Por Luiz Gonzaga Belluzzo, na revista CartaCapital:
Em sua edição de 4 de agosto, o jornal Valor informa que “ministros tentam convencer Bolsonaro a ampliar gasto fora do teto. A necessidade de acelerar a retomada econômica deu força novamente à tese da ala do governo que defende a participação do Estado para gerar empregos, retomar obras paradas e estimular a atividade econômica”.
No mesmo momento, a equipe de Paulo Guedes apresentou um PowerPoint arguindo a necessidade de se reduzir o peso do Estado na economia. Os esculápios do mercadismo recomendam a venda de ativos sob controle estatal e a contração do gasto público para “equilibrar as contas” e melhorar a alocação de recursos.
A narrativa dos déficits e das dívidas está amparada na concepção do Estado como um indivíduo ou uma família.
A mensagem é simples: se não há dinheiro, corte seus gastos.
(Confesso que gostaria de cobrar impostos dos meus vizinhos e quitar minhas dívidas com dinheiro de minha emissão.)
A macroeconomia do endividamento
Os adeptos da austeridade fiscal e monetária atribuem a David Ricardo a ideia da ineficácia das políticas anticíclicas: os agentes racionais, aqueles que conhecem a estrutura da economia e sua evolução provável, antecipam o aumento de impostos no futuro para cobrir o déficit incorrido agora.
Na visão dessa turma, mesmo em uma situação de desemprego e capacidade ociosa, o setor privado não responde positivamente ao fluxo de renda novo que chega a seus balanços.
Assustados, dizem eles, os privados contraem ainda mais os gastos, temerosos diante do aumento do déficit e da dívida pública.
Na contabilidade dos esculápios, a receita fiscal também sofre com a tentativa de estimular a economia com mais gastos públicos.
É o multiplicador negativo: mais gastos públicos, a tigrada cuida de guardar a grana para pagar os impostos que espreitam no futuro.
John Maynard Keynes sustenta que no âmbito da “economia como um todo” são os gastos das empresas, das famílias, dos estrangeiros e do Estado que “criam” a renda.
Keynes concebe a organização da sociedade como uma teia de relações hierarquizadas entre proprietários capitalistas e trabalhadores.
“Se a firma decide empregar trabalhadores para usar o equipamento de capital e gerar um produto, ela deve ter suficiente comando sobre o dinheiro para pagar os salários e as matérias-primas que adquire de outras firmas durante o período de produção, até o momento em que o produto seja convenientemente vendido por dinheiro.”
A ideia de comando supõe não apenas a propriedade dos meios de produção, mas também o controle dos meios monetários capazes de mobilizá-los.
A criação de moeda decorre da concessão de crédito novo para financiar os gastos de investimento e de consumo, com a consequente acumulação de ativos e passivos nos balanços de empresa, famílias e governos.
O Banco Central estabelece as mediações entre os bancos privados e a soberania monetária do Estado.
Cuida de estabilizar as relações entre a moeda como bem público, referência “confiável” para as negociações entre os proprietários no mercado, e sua “outra” natureza, aquela que assegura aos proprietários o direito de abocanhar o valor monetário em processo de criação. Uns mais, outros menos.
No Tratado sobre a Moeda, Keynes falou dessa dupla natureza do dinheiro: “Como unidade de conta, o dinheiro define as unidades nas quais o Poder de Compra se expressa. (Já) o dinheiro real é a forma em que são possuídas essas unidades de Poder de Compra”.
Na pandemia econômica, os nexos monetários foram rompidos e os proprietários privados, aí incluídos os proprietários da força de trabalho, foram expropriados de seu poder de apropriação.
A propriedade perdeu a função crucial de legitimar a apropriação da renda e da riqueza.
O mercado vira uma mixórdia: não é capaz de diferenciar os ativos mais seguros daqueles de alto risco.
Trata-se do fenômeno da indiferenciação.
A fuga desesperada para a liquidez atesta que, na derrocada, não há ativos melhores ou piores. Todos são fâmulos desprezíveis perante o Dinheiro Real, a forma suprema da Propriedade.
As taxas de juro encolheram em todas as jurisdições deste nosso mundo e as emissões monetárias dos bancos centrais atenderam às demandas angustiadas dos proprietários da riqueza.
Sim, jurisdições, porque em situações de ruptura dos nexos de propriedade os bancos centrais e os Tesouros Nacionais são as únicas instituições que desfrutam de liberdade para financiar o gasto ao emitir moeda e títulos públicos.
É bom lembrar que os títulos do governo são formas de riqueza privada de maior qualidade, segurança e liquidez, destinadas a socorrer os combalidos balanços de bancos, empresas e famílias.
