Por Ronald Freitas
Os acontecimentos políticos, econômicos e sociais ocorrem com tanta frequência e rapidez nesses dias de pandemia, de continuidade progressiva de crise econômica, de degradação das condições de vida do povo, e do desenrolar do desastrado governo de Bolsonaro, que não é simples acompanhar a evolução desses acontecimentos, procurar estabelecer nexo entre eles, e, o mais difícil, auscultar as tendências que os rumos políticos tomarão.
No Brasil, estamos caminhando para a realização de eleições municipais em 15 de novembro/2020. Na nossa tradição política, não só a mais recente, a realização de eleições são momentos de intensa atividade política por parte dos partidos organizados, e de intensa participação da sociedade, de politização da vida social enfim. As eleições municipais desse ano, não fogem a essa regra, e em certo sentido, são mais desafiadoras, pois ao se realizarem durante a pandemia do Corona Vírus, estarão submetidas a uma série de particularidades e limitações, que tornam a sua disputa muito mais difícil, e o seu resultado, inescrutável e imprevisível.
Mas, no que pese a enorme importância que o resultado dessas eleições tem para a evolução da situação política do país nos próximos anos, se desenvolve simultaneamente a elas, e com elas articulados, outros eventos políticos de suma importância, que também impactarão em nosso futuro próximo. Mormente na criação das condições em que se realizarão as eleições gerais de 2022, quando estará em jogo a eventual reeleição de Bolsonaro a Presidência da República. São eles: A sucessão Norte Americana; A eleição do Presidente da Câmara dos Deputados; A continuidade das atividades da chamada Operação Lava-Jato, nos termos como ela tem atuado nos últimos seis anos.
Três desses eventos, ocorrerão nos próximos seis meses, Eleições Municipais, Eleições Americanas e Eleição do Presidente da Câmara, o quarto, a Operação Lava-Jato, já se desenrola a seis anos, e nos últimos meses tem mostrado ânimo para continuar, nos moldes em que tem se desenvolvido, por muito tempo. Todos esses eventos terão grande impacto na situação interna de nosso país, em todas as esferas: política, econômica, sanitária, social etc.
Embora com a crise e instabilidade que atravessamos, ninguém possa garantir como chegaremos ao fim do ano. Se mantidas as condições atuais, a meu juízo, esses quatro eventos, moldarão o nosso cenário político nos próximos dois anos, e impactarão fortemente nas eleições de 2022.
1- Eleições municipais de novembro
Os resultados dessas eleições influenciarão fortemente na política nacional nos próximos dois anos. Elas se darão sob a égide da pandemia, que não sabemos como estará em novembro, mas a estamos vivenciando no correr da campanha, que está limitada fortemente pelas condições sanitárias imperantes. Mas a acelerada deterioração das condições da economia, e suas consequências na vida do povo, principalmente das camadas mais pobres, também terão forte impacto no desenrolar da campanha e nos seus resultados.
Assim essas eleições se realizarão em circunstâncias difíceis para as forças populares e democráticas, e elenco a seguir alguns aspectos, além da pandemia, que incidirão sobre ela.
O Presidente Bolsonaro, será sem dúvida uma peça importante no tabuleiro político eleitoral em curso. Mas, pela política que vem desenvolvendo, pelo primarismo de seu comportamento, pelas atitudes antidemocráticas de estímulo e apoio a ação de grupos de extrema direita, pelos ataques por Ele desferidos e estimulados aos demais poderes da República - Legislativo e Judiciário (acaba de ser divulgado que por pouco não mandou intervir na STF) -, pela declarada decisão de manipular órgãos de Estado - como Polícia Federal e outros -, pelos ataques à imprensa, foi ficando isolado. E diante da resistência dos demais poderes e da sociedade, aos seus intentos ditatoriais, procura manobrar. Busca estabelecer laços com o parlamento, tentando cooptar o centrão. Diminui seu apoio público a extrema direita. Busca estabelecer algum tipo de contato, com setores da grande imprensa. Ou seja, está realizando um recuo tático, no sentido de diminuir a pressão sobre seu governo, e garantir sua permanecia até 2022, quando espera mais uma vez ser conduzido pelo voto a presidência, e dessa maneira, se considerar legitimado e autorizado, a continuar a executar seu projeto de impor um estado policial-autoritário no Brasil.
Por outro lado, o campo democrático, progressista e de esquerda, não consegue se unificar em trono de uma plataforma mínima, capaz de desenvolver uma oposição a Bolsonaro que consiga inviabilizá-lo à frente do governo. Sim, conseguimos certos êxitos na construção de frentes amplas que com base na defesa da democracia, da vida e do emprego, aglutinaram importantes setores políticos do país. Mas importantes setores de esquerda, não participam dessas iniciativas, destacando-se o PT e Lula, que insistem em seguir o caminho de buscar construir uma “frente de esquerda”, sob sua hegemonia. E são apoiados, nessa política, por setores radicalizados, que veem essa “frente de esquerda”, com condição sine qua non, para se levar em frente a necessária luta democrática contra o autoritarismo, e para barrar as ameaças do bolsonarismo. Dessa forma, essa ‘bateção de cabeças’, no campo oposicionista a Bolsonaro, tem lhe dado condições de sobrevida e espaço para manobras de despiste, como a que ele agora executa, tentando romper o isolamento a que sua política o levou.
Um elemento que está subjacente e simultaneamente explícito nessa difícil conjuntura, é o fator militar. Matéria muito complexa, que necessita de estudo e análise em profundidade, que não cabe, nos limites dessas notas. Entretanto registro que os militares, são o principal sustentáculo do governo Bolsonaro. Na realidade, para eles, o governo Bolsonaro é um mal menor que a presença de forças de centro-esquerda e esquerda no governo. Embora tenham se comportado de forma disciplinada e contida, durante a maior parte dos governos Lula e Dilma, o comportamento que tiveram no processo político que culminou com o Impeachment de Dilma, o posterior apoio a eleição de Bolsonaro, e a participação destacada que têm no atual governo, evidencia que são detentores de uma visão reacionária sobre como conduzir o Brasil, nas várias esferas de exercício de um poder Nacional, Democrático, Soberano e Autônomo. São exemplos disso, entre outros: a resistência as políticas de resgate da verdade histórica dos tempos da ditadura militar; o apoio a entrega de aspectos da soberania nacional ao controle estrangeiro, como nos casos da venda da Embraer e da cessão da Base de Alcântara/MA; e se desenrolando aos nossos olhos, a cumplicidade com as ações obscurantistas de tratamento da pandemia e ações antidemocráticas do governo. Mas, os militares, não apresentam esses temas, como centrais, para justificar o papel político que estão jogando. Centram suas razões, para apoiar o governo atual, nos desgastados argumentos de luta contra a corrupção, e na busca de eficiência administrativa. O que fazem de forma recorrente, pois sempre os utilizaram, eles e demais direitistas e conservadores, para retirarem do governo forças progressistas. Assim foi com Getúlio, assim foi com a tentativa de impedir a posse de Juscelino, assim foi contra Jango no golpe de 1964. Porém, existem também razões materiais de vulto para o apoio dos militares ao governo Bolsonaro, a conquista de ‘espaços de poder’, ou seja, colocações na máquina administrativa federal e congêneres, de inúmeros graduados de suas fileiras. Fala-se em mais de três mil cargos, hoje ocupados por militares no aparato burocrático federal. Alie-se a isso, a ilusão por eles acalentada de que controlarão Bolsonaro em seus ímpetos direitistas primários, e conseguirão ‘levar’ o governo a bom porto, retomando a senda do crescimento subordinado ao capital externo, principalmente o Americano, como tem sido o seu projeto nacional desde que a serviço de uma burguesia nativa, associada e subordinada aos EUA, empolgaram o poder em 1964, e moldaram o atual Estado Brasileiro.
Além desses aspectos, a atual estruturação do Estado Brasileiro, é um elemento central na instabilidade política em que se desenvolverão as eleições de novembro próximo. O fim da ditadura, aparentemente nos legou um estado baseado na soberania e autonomia nacional. Mas em realidade isso não aconteceu. Os avanços existentes nesse sentido, esculpidos na constituição de 1988, não foram devidamente implementados, e particularmente, os existentes no capítulo referente a ordem econômica, logo foram eliminados nas reformas do governo FHC. Mesmo no que concerne aos avanços democráticos, que foram vários, pecaram os constituintes por um empoderamento excessivo de setores do aparato jurídico-policial e militar, destacadamente, do MP, que saiu da constituinte, alçado em um poder autônomo, equivalente ao legislativo, ao executivo e ao próprio judiciário existente, poderes esses - do MP - que foram exponencialmente fortalecidos durante o ciclo Lula-Dilma, em função de uma visão idealista desses governo, acerca do Estado, e do seu papel como instrumento central de controle do poder. O resultado de tudo isso é que hoje temos um país, que está organizado em um Estado disfuncional, com um aparato jurídico-policial e militar, muito forte e incontrolável, e que gerou a presidência da república que temos hoje. E os militares, como parte dessa engrenagem, mesmo os mais esclarecidos e profissionais, não passam de ingênuos que pensam que, desde que um governo, seja qual for o governo, atenda pretensos planos de desenvolvimento técnico das tropas, tipo submarino nuclear, caça a jato de última geração, disseminação de mais tropas especiais para ocupar a Amazônia, eles estão cumprindo seus papeis de defender a pátria. Não entendem, ou se fazem de desentendidos, de que, sem um projeto de construção nacional, soberano e autônomo, os ‘brinquedos’ bélicos acima citados, não passarão de instrumentos de dominação do país real chamado Brasil.
Nesse cenário, nunca é demais reafirmar, o resultado das eleições de novembro próximo, tem um efeito que extrapola em muito a conquista de prefeituras e assento em câmaras de vereadores, elas serão uma fotografia viva e colorida, de como o país está se posicionando diante do quadro exposto acima. E uma vitória dos bolsonaristas, fortalecerá essa tendência de desestruturação do Estado Brasileiro.
Diante desse quadro, não podemos subestimar a capacidade da extrema-direita ter um desempenho significativo nas eleições. Bolsonaro, no que pese seu governo desastrado, sua inoperância, que beira a irresponsabilidade, continua mantendo expressivos apoios, seja entre setores do empresariado, entre os militares, em parte do parlamento, e na opinião pública.
2- Eleições americanas
Estas também se realizarão em novembro, e a disputa entre democratas e republicanos está acirrada. Se até antes do início da Pandemia, a reeleição de Trump (republicanos), era considerada a principal aposta, agora encontra-se ameaçada pela candidatura Biden (democratas). Essa mudança de humores no eleitorado americano, tem múltiplas causas, mas o catalizador de todas, é a política aplicada por Trump, no enfrentamento da pandemia, que variou do negacionismo a teorias conspiratórias de como ela teria surgido etc.
Mas caso Trump seja reeleito, essa reeleição dará folego em escala mundial a onda da extrema-direita conservadora que se desenvolve na atualidade. A política de auto isolamento, de agressividade comercial e bélica, características da atual administração, terá continuidade com mais força, pois respaldada pelas urnas. Isso não será pouca coisa, pois na medida que o império americano acentua sua fase de declínio, ele se torna cada vez mais agressivo, procurando tornar o mundo um apêndice de seus interesses. Isso encontra muita e variada resistência, seja na Europa, mesmo entre os seus aliados mais tradicionais como Alemanha e França, na América Latina, na África, no Oriente, e com isso cria espaços para articulações estratégicas entre Russos, Chineses, e outros países. Mas o centro das contradições internacionais, já está e se concentrará ainda mais, nas disputas dos EUA com a China, mormente em torno das questões referente a liderança e controle do desenvolvimento das tecnologias de ponta no mundo atual. Disputa essa que a China está ganhando até agora, o que tem feito aumentar o grau de agressividade dos americanos em relação aos chineses. Fecha consulado em Boston, aumenta presença no mar do sul da China, persegue empresas chinesas que operam nos EUA e em outros países, como Huawei, TikTok etc.
