quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Quem assume essa culpa?

Por Cris Rodrigues, no blog Somos Andando:

Mesmo acompanhando à distância, não posso me furtar a um comentário sobre o triste caso do cinegrafista baleado enquanto cobria um tiroteio logo atrás de um policial atirando, na favela de Antares, zona oeste do Rio de Janeiro.



Gelson Domingos estava onde não devia estar. Onde não podia estar. Funciona assim, em ciclos, o debate sobre o papel do jornalista e os limites de um meio de comunicação. Foi preciso morrer Tim Lopes para que se questionassem os métodos de cobertura jornalística, que vão muito além do que manda a profissão. Aí o tempo passa, o pessoal esquece, e tudo volta a ser como era antes. Até que um dia morre um Gelson Domingos. É possível que os cuidados aumentem nas próximas coberturas. Mas até quando?

Enquanto a imprensa brasileira continuar colocando a audiência e o lucro acima da notícia e da vida, esse tipo de coisa vai infelizmente continuar acontecendo.

E para coroar a já nefasta história a Band coloca no ar o vídeo do momento em que o cinegrafista era atingido. Um atestado de que não se importa com a vida, um sadismo inexplicável. Como se dissesse que valeu a pena; o vídeo, afinal, está lá. Tentando ainda conseguir mais um recorde de audiência em cima de um assassinato pelo qual, como bem pontuou Rogério Tomaz Jr., é responsável.

Não se pode admitir que jornalistas sejam empurrados para trabalhos que não são deles e para o qual não estão preparados. De que adianta para o leitor ver de perto o tiroteio? Mesmo que Gelson não tivesse sido atingido, que tudo tivesse corrido como o previsto, para que serve? Dá adrenalina? Ok, vai assistir um filme de Hollywood. Que informação tão importante poderia merecer que um repórter arriscasse a sua vida? Não há o que justifique, a não ser a insana e cruel busca por audiência, busca por lucro, nessa corrida que as emissoras travam tentando uma ser mais que a outra. Mais rápida, mais ousada, mais arriscada. A realidade do dia-a-dia das coberturas mostra que definitivamente isso não significa ser melhor.

É só ligar a TV ou abrir o jornal para perceber que a preocupação de fazer um jornalismo de qualidade e sobre o significado disso passa longe das redações. Ninguém se questiona sobre o que de fato é um jornalismo de qualidade. Que não é aquele que mostra mais sangue ou que chega primeiro sempre. Jornalismo é serviço público. Ele existe e só faz sentido porque é importante para as pessoas receberem informação. Não é para disputar espaço no jogo de poder, embora informação também seja poder. Ela é, mas não pode ser vista assim pelo jornalista. Isso é consequência, não causa de seu trabalho. E principalmente, não pode permitir que empresas de comunicação maltratem tanto a informação – e com ela o leitor/espectador/ouvinte – quanto os seus profissionais, muitos dos quais mal-pagos e sem muita alternativa.

Que ainda reste espaço para começar de novo esse questionamento. Que a Band seja bastante criticada por sua atitude criminosa (eu ia escrevendo irresponsável, mas responsabilidade ela tem muita), e que com ela seja criticado todo a nossa indústria da informação, porque aconteceu agora com a Band como aconteceu anos atrás com a Globo e como podia ter acontecido com qualquer emissora.

P.S.: Cabe também um questionamento sobre o papel da Polícia Militar, que autorizou que o cinegrafista se postasse logo atrás de um policial em uma ação para a qual, repito, ele não é preparado, e com um colete a prova de balas que não aguenta tiro do armamento dos traficantes.

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