quarta-feira, 19 de maio de 2010

Liberdade de expressão para quem?

Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:

O recente episódio da demissão do jornalista Felipe Milanez, editor da revista National Geographic Brasil, publicada pela Editora Abril, por ter criticado, via Twitter, a revista Veja, é revelador da hipocrisia geral que envolve as posições públicas dos donos da mídia sobre liberdade de expressão e liberdade de imprensa.

As relações de trabalho nas redações brasileiras, é sabido, são hierárquicas e autoritárias. Jornalistas editores são considerados, pelos patrões, como ocupando "cargos de confiança" e devedores de lealdade incondicional. Mas não se trata aqui da expressão de opinião contrária à posição editorial em matéria jornalística publicada no mesmo veículo. Isso, não existe. Trata-se, na verdade, da liberdade de expressão individual "sob qualquer forma, processo ou veículo".

Segundo matéria publicada no Portal Imprensa, o redator-chefe da National Geographic Brasil, Matthew Shirts, confirmou que Felipe Milanez "foi demitido por comentário do Twitter com críticas pesadas à revista. A Editora Abril paga o salário dele e tomou a decisão".

Pode um jornalista profissional expressar sua posição pessoal sobre o jornalismo praticado por outro veículo cujo proprietário é o mesmo daquele em que trabalha, sem correr o risco de perder o emprego? A liberdade de expressão se aplica quando estão envolvidas relações empregatícias? Ela é ou não é um direito individual universal?

Nota oficial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, em defesa do jornalista Felipe Milanez, afirma: "Nos últimos anos, junto com outras grandes empresas do ramo, a Editora Abril tem se notabilizado pelo combate a todo tipo de regulamentação social da área de comunicações. Em suas ações sistemáticas contra a constituição de um Conselho Nacional de Jornalistas, pela derrubada total da Lei de Imprensa e pelo fim da obrigatoriedade de diploma de nível superior para o exercício do jornalismo, o argumento mais utilizado é o da `defesa da liberdade de expressão´. Nesses embates, o Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo – comprometido com a defesa da democracia e da liberdade de expressão – tem alertado a sociedade para o fato de que as grandes empresas posicionam-se de maneira cínica, pois, na prática, não permitem a liberdade de expressão de seus jornalistas, sobretudo quando contrariam interesses empresariais."

De onde vem a ameaça autoritária?

Temos assistido, nos últimos meses, a uma escalada crescente, na qual a grande mídia, diretamente ou através de suas entidades representativas – ANJ, ANER e Abert – tenta convencer a população brasileira de que existe uma ameaça autoritária, partindo do governo, no sentido de cercear a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa no país.

A violenta e bem sucedida campanha contra a diretriz relativa ao direito à comunicação contida na terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos é apenas o exemplo mais recente.

Os representantes da Editora Abril são parte ativa desta tentativa, onde a grande mídia se apresenta como defensora intransigente da liberdade.

Como, no entanto, conciliar a posição libertária dos grupos de mídia com a relação trabalhista autoritária que mantêm com seus empregados jornalistas? Quais as implicações éticas dessa relação autoritária para com a verdade e o interesse público?

Episódios como a demissão de Felipe Milanez nos obrigam a perguntar, uma vez mais, para quem é a liberdade de expressão que a grande mídia defende?

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4 comentários:

Unknown disse...

É sempre assim, pede-se a liberdade de imprensa, mas ela não pertence ao jornalismo e nem aos jornalistas, pertence ao dono do jornal. Liberdade de imprensa, sim sou a favor, mas e quem é que nos livra de seus proprietários. O Papa???, Deus???

Planeta Laranja disse...

Nunca confiei e nem confio na grande mídia. Sempre que ela fala em "liberdade de expressão", o detector de mentiras apita de menaira estridente.

O caso Felipe Milanez não é surpresa para quem conhece os ditanmmes do sistema. Empresas de comunicação, são acima de tudo, empresas e pensam como tal. O papo de que essas empresas são "arautos da sociedade e da democracia" é mais um engodo para atrair adeptos e perpetuar privilégios e poder.

Escrevi um texto em meu blog falando desse cacoete das empresas de comunicação de falarem em liberdade e democracia.
http://planetalaranja.blogspot.com/2010/01/liberdade-que-eles-querem-e-liberdade.html

O texto é opinativo (não sou jornalista), mas mostra o que eu observo ao meu redor.

Anônimo disse...

Ora bolas, não precisa perguntar. Todos sabemos que a liberdade de expressão que jornalões, revistonas e tevezonas reivindicam é apenas e tão somente a liberdade de expressão dos seus grupos proprietários. Cludio Abrammo já sabia e afirma isso há muitos anos atrás.

Alexandre Figueiredo disse...

O que essa imprensa reacionária exige dos jornalistas é algo de estarrecedor. Na Veja, por exemplo, o jornalista iniciante é quase que um robô, ele não pode exercer sua vocação jornalística, o que ele faz, na verdade, é uma linha de montagem, de um produto que só as mentes retrógradas da cúpula de Veja entendem como "informação".

Os cursos são verdadeiras peneiras - soube disso ao falar com uma colega minha que tentou um teste lá - , e quem é aprovado é aquele que é capaz de fazer o padrão de jornalismo exigido pela Abril. Um jornalismo que a editora diz ser "objetivo", quando se trata apenas de uma fórmula autômata de fazer textos, sem qualquer personalidade, sem qualquer compromisso público. O compromisso real é com a empresa, com a necessidade de se vender o produto "informação", e o talento natural (e, sobretudo, a inteligência e a compreensão honesta do mundo em que se vive) que se dane.