Por Wladimir Pomar, na revista Teoria e Debate:
Em dois artigos publicados em 2012 (ver artigo 1 e ver artigo 2 publicados no Correio da Cidadania), comentamos as políticas do governo diante do sistema bancário e das desonerações fiscais, em especial do IPI. No primeiro, elogiamos a combatividade do ministro Guido Mantega contra as taxas "escorchantes" e injustificáveis cobradas pelos bancos, particularmente nos cartões de crédito. Mas alertamos: apesar das medidas de rebaixamento dos juros pelo Banco do Brasil e pela CEF, os bancos privados continuavam cobrando taxas superiores a 10%. Algo que não mudou de lá para cá.
Também elogiamos o ministro por atacar a injeção de liquidez, ou a emissão de dólares, realizada pelo Federal Reserve. Isso ameaçava impactar negativamente o câmbio brasileiro. Apoiamos sua reação às acusações dos Estados Unidos de que o Brasil havia tomado medida protecionista ao elevar os impostos de importação para cem produtos. Mas levantamos dúvidas sobre as medidas de desoneração da folha de pagamentos, redução do custo da energia e, principalmente, corte do IPI para carros.
Embora a intenção dessas medidas fosse aumentar a oferta de produtos internamente a preços baixos, alertamos quanto a não haver um programa claro para estimular a concorrência, ou a competição, no setor bancário e em outras áreas dominadas pelo sistema de monopólio. As únicas formas estruturais para garantir que realmente os preços não fossem elevados consistiam em quebrar esse sistema de monopólio, ou de preços administrados, e ampliar os investimentos produtivos. Mesmo porque o problema do Brasil não residia apenas em evitar a subida dos preços, mas também em rebaixar os preços já praticados, muito acima do aceitável. Sem isso, não seria possível aumentar o consumo do mercado interno e a oferta ao mercado internacional, a preços competitivos.
Advertimos que as corporações multinacionais e nacionais que dominam os vários mercados em que vigora o sistema de monopólio, como o bancário, químico, automobilístico, farmacêutico, siderúrgico, cimenteiro etc., só se dispunham a rebaixar preços nos limites estreitos da desoneração promovida pelo governo. Na ausência de mercados concorrenciais, continuariam a praticar preços que garantissem lucros máximos, aproveitando-se ainda das vantagens fiscais de poder importar componentes de unidades localizadas em outros países.
Na mesma linha de preocupação com os preços, cobramos medidas efetivas para elevar a produção de alimentos e garantir preços baixos e seguridade alimentar para o país. O agronegócio estava ampliando suas áreas de plantio de commodities à custa das áreas de alimentos da agricultura familiar, o que representava um sério risco à política de controle inflacionário. Com a elevação do poder de compra das populações brasileiras mais pobres, beneficiadas pelo aumento do salário mínimo e pelos programas de transferência de renda, os preços dos alimentos continuariam sendo um fator constante de pressão sobre a inflação. Já era tempo de encarar esse assunto como questão estratégica, e não como sazonal.
E concluímos dizendo que grande parte da economia brasileira funcionava na contramão daquilo que o ministro Mantega, o governo Dilma e o povo brasileiro desejavam. Sua estrutura fora montada para atender as grandes corporações financeiras, industriais, agrícolas, comerciais e de serviços. Em tais condições, a vontade de retificar desvios conjunturais, embora fosse louvável e estimulante, talvez não bastasse para solucionar, de acordo com os interesses do país, os problemas estruturais que os promoviam.
No segundo artigo, de julho de 2012, comentamos notícias a respeito da ação do governo, desde o início da crise financeira internacional, de haver aberto mão de R$ 26 bilhões em impostos para a indústria automotiva. Esse setor teria criado apenas 27.753 novas vagas de trabalho, cada uma das quais equivaleria a um custo aos cofres públicos de cerca de R$ 1 milhão em renúncia fiscal. Diante disso, o Estadão, conhecido defensor das multinacionais, se dava ao luxo de tentar criar cizânia no seio do governo e de fazer blague.
