Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
O Brasil não ficou melhor nem pior com o Mundial.
Mas, acima de tudo, a Copa de 2014 está sendo, para os brasileiros, uma experiência cultural confortadora. Não vamos ser completamente ingênuos. A partir da versão que era preciso aguardar desastres inevitáveis e inúmeras provas de incompetência durante o Mundial, o Imagine na Copa e o Anti-Copa só tentavam nos convencer de que um grande fracasso se aproximava. Deu errado.
A crítica foi tão exagerada, tão desmedida, que a realidade mostrou-se muito melhor do que se queria imaginar. O choque foi muito grande. Equivale a acordar de um pesadelo.
Num tempo de realidades globalizadas, o Mundial permitiu aos brasileiros conhecer o novo lugar do país entre as nações do mundo. E eles estão gostando daquilo que podem enxergar.
Por muito tempo, fomos ensinados a só gostar daquilo que se via lá fora. Nem futebol tinha importância porque “só” era popular no Brasil e outros países parecidos, pobres, pretos, periféricos...
Hoje, o país sedia um campeonato que mobiliza uma plateia que formará uma audiência somada de 20 bilhões de bilhões de pessoas no mundo inteiro, ao longo de todas as partidas. Até os norte-americanos querem feriado para assistir a Copa.
É isso: o Mundial mostra aos brasileiros que eles tem motivos para gostar de seu país. Talvez ajude a diminuir, um pouquinho, quem sabe, nosso complexo de vira-lata.
Era isso, claro, que se temia e se queria impedir.
Quando a Copa chega às oitavas-de-final, e 75% das partidas foram disputadas, com recorde de gols marcados em mais de meio século, a única dúvida sobre o Mundial envolve aquela angustia maravilhosa que vai nos acompanhar até o apito final, em 13 de julho, no Maracanã: qual seleção será campeã?
É bom que seja assim.
Estamos falando de futebol, não de política. Quem não soube distinguir as proximidades e distâncias destes universos, perdeu a Copa na partida inaugural, aquela do VTNC, e foi eliminado sem nenhum ponto ganho.
Os brasileiros aproveitam cada instante para festejar e celebrar o Mundial e as alegrias que proporciona. Cantam, bebem, se esborracham. Dispensando intermediários de imensa desfaçatez e inacreditável ganância, namoram à vontade e beijam com gosto. Adoram feriados. Aplaudem a beleza dos estádios, mais confortáveis e seguros do que jamais visto no país. Aproveitam aeroportos, onde atrasos e cancelamentos de voos estão num padrão aceitável para a ocasião.
Pode-se encontrar até taxistas que falam bem da Copa, o que vai contra o código de ética de uma categoria habituada a reclamar de tudo.
Concordo com quem reclama do preço dos ingressos, que são altíssimos para um país de renda como o nosso. A queixa é certíssima. Sempre será possível pedir preços mais em conta mas é razoável lembrar que não se pode querer um espetáculo milionário, com fortunas para suas estrelas, de tamanho global, com preço de quermesse junina. Um ingresso para um jogo da Copa nunca vai custar barato.
O futebol tornou-se uma parcela dos investimentos de marketing de grandes empresas globais, que moldam o capitalismo no mundo inteiro.
Mesmo assim, e isso tem um divertido aspecto surrealista, não custa lembrar quem foram os campeões do “anti-Copa”, os influentes, aqueles que contam, que colocaram a coisa no debate: grandes campeões da iniciativa privada, porta-vozes das causas mais reacionárias. Não custa lembrar que, em 14 de janeiro, você podia ler o seguinte apelo nas páginas de dois dos mais tradicionais jornais do país:
“A maior Copa de todos os tempos na frase de Dilma, é a Copa mais cara da história. A festa macabra da Fifa, bancada com dinheiro público, simboliza a inigualável soberba do lulismo. Que as pessoas voltem às ruas desde a hora do apito inicial e, no entorno das arenas bilionárias, até a cerimônia de encerramento, exponham ao mundo a desfaçatez dessa aliança profana entre os donos do negócio do futebol e os gerentes dos "negócios do Brasil". Que a polícia trate com urbanidade os manifestantes -e com a dureza da lei os vândalos mascarados.”
Não há nada de errado em criticar investimentos da Copa. Ninguém é obrigado a achar que um país deve sediar um campeonato mundial de futebol. Na época devida, 2007, eu também me perguntei: por que? Para que?
Depois da crise de 2008, a Copa revelou-se uma ideia mais útil do que parecia. Ajudou a economia a crescer – 0,5% do PIB anual – e a criar empregos. O debate mudou: se é verdade que hoje o país cresce menos do que se gostaria, a média de crescimento seria ainda pior sem a Copa.
No debate político de fundo, que se prolongará até as urnas de 2014, investir na Copa foi uma forma de evitar a recessão e rejeitar a austeridade que derrubou a maioria dos países da Europa. Simplificando: Neymar, Messi & os outros ajudaram as ideias de John Maynard Keynes -- economista que ensinou o capitalismo a criar empregos e crescimento com apoio do Estado -- a entrar em campo.
