Federico Rampini, no sítio português O Diário:
“Mãe, o que fazem todas essas pessoas no nosso avião?”. O filho de Jacqueline Siegel não conseguia dar uma explicação a si mesmo na primeira vez que se encontrou na fila de embarque (primeira classe, obviamente) com tantos desconhecidos, ele que estava acostumado a viajar com o seu pai no jacto particular da empresa. Bem-vindos ao mundo do 1%.
Uma categoria social que acabou ficando sob os holofotes da atenção pública graças ao movimento Ocuppy Wall Street: aquele que se autodefine como “os 99%” e denuncia os privilégios da oligarquia. Se você mora em Manhattan, isto é, no coração do protesto, por meio de que sinais se pode perceber se você pertence ao vituperado ou invejado 1%?
Eis 12 mandamentos que traçam a linha de demarcação na vida diária. É um teste empírico, a prova da verdade que trai os verdadeiros privilegiados.
- Primeiro: você se veste rigorosamente made in Italy (com excepção dos sapatos Louboutin), comprando na Bergdorf Goodman da Quinta Avenida.
- Segundo: janta no Masa (o japonês com menus sem preços), Per Se, Marea, Babbo, e pelo menos uma vez por ano você se concede o personal chef com catering de três estrelas.
- Terceiro: mensalidade fixa da Metropolitan Opera, mais doação fiscalmente dedutível.
- Quarto: voa apenas na BusinessFirst, se o Gulfstream não estiver acessível.
- Quinto: nunca anda de metrô, nem mesmo que esteja nevando.
- Sexto: presença assídua em um spa-fitness, com massagista e personal trainer.
- Sétimo: assina o Wall Street Journal.
- Oitavo: férias de verão na Toscana, em Aspen para esquiar, fins-de-semana na casa nos Hamptons.
- Nono: seus filhos estudam em uma escola privada do tipo Waldorf (pedagogia progressista, mas competitiva), mensalidade a partir dos 30 mil dólares por ano.
- Décimo: nada de conta corrente, mas sim um telefone directo com o serviço personalizado Wealth Management de um grande banco.
- Décimo primeiro: a mansão onde você mora deve ter porteiros uniformizados.
- Décimo segundo: você gosta de cães de raça, mas é o dog sitter que os leva todas as manhãs ao Central Park.
Essas regras de vida do 1% mudam pouco se você estiver na China, país que recém-cruzou o limiar de um milhão de milionários: foi na República Popular que a Burberrys viu as suas vendas crescer em 34% em seis meses, que a Zegna inaugurou a sua 70º loja, que a casa de leilões Christie’s vendeu por 4 milhões de euros um par de pistolas da era Qing com cabo de ouro incrustado de pedras preciosas.
Não varia muito no Brasil, onde o poder de compra dos ricos é tão próspero que a Louis Vuitton cobra um ágio de 100% em comparação com os mesmos produtos da sua loja nos Champs-Elysées.
Estamos falando de uma exígua minoria de extra-ricos? São os banqueiros de sempre, magnatas da indústria, estrelas do espetáculo? Não apenas. Nos EUA, os indivíduos com um património líquido de 1 a 5 milhões – é o limiar acima do qual os gestores patrimoniais os classificam como “altos patrimónios” – são 26,7 milhões. Outros 2 milhões de norte-americanos têm um património entre 5 e 10 milhões líquidos. Um milhão de pessoas estão sentadas em um ninho de ovos de ouro de 10 a 100 milhões. Por fim, 29 mil estão sentados em cima de 100 milhões de dólares. Todos juntos fazem mais da metade da população italiana.
Se quisermos ficar com a definição precisa do 1%, isto é, apenas três milhões de norte-americanos, o limite de ingresso é medido com base na renda. Os dados do Internal Revenue Service (a Receita Federal norte-americana) marcam a fronteira exacta: é preciso receber uma renda de, pelo menos, 506 mil dólares brutos anuais (375 mil euros) para entrar no círculo dos três milhões de pessoas que são o 1% da população norte-americana.
Em nível global, para isolar o 1% que está no topo da pirâmide, é preciso voltar às estatísticas sobre o património, por serem mais homogéneas. O Global Wealth Report do Credit Suisse indica que eles controlam 38,5% da riqueza mundial, e que os seus bens cresceram 29% em apenas um ano: é uma velocidade dupla com relação ao crescimento da riqueza total do planeta.
