Por Anna Beatriz Anjos e Glauco Faria, na revista Fórum:
Em entrevista concedida a blogueiros na tarde da última sexta-feira (27), a presidenta Dilma Rousseff foi taxativa a respeito de um dos temas caros à parte da sociedade civil e ao próprio petismo: “A comunicação não pode ser objeto de monopólio”. Perguntada a respeito da questão da regulação econômica do setor, a candidata à reeleição buscou ainda fazer a diferenciação entre a proposta e a tal aventada “censura” denunciada por porta-vozes da mídia tradicional. “Em qualquer setor onde haja concentração de propriedade, cabe a regulação. Acredito que a regulação tem uma base, que é a base econômica, a concentração de poder econômico dificilmente leva a relações democráticas”, disse. “No Brasil tenta se confundir o controle de conteúdo com o econômico. Uma coisa não tem nada a ver com a outra: controlar conteúdo é coisa de país ditatorial”.
Esta foi uma das sequências mais marcantes da coletiva de Dilma, até porque o tema ficou em segundo plano não apenas em sua gestão, mas também durante boa parte dos oito anos do governo Lula, que tem como marco a realização da Conferência Nacional da área em 2010, seu último ano como presidente. “Não será incorreto afirmar que a maioria das propostas de políticas públicas que segmentos populares da sociedade civil organizada consideram avanços – apesar de importantes exceções – não logrou sucesso nos oito anos dos governos Lula. Ao contrário, muitas propostas foram abandonadas ou substituídas por outras que negavam as intenções originais”, definiu Venício Lima em seu livro Um balanço dos governos Lula [2003-2010] (Publisher Brasil).
Na entrevista, Dilma admitiu a lentidão com que a questão da regulação econômica é tratada (“Não fui eu que não regulei, ninguém regulou”), mas afirma que, agora, a sociedade estaria mais “madura” pra tratar do tema. “Se você fala com um conjunto de cidadãos vai ver que eles querem [a regulação], é generalizado, todo mundo percebe que há um setor que precisa ser regularizado”, disse.
A presidenta atribuiu ao momento atual um contexto mais favorável para tratar de um assunto espinhoso como este, mas, no encontro, fez referência também a outras questões que costuma abordar com pouca frequência – talvez pelo fato de a pauta da mídia tradicional ser sempre outra. Mais uma vez atentou para a necessidade de se fazer um plebiscito para a reforma política, demanda de parte da sociedade civil que entende ser esta a única forma de não deixa mudanças no sistema serem feitas pro aqueles que usufruem dele.
Falou de questões como os assassinatos por parte de agentes do Estado que ocorrem nas periferias. “Hoje a principal pauta do movimento negro é a luta contra a violência que mata a juventude negra. A estatística é clara, quem morre é pobre, negro e jovem da periferia. Assumi o compromisso com os autos de resistência, acho que o auto de resistência é uma forma de legalizar esse processo […] Vamos colocar o peso do governo nessa questão dos autos de resistência”. Em relação à política carcerária, falou que “essa é uma questão que o governo vai se meter”. De acordo com ela, “essa política de encarceramento do Brasil é uma política cega, não sabe para onde vai”.
Estes e outros pontos indicam uma tendência já verificada nas últimas semanas de campanha, com a presidenta mostrando uma inclinação maior para pautas e pontos defendidos por parte da esquerda, de movimentos populares e da sociedade civil. Muitos acreditam que tal postura se deve à entrada de Marina Silva na corrida presidencial, forçando uma definição melhor dos campos ocupados por cada candidatura. Um movimento similar ao ocorrido no segundo turno de 2006, quando a campanha de Lula assumiu a defesa de instituições e empresas públicas, jogando no colo de Alckmin as privatizações feitas no governo FHC. A postura da ex-senadora, próxima a posicionamentos neoliberais sobretudo na área econômica, teria facilitado a tarefa para a petista.
“No momento em que se vê ameaçado pelo campo da direita, [o PT] se inclina à esquerda, e aí convoca a militância, ressuscita bandeiras históricas, claro que dentro do nosso quadro político moderado atual, nada como nos anos 80”, explica à Fórum o historiador Lincoln Secco, professor da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro História do PT. Para ele, o deslocamento da candidatura de Dilma mais à esquerda foi motivado, em grande parte, por uma das propostas polêmicas de Marina: a independência do Banco Central. “Foi um fator fundamental”, considera. “O fato dela ter os assessores econômicos que tem também permitiu que o PT encontrasse uma frente de combate pela esquerda”, avalia, referindo-se, por exemplo, aos posicionamentos explicitados por Eduardo Gianetti da Fonseca, economista conhecido por defender valores neoliberais.
