Por Maria Inês Nassif, no sítio Carta Maior:
Se tantas opiniões divergentes existem acerca da união de Eduardo Campos e Marina Silva nas eleições do próximo ano, é porque as posições políticas de ambos são eivadas de contradições.
Marina é um poço delas. As declarações que sucederam a sua inesperada decisão de aderir ao partido de Eduardo Campos apenas expressam uma personalidade política que vem se consolidando desde o início de sua tentativa de voo solo, após sair do governo Lula, rachar com o PT e mergulhar na tentativa de "tomada" de um Partido Verde que já tinha dono, e que não estava disposto a abrir mão do business da política tradicional para entregar a legenda para outra pessoa.
O relativo sucesso de Marina nas eleições de 2010, quando conseguiu uma votação surpreendente para uma candidata sem partido, e o séquito que a segue desde a campanha, honestamente convencido de que ela é uma alternativa à polarização política entre o PT e o PSDB, que se mantém na política brasileira há quase duas décadas, consolidaram numa personalidade voluntariosa, mística e autoritária a ideia de que fora dela, e dos que a seguem cegamente – ou, de fora do grupo, dão guarida a ela – não há salvação.
A forma como lidou com suas frustrações política nesse período expressa o personalismo resultante dessa trajetória pessoal e política. No julgamento, pelo STF, da ação de inconstitucionalidade de lei aprovada pelo Congresso que impedia aos novos partidos levar consigo horário eleitoral gratuito e fundo partidário dos deputados que aderiram a eles, Marina exultou e agradeceu ao ministro Gilmar Mendes pela decisão autoritária e sem precedentes de intervir no Legislativo e impedir a tramitação do projeto.
A decisão de ir para o PSB, pelo simples fato de que Eduardo Campos a apoiou nessa pendenga jurídica, preterindo decisões que pudessem abrigar os interesses de todo o seu grupo político, também é expressão de uma ação política fincada na ideia de que a lealdade à decisão do líder tem que ser incondicional, sob pena de se tornar deslealdade; e de que a decisão pessoal, baseada numa retribuição a um favor, se sobrepõe a uma decisão política.
Assim como fez antes, quando saiu do Partido Verde, deixou gente para trás; decidiu, não conciliou; a decisão é pessoal, não é ideológica nem expressa a opinião de um grupo político.
Já dentro do PSB, o incontido personalismo a leva a dizer que tanto ela como Eduardo Campos podem disputar a Presidência, e o grupo que a acompanhou a declarar, com candura, que vai lutar por posições dentro de uma legenda que, todos dizem, é uma opção provisória, enquanto a Rede Sustentabilidade não consegue o seu registro. Isso, depois de Campos ter “limpado” o partido da ala fiel aos irmãos Gomes, do Ceará, e ter deixado claro para os “de dentro” que quem manda no partido é ele.
Esse movimento inicial de Marina e do grupo que foi junto com ela remete fatalmente a conflitos futuros: não uma união provisória e de conveniência, mas a interiorização, dentro do PSB, de uma guerra de personalidades, que pode conter o crescimento da legenda, uma das que têm um aumento progressivo de parlamentares e governos desde sua criação, pelo avô de Eduardo Campos, Miguel Arraes.
Até as eleições de 2014, se Campos não conseguir, dentro da legenda, eleger o maior número de deputados fieis a ele, corre o risco de uma debandada em direção à Rede Sustentabilidade, depois que Marina conseguir uma legenda só para si. Daí será o feitiço contra o feiticeiro: a mesma lei que o STF intimidou o Congresso a não mudar (não há sinais de que a matéria venha a ser colocada novamente em pauta, mesmo depois de cassada a liminar de Mendes que proibiu a sua votação) levará para a Rede Sustentabilidade, no futuro, parte da bancada do PSB eleita em 2010 horário gratuito e verbas do fundo partidário.
Além das contradições decorrentes de personalismo político – ou até em função deles – existem as contradições políticas que Marina leva consigo para um partido que, também em função do personalismo de Campos, é cheio deles.
Historicamente, os partidos verdes, todas as vezes que privilegiaram o purismo de plataformas ecológicas sem levar em consideração as variáveis de progresso social, flertaram com a direita. Marina tende a isso, e seu grupo provavelmente a seguirá.
Ocorre que, para ela, esse é um caminho de algum conforto. Ela tem um perfil conservador inerente à sua adesão religiosa à igreja evangélica, e este é um dado de difícil conciliação com seu eleitorado de classe média alta, que tem outros conservadorismos, mas não o de costumes.
Num momento em que o debate político não pode ser dissociado do debate sobre desenvolvimento e sobre tecnologia, os dois conservadorismos juntos são explosivos: como lidar, por exemplo, com o desenvolvimento das regiões mais pobres, que começaram a crescer com políticas de distribuição de renda, se persiste o veto à discussão da energia elétrica como matriz energética? Como lidar com questões relativas ao reconhecimento pleno dos direitos de minoria, se há um impedimento religioso da líder à discussão sobre o aborto, por exemplo? E como lidar com questões jurídicas que impedem o desenvolvimento da ciência se há um obstáculo religioso, por exemplo, às pesquisas com células-tronco?