Mas Trump, nesse processo eleitoral, está enfrentando uma situação de perda de prestígio, em decorrência de suas políticas internas, de apoio a extrema-direita, aos supremacistas brancos, e de total irresponsabilidade no enfrentamento da pandemia do Covid-19. Assim, assiste sua popularidade se erodir, e passa a ser cada vez mais agressivo, seja na política externa, onde com base em uma retórica belicista, faz ameaças a China e outros Estados Soberanos. Seja na política interna, onde com base na sua posição frente a resistência civil ao assassinato pela polícia de negros, tem endurecido, envolvendo forças federais no combate aos manifestantes antirracistas. Com isso procura criar um clima interno de defesa da lei e da ordem, que conjugado com a sua política externa, unifique sua base de sustentação, e crie uma situação de tal insegurança e instabilidade na sociedade, que ao procurar um líder capaz de enfrentar a situação, veja nele, Trump, apesar de tudo, o mal menor. É a aplicação da ‘estratégia do medo’, como marketing eleitoral.
Na hipótese da reeleição de Trump, isso sem dúvida reforçará Bolsonaro e sua política de capacho dos EUA. Trazendo-lhe alento para enfrentar o próximo ano, em uma posição de continuidade de sua política externa, de submissão e apoio a Trump, aos seus desmandos sanitários, ambientais, e de desrespeito aos direitos humanos. Mas caso ele seja derrotado, Bolsonaro, será privado do apoio americano nos moldes que existe hoje. Sem dúvida, que os grandes interesses americanos, econômicos e estratégicos de feição militar, não sofrerão solução de continuidade, mas existirá mudança numa série de posturas políticas, muito caras aos bolsonaristas, nos terrenos: dos costumes, dos direitos humanos, e no apoio a governos de extrema-direita.
3- A eleição do presidente da Câmara dos Deputados no início do próximo ano
Esse é outro assunto que tem extrema importância para a evolução do quadro político nacional, e o seu resultado incidira não só na resistência aos projetos autoritários de Bolsonaro, como também na sucessão presidencial de 2022.
Desde o começo do governo Bolsonaro, que uma das frentes de resistência a suas tentativas autoritárias, tem sido o parlamento, com destaque para a Câmara dos Deputados. Para que isso tenha ocorrido, tem tido muita importância o papel desempenhado pelo seu atual presidente, Deputado Rodrigo Maia, do DEM. No exercício da presidência da Câmara, ele tem se conduzido de forma democrática e sido um empecilho para que pautas de extrema direita, seja na esfera dos costumes, seja na de medidas antidemocráticas, seja na de legitimação do uso de mídias sociais com fins criminosos e outras, prosperem. Na realidade Rodrigo Maia, um liberal assumido na economia, tem se comportado de forma equilibrada nos demais terrenos, não permitindo o avanço de pautas capazes de interferir na atuação dos movimentos sociais, ou que venham a significar restrições legais a vida e atividade de minorias, abrindo espaço para setores democráticos e de esquerda atuarem na atividade parlamentar.
Esse comportamento, desagrada de forma explicita ao Presidente da República, que mais de uma vez, já responsabilizou a atuação do poder legislativo, como um empecilho a seu governo. Assim, o presidente na busca de uma saída para a crise de isolamento, que a política por ele executada o impôs, procura recompor laços com o parlamento, tendo para isso, se aproximado do intitulado Centrão, coalizão de partidos de centro, centro-direita e direita, do qual fazia parte o DEM e o MDB, nítidos partidos de centro e centro-direita. Acontece que nesse processo assumiu a liderança do grupo, o Deputado Arthur Lira, um contumaz apoiador de quem está no governo, desde que libere verbas. E o Deputado Arthur, viu no cenário que se formava uma possibilidade de se tornar presidente da Câmara em 2021. Isso veio ao encontro do desejo de Bolsonaro de ter o controle da Câmara Federal. Diante disso, Maia e aliados, à direita, centro e mesmo esquerda, iniciaram uma contraofensiva a esses planos, que teve na saída da articulação do Centrão, do DEM de Maia, e do MDB de Baleia Rossi, um importante acontecimento. Esse movimento desarticula as manobras da dupla Bolsonaro/Arthur Lira , com vista a eleger o próximo presidente da Câmara, e cria as condições para que se tente a eleição para esse importante cargo, de um Deputado compromissado em seguir uma linha de atuação, na direção da casa, alinhada com a atual.
Mas essa disputa não está resolvida, e até janeiro de 2021, muita coisa ainda acontecerá na cena política, e as eleições municipais, serão sem dúvida, um dos eventos, que incidirá nessa disputa.
4- Revigoramento da operação lava-jato
Uma quarta variável que modulará a atividade política e balizará a sucessão presidencial de 2022, é a continuidade da chamada Operação Lava-Jato, nos moldes como ela tem atuado desde 2014. Desde então, a sua atuação tem se pautado por um ativismo judiciário até então desconhecido no país, com base no que se convencionou chamar lawfare, e que na essência, é o uso do aparato judicial de forma distorcida, autoritária e desrespeitando a constituição e outras leis, com o fito de atingir alvos políticos. Seria a aplicação, pelo aparato judiciário, no caso pelo MPF e o juizado da 13ª vara de primeira instancia da Justiça Federal de Curitiba, do velho e conhecido aforisma: o fim justifica os meios.