As medidas de estímulo à venda de automóveis permitiram às multinacionais automotivas remeter às matrizes US$ 14,6 bilhões, na forma de lucros e dividendos. Esses lucros e dividendos exportados teriam correspondido quase ao montante do valor que as empresas deixaram de pagar em impostos. No fim das contas, o consumidor brasileiro pagara um preço salgado para ajudar o setor.
Em outras palavras, como havíamos alertado no artigo anterior, a ajuda ao setor automobilístico não só era inoperante do ponto de vista econômico como representava um alto custo político. Do ponto de vista econômico, às montadoras só interessava manter seu oligopólio e praticar preços administrados. Tanto que, além de criar um número irrisório e caro de empregos, elevaram imediatamente os preços dos veículos e algumas delas, ao invés de criar novos empregos, paralisaram linhas de montagem e incentivaram demissões voluntárias.
Do ponto de vista político, o Estadão e as forças conservadoras simplesmente cobraram um alto pedágio por uma decisão que sabiam não dar retorno positivo. Nessas condições, seria melhor o governo redobrar seus esforços para criar novos postos de trabalho nos setores empresariais médios e pequenos. Esses são os setores que realmente tinham e têm condições de gerar empregos e mantê-los por um longo período, elevando a massa salarial e o poder de consumo da população. Se direcionados para empresas desse tipo, R$ 26 bilhões certamente teriam resultado em um incremento muito maior de novas vagas.
Em relação aos setores oligopolizados, a linha mestra do governo precisava se concentrar no aumento da concorrência, ou da competição, e não em isenções fiscais ou em apoio à manutenção do sistema de monopólio. Nesse caso, as forças que defendem a ajuda às montadoras fariam críticas duras ao governo, por prejudicar um setor que consideram estratégico. Mas elas confrontariam com os resultados econômicos reais advindos da democratização econômica do setor, e não poderiam cobrar nenhum tipo de pedágio político, como o Estadão estava fazendo.
Supomos que o governo teria aprendido a lição e estaria delineando uma nova política que obrigasse as montadoras, pela própria concorrência do mercado, a baixar seus preços e elevar a qualidade de seus produtos. Elas precisavam provar do próprio amargor da competição capitalista, que viviam proclamando, mas substituíam pelo monopólio e oligopólio. O que era verdade não só para o setor automobilístico como também para vários outros setores.
Essa crença, porém, não passou de um sonho de uma noite de verão. O governo quase triplicou suas desonerações fiscais para o setor automobilístico, beneficiando as montadoras em mais de R$ 86 bilhões. Em troca, colheu uma mixaria de novos empregos e uma contribuição inexpressiva no índice de crescimento econômico, conforme informações publicadas recentemente. Convenhamos, com R$ 86 bilhões investidos em outras obras ou atividades produtivas, os resultados seriam certamente muito mais favoráveis.
Esse “sucesso” da política de desonerações para os grandes grupos monopolistas e oligopolistas apenas mostra que, mesmo não desejando, continuamos sob a influência das políticas neoliberais numa série considerável de aspectos. Agora, frente à disputa eleitoral, ou apontamos um caminho com mudanças realmente diferentes para o futuro, ou nos veremos constrangidos a admitir que, para atender os grandes grupos econômicos, o lado de lá é “melhor”.
Portanto, estamos na hora da verdade. Nossa política precisa ser de desenvolvimento com democratização da propriedade e da renda. Isto é, com medidas que forcem os oligopólios a baixar preços. Que ampliem os poderes industrializantes das estatais existentes. Que criem novas estatais para empurrar a burguesia a investir no sistema produtivo. Que baixem os juros e tornem o câmbio favorável às exportações de manufaturados. Que continuem elevando os salários e o poder de compra das camadas populares. E que, em vez de desonerar os oligopólios, invistam os recursos correspondentes em projetos de agricultura familiar de alimentos, mobilidade urbana, saneamento, saúde e educação.
Por favor, mudem e falem tudo isso alto para o povo saber!
