terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Battisti é um criminoso comum?

Por Altamiro Borges

Silvio Berlusconi, o primeiro-ministro neofascista da Itália que já deveria estar na cadeia por seus crimes de corrupção, continua seu ataque histérico contra o governo brasileiro devido à concessão de asilo ao ativista Cesare Battisti. Para ele, o ex-militante da luta armada é um “criminoso comum” e deveria ser extraditado. Já para boa parte da mídia colonizada, Berlusconi está certo e o presidente Lula pisou na bola. Mesmo setores do campo progressista acham que a decisão soberana do Brasil foi equivocada.



Como se observa, o assunto é polêmico e gera muitas paixões. Mas ele não permite visões simplistas. Não dá para esbravejar que Battisti é um criminoso comum sem discutir o contexto político da Itália nos 1970. E nem dá para garantir que ele seria tratado com justiça caso fosse extraditado. Ou seja, não dá para cair nas bravatas de Berlusconi, que nunca se empenhou pela extradição de notórios terrorista de direita e que agora faz escarcéu com Battisti – até para se safar da brutal crise do seu corrupto governo.

Bode expiatório de um período sombrio

Maria Inês Nassif, num excelente artigo para o jornal Valor, já ensinou que o bufão Berlusconi e o sistema jurídico italiano não devem ser levados muito a sério. Conforme lembrou, Battisti foi condenado à prisão perpetua sem qualquer direito de defesa. As testemunhas que o acusaram de quatro assassinatos ganharam delação premiada e há indícios de que uma foi torturada. Dois dos citados homicídios teriam ocorrido em 16 de fevereiro de 1979, a 500 km de distancia um do outro – uma aberração jurídica.

“[Battisti] nunca esteve num tribunal para defender-se das acusações e, de volta à Itália, não será ouvido por nenhum juiz”, alerta a colunista. Para ela, “diante de tantas contradições e de tantos fatos mal explicados, fica a dúvida de por que interessa tanto ao governo italiano coroar Battisti como o bode expiatório de um período negro na Itália, onde não apenas a luta armada enevoou o país, mas as instituições se ajustaram a uma guerra contra o terror usando métodos poucos afeitos à ordem democrática”.

As operações terroristas da CIA

Para quem não conhece a história daquele sombrio período vale a pena ler o livro “Legado de cinzas, uma história da CIA”, do jornalista estadunidense Tim Weiner, vencedor do prêmio Pulitzer. Ele mostra que a década de 1970 foi uma das tumultuadas da história recente da Itália. Com base em vários documentos oficiais, o autor comprova que o serviço de espionagem e terrorismo dos EUA teve participação ativa no processo político italiano, financiando partidos da direita e realizando ações de sabotagem.

“A CIA gastou pelo menos US$ 65 milhões comprando influência em Roma, Milão e Nápoles”. Thomas Fina, cônsul-geral dos EUA em Milão durante o governo Nixon, confessou que a CIA subsidiou o partido democrata-cristão e deu milhões de dólares para bancar “a publicação de livros, o conteúdo de programas de rádio, subsidiando jornais e jornalistas”. Ele se jactava que “tinha recursos financeiros, recursos políticos, amigos e habilidade para chantagear” – inclusive na imprensa italiana.

Neofascista italiana não tem moral

Tim Weiner revela que a ingerência ianque se intensificou a partir de 1970. “Com aprovação formal da Casa Branca, houve a distribuição de US$ 25 bilhões a democratas cristãos e neofascistas italianos. O dinheiro foi dividido na ‘sala dos fundos’ – o posto da CIA no interior da suntuosa embaixada americana”. Giulio Andreotti “venceu a eleição com injeção de dinheiro da CIA. O financiamento secreto da extrema direita fomentou o fracassado golpe neofascista em 1970. O dinheiro ajudou a financiar as operações secretas da direita – incluindo bombardeios terroristas, que a inteligência italiana atribuiu à extrema esquerda”.

Se as ações armadas comandadas pelo grupo de Cesare Battisti foram um grave erro político, que inclusive serviram aos intentos golpistas da direita italiana, não dá para desconhecer que a CIA e os grupos fascistas do país também jogaram sujo. O clima era de guerra. Nesse sentido, é puro simplismo rotular Cesare Battisti de criminoso comum para justificar a sua extradição para a Itália. O neofascista Silvio Berlusconi, que reúne em seu governo notórios terroristas de direita que participaram da “guerra suja” dos anos 1970, não tem qualquer moral para condenar a decisão soberana do presidente Lula no último dia do seu mandato.

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2 comentários:

Leonardo disse...

Certamente que existe muito o que dizer sobre isso tudo, mas no fundo, trata-se de um cidadão Italiano e que deve ser devolvido ao seu país para lá responder pelos seus crimes (ou não crimes). Não compete ao Brasil mante-lo aqui. Não podemos ter medidas diferentes....por exemplo, quando o Governo do Sr. Lula deportou de imediato os boxeadores Cubanos para Cuba, apenas porque.. queriam liberdade.. mas claro, Cuba é um poço de democracia e justiça, a Italia não...

Anônimo disse...

Pobre Leonardo, parece que vc não leu o texto. Se tivesse lido veria que a questão é exatamente esta: Battisti cometeu crime político ou crime comum? Não se trata de devolução de um simples cidadão ao seu país de origem, como você dá a entender no seu comentário tosco. Quanto aos boxeadores cubanos, você deveria se informar melhor, os próprios atletas informaram em entrevistas à imprensa internacional que o governo brasileiro ofereceu asilo para os mesmos, eles que não quiseram aqui permancer.

Paulo Sarnento