Nestes seis anos de atuação a Lava-Jato, viveu momentos de glória, de amplo apoio em vários estratos da sociedade, inclusive no meios populares, que deram base para que as elites econômicas, políticas, midiáticas, militares, de certas religiões, etc., utilizassem o clima de antipolítica que se instaurou no país, para desestabilizar os governos de cunho democrático progressista liderado pelo PT, e que teve seu ponto alto, no impeachment da ex-presidente Dilma.
Mas o espírito que anima os burocratas à frente dessa operação, é de que eles são a encarnação da virtude, e estão predestinados a purificar e vivificar, a política, e pour cause, a Nação. Em certo sentido, as elites que os apoiaram, perderam o controle sobre eles, que em sua sanha moralizadora, ampliaram o leque de suas investigações, avançaram sobre o espectro político do centro e mesmo da direita, desestruturaram o jogo político, desorganizaram setores vitais da economia nacional, e foram decisivos para a eleição de Bolsonaro. Mas com o passar do tempo, foram vindos à luz, as práticas heterodoxas e ilegais, que a referida operação usou e abusou. Tudo isso contribuiu para o desgaste da operação e de seus operadores, que já não são mais a unanimidade nacional que eram a poucos anos.
Nesse novo quadro, a operação Lava-Jato, passou a defensiva, está nas cordas, e procura reagir.
Ultimamente, voltaram as operações espetaculares, com cobertura da imprensa, onde polícia federal, a mando de juízes, seja de primeira ou segunda instância e em alguns casos com aval de Tribunais Superiores, prende personalidades do mundo político e empresarial, faz busca e apreensões em sede de poderes da República, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Palácios de Governo, Secretarias Estaduais e residências particulares. Toda essa movimentação jurídico-policial, é justificada sob a alegação de evitar destruição de provas, e mesmo de procurar novas provas, para instruir ações judiciais que se desenrolam a anos, algumas a mais de uma década, e algumas já arquivadas. Com isso esses agentes públicos, procuram reverter o desgaste a que o tipo de combate a corrupção que eles encarnam, está sofrendo, manter o clima político sob tensão e mostrar para a população que eles continuam desbaratando quadrilhas de políticos, e dessa maneira, manter no imaginário popular, a visão que a atividade política é criminosa na sua essência. Assim fortalecem políticas que buscam solucionar os reais problemas de ineficiência administrativas, que existem, e entre eles o do combate a corrupção, com medidas policialescas, cujo ápice é a implantação de um regime policial-autoritário. Nesse sentido essa movimentação ajuda Bolsonaro e a direita a avançarem em seus objetivos.
Surgiu ultimamente, uma tentativa de estabelecer uma diferença entre a Operação Lava-Jato e o Lavajatismo. A primeira, seria uma atuação séria e correta de setores do MPF, do Judiciário e da PF, no combate a corrupção. Já o Lavajatismo, seria a deturpação da dita operação, por parte de certos setores do complexo judiciário-policial, que com base em suas posições no aparato estatal, as estariam usando com fins políticos. Pura mistificação. Toda essa discussão e diferenciação que irrompeu, não vai aos fundamentos da questão, que além de outros aspectos mais estruturais da sociedade brasileira, deita suas raízes próximas na Constituição de 1988.
A constituição de 1988, que adota para a organização do Estado Brasileiro, o formato tripartite, com o Executivo, O legislativo e o Judiciário como os poderes constitutivos do Estado, ao atribuir ao MP poderes até então inexistentes ( Atr.127 §§ 1º e 2º), criou as bases para o desenvolvimento de um processo de construção de um ente Estatal, o MPF, que goza de ampla autonomia funcional, que fica à margem de controles do poder político, e que, a partir dos governos Lula e Dilma, tiveram esses poderes fortemente ampliados, com o estabelecimento de acordos internacionais, e de leis nacionais, que os colocaram em posições privilegiadas de atuação política, sob o manto da proteção da luta contra a corrupção. Poderes esses que não são submetidos a um controle do poder político, permitindo dessa maneira a formação de verdadeiros poderes paralelos, na estrutura do Estado Nacional. Acrescente-se a isso, que esse mesmo status tem sido reivindicado por outros segmentos da burocracia estatal, como PR, PRF, TCU, sendo que alguns já o exercem na prática, como a PF. Na realidade essa situação vai criando, no Brasil, um verdadeiro mandarinato moderno, que extrai seu poder não do voto, mas de mecanismos de seleção pretensamente baseados no mérito pessoal, a badalada meritocracia, de concurso.
Essa situação é um importantíssimo fator da instabilidade política que vivemos, e está tornando o Estado Brasileiro disfuncional, com sérios riscos a sua integridade política, social e mesmo territorial.
Diante disso aponto: Eleições municipais, Eleições Americanas, Eleições para a presidência da Câmara dos deputados, Operação Lava-Jato, são quatro vetores que estão no presente modulando o nosso futuro imediato. Dependendo da resultante do embate das forças políticas nelas envolvidas, continuaremos a viver sob a ameaça da implantação de uma regime policial-autoritário, tendo ou não Bolsonaro a frente, ou seremos capazes, na base de num esforço coordenado, das forças verdadeiramente democráticas, nacionalistas, populares e progressistas, retomar a ação política como o lócus essencial da administração do Estado, e com isso procurar retomar em novo patamar o projeto de construção e consolidação da Nação brasileira, fortemente ameaçado pelos rumos políticos que vivemos hoje. Assim, as eleições municipais, conforme o resultado que tenham, serão um importante elemento na configuração dos rumos políticos que o Brasil tomará a partir delas.
* Ronald Freitas é advogado e membro do Comitê Central do PCdoB .