Em dois artigos publicados em 2012 (ver artigo 1 e ver artigo 2 publicados no Correio da Cidadania), comentamos as políticas do governo diante do sistema bancário e das desonerações fiscais, em especial do IPI. No primeiro, elogiamos a combatividade do ministro Guido Mantega contra as taxas "escorchantes" e injustificáveis cobradas pelos bancos, particularmente nos cartões de crédito. Mas alertamos: apesar das medidas de rebaixamento dos juros pelo Banco do Brasil e pela CEF, os bancos privados continuavam cobrando taxas superiores a 10%. Algo que não mudou de lá para cá.
Também elogiamos o ministro por atacar a injeção de liquidez, ou a emissão de dólares, realizada pelo Federal Reserve. Isso ameaçava impactar negativamente o câmbio brasileiro. Apoiamos sua reação às acusações dos Estados Unidos de que o Brasil havia tomado medida protecionista ao elevar os impostos de importação para cem produtos. Mas levantamos dúvidas sobre as medidas de desoneração da folha de pagamentos, redução do custo da energia e, principalmente, corte do IPI para carros.
Embora a intenção dessas medidas fosse aumentar a oferta de produtos internamente a preços baixos, alertamos quanto a não haver um programa claro para estimular a concorrência, ou a competição, no setor bancário e em outras áreas dominadas pelo sistema de monopólio. As únicas formas estruturais para garantir que realmente os preços não fossem elevados consistiam em quebrar esse sistema de monopólio, ou de preços administrados, e ampliar os investimentos produtivos. Mesmo porque o problema do Brasil não residia apenas em evitar a subida dos preços, mas também em rebaixar os preços já praticados, muito acima do aceitável. Sem isso, não seria possível aumentar o consumo do mercado interno e a oferta ao mercado internacional, a preços competitivos.
Advertimos que as corporações multinacionais e nacionais que dominam os vários mercados em que vigora o sistema de monopólio, como o bancário, químico, automobilístico, farmacêutico, siderúrgico, cimenteiro etc., só se dispunham a rebaixar preços nos limites estreitos da desoneração promovida pelo governo. Na ausência de mercados concorrenciais, continuariam a praticar preços que garantissem lucros máximos, aproveitando-se ainda das vantagens fiscais de poder importar componentes de unidades localizadas em outros países.
Na mesma linha de preocupação com os preços, cobramos medidas efetivas para elevar a produção de alimentos e garantir preços baixos e seguridade alimentar para o país. O agronegócio estava ampliando suas áreas de plantio de commodities à custa das áreas de alimentos da agricultura familiar, o que representava um sério risco à política de controle inflacionário. Com a elevação do poder de compra das populações brasileiras mais pobres, beneficiadas pelo aumento do salário mínimo e pelos programas de transferência de renda, os preços dos alimentos continuariam sendo um fator constante de pressão sobre a inflação. Já era tempo de encarar esse assunto como questão estratégica, e não como sazonal.
E concluímos dizendo que grande parte da economia brasileira funcionava na contramão daquilo que o ministro Mantega, o governo Dilma e o povo brasileiro desejavam. Sua estrutura fora montada para atender as grandes corporações financeiras, industriais, agrícolas, comerciais e de serviços. Em tais condições, a vontade de retificar desvios conjunturais, embora fosse louvável e estimulante, talvez não bastasse para solucionar, de acordo com os interesses do país, os problemas estruturais que os promoviam.
No segundo artigo, de julho de 2012, comentamos notícias a respeito da ação do governo, desde o início da crise financeira internacional, de haver aberto mão de R$ 26 bilhões em impostos para a indústria automotiva. Esse setor teria criado apenas 27.753 novas vagas de trabalho, cada uma das quais equivaleria a um custo aos cofres públicos de cerca de R$ 1 milhão em renúncia fiscal. Diante disso, o Estadão, conhecido defensor das multinacionais, se dava ao luxo de tentar criar cizânia no seio do governo e de fazer blague.