Será por isso que o Anti-Copa ganhou tanta força? Difícil negar, ainda que se tratava, vamos combinar, de uma ideia que já nasceu condenada a morte.
Baseava-se no desprezo por um sentimento profundo do povo, que é o gosto pelo futebol, que ajudou os brasileiros a construir sua nacionalidade, em particular depois da Copa de 1958, onde se cantava que “com o brasileiro não há quem possa.” (E nós sabemos como a turma anti-Copa, que desembarcou aqui de caravelas, considera o nacionalismo verde-amarelo um atraso, um “populismo”). A única forma de assegurar alguma vitalidade ao ambiente anti-Copa era produzir informaçõesa parciais e manipuladas, o que implicava em esconder dados reais sobre os estádios, sobre investimentos em educação, aeroportos e até sobre a isenção fiscal combinada com a FIFA.
Não vamos falar do tratamento generoso que todas as manifestações –anarquistas, stalinistas, tucanas, liberais e fascistas – receberam nos últimos meses. Até vídeos em inglês, com legendas em português!, foram recebidos com simpatia e calor.
E me diga quantas vezes você pode ler manifestações a favor da Copa. Estou falando, e este é um exemplo, do jornal do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá onde se diz o seguinte: “Não seremos contaminados pelo pessimismo dessa elite que apodrece a olhos vistos, porque nossa alegria de ser brasileiro é imbatível.” O texto lembra que não” desanimávamos quando éramos submetidos a uma inflação de mais de mil por cento por ano, quando o Brasil era governado pelos militarespara concluir que “nossa vida é só alegria. E trabalho, muito trabalho.”Na semana passada, o mesmo boletim do sindicato dizia na manchete: “Mostramos nossa alegria e capacidade de trabalho para o resto do mundo.” Detalhe: o sindicato é ligado a Força Sindical, aquela central que promete apoio a oposição.
Na Folha de hoje, 28 de junho, Ruy Castro fala do tempo em que “Não ia ter Copa”. Chama manifestantes que tentavam impedir a Copa de “desajustados mentais” e reconhece:
“Nós, da mídia, fomos essenciais para esse pessimismo, denunciando a Fifa como Estado invasor, o fracasso na preparação da infraestrutura exigida para receber os visitantes e a diferença entre o custo estimado dos estádios e o custo real --embora não me lembre de nenhuma reportagem dizendo para onde foi o dinheiro. O ‘ Imagina na Copa!, que começou como uma brincadeira, tornou-se a sentença para a nossa inabalável vocação para o subdesenvolvimento.”
Pois é, meus amigos.
Mas, acima de tudo, a Copa de 2014 está sendo, para os brasileiros, uma experiência cultural confortadora. Não vamos ser completamente ingênuos. A partir da versão que era preciso aguardar desastres inevitáveis e inúmeras provas de incompetência durante o Mundial, o Imagine na Copa e o Anti-Copa só tentavam nos convencer de que um grande fracasso se aproximava. Deu errado.
A crítica foi tão exagerada, tão desmedida, que a realidade mostrou-se muito melhor do que se queria imaginar. O choque foi muito grande. Equivale a acordar de um pesadelo.
Num tempo de realidades globalizadas, o Mundial permitiu aos brasileiros conhecer o novo lugar do país entre as nações do mundo. E eles estão gostando daquilo que podem enxergar.
Por muito tempo, fomos ensinados a só gostar daquilo que se via lá fora. Nem futebol tinha importância porque “só” era popular no Brasil e outros países parecidos, pobres, pretos, periféricos...
Hoje, o país sedia um campeonato que mobiliza uma plateia que formará uma audiência somada de 20 bilhões de bilhões de pessoas no mundo inteiro, ao longo de todas as partidas. Até os norte-americanos querem feriado para assistir a Copa.
É isso: o Mundial mostra aos brasileiros que eles tem motivos para gostar de seu país. Talvez ajude a diminuir, um pouquinho, quem sabe, nosso complexo de vira-lata.
Era isso, claro, que se temia e se queria impedir.
Quando a Copa chega às oitavas-de-final, e 75% das partidas foram disputadas, com recorde de gols marcados em mais de meio século, a única dúvida sobre o Mundial envolve aquela angustia maravilhosa que vai nos acompanhar até o apito final, em 13 de julho, no Maracanã: qual seleção será campeã?
É bom que seja assim.
Estamos falando de futebol, não de política. Quem não soube distinguir as proximidades e distâncias destes universos, perdeu a Copa na partida inaugural, aquela do VTNC, e foi eliminado sem nenhum ponto ganho.
Os brasileiros aproveitam cada instante para festejar e celebrar o Mundial e as alegrias que proporciona. Cantam, bebem, se esborracham. Dispensando intermediários de imensa desfaçatez e inacreditável ganância, namoram à vontade e beijam com gosto. Adoram feriados. Aplaudem a beleza dos estádios, mais confortáveis e seguros do que jamais visto no país. Aproveitam aeroportos, onde atrasos e cancelamentos de voos estão num padrão aceitável para a ocasião.