Os acontecimentos políticos, econômicos e sociais ocorrem com tanta frequência e rapidez nesses dias de pandemia, de continuidade progressiva de crise econômica, de degradação das condições de vida do povo, e do desenrolar do desastrado governo de Bolsonaro, que não é simples acompanhar a evolução desses acontecimentos, procurar estabelecer nexo entre eles, e, o mais difícil, auscultar as tendências que os rumos políticos tomarão.
No Brasil, estamos caminhando para a realização de eleições municipais em 15 de novembro/2020. Na nossa tradição política, não só a mais recente, a realização de eleições são momentos de intensa atividade política por parte dos partidos organizados, e de intensa participação da sociedade, de politização da vida social enfim. As eleições municipais desse ano, não fogem a essa regra, e em certo sentido, são mais desafiadoras, pois ao se realizarem durante a pandemia do Corona Vírus, estarão submetidas a uma série de particularidades e limitações, que tornam a sua disputa muito mais difícil, e o seu resultado, inescrutável e imprevisível.
Mas, no que pese a enorme importância que o resultado dessas eleições tem para a evolução da situação política do país nos próximos anos, se desenvolve simultaneamente a elas, e com elas articulados, outros eventos políticos de suma importância, que também impactarão em nosso futuro próximo. Mormente na criação das condições em que se realizarão as eleições gerais de 2022, quando estará em jogo a eventual reeleição de Bolsonaro a Presidência da República. São eles: A sucessão Norte Americana; A eleição do Presidente da Câmara dos Deputados; A continuidade das atividades da chamada Operação Lava-Jato, nos termos como ela tem atuado nos últimos seis anos.
Três desses eventos, ocorrerão nos próximos seis meses, Eleições Municipais, Eleições Americanas e Eleição do Presidente da Câmara, o quarto, a Operação Lava-Jato, já se desenrola a seis anos, e nos últimos meses tem mostrado ânimo para continuar, nos moldes em que tem se desenvolvido, por muito tempo. Todos esses eventos terão grande impacto na situação interna de nosso país, em todas as esferas: política, econômica, sanitária, social etc.
Embora com a crise e instabilidade que atravessamos, ninguém possa garantir como chegaremos ao fim do ano. Se mantidas as condições atuais, a meu juízo, esses quatro eventos, moldarão o nosso cenário político nos próximos dois anos, e impactarão fortemente nas eleições de 2022.
1- Eleições municipais de novembro
Os resultados dessas eleições influenciarão fortemente na política nacional nos próximos dois anos. Elas se darão sob a égide da pandemia, que não sabemos como estará em novembro, mas a estamos vivenciando no correr da campanha, que está limitada fortemente pelas condições sanitárias imperantes. Mas a acelerada deterioração das condições da economia, e suas consequências na vida do povo, principalmente das camadas mais pobres, também terão forte impacto no desenrolar da campanha e nos seus resultados.
Assim essas eleições se realizarão em circunstâncias difíceis para as forças populares e democráticas, e elenco a seguir alguns aspectos, além da pandemia, que incidirão sobre ela.
O Presidente Bolsonaro, será sem dúvida uma peça importante no tabuleiro político eleitoral em curso. Mas, pela política que vem desenvolvendo, pelo primarismo de seu comportamento, pelas atitudes antidemocráticas de estímulo e apoio a ação de grupos de extrema direita, pelos ataques por Ele desferidos e estimulados aos demais poderes da República - Legislativo e Judiciário (acaba de ser divulgado que por pouco não mandou intervir na STF) -, pela declarada decisão de manipular órgãos de Estado - como Polícia Federal e outros -, pelos ataques à imprensa, foi ficando isolado. E diante da resistência dos demais poderes e da sociedade, aos seus intentos ditatoriais, procura manobrar. Busca estabelecer laços com o parlamento, tentando cooptar o centrão. Diminui seu apoio público a extrema direita. Busca estabelecer algum tipo de contato, com setores da grande imprensa. Ou seja, está realizando um recuo tático, no sentido de diminuir a pressão sobre seu governo, e garantir sua permanecia até 2022, quando espera mais uma vez ser conduzido pelo voto a presidência, e dessa maneira, se considerar legitimado e autorizado, a continuar a executar seu projeto de impor um estado policial-autoritário no Brasil.
Por outro lado, o campo democrático, progressista e de esquerda, não consegue se unificar em trono de uma plataforma mínima, capaz de desenvolver uma oposição a Bolsonaro que consiga inviabilizá-lo à frente do governo. Sim, conseguimos certos êxitos na construção de frentes amplas que com base na defesa da democracia, da vida e do emprego, aglutinaram importantes setores políticos do país. Mas importantes setores de esquerda, não participam dessas iniciativas, destacando-se o PT e Lula, que insistem em seguir o caminho de buscar construir uma “frente de esquerda”, sob sua hegemonia. E são apoiados, nessa política, por setores radicalizados, que veem essa “frente de esquerda”, com condição sine qua non, para se levar em frente a necessária luta democrática contra o autoritarismo, e para barrar as ameaças do bolsonarismo. Dessa forma, essa ‘bateção de cabeças’, no campo oposicionista a Bolsonaro, tem lhe dado condições de sobrevida e espaço para manobras de despiste, como a que ele agora executa, tentando romper o isolamento a que sua política o levou.