Se tantas opiniões divergentes existem acerca da união de Eduardo Campos e Marina Silva nas eleições do próximo ano, é porque as posições políticas de ambos são eivadas de contradições.
Marina é um poço delas. As declarações que sucederam a sua inesperada decisão de aderir ao partido de Eduardo Campos apenas expressam uma personalidade política que vem se consolidando desde o início de sua tentativa de voo solo, após sair do governo Lula, rachar com o PT e mergulhar na tentativa de "tomada" de um Partido Verde que já tinha dono, e que não estava disposto a abrir mão do business da política tradicional para entregar a legenda para outra pessoa.
O relativo sucesso de Marina nas eleições de 2010, quando conseguiu uma votação surpreendente para uma candidata sem partido, e o séquito que a segue desde a campanha, honestamente convencido de que ela é uma alternativa à polarização política entre o PT e o PSDB, que se mantém na política brasileira há quase duas décadas, consolidaram numa personalidade voluntariosa, mística e autoritária a ideia de que fora dela, e dos que a seguem cegamente – ou, de fora do grupo, dão guarida a ela – não há salvação.
A forma como lidou com suas frustrações política nesse período expressa o personalismo resultante dessa trajetória pessoal e política. No julgamento, pelo STF, da ação de inconstitucionalidade de lei aprovada pelo Congresso que impedia aos novos partidos levar consigo horário eleitoral gratuito e fundo partidário dos deputados que aderiram a eles, Marina exultou e agradeceu ao ministro Gilmar Mendes pela decisão autoritária e sem precedentes de intervir no Legislativo e impedir a tramitação do projeto.
A decisão de ir para o PSB, pelo simples fato de que Eduardo Campos a apoiou nessa pendenga jurídica, preterindo decisões que pudessem abrigar os interesses de todo o seu grupo político, também é expressão de uma ação política fincada na ideia de que a lealdade à decisão do líder tem que ser incondicional, sob pena de se tornar deslealdade; e de que a decisão pessoal, baseada numa retribuição a um favor, se sobrepõe a uma decisão política.
Assim como fez antes, quando saiu do Partido Verde, deixou gente para trás; decidiu, não conciliou; a decisão é pessoal, não é ideológica nem expressa a opinião de um grupo político.
Já dentro do PSB, o incontido personalismo a leva a dizer que tanto ela como Eduardo Campos podem disputar a Presidência, e o grupo que a acompanhou a declarar, com candura, que vai lutar por posições dentro de uma legenda que, todos dizem, é uma opção provisória, enquanto a Rede Sustentabilidade não consegue o seu registro. Isso, depois de Campos ter “limpado” o partido da ala fiel aos irmãos Gomes, do Ceará, e ter deixado claro para os “de dentro” que quem manda no partido é ele.
Esse movimento inicial de Marina e do grupo que foi junto com ela remete fatalmente a conflitos futuros: não uma união provisória e de conveniência, mas a interiorização, dentro do PSB, de uma guerra de personalidades, que pode conter o crescimento da legenda, uma das que têm um aumento progressivo de parlamentares e governos desde sua criação, pelo avô de Eduardo Campos, Miguel Arraes.
Até as eleições de 2014, se Campos não conseguir, dentro da legenda, eleger o maior número de deputados fieis a ele, corre o risco de uma debandada em direção à Rede Sustentabilidade, depois que Marina conseguir uma legenda só para si. Daí será o feitiço contra o feiticeiro: a mesma lei que o STF intimidou o Congresso a não mudar (não há sinais de que a matéria venha a ser colocada novamente em pauta, mesmo depois de cassada a liminar de Mendes que proibiu a sua votação) levará para a Rede Sustentabilidade, no futuro, parte da bancada do PSB eleita em 2010 horário gratuito e verbas do fundo partidário.
Além das contradições decorrentes de personalismo político – ou até em função deles – existem as contradições políticas que Marina leva consigo para um partido que, também em função do personalismo de Campos, é cheio deles.
Historicamente, os partidos verdes, todas as vezes que privilegiaram o purismo de plataformas ecológicas sem levar em consideração as variáveis de progresso social, flertaram com a direita. Marina tende a isso, e seu grupo provavelmente a seguirá.
Ocorre que, para ela, esse é um caminho de algum conforto. Ela tem um perfil conservador inerente à sua adesão religiosa à igreja evangélica, e este é um dado de difícil conciliação com seu eleitorado de classe média alta, que tem outros conservadorismos, mas não o de costumes.
Num momento em que o debate político não pode ser dissociado do debate sobre desenvolvimento e sobre tecnologia, os dois conservadorismos juntos são explosivos: como lidar, por exemplo, com o desenvolvimento das regiões mais pobres, que começaram a crescer com políticas de distribuição de renda, se persiste o veto à discussão da energia elétrica como matriz energética? Como lidar com questões relativas ao reconhecimento pleno dos direitos de minoria, se há um impedimento religioso da líder à discussão sobre o aborto, por exemplo? E como lidar com questões jurídicas que impedem o desenvolvimento da ciência se há um obstáculo religioso, por exemplo, às pesquisas com células-tronco?
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