Por Marcelo Manzano, no site Brasil Debate:
Nestes anos 2000, contudo, a economia brasileira passou por transformações importantes, particularmente no que diz respeito ao seu mercado de trabalho.
Embora não se possa afirmar categoricamente que tenhamos alcançado o “pleno emprego” dos manuais de macroeconomia, não parece descabido dizer que, em diversos segmentos do mercado de trabalho, a oferta de mão de obra se aproxima do seu limite.
Nessas condições, o septuagenário artigo do Kalecki finalmente parece fazer mais sentido ao sul do equador. De fato, bastou um pouco de rigidez da oferta de trabalho para que a luta ideológica se acirrasse, aquecendo o debate em torno das políticas de emprego praticadas no período recente.
A classe capitalista e seus economistas ortodoxos, percebendo seu déficit de poder de barganha, foi ao baú resgatar dogmas do liberalismo para combater as políticas de intervenção do Estado sobre as leis de mercado.
Além das requentadas críticas à política fiscal, à carga tributária e outros reme-remes de ocasião, a bola da vez é a política de valorização do salário mínimo. Ripa daqui, sarrafo dali, tem sido cada vez mais frequente nos defrontarmos com gente graúda malhando o nível atual do salário mínimo – diga-se de passagem, ainda um dos mais baixos da América Latina.
Mas não é de hoje que o salário mínimo incomoda essa gente. Não custa recordar que nos anos 1990, auge do neoliberalismo no Brasil, seus arautos diziam que o instituto do salário mínimo era um elemento disfuncional de nosso mercado de trabalho, resquício anacrônico da Era Vargas, que promovia uma série de desequilíbrios em nossa economia e nas contas públicas.
Quantas vezes ouvimos dizer que aumentar o salário mínimo provocaria, por um lado, uma elevação do déficit da Previdência e, por outro, o crescimento da informalidade e do desemprego?
Ocorre que nos anos 2000 o que se viu foi exatamente o inverso do que propalavam os neoliberais. Desde a posse de Lula em 2003, o salário mínimo vem sendo reajustado acima da inflação, acumulando mais de 70% de ganho real, tornando-se a principal razão da queda da desigualdade registrada no período.
Paralelamente, para surpresa dos manuais, as taxas de desemprego caíram a seu mais baixo nível histórico, o déficit da Previdência diminuiu e – o que talvez seja o mais surpreendente – a taxa de formalização das relações de trabalho cresceu de modo ininterrupto – mesmo durante a crise de 2009!
Não deixa de ser curioso, portanto, que, a despeito desse vasto conjunto de evidências, a infantaria liberal esteja mais uma vez empenhada em alvejar o salário mínimo. Ante um repique no déficit da Previdência – agora derivado da desoneração da folha de pagamentos, tão aclamada pela classe patronal – voltam-se as bazucas contra os ganhos salariais, como se esses fossem produzir uma catástrofe previdenciária ou fazer explodir o nível de preços no País.
Ora, ora… Nem uma coisa, nem outra. A quem queira ser honesto em suas projeções sobre a evolução das contas da Previdência é forçoso dizer que se deve obrigatoriamente desconsiderar as despesas com benefícios assistenciais, pois estas, por princípio constitucional, devem ser financiadas com recursos tributários (contribuições sociais ou transferências do Orçamento Geral da União).
Ou seja, o “déficit” que aparece nas contas não é propriamente da Previdência, mas sim uma despesa social meritória que a sociedade brasileira (na Constituição de 1988) achou por bem bancar. Além disso, nas projeções alarmistas que circulam pelo mercado, frequentemente são desconsiderados os efeitos do crescimento da produtividade geral da economia.
A depender de como arbitraremos a distribuição do excedente econômico no futuro, teremos plenas condições para gozar nossas aposentadorias por mais tempo, sem prejuízo à saúde das contas do INSS.
Quanto ao temor de que os ganhos salariais estejam pressionando o nível geral de preços, também não é preciso mais do que uma xícara de honestidade intelectual com uma dose de conhecimento da realidade para perceber que a inflação brasileira (que no governo Dilma é a menor desde que Getúlio criou o IBGE!) permanece em nível superior ao desejado, fundamentalmente, por conta dos choques dos preços dos alimentos e da “indexação” residual que foi ofertada aos donos do capital (aluguéis, concessões de serviços públicos) durante o governo FHC.
Portanto, aos que andam praguejando contra a mais importante política social das últimas décadas, devagar com o andor. Não tem cabimento satanizar os aumentos do salário mínimo, até porque ainda falta muito para chegarmos a um patamar decente.
Para encerrar o assunto, talvez o melhor seja mesmo recorrer ao velho adágio lisboeta: “a palavras loucas ouvidos moucos”, e ter em mente os alertas de Kalecki. Essa gente diferenciada, quando premida pelo pleno emprego, perde as estribeiras, parte para cima do Estado e tudo que lembre igualdade social.