Um elemento que está subjacente e simultaneamente explícito nessa difícil conjuntura, é o fator militar. Matéria muito complexa, que necessita de estudo e análise em profundidade, que não cabe, nos limites dessas notas. Entretanto registro que os militares, são o principal sustentáculo do governo Bolsonaro. Na realidade, para eles, o governo Bolsonaro é um mal menor que a presença de forças de centro-esquerda e esquerda no governo. Embora tenham se comportado de forma disciplinada e contida, durante a maior parte dos governos Lula e Dilma, o comportamento que tiveram no processo político que culminou com o Impeachment de Dilma, o posterior apoio a eleição de Bolsonaro, e a participação destacada que têm no atual governo, evidencia que são detentores de uma visão reacionária sobre como conduzir o Brasil, nas várias esferas de exercício de um poder Nacional, Democrático, Soberano e Autônomo. São exemplos disso, entre outros: a resistência as políticas de resgate da verdade histórica dos tempos da ditadura militar; o apoio a entrega de aspectos da soberania nacional ao controle estrangeiro, como nos casos da venda da Embraer e da cessão da Base de Alcântara/MA; e se desenrolando aos nossos olhos, a cumplicidade com as ações obscurantistas de tratamento da pandemia e ações antidemocráticas do governo. Mas, os militares, não apresentam esses temas, como centrais, para justificar o papel político que estão jogando. Centram suas razões, para apoiar o governo atual, nos desgastados argumentos de luta contra a corrupção, e na busca de eficiência administrativa. O que fazem de forma recorrente, pois sempre os utilizaram, eles e demais direitistas e conservadores, para retirarem do governo forças progressistas. Assim foi com Getúlio, assim foi com a tentativa de impedir a posse de Juscelino, assim foi contra Jango no golpe de 1964. Porém, existem também razões materiais de vulto para o apoio dos militares ao governo Bolsonaro, a conquista de ‘espaços de poder’, ou seja, colocações na máquina administrativa federal e congêneres, de inúmeros graduados de suas fileiras. Fala-se em mais de três mil cargos, hoje ocupados por militares no aparato burocrático federal. Alie-se a isso, a ilusão por eles acalentada de que controlarão Bolsonaro em seus ímpetos direitistas primários, e conseguirão ‘levar’ o governo a bom porto, retomando a senda do crescimento subordinado ao capital externo, principalmente o Americano, como tem sido o seu projeto nacional desde que a serviço de uma burguesia nativa, associada e subordinada aos EUA, empolgaram o poder em 1964, e moldaram o atual Estado Brasileiro.
Além desses aspectos, a atual estruturação do Estado Brasileiro, é um elemento central na instabilidade política em que se desenvolverão as eleições de novembro próximo. O fim da ditadura, aparentemente nos legou um estado baseado na soberania e autonomia nacional. Mas em realidade isso não aconteceu. Os avanços existentes nesse sentido, esculpidos na constituição de 1988, não foram devidamente implementados, e particularmente, os existentes no capítulo referente a ordem econômica, logo foram eliminados nas reformas do governo FHC. Mesmo no que concerne aos avanços democráticos, que foram vários, pecaram os constituintes por um empoderamento excessivo de setores do aparato jurídico-policial e militar, destacadamente, do MP, que saiu da constituinte, alçado em um poder autônomo, equivalente ao legislativo, ao executivo e ao próprio judiciário existente, poderes esses - do MP - que foram exponencialmente fortalecidos durante o ciclo Lula-Dilma, em função de uma visão idealista desses governo, acerca do Estado, e do seu papel como instrumento central de controle do poder. O resultado de tudo isso é que hoje temos um país, que está organizado em um Estado disfuncional, com um aparato jurídico-policial e militar, muito forte e incontrolável, e que gerou a presidência da república que temos hoje. E os militares, como parte dessa engrenagem, mesmo os mais esclarecidos e profissionais, não passam de ingênuos que pensam que, desde que um governo, seja qual for o governo, atenda pretensos planos de desenvolvimento técnico das tropas, tipo submarino nuclear, caça a jato de última geração, disseminação de mais tropas especiais para ocupar a Amazônia, eles estão cumprindo seus papeis de defender a pátria. Não entendem, ou se fazem de desentendidos, de que, sem um projeto de construção nacional, soberano e autônomo, os ‘brinquedos’ bélicos acima citados, não passarão de instrumentos de dominação do país real chamado Brasil.
Nesse cenário, nunca é demais reafirmar, o resultado das eleições de novembro próximo, tem um efeito que extrapola em muito a conquista de prefeituras e assento em câmaras de vereadores, elas serão uma fotografia viva e colorida, de como o país está se posicionando diante do quadro exposto acima. E uma vitória dos bolsonaristas, fortalecerá essa tendência de desestruturação do Estado Brasileiro.
Diante desse quadro, não podemos subestimar a capacidade da extrema-direita ter um desempenho significativo nas eleições. Bolsonaro, no que pese seu governo desastrado, sua inoperância, que beira a irresponsabilidade, continua mantendo expressivos apoios, seja entre setores do empresariado, entre os militares, em parte do parlamento, e na opinião pública.
2- Eleições americanas
Estas também se realizarão em novembro, e a disputa entre democratas e republicanos está acirrada. Se até antes do início da Pandemia, a reeleição de Trump (republicanos), era considerada a principal aposta, agora encontra-se ameaçada pela candidatura Biden (democratas). Essa mudança de humores no eleitorado americano, tem múltiplas causas, mas o catalizador de todas, é a política aplicada por Trump, no enfrentamento da pandemia, que variou do negacionismo a teorias conspiratórias de como ela teria surgido etc.
Mas caso Trump seja reeleito, essa reeleição dará folego em escala mundial a onda da extrema-direita conservadora que se desenvolve na atualidade. A política de auto isolamento, de agressividade comercial e bélica, características da atual administração, terá continuidade com mais força, pois respaldada pelas urnas. Isso não será pouca coisa, pois na medida que o império americano acentua sua fase de declínio, ele se torna cada vez mais agressivo, procurando tornar o mundo um apêndice de seus interesses. Isso encontra muita e variada resistência, seja na Europa, mesmo entre os seus aliados mais tradicionais como Alemanha e França, na América Latina, na África, no Oriente, e com isso cria espaços para articulações estratégicas entre Russos, Chineses, e outros países. Mas o centro das contradições internacionais, já está e se concentrará ainda mais, nas disputas dos EUA com a China, mormente em torno das questões referente a liderança e controle do desenvolvimento das tecnologias de ponta no mundo atual. Disputa essa que a China está ganhando até agora, o que tem feito aumentar o grau de agressividade dos americanos em relação aos chineses. Fecha consulado em Boston, aumenta presença no mar do sul da China, persegue empresas chinesas que operam nos EUA e em outros países, como Huawei, TikTok etc.