De acordo com a cientista política Roseli Coelho, docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), “determinadas posições vêm até por uma questão de princípio e identidade ideológica”,ressaltando que Dilma adotou essa postura para se diferenciar totalmente de seus adversários diante do eleitorado. Como exemplo, cita o pré-sal, tema de intensos embates nessa disputa pelo Palácio do Planalto. “A ênfase no pré-sal como bem de todo o povo brasileiro está dentro do velho espírito petista de nacionalizar o máximo possível. Ela [Dilma] e sua campanha estão avaliando que é muito mais do gosto do eleitorado uma candidata vir a público reafirmar esse caráter do que deixar o pré-sal para calendas gregas, como a Marina vem mostrando. Ela disse, em uma de suas primeiras entrevistas, que é preciso superar a era do petróleo”, explica.
Temas como a democratização da comunicação e a reforma política, mencionados acima, além do combate à homofobia, área muito criticada durante sua gestão, podem dar um direcionamento a um eventual segundo governo Dilma distinto de seu primeiro mandato. Mas como essas mudanças seriam efetivadas?
Democratizar as telecomunicações
Em maio, o PT incluiu o tema da regulação econômica dos meios de comunicação no que seriam as diretrizes de um plano de governo para o segundo mandato de Dilma – a pauta havia sido inicialmente proposta por Franklin Martins na primeira administração de Lula, quando era ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social. Em julho, entretanto, o trecho foi retirado do documento, entregue ao Tribunal Superior Eleitoral no mesmo mês. Ainda assim, mesmo antes mesmo da campanha eleitoral se iniciar oficialmente, Dilma Rousseff já havia declarado defender a regulação econômica dos meios de comunicação como forma de evitar a formação de oligopólios e monopólios entre os veículos midiáticos, discurso também recorrente em falas do ex-presidente Lula, que em maio afirmou que a “questão da regulação da mídia é imperiosa”.
A jornalista Beatriz Barbosa, integrante da coordenação do Intervozes, um dos coletivos mais atuantes na luta pela democratização das comunicações no Brasil, reconhece que Dilma tem tratado da questão com mais frequência, mas ainda não a vê de fato comprometida com o debate. “Para nós, essa agenda da comunicação continua não sendo prioritária. Apesar dela ter dado declarações sobre, retirou do programa de governo”, assevera.
Para Barbosa, a regulação econômica seria um passo fundamental, mas há outros pontos igualmente importantes que precisariam ser encapados pela discussão. Eles estão dispostos no Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica, elaborado por movimentos sociais ligados à causa. Para que o PL seja votado no Congresso Nacional, são necessárias 1,3 milhão de assinaturas, que estão sendo coletadas.
Se a petista parece não ter de fato garantido a criação de uma lei de meios para o Brasil em uma possível segunda gestão, não se pode dizer o mesmo em relação à universalização da banda larga. No último dia 9, Dilma participou do evento Diálogos Conectados, promovido pela campanha “Banda Larga É um Direito Seu”, e respondeu a perguntas de entidades que lutam por uma internet acessível a todos. No encontro, afirmou que expansão da conexão de qualidade, de modo que todos os brasileiros possam dela usufruir, é o maior desafio de infraestrutura que existe no país atualmente.
Para atingir a universalização do serviço, propôs a criação de uma lei que a assegure. “A universalização é lei, lei para mim é pública, é obrigado a fazer e ponto. Se não fizer com meta clara, o prazo é tal, tem de dar tal velocidade, que não é só falar que chegou na sua casa, eu quero saber qual é a velocidade, qual é a capacidade, e como está sendo feita a conexão”, disse.
Barbosa assinala que, nos últimos anos, os governos têm tratado o tema pela via da massificação, portanto, é um avanço que Dilma tenha falado em oferecer acesso a todos que assim desejarem. “O próprio Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado em 2010 por Lula e abandonado ao longo do tempo, trabalhava na linha de levar o acesso ao máximo possível da população, mas trabalhando com uma perspectiva de quem poderia pagar por esse acesso, de tentar chegar a taxas mais baixas, através do barateamento, mas não falava em universalização”, esclarece.
Embora promissor, o compromisso de formulação de uma lei é questionado em alguns aspectos por ativistas e especialistas da área. “Não somos contrários à lei, mas sabemos o tempo que demoraria para ser aprovada no Congresso Nacional. A gente entende que a própria legislação de telecomunicações que já está em vigor no Brasil hoje permitira o tratamento da internet como serviço essencial prestado no regime público. Ele poderia ser garantido a partir de um decreto presidencial”, pontua.
A reforma mais urgente
Desde os protestos de junho do ano passado, Dilma Rousseff tem batido na tecla da reforma política por meio de plebiscito. “Foi claramente uma resposta ao que estava acontecendo nas ruas”, relembra Roseli Coelho. “Mas assumiu o compromisso porque havia uma proposta de um setor de dentro do PT.” Meses depois que eclodiram as manifestações de rua, tentou cumprir a promessa e encaminhou ao Congresso uma proposta de consulta popular, que acabou não avançando. À época, houve resistência dentro da base aliada – em especial do PMDB, que ