Como os outros países da região, a Argentina acumulou grande divida externa durante a ditadura militar, multiplicada pelos governos neoliberais de Carlos Menem (1989-1999), que sobrou como herança para a democracia.
Só que, no caso argentino, Menem privatizou ainda mais radicalmente que no Brasil. Tendo levado o peronismo para o governo, esvaziou o campo de oposição à esquerda, e pôde, inclusive, privatizar a YPF, a estatal petrolífera que havia permitido ao pais chegar à autossuficiência energética. Às dividas herdadas se somaram assim desequilíbrios nas contas publicas, pela necessidade de importar energia além de subsidiar o seu consumo.
Nestor Kirchner não dispunha nem de empresas estatais para amparar a obtenção de financiamentos externos. Valeu-se do calote decretado por um dos vários presidentes - Rodrigues Sá - durante a crise de 2001/2002, para desenvolver a estratégia de renegociação da divida, com grande abatimento.
A renegociação foi aceita por 93% dos credores e a Argentina passou a pagar sua dívida. Porém os 7% restantes não apenas entraram em instâncias do Judiciário norte-americano, reivindicando seu direito de receber os papéis da dívida pelo seu montante original, como querendo prioridade para recebê-los. Além disso, compraram papéis muito baratos, porque estão acostumados a fazer esse negócio.
O mesmo proprietário maior desses papéis - Paul Singer, o ruim (nada a ver com o professor e economista brasileiro) -, fez negócios similares com papéis do Peru e da Republica Democrática do Congo, entre outros, contando com a corrupção de parlamentares e de juízes norte-americanos.
Diante da divida argentina, os fundos abutres - como são chamados - conseguiram decisão jurídica que obriga o governo a paga-los prioritariamente e com data fixada - 30 de junho. A mesma data de um novo pagamento aos credores que haviam aceito a renegociação. Feitos os cálculos, a Argentina poderia ser obrigada a usar a metade ou até mais da metade das suas reservas.
Coloca-se o duro dilema para o governo de Cristina Kirchner entre pagar e ficar fragilizada em termos de reservas ou, se deixar de pagar, ter que decretar o calote, com todas as consequências. Caso tente pagar aos fundos que aceitaram os termos da renegociação, os recursos podem ser apropriados para serem destinados aos fundos abutres.
A economia argentina já não vive um bom momento, com a previsão de recessão para este ano, com inflação crescente - próxima de 30% ao ano -, com dólar paralelo alto. Qualquer que seja a solução que o governo consiga dar ao problema da divida, a situação econômica será afetada. Desde já, depois de ter renegociado as dividas com o Clube de Paris e com a Repsol, esperando normalizar o fluxo de entradas de capitais, este ingresso fica suspenso diante das incertezas atuais.
O governo tenta renegociar as condições impostas pelo Judiciário, seja nesta instância, seja diretamente com os fundos abutres, tentando flexibilizar as condições de pagamento. No plano interno, a oposição – a de direita e a de ultra-esquerda – não presta solidariedade ao governo. A mesma direita que contraiu essas dividas, agora se aproveita da situação para enfraquecer ainda mais um governo que já tem perspectivas difíceis para as eleições presidências de outubro de 2015.
A Argentina deveria contar com a solidariedade dos outros governos da região, vitimas, em níveis diferentes, do mesmo capital especulativo. Deveriam aproveitar a circunstancia para considerar concretamente a adoção de taxação sobre a livre circulação do capital financeiro. Até porque do braço de ferro da Argentina com os fundos abutre depende em boa parte as perspectivas econômicas e políticas da região em relação aos organismos financeiros internacionais.
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