Em sua edição de 4 de agosto, o jornal Valor informa que “ministros tentam convencer Bolsonaro a ampliar gasto fora do teto. A necessidade de acelerar a retomada econômica deu força novamente à tese da ala do governo que defende a participação do Estado para gerar empregos, retomar obras paradas e estimular a atividade econômica”.
No mesmo momento, a equipe de Paulo Guedes apresentou um PowerPoint arguindo a necessidade de se reduzir o peso do Estado na economia. Os esculápios do mercadismo recomendam a venda de ativos sob controle estatal e a contração do gasto público para “equilibrar as contas” e melhorar a alocação de recursos.
A narrativa dos déficits e das dívidas está amparada na concepção do Estado como um indivíduo ou uma família.
A mensagem é simples: se não há dinheiro, corte seus gastos.
(Confesso que gostaria de cobrar impostos dos meus vizinhos e quitar minhas dívidas com dinheiro de minha emissão.)
A macroeconomia do endividamento
Os adeptos da austeridade fiscal e monetária atribuem a David Ricardo a ideia da ineficácia das políticas anticíclicas: os agentes racionais, aqueles que conhecem a estrutura da economia e sua evolução provável, antecipam o aumento de impostos no futuro para cobrir o déficit incorrido agora.
Na visão dessa turma, mesmo em uma situação de desemprego e capacidade ociosa, o setor privado não responde positivamente ao fluxo de renda novo que chega a seus balanços.
Assustados, dizem eles, os privados contraem ainda mais os gastos, temerosos diante do aumento do déficit e da dívida pública.
Na contabilidade dos esculápios, a receita fiscal também sofre com a tentativa de estimular a economia com mais gastos públicos.
É o multiplicador negativo: mais gastos públicos, a tigrada cuida de guardar a grana para pagar os impostos que espreitam no futuro.
John Maynard Keynes sustenta que no âmbito da “economia como um todo” são os gastos das empresas, das famílias, dos estrangeiros e do Estado que “criam” a renda.
Keynes concebe a organização da sociedade como uma teia de relações hierarquizadas entre proprietários capitalistas e trabalhadores.
“Se a firma decide empregar trabalhadores para usar o equipamento de capital e gerar um produto, ela deve ter suficiente comando sobre o dinheiro para pagar os salários e as matérias-primas que adquire de outras firmas durante o período de produção, até o momento em que o produto seja convenientemente vendido por dinheiro.”
A ideia de comando supõe não apenas a propriedade dos meios de produção, mas também o controle dos meios monetários capazes de mobilizá-los.
A criação de moeda decorre da concessão de crédito novo para financiar os gastos de investimento e de consumo, com a consequente acumulação de ativos e passivos nos balanços de empresa, famílias e governos.
O Banco Central estabelece as mediações entre os bancos privados e a soberania monetária do Estado.
Cuida de estabilizar as relações entre a moeda como bem público, referência “confiável” para as negociações entre os proprietários no mercado, e sua “outra” natureza, aquela que assegura aos proprietários o direito de abocanhar o valor monetário em processo de criação. Uns mais, outros menos.
No Tratado sobre a Moeda, Keynes falou dessa dupla natureza do dinheiro: “Como unidade de conta, o dinheiro define as unidades nas quais o Poder de Compra se expressa. (Já) o dinheiro real é a forma em que são possuídas essas unidades de Poder de Compra”.
Na pandemia econômica, os nexos monetários foram rompidos e os proprietários privados, aí incluídos os proprietários da força de trabalho, foram expropriados de seu poder de apropriação.
A propriedade perdeu a função crucial de legitimar a apropriação da renda e da riqueza.
O mercado vira uma mixórdia: não é capaz de diferenciar os ativos mais seguros daqueles de alto risco.
Trata-se do fenômeno da indiferenciação.
A fuga desesperada para a liquidez atesta que, na derrocada, não há ativos melhores ou piores. Todos são fâmulos desprezíveis perante o Dinheiro Real, a forma suprema da Propriedade.
As taxas de juro encolheram em todas as jurisdições deste nosso mundo e as emissões monetárias dos bancos centrais atenderam às demandas angustiadas dos proprietários da riqueza.
Sim, jurisdições, porque em situações de ruptura dos nexos de propriedade os bancos centrais e os Tesouros Nacionais são as únicas instituições que desfrutam de liberdade para financiar o gasto ao emitir moeda e títulos públicos.
É bom lembrar que os títulos do governo são formas de riqueza privada de maior qualidade, segurança e liquidez, destinadas a socorrer os combalidos balanços de bancos, empresas e famílias.
0 comentários:
Postar um comentário