contra o senador Cid Gomes, oriundos da ala bolsonarista da PM do Ceará durante protestos reivindicatórios de policiais e bombeiros.
Resta saber quais serão os limites, pois tudo indicava que os poderes da República, mídia e capital administrariam os disparates do bolsonarismo para evitar uma instabilidade que atrapalhasse as expectativas de uma retomada econômica. Com uma alteração na forma de governabilidade para gerir os extremistas e fanáticos, que seria um tipo de "parlamentarismo de coalizão" com o eixo das decisões girando cada vez mais para o Congresso Nacional, sob aval das Forças Armadas, mídia, mercado e setores do próprio governo como Sergio Moro (que tem seus próprios interesses eleitorais e já estabelece algum nível de disputa com o próprio presidente).
Este cenário de administração da crise parece ser o mais provável, o que não seria uma mudança qualquer e não aliviaria a instabilidade e nem a retórica belicista, racista, misógina do bolsonarismo. Por isso, até o cenário de uma manobra na direção do impeachment pode aparecer, especialmente se a percepção for de que o colapso, já social e ambiental no país, for mesmo para o terreno da economia e dos interesses dos “investidores”.
Os recentes editoriais da Folha de S. Paulo e O Globo, capas de revistas semanais como a última da IstoÉ, mostram uma elevação de tom inédita na relação com o governo.
De outro lado, o governo está longe de estar com sua base de apoio derretida. Tem força e conta com apoio ainda estável que beira os 40%. E a preocupante "milicianização" da política e das polícias, sempre defendidas pelo clã Bolsonaro, não pode nos levar a descartar que a busca de saídas autoritárias tenha algum peso institucional e razoável base de massas. Portanto, instabilidade e crise institucional no "andar de cima", seja qual for a solução, parecem ser as palavras chave para 2020.
Em busca de vitórias e da reorganização da esperança
O nosso drama nesta conjuntura defensiva, reacionária, ainda afeta e muito a capacidade de protagonismo de um movimento de massas de oposição ao governo e sua agenda, fator que ainda inexiste no Brasil. Sem este fator de protagonismo nas ruas da oposição tudo pode se acomodar e o condomínio no poder pode seguir aprovando as novas PECs do mercado no Congresso. Pois lembremos: nisto reside uma unidade mesmo entre os setores da mídia que hoje estão vociferando contra Bolsonaro.
Portanto, um forte processo de mobilização nas ruas para deter o governo e sua agenda de disparates autoritários e neoliberalismo é o fator que poderia desequilibrar o jogo. Já é um bom começo a retomada de sinais de resistência, através de lutas e iniciativas setorizadas, da resistência indígena à importantíssima greve dos petroleiros, que obteve uma vitória parcial, significativa diante da sanha privatista e destruidora da agenda liberal.
Os desfiles e blocos prévios ao carnaval já vêm demonstrando bastante senso crítico e teremos em breve o 8 de março e o 14 de março, o Dia Internacional de Luta das Mulheres e a lembrança dos dois anos do assassinato de Marielle e Anderson. Datas que poderão expressar, diante das últimas provocações do governo, uma reedição moralizadora do EleNão!
Precisamos ter a paciência, mas o sentido de urgência para potencializar vitórias parciais e manifestações em um crescente movimento de oposição nas ruas. Será nesses processos concretos de lutas sociais que avançaremos numa nova recomposição da esquerda, que não repita os erros do passado.
A urgência é porque sob o signo da direita e do bolsonarismo, o Brasil, cada vez mais fraturado e desigual, caminha para o abismo e caberá a uma esquerda renovada, ativa e socialmente inserida reorganizar a esperança.
* Fernando Silva é jornalista e membro do Diretório Nacional do PSOL.
As recentes provocações misóginas de Bolsonaro e seu clã-familiar miliciano contra a repórter Patrícia Campos Melo, da Folha de S. Paulo; os indícios cada vez mais evidentes do envolvimento dos bolsonaros com as milícias formam os mais novos traços de uma inequívoca contradição política e institucional: a existência de um presidente da República fascista, chefe de uma facção, que faz questão de ocupar seu tempo em busca de soluções autoritárias para o país. Diante disso, por que é tolerado um governo tão devastador de direitos e com um peso de fanáticos e provocadores extremistas no seu interior sem paralelo na história recente do país, pelo menos desde o final da ditadura militar?
A primeira questão é a composição do governo. O Brasil está sob um governo de milicianos, fundamentalistas, ultraliberais e punitivistas. Essa composição não se resume à facção de extrema-direita ou ao setor fundamentalista religioso. Estão ali o mercado financeiro, representado por Paulo Guedes, e o setor punitivista e ultracriminalizador do Poder Judiciário, com Sérgio Moro. Ambos se complementam nestes tempos de autoritarismo político, jurídico e econômico, tão necessários entre si para impor a destruição dos direitos e coibir qualquer sinal de revolta.