Pode-se encontrar até taxistas que falam bem da Copa, o que vai contra o código de ética de uma categoria habituada a reclamar de tudo.
Concordo com quem reclama do preço dos ingressos, que são altíssimos para um país de renda como o nosso. A queixa é certíssima. Sempre será possível pedir preços mais em conta mas é razoável lembrar que não se pode querer um espetáculo milionário, com fortunas para suas estrelas, de tamanho global, com preço de quermesse junina. Um ingresso para um jogo da Copa nunca vai custar barato.
O futebol tornou-se uma parcela dos investimentos de marketing de grandes empresas globais, que moldam o capitalismo no mundo inteiro.
Mesmo assim, e isso tem um divertido aspecto surrealista, não custa lembrar quem foram os campeões do “anti-Copa”, os influentes, aqueles que contam, que colocaram a coisa no debate: grandes campeões da iniciativa privada, porta-vozes das causas mais reacionárias. Não custa lembrar que, em 14 de janeiro, você podia ler o seguinte apelo nas páginas de dois dos mais tradicionais jornais do país:
“A maior Copa de todos os tempos na frase de Dilma, é a Copa mais cara da história. A festa macabra da Fifa, bancada com dinheiro público, simboliza a inigualável soberba do lulismo. Que as pessoas voltem às ruas desde a hora do apito inicial e, no entorno das arenas bilionárias, até a cerimônia de encerramento, exponham ao mundo a desfaçatez dessa aliança profana entre os donos do negócio do futebol e os gerentes dos "negócios do Brasil". Que a polícia trate com urbanidade os manifestantes -e com a dureza da lei os vândalos mascarados.”
Não há nada de errado em criticar investimentos da Copa. Ninguém é obrigado a achar que um país deve sediar um campeonato mundial de futebol. Na época devida, 2007, eu também me perguntei: por que? Para que?
Depois da crise de 2008, a Copa revelou-se uma ideia mais útil do que parecia. Ajudou a economia a crescer – 0,5% do PIB anual – e a criar empregos. O debate mudou: se é verdade que hoje o país cresce menos do que se gostaria, a média de crescimento seria ainda pior sem a Copa.
No debate político de fundo, que se prolongará até as urnas de 2014, investir na Copa foi uma forma de evitar a recessão e rejeitar a austeridade que derrubou a maioria dos países da Europa. Simplificando: Neymar, Messi & os outros ajudaram as ideias de John Maynard Keynes -- economista que ensinou o capitalismo a criar empregos e crescimento com apoio do Estado -- a entrar em campo.
Será por isso que o Anti-Copa ganhou tanta força? Difícil negar, ainda que se tratava, vamos combinar, de uma ideia que já nasceu condenada a morte.
Baseava-se no desprezo por um sentimento profundo do povo, que é o gosto pelo futebol, que ajudou os brasileiros a construir sua nacionalidade, em particular depois da Copa de 1958, onde se cantava que “com o brasileiro não há quem possa.” (E nós sabemos como a turma anti-Copa, que desembarcou aqui de caravelas, considera o nacionalismo verde-amarelo um atraso, um “populismo”). A única forma de assegurar alguma vitalidade ao ambiente anti-Copa era produzir informaçõesa parciais e manipuladas, o que implicava em esconder dados reais sobre os estádios, sobre investimentos em educação, aeroportos e até sobre a isenção fiscal combinada com a FIFA.
Não vamos falar do tratamento generoso que todas as manifestações –anarquistas, stalinistas, tucanas, liberais e fascistas – receberam nos últimos meses. Até vídeos em inglês, com legendas em português!, foram recebidos com simpatia e calor.
E me diga quantas vezes você pode ler manifestações a favor da Copa. Estou falando, e este é um exemplo, do jornal do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá onde se diz o seguinte: “Não seremos contaminados pelo pessimismo dessa elite que apodrece a olhos vistos, porque nossa alegria de ser brasileiro é imbatível.” O texto lembra que não” desanimávamos quando éramos submetidos a uma inflação de mais de mil por cento por ano, quando o Brasil era governado pelos militarespara concluir que “nossa vida é só alegria. E trabalho, muito trabalho.”Na semana passada, o mesmo boletim do sindicato dizia na manchete: “Mostramos nossa alegria e capacidade de trabalho para o resto do mundo.” Detalhe: o sindicato é ligado a Força Sindical, aquela central que promete apoio a oposição.
Na Folha de hoje, 28 de junho, Ruy Castro fala do tempo em que “Não ia ter Copa”. Chama manifestantes que tentavam impedir a Copa de “desajustados mentais” e reconhece:
“Nós, da mídia, fomos essenciais para esse pessimismo, denunciando a Fifa como Estado invasor, o fracasso na preparação da infraestrutura exigida para receber os visitantes e a diferença entre o custo estimado dos estádios e o custo real --embora não me lembre de nenhuma reportagem dizendo para onde foi o dinheiro. O ‘ Imagina na Copa!, que começou como uma brincadeira, tornou-se a sentença para a nossa inabalável vocação para o subdesenvolvimento.”
Pois é, meus amigos.
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