Portanto, o Occupy Wall Street denuncia um fenómeno real, aqueles que estão “lá em cima” alçaram voo, distanciando-se cada vez mais da maioria da população. Um fascinante estudo dos historiadores Peter Lindert e Jeffrey Williamson demonstra que nunca na história passada o 1% teve uma quota tão grande da riqueza nacional. Em 1774, quando ainda havia o colonialismo inglês e, portanto, a aristocracia, o 1% dos privilegiados na New England controlavam apenas 9% do total. A nobreza da época vivia em condições menos distantes da média, com relação às novas oligarquias do terceiro milénio.
Na história norte-americana, a dilatação enorme das desigualdades tem uma data de nascimento: 1982. Não por acaso, é o início da era de Ronald Reagan, marcada por um sistemático ataque ao welfare state, ao poder dos sindicatos, juntamente com políticas fiscais cada vez menos progressivas. É desde 1982 que o 1% se separa do resto, sobe para a estratosfera, amplia as distâncias: no quarto de século posterior, a sua quota da renda nacional mais do que dobrou, subindo acima dos 20%. A parcela de riqueza sobe ainda mais, superando os 33%.
É a trajectória que a última capa da revista The Nation mostra: “Wall Street inventou a luta de classes”. Quando esse conceito já se havia tornado um tabu no debate político norte-americano, os ricos se apropriaram dele, e o conflito social sobre a distribuição dos recursos foi vencido por eles.
Mas também há aqueles que convidam a compadecer-se deles. Robert Frank, no seu livro The High-Beta Rich relata a história da família Siegel, aquela do filho que não entende por que tem que subir no avião com desconhecidos. Depois de ter feito a sua fortuna no sector imobiliário e ter construído “a Versalhes dos Estados Unidos”, em Orlando, na Flórida (23 banheiros, uma garagem para 20 carros, duas salas de cinema), a família teve a sua mansão penhorada pelos bancos quando o mercado entrou em colapso. “Os extra-ricos jamais sofreram uma volatilidade tão exasperada da sua fortuna, ligada aos mercados financeiros”, explica Frank.
Portanto, o 1% é uma categoria em risco, de alta mobilidade. Nela se entra e dela se sai com a porta giratória em alta velocidade. Por isso, em 2008, foi aprovado o welfare dos banqueiros: 600 milhões de milhões apenas para salvar Wall Street.
* Publicada no jornal La Repubblica. Tradução de Moisés Sbardelotto.
“Mãe, o que fazem todas essas pessoas no nosso avião?”. O filho de Jacqueline Siegel não conseguia dar uma explicação a si mesmo na primeira vez que se encontrou na fila de embarque (primeira classe, obviamente) com tantos desconhecidos, ele que estava acostumado a viajar com o seu pai no jacto particular da empresa. Bem-vindos ao mundo do 1%.
Uma categoria social que acabou ficando sob os holofotes da atenção pública graças ao movimento Ocuppy Wall Street: aquele que se autodefine como “os 99%” e denuncia os privilégios da oligarquia. Se você mora em Manhattan, isto é, no coração do protesto, por meio de que sinais se pode perceber se você pertence ao vituperado ou invejado 1%?
Eis 12 mandamentos que traçam a linha de demarcação na vida diária. É um teste empírico, a prova da verdade que trai os verdadeiros privilegiados.
- Primeiro: você se veste rigorosamente made in Italy (com excepção dos sapatos Louboutin), comprando na Bergdorf Goodman da Quinta Avenida.
- Segundo: janta no Masa (o japonês com menus sem preços), Per Se, Marea, Babbo, e pelo menos uma vez por ano você se concede o personal chef com catering de três estrelas.
- Terceiro: mensalidade fixa da Metropolitan Opera, mais doação fiscalmente dedutível.
- Quarto: voa apenas na BusinessFirst, se o Gulfstream não estiver acessível.
- Quinto: nunca anda de metrô, nem mesmo que esteja nevando.
- Sexto: presença assídua em um spa-fitness, com massagista e personal trainer.
- Sétimo: assina o Wall Street Journal.
- Oitavo: férias de verão na Toscana, em Aspen para esquiar, fins-de-semana na casa nos Hamptons.
- Nono: seus filhos estudam em uma escola privada do tipo Waldorf (pedagogia progressista, mas competitiva), mensalidade a partir dos 30 mil dólares por ano.
- Décimo: nada de conta corrente, mas sim um telefone directo com o serviço personalizado Wealth Management de um grande banco.
- Décimo primeiro: a mansão onde você mora deve ter porteiros uniformizados.
- Décimo segundo: você gosta de cães de raça, mas é o dog sitter que os leva todas as manhãs ao Central Park.