Ainda durante a Segunda Guerra, o economista polonês Michael Kalecki escreveu um notável artigo tratando dos aspectos políticos do pleno emprego. A nós, brasileiros, esse texto foi sempre instigante, mas apenas a título de curiosidade intelectual ou de exercício teórico, visto que nossa condição de economia subdesenvolvida fazia-se acompanhar pelo que se chamava de “excedente estrutural de mão de obra”. Na melhor das hipóteses, o pleno emprego era uma miragem no horizonte longínquo.
Nestes anos 2000, contudo, a economia brasileira passou por transformações importantes, particularmente no que diz respeito ao seu mercado de trabalho.
Embora não se possa afirmar categoricamente que tenhamos alcançado o “pleno emprego” dos manuais de macroeconomia, não parece descabido dizer que, em diversos segmentos do mercado de trabalho, a oferta de mão de obra se aproxima do seu limite.
Nessas condições, o septuagenário artigo do Kalecki finalmente parece fazer mais sentido ao sul do equador. De fato, bastou um pouco de rigidez da oferta de trabalho para que a luta ideológica se acirrasse, aquecendo o debate em torno das políticas de emprego praticadas no período recente.
A classe capitalista e seus economistas ortodoxos, percebendo seu déficit de poder de barganha, foi ao baú resgatar dogmas do liberalismo para combater as políticas de intervenção do Estado sobre as leis de mercado.
Além das requentadas críticas à política fiscal, à carga tributária e outros reme-remes de ocasião, a bola da vez é a política de valorização do salário mínimo. Ripa daqui, sarrafo dali, tem sido cada vez mais frequente nos defrontarmos com gente graúda malhando o nível atual do salário mínimo – diga-se de passagem, ainda um dos mais baixos da América Latina.
Mas não é de hoje que o salário mínimo incomoda essa gente. Não custa recordar que nos anos 1990, auge do neoliberalismo no Brasil, seus arautos diziam que o instituto do salário mínimo era um elemento disfuncional de nosso mercado de trabalho, resquício anacrônico da Era Vargas, que promovia uma série de desequilíbrios em nossa economia e nas contas públicas.
Quantas vezes ouvimos dizer que aumentar o salário mínimo provocaria, por um lado, uma elevação do déficit da Previdência e, por outro, o crescimento da informalidade e do desemprego?
Ocorre que nos anos 2000 o que se viu foi exatamente o inverso do que propalavam os neoliberais. Desde a posse de Lula em 2003, o salário mínimo vem sendo reajustado acima da inflação, acumulando mais de 70% de ganho real, tornando-se a principal razão da queda da desigualdade registrada no período.
Paralelamente, para surpresa dos manuais, as taxas de desemprego caíram a seu mais baixo nível histórico, o déficit da Previdência diminuiu e – o que talvez seja o mais surpreendente – a taxa de formalização das relações de trabalho cresceu de modo ininterrupto – mesmo durante a crise de 2009!
Não deixa de ser curioso, portanto, que, a despeito desse vasto conjunto de evidências, a infantaria liberal esteja mais uma vez empenhada em alvejar o salário mínimo. Ante um repique no déficit da Previdência – agora derivado da desoneração da folha de pagamentos, tão aclamada pela classe patronal – voltam-se as bazucas contra os ganhos salariais, como se esses fossem produzir uma catástrofe previdenciária ou fazer explodir o nível de preços no País.
Ora, ora… Nem uma coisa, nem outra. A quem queira ser honesto em suas projeções sobre a evolução das contas da Previdência é forçoso dizer que se deve obrigatoriamente desconsiderar as despesas com benefícios assistenciais, pois estas, por princípio constitucional, devem ser financiadas com recursos tributários (contribuições sociais ou transferências do Orçamento Geral da União).
Ou seja, o “déficit” que aparece nas contas não é propriamente da Previdência, mas sim uma despesa social meritória que a sociedade brasileira (na Constituição de 1988) achou por bem bancar. Além disso, nas projeções alarmistas que circulam pelo mercado, frequentemente são desconsiderados os efeitos do crescimento da produtividade geral da economia.
A depender de como arbitraremos a distribuição do excedente econômico no futuro, teremos plenas condições para gozar nossas aposentadorias por mais tempo, sem prejuízo à saúde das contas do INSS.
Quanto ao temor de que os ganhos salariais estejam pressionando o nível geral de preços, também não é preciso mais do que uma xícara de honestidade intelectual com uma dose de conhecimento da realidade para perceber que a inflação brasileira (que no governo Dilma é a menor desde que Getúlio criou o IBGE!) permanece em nível superior ao desejado, fundamentalmente, por conta dos choques dos preços dos alimentos e da “indexação” residual que foi ofertada aos donos do capital (aluguéis, concessões de serviços públicos) durante o governo FHC.
Portanto, aos que andam praguejando contra a mais importante política social das últimas décadas, devagar com o andor. Não tem cabimento satanizar os aumentos do salário mínimo, até porque ainda falta muito para chegarmos a um patamar decente.
Para encerrar o assunto, talvez o melhor seja mesmo recorrer ao velho adágio lisboeta: “a palavras loucas ouvidos moucos”, e ter em mente os alertas de Kalecki. Essa gente diferenciada, quando premida pelo pleno emprego, perde as estribeiras, parte para cima do Estado e tudo que lembre igualdade social.
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