Mas Trump, nesse processo eleitoral, está enfrentando uma situação de perda de prestígio, em decorrência de suas políticas internas, de apoio a extrema-direita, aos supremacistas brancos, e de total irresponsabilidade no enfrentamento da pandemia do Covid-19. Assim, assiste sua popularidade se erodir, e passa a ser cada vez mais agressivo, seja na política externa, onde com base em uma retórica belicista, faz ameaças a China e outros Estados Soberanos. Seja na política interna, onde com base na sua posição frente a resistência civil ao assassinato pela polícia de negros, tem endurecido, envolvendo forças federais no combate aos manifestantes antirracistas. Com isso procura criar um clima interno de defesa da lei e da ordem, que conjugado com a sua política externa, unifique sua base de sustentação, e crie uma situação de tal insegurança e instabilidade na sociedade, que ao procurar um líder capaz de enfrentar a situação, veja nele, Trump, apesar de tudo, o mal menor. É a aplicação da ‘estratégia do medo’, como marketing eleitoral.
Na hipótese da reeleição de Trump, isso sem dúvida reforçará Bolsonaro e sua política de capacho dos EUA. Trazendo-lhe alento para enfrentar o próximo ano, em uma posição de continuidade de sua política externa, de submissão e apoio a Trump, aos seus desmandos sanitários, ambientais, e de desrespeito aos direitos humanos. Mas caso ele seja derrotado, Bolsonaro, será privado do apoio americano nos moldes que existe hoje. Sem dúvida, que os grandes interesses americanos, econômicos e estratégicos de feição militar, não sofrerão solução de continuidade, mas existirá mudança numa série de posturas políticas, muito caras aos bolsonaristas, nos terrenos: dos costumes, dos direitos humanos, e no apoio a governos de extrema-direita.
3- A eleição do presidente da Câmara dos Deputados no início do próximo ano
Esse é outro assunto que tem extrema importância para a evolução do quadro político nacional, e o seu resultado incidira não só na resistência aos projetos autoritários de Bolsonaro, como também na sucessão presidencial de 2022.
Desde o começo do governo Bolsonaro, que uma das frentes de resistência a suas tentativas autoritárias, tem sido o parlamento, com destaque para a Câmara dos Deputados. Para que isso tenha ocorrido, tem tido muita importância o papel desempenhado pelo seu atual presidente, Deputado Rodrigo Maia, do DEM. No exercício da presidência da Câmara, ele tem se conduzido de forma democrática e sido um empecilho para que pautas de extrema direita, seja na esfera dos costumes, seja na de medidas antidemocráticas, seja na de legitimação do uso de mídias sociais com fins criminosos e outras, prosperem. Na realidade Rodrigo Maia, um liberal assumido na economia, tem se comportado de forma equilibrada nos demais terrenos, não permitindo o avanço de pautas capazes de interferir na atuação dos movimentos sociais, ou que venham a significar restrições legais a vida e atividade de minorias, abrindo espaço para setores democráticos e de esquerda atuarem na atividade parlamentar.
Esse comportamento, desagrada de forma explicita ao Presidente da República, que mais de uma vez, já responsabilizou a atuação do poder legislativo, como um empecilho a seu governo. Assim, o presidente na busca de uma saída para a crise de isolamento, que a política por ele executada o impôs, procura recompor laços com o parlamento, tendo para isso, se aproximado do intitulado Centrão, coalizão de partidos de centro, centro-direita e direita, do qual fazia parte o DEM e o MDB, nítidos partidos de centro e centro-direita. Acontece que nesse processo assumiu a liderança do grupo, o Deputado Arthur Lira, um contumaz apoiador de quem está no governo, desde que libere verbas. E o Deputado Arthur, viu no cenário que se formava uma possibilidade de se tornar presidente da Câmara em 2021. Isso veio ao encontro do desejo de Bolsonaro de ter o controle da Câmara Federal. Diante disso, Maia e aliados, à direita, centro e mesmo esquerda, iniciaram uma contraofensiva a esses planos, que teve na saída da articulação do Centrão, do DEM de Maia, e do MDB de Baleia Rossi, um importante acontecimento. Esse movimento desarticula as manobras da dupla Bolsonaro/Arthur Lira , com vista a eleger o próximo presidente da Câmara, e cria as condições para que se tente a eleição para esse importante cargo, de um Deputado compromissado em seguir uma linha de atuação, na direção da casa, alinhada com a atual.
Mas essa disputa não está resolvida, e até janeiro de 2021, muita coisa ainda acontecerá na cena política, e as eleições municipais, serão sem dúvida, um dos eventos, que incidirá nessa disputa.
4- Revigoramento da operação lava-jato
Uma quarta variável que modulará a atividade política e balizará a sucessão presidencial de 2022, é a continuidade da chamada Operação Lava-Jato, nos moldes como ela tem atuado desde 2014. Desde então, a sua atuação tem se pautado por um ativismo judiciário até então desconhecido no país, com base no que se convencionou chamar lawfare, e que na essência, é o uso do aparato judicial de forma distorcida, autoritária e desrespeitando a constituição e outras leis, com o fito de atingir alvos políticos. Seria a aplicação, pelo aparato judiciário, no caso pelo MPF e o juizado da 13ª vara de primeira instancia da Justiça Federal de Curitiba, do velho e conhecido aforisma: o fim justifica os meios.