Essas regras de vida do 1% mudam pouco se você estiver na China, país que recém-cruzou o limiar de um milhão de milionários: foi na República Popular que a Burberrys viu as suas vendas crescer em 34% em seis meses, que a Zegna inaugurou a sua 70º loja, que a casa de leilões Christie’s vendeu por 4 milhões de euros um par de pistolas da era Qing com cabo de ouro incrustado de pedras preciosas.
Não varia muito no Brasil, onde o poder de compra dos ricos é tão próspero que a Louis Vuitton cobra um ágio de 100% em comparação com os mesmos produtos da sua loja nos Champs-Elysées.
Estamos falando de uma exígua minoria de extra-ricos? São os banqueiros de sempre, magnatas da indústria, estrelas do espetáculo? Não apenas. Nos EUA, os indivíduos com um património líquido de 1 a 5 milhões – é o limiar acima do qual os gestores patrimoniais os classificam como “altos patrimónios” – são 26,7 milhões. Outros 2 milhões de norte-americanos têm um património entre 5 e 10 milhões líquidos. Um milhão de pessoas estão sentadas em um ninho de ovos de ouro de 10 a 100 milhões. Por fim, 29 mil estão sentados em cima de 100 milhões de dólares. Todos juntos fazem mais da metade da população italiana.
Se quisermos ficar com a definição precisa do 1%, isto é, apenas três milhões de norte-americanos, o limite de ingresso é medido com base na renda. Os dados do Internal Revenue Service (a Receita Federal norte-americana) marcam a fronteira exacta: é preciso receber uma renda de, pelo menos, 506 mil dólares brutos anuais (375 mil euros) para entrar no círculo dos três milhões de pessoas que são o 1% da população norte-americana.
Em nível global, para isolar o 1% que está no topo da pirâmide, é preciso voltar às estatísticas sobre o património, por serem mais homogéneas. O Global Wealth Report do Credit Suisse indica que eles controlam 38,5% da riqueza mundial, e que os seus bens cresceram 29% em apenas um ano: é uma velocidade dupla com relação ao crescimento da riqueza total do planeta.
Portanto, o Occupy Wall Street denuncia um fenómeno real, aqueles que estão “lá em cima” alçaram voo, distanciando-se cada vez mais da maioria da população. Um fascinante estudo dos historiadores Peter Lindert e Jeffrey Williamson demonstra que nunca na história passada o 1% teve uma quota tão grande da riqueza nacional. Em 1774, quando ainda havia o colonialismo inglês e, portanto, a aristocracia, o 1% dos privilegiados na New England controlavam apenas 9% do total. A nobreza da época vivia em condições menos distantes da média, com relação às novas oligarquias do terceiro milénio.
Na história norte-americana, a dilatação enorme das desigualdades tem uma data de nascimento: 1982. Não por acaso, é o início da era de Ronald Reagan, marcada por um sistemático ataque ao welfare state, ao poder dos sindicatos, juntamente com políticas fiscais cada vez menos progressivas. É desde 1982 que o 1% se separa do resto, sobe para a estratosfera, amplia as distâncias: no quarto de século posterior, a sua quota da renda nacional mais do que dobrou, subindo acima dos 20%. A parcela de riqueza sobe ainda mais, superando os 33%.
É a trajectória que a última capa da revista The Nation mostra: “Wall Street inventou a luta de classes”. Quando esse conceito já se havia tornado um tabu no debate político norte-americano, os ricos se apropriaram dele, e o conflito social sobre a distribuição dos recursos foi vencido por eles.
Mas também há aqueles que convidam a compadecer-se deles. Robert Frank, no seu livro The High-Beta Rich relata a história da família Siegel, aquela do filho que não entende por que tem que subir no avião com desconhecidos. Depois de ter feito a sua fortuna no sector imobiliário e ter construído “a Versalhes dos Estados Unidos”, em Orlando, na Flórida (23 banheiros, uma garagem para 20 carros, duas salas de cinema), a família teve a sua mansão penhorada pelos bancos quando o mercado entrou em colapso. “Os extra-ricos jamais sofreram uma volatilidade tão exasperada da sua fortuna, ligada aos mercados financeiros”, explica Frank.
Portanto, o 1% é uma categoria em risco, de alta mobilidade. Nela se entra e dela se sai com a porta giratória em alta velocidade. Por isso, em 2008, foi aprovado o welfare dos banqueiros: 600 milhões de milhões apenas para salvar Wall Street.
* Publicada no jornal La Repubblica. Tradução de Moisés Sbardelotto.
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