A segunda questão está na unidade entre o governo e o chamado "Centrão" que governa o Congresso Nacional (e também o país em parte) em torno da agenda ultraliberal. Como sabemos o "centrão" não é centro, é a direita tradicional que em tempos de crescimento da extrema-direita ocupa um espaço político distinto, mas trata-se da velha unidade de toda direita e da ampla maioria da classe dominante em torno da agenda neoliberal, numa etapa na qual a ordem é varrer toda e qualquer proteção social. Nem mesmo o Bolsa Família está livre do arrocho implacável. Uma composição e uma unidade impiedosa, especialmente sobre os mais pobres.
Cenários: "parlamentarismo de coalizão"? Impeachment?
Mas o fato é que 2020 se desenvolve sob um agravamento das contradições entre o bolsonarismo governante e "Centrão" e do próprio presidente com a grande mídia. Mesmo um dos seus ministros mais blindados e queridos pelo grande capital, Paulo Guedes, não conseguiu escapar do vírus da incontinência verbal dos provocadores de plantão e dirigiu sua fúria de classe contra as empregadas domésticas. Como as expectativas econômicas não são nítidas, pois um novo crescimento medíocre na casa de 1% para este ano pode minar de vez a base de sustentação do governo, até esse superministro esteve e está ameaçado de queda.
Estas contradições viraram crise política diante das incertezas sobre o país. Estamos em um novo momento de instabilidade provocada pelo próprio presidente e pelas diversas manifestações de extremismo que crescem no país, como os recentes disparos contra o senador Cid Gomes, oriundos da ala bolsonarista da PM do Ceará durante protestos reivindicatórios de policiais e bombeiros.
Resta saber quais serão os limites, pois tudo indicava que os poderes da República, mídia e capital administrariam os disparates do bolsonarismo para evitar uma instabilidade que atrapalhasse as expectativas de uma retomada econômica. Com uma alteração na forma de governabilidade para gerir os extremistas e fanáticos, que seria um tipo de "parlamentarismo de coalizão" com o eixo das decisões girando cada vez mais para o Congresso Nacional, sob aval das Forças Armadas, mídia, mercado e setores do próprio governo como Sergio Moro (que tem seus próprios interesses eleitorais e já estabelece algum nível de disputa com o próprio presidente).
Este cenário de administração da crise parece ser o mais provável, o que não seria uma mudança qualquer e não aliviaria a instabilidade e nem a retórica belicista, racista, misógina do bolsonarismo. Por isso, até o cenário de uma manobra na direção do impeachment pode aparecer, especialmente se a percepção for de que o colapso, já social e ambiental no país, for mesmo para o terreno da economia e dos interesses dos “investidores”.
Os recentes editoriais da Folha de S. Paulo e O Globo, capas de revistas semanais como a última da IstoÉ, mostram uma elevação de tom inédita na relação com o governo.
De outro lado, o governo está longe de estar com sua base de apoio derretida. Tem força e conta com apoio ainda estável que beira os 40%. E a preocupante "milicianização" da política e das polícias, sempre defendidas pelo clã Bolsonaro, não pode nos levar a descartar que a busca de saídas autoritárias tenha algum peso institucional e razoável base de massas. Portanto, instabilidade e crise institucional no "andar de cima", seja qual for a solução, parecem ser as palavras chave para 2020.
Em busca de vitórias e da reorganização da esperança
O nosso drama nesta conjuntura defensiva, reacionária, ainda afeta e muito a capacidade de protagonismo de um movimento de massas de oposição ao governo e sua agenda, fator que ainda inexiste no Brasil. Sem este fator de protagonismo nas ruas da oposição tudo pode se acomodar e o condomínio no poder pode seguir aprovando as novas PECs do mercado no Congresso. Pois lembremos: nisto reside uma unidade mesmo entre os setores da mídia que hoje estão vociferando contra Bolsonaro.
Portanto, um forte processo de mobilização nas ruas para deter o governo e sua agenda de disparates autoritários e neoliberalismo é o fator que poderia desequilibrar o jogo. Já é um bom começo a retomada de sinais de resistência, através de lutas e iniciativas setorizadas, da resistência indígena à importantíssima greve dos petroleiros, que obteve uma vitória parcial, significativa diante da sanha privatista e destruidora da agenda liberal.
Os desfiles e blocos prévios ao carnaval já vêm demonstrando bastante senso crítico e teremos em breve o 8 de março e o 14 de março, o Dia Internacional de Luta das Mulheres e a lembrança dos dois anos do assassinato de Marielle e Anderson. Datas que poderão expressar, diante das últimas provocações do governo, uma reedição moralizadora do EleNão!
Precisamos ter a paciência, mas o sentido de urgência para potencializar vitórias parciais e manifestações em um crescente movimento de oposição nas ruas. Será nesses processos concretos de lutas sociais que avançaremos numa nova recomposição da esquerda, que não repita os erros do passado.
A urgência é porque sob o signo da direita e do bolsonarismo, o Brasil, cada vez mais fraturado e desigual, caminha para o abismo e caberá a uma esquerda renovada, ativa e socialmente inserida reorganizar a esperança.
* Fernando Silva é jornalista e membro do Diretório Nacional do PSOL.
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