Nestes seis anos de atuação a Lava-Jato, viveu momentos de glória, de amplo apoio em vários estratos da sociedade, inclusive no meios populares, que deram base para que as elites econômicas, políticas, midiáticas, militares, de certas religiões, etc., utilizassem o clima de antipolítica que se instaurou no país, para desestabilizar os governos de cunho democrático progressista liderado pelo PT, e que teve seu ponto alto, no impeachment da ex-presidente Dilma.
Mas o espírito que anima os burocratas à frente dessa operação, é de que eles são a encarnação da virtude, e estão predestinados a purificar e vivificar, a política, e pour cause, a Nação. Em certo sentido, as elites que os apoiaram, perderam o controle sobre eles, que em sua sanha moralizadora, ampliaram o leque de suas investigações, avançaram sobre o espectro político do centro e mesmo da direita, desestruturaram o jogo político, desorganizaram setores vitais da economia nacional, e foram decisivos para a eleição de Bolsonaro. Mas com o passar do tempo, foram vindos à luz, as práticas heterodoxas e ilegais, que a referida operação usou e abusou. Tudo isso contribuiu para o desgaste da operação e de seus operadores, que já não são mais a unanimidade nacional que eram a poucos anos.
Nesse novo quadro, a operação Lava-Jato, passou a defensiva, está nas cordas, e procura reagir.
Ultimamente, voltaram as operações espetaculares, com cobertura da imprensa, onde polícia federal, a mando de juízes, seja de primeira ou segunda instância e em alguns casos com aval de Tribunais Superiores, prende personalidades do mundo político e empresarial, faz busca e apreensões em sede de poderes da República, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Palácios de Governo, Secretarias Estaduais e residências particulares. Toda essa movimentação jurídico-policial, é justificada sob a alegação de evitar destruição de provas, e mesmo de procurar novas provas, para instruir ações judiciais que se desenrolam a anos, algumas a mais de uma década, e algumas já arquivadas. Com isso esses agentes públicos, procuram reverter o desgaste a que o tipo de combate a corrupção que eles encarnam, está sofrendo, manter o clima político sob tensão e mostrar para a população que eles continuam desbaratando quadrilhas de políticos, e dessa maneira, manter no imaginário popular, a visão que a atividade política é criminosa na sua essência. Assim fortalecem políticas que buscam solucionar os reais problemas de ineficiência administrativas, que existem, e entre eles o do combate a corrupção, com medidas policialescas, cujo ápice é a implantação de um regime policial-autoritário. Nesse sentido essa movimentação ajuda Bolsonaro e a direita a avançarem em seus objetivos.
Surgiu ultimamente, uma tentativa de estabelecer uma diferença entre a Operação Lava-Jato e o Lavajatismo. A primeira, seria uma atuação séria e correta de setores do MPF, do Judiciário e da PF, no combate a corrupção. Já o Lavajatismo, seria a deturpação da dita operação, por parte de certos setores do complexo judiciário-policial, que com base em suas posições no aparato estatal, as estariam usando com fins políticos. Pura mistificação. Toda essa discussão e diferenciação que irrompeu, não vai aos fundamentos da questão, que além de outros aspectos mais estruturais da sociedade brasileira, deita suas raízes próximas na Constituição de 1988.
A constituição de 1988, que adota para a organização do Estado Brasileiro, o formato tripartite, com o Executivo, O legislativo e o Judiciário como os poderes constitutivos do Estado, ao atribuir ao MP poderes até então inexistentes ( Atr.127 §§ 1º e 2º), criou as bases para o desenvolvimento de um processo de construção de um ente Estatal, o MPF, que goza de ampla autonomia funcional, que fica à margem de controles do poder político, e que, a partir dos governos Lula e Dilma, tiveram esses poderes fortemente ampliados, com o estabelecimento de acordos internacionais, e de leis nacionais, que os colocaram em posições privilegiadas de atuação política, sob o manto da proteção da luta contra a corrupção. Poderes esses que não são submetidos a um controle do poder político, permitindo dessa maneira a formação de verdadeiros poderes paralelos, na estrutura do Estado Nacional. Acrescente-se a isso, que esse mesmo status tem sido reivindicado por outros segmentos da burocracia estatal, como PR, PRF, TCU, sendo que alguns já o exercem na prática, como a PF. Na realidade essa situação vai criando, no Brasil, um verdadeiro mandarinato moderno, que extrai seu poder não do voto, mas de mecanismos de seleção pretensamente baseados no mérito pessoal, a badalada meritocracia, de concurso.
Essa situação é um importantíssimo fator da instabilidade política que vivemos, e está tornando o Estado Brasileiro disfuncional, com sérios riscos a sua integridade política, social e mesmo territorial.
Diante disso aponto: Eleições municipais, Eleições Americanas, Eleições para a presidência da Câmara dos deputados, Operação Lava-Jato, são quatro vetores que estão no presente modulando o nosso futuro imediato. Dependendo da resultante do embate das forças políticas nelas envolvidas, continuaremos a viver sob a ameaça da implantação de uma regime policial-autoritário, tendo ou não Bolsonaro a frente, ou seremos capazes, na base de num esforço coordenado, das forças verdadeiramente democráticas, nacionalistas, populares e progressistas, retomar a ação política como o lócus essencial da administração do Estado, e com isso procurar retomar em novo patamar o projeto de construção e consolidação da Nação brasileira, fortemente ameaçado pelos rumos políticos que vivemos hoje. Assim, as eleições municipais, conforme o resultado que tenham, serão um importante elemento na configuração dos rumos políticos que o Brasil tomará a partir delas.
* Ronald Freitas é advogado e membro do Comitê Central do PCdoB .
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