Tomaz Silva/ABr |
Quando tive de criar uma frase para encabeçar este blog, a escolha, naturalmente, veio sobre aquilo que considero ser a chave do exercício progressista, do desejo e dos meios de mudar a realidade da vida social.
A política, sem polêmica, é a arma da direita.
Pois são justamente os conservadores, que dominam o dinheiro e as máquinas de comunicação – leia-se aí as “máquinas de fazer a cabeça das pessoas” – que fazem proclamar as “verdades absolutas”, as “razões óbvias”, os “comportamentos adequados”.
Tudo que mantenha o status quo, como se a evolução humana estivesse aí garantida por um futuro onde a “eficiência” e a “competência” trarão justiça para todos. Ou, ao menos, é o que dizem.
Dizem, aliás, há séculos.
Temos, há dez anos – e finalmente – um governo popular e progressista em nosso país.
Fez – e faz – uma imensa diferença isso: é só olhar para trás e ver que já fomos o país do desemprego, da falta de programas sociais, da submissão colonial inquestionada, da falta de liberdade, dos sarney, dos collor, dos fernando henrique, o Brasil que as elites fizeram e que nós desejamos ardentemente mudar, muitos até ao preço de nossas vidas.
E mudamos, sim. Muito.
Mas também nós mudamos.
Costumamos achar que nossa moderação, nossa prudência, nossa capacidade de construir alianças e administrar bem são a definição de nossa superioridade àqueles tempos e que isso é visível a qualquer um.
Nós – cinquentões, sessentões e também os mais jovens que convivem muito de perto com nossos pensamentos e lembranças – podemos olhar para trás e ver muito bem essa imensa diferença, a mudança que representamos, coletivamente, na face do nosso país.
Mas será que estamos fazendo que os mais jovens – e por isso mais importantes do que nós mesmos – o vejam? Será que, embora eficiente para uma ou duas gerações, o passado basta para nos legitimar?
Ontem fui olhar de perto a manifestação no centro do Rio. Contava-se a dedo os que tinham mais de 30 anos. Eram garotos e garotas, guris como eu era nos anos 70. A grande maioria de classe média, sim, como também eram os que nos arriscávamos em passeatas e protestos pela volta da democracia.
Lembrei-me de meus desentendimentos com meu filho, então adolescente. Do nosso inconformismo mútuo em sermos tão parecidos e inquietos.
O que nos faz permanecer unidos hoje, porém, era exatamente o que nos afastava, então.
Claro que não tenho idade para ser ingênuo e ver que as forças do atraso querem fazer deles a cabeça de um aríete contra o governo de esquerda que os donos do poder real – o da grana – têm nesse país.
Mas será que confiamos que eles são lúcidos o suficiente para não servirem a isso?
Não é o que, muitas vezes, demonstramos.
Por que não podemos querer que lhes baste, às reivindicações que fazem – iguais às que nós fazíamos – uma confiança no que somos e fomos ao longo de nossas já longas vidas.
Não, muitos deles já não nos vêem valentes, falantes, inconformados, abertos.
Portamo-nos como se soubéssemos tudo, como se nossas palavras fossem ”verdades absolutas”, as “razões óbvias”, os “comportamentos adequados” que, embora diferentes no conteúdo, na forma se assemelham a tudo o que de opressão recusamos, antes e agora.
Deixamos de praticar, corajosamente, a polêmica.
Se perdemos a capacidade de polemizar, de discutir idéias, de mostrar acertos pela confrontação com o erro, de admitirmos que, muitas vezes, somos insuficientes e nunca, nunca mesmo somos conformados, como querer que se identifiquem com o que somos e com o que pensamos, embora tudo seja muito semelhante?
Não, um governo e um governante não podem, todo o tempo, ser olímpicos mais. Como não pode, na vida familiar, sobreviver um paternalismo, mesmo bem intencionado e amoroso, que não se confunda com proximidade, debate, tolerância e companheirismo.
Não, o mundo de hoje não suporta o “fica quieto que eu sei fazer a coisa do jeito certo”.
Uma vez meu filho, diante de uma dessas minhas “eu sei o que estou fazendo”, me respondeu: “pai, eu sei que você é o fodão, mas eu sou o fodinha”. Estava coberto de razão, e eu de pretensão.
Perdoem-me os jovens, mas se não falasse como mais velho, não estaria sendo verdadeiro, mas apenas mais um dos que acham que acham vocês incapazes de raciocinar e a quem as coisas devem ser ditas como lições. E perdoem, também, porque é menos a vocês e mais a nós mesmos que falo.
Nós é que temos de ser dignos de vocês, não vocês gratos a nós. Não é necessário ser grato a quem nos ama e nos respeita. Basta corresponder a isso.
Basta se conservar jovem, embora o tempo queira nos transformar em velhos.
E, assim, possamos dizer a eles não “xô!” mas “bem-vindos à rua, à luta, à busca do novo”.
Não por sermos generosos, como devemos ser.
Mas porque eles são indispensáveis e serão melhores do que nós, porque somos apenas um degrau de sua escalada.
E eles, a lança aguda de nossos sonhos.
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