As medidas de estímulo à venda de automóveis permitiram às multinacionais automotivas remeter às matrizes US$ 14,6 bilhões, na forma de lucros e dividendos. Esses lucros e dividendos exportados teriam correspondido quase ao montante do valor que as empresas deixaram de pagar em impostos. No fim das contas, o consumidor brasileiro pagara um preço salgado para ajudar o setor.
Em outras palavras, como havíamos alertado no artigo anterior, a ajuda ao setor automobilístico não só era inoperante do ponto de vista econômico como representava um alto custo político. Do ponto de vista econômico, às montadoras só interessava manter seu oligopólio e praticar preços administrados. Tanto que, além de criar um número irrisório e caro de empregos, elevaram imediatamente os preços dos veículos e algumas delas, ao invés de criar novos empregos, paralisaram linhas de montagem e incentivaram demissões voluntárias.
Do ponto de vista político, o Estadão e as forças conservadoras simplesmente cobraram um alto pedágio por uma decisão que sabiam não dar retorno positivo. Nessas condições, seria melhor o governo redobrar seus esforços para criar novos postos de trabalho nos setores empresariais médios e pequenos. Esses são os setores que realmente tinham e têm condições de gerar empregos e mantê-los por um longo período, elevando a massa salarial e o poder de consumo da população. Se direcionados para empresas desse tipo, R$ 26 bilhões certamente teriam resultado em um incremento muito maior de novas vagas.
Em relação aos setores oligopolizados, a linha mestra do governo precisava se concentrar no aumento da concorrência, ou da competição, e não em isenções fiscais ou em apoio à manutenção do sistema de monopólio. Nesse caso, as forças que defendem a ajuda às montadoras fariam críticas duras ao governo, por prejudicar um setor que consideram estratégico. Mas elas confrontariam com os resultados econômicos reais advindos da democratização econômica do setor, e não poderiam cobrar nenhum tipo de pedágio político, como o Estadão estava fazendo.
Supomos que o governo teria aprendido a lição e estaria delineando uma nova política que obrigasse as montadoras, pela própria concorrência do mercado, a baixar seus preços e elevar a qualidade de seus produtos. Elas precisavam provar do próprio amargor da competição capitalista, que viviam proclamando, mas substituíam pelo monopólio e oligopólio. O que era verdade não só para o setor automobilístico como também para vários outros setores.
Essa crença, porém, não passou de um sonho de uma noite de verão. O governo quase triplicou suas desonerações fiscais para o setor automobilístico, beneficiando as montadoras em mais de R$ 86 bilhões. Em troca, colheu uma mixaria de novos empregos e uma contribuição inexpressiva no índice de crescimento econômico, conforme informações publicadas recentemente. Convenhamos, com R$ 86 bilhões investidos em outras obras ou atividades produtivas, os resultados seriam certamente muito mais favoráveis.
Esse “sucesso” da política de desonerações para os grandes grupos monopolistas e oligopolistas apenas mostra que, mesmo não desejando, continuamos sob a influência das políticas neoliberais numa série considerável de aspectos. Agora, frente à disputa eleitoral, ou apontamos um caminho com mudanças realmente diferentes para o futuro, ou nos veremos constrangidos a admitir que, para atender os grandes grupos econômicos, o lado de lá é “melhor”.
Portanto, estamos na hora da verdade. Nossa política precisa ser de desenvolvimento com democratização da propriedade e da renda. Isto é, com medidas que forcem os oligopólios a baixar preços. Que ampliem os poderes industrializantes das estatais existentes. Que criem novas estatais para empurrar a burguesia a investir no sistema produtivo. Que baixem os juros e tornem o câmbio favorável às exportações de manufaturados. Que continuem elevando os salários e o poder de compra das camadas populares. E que, em vez de desonerar os oligopólios, invistam os recursos correspondentes em projetos de agricultura familiar de alimentos, mobilidade urbana, saneamento, saúde e educação.
Por favor, mudem e falem tudo isso alto para o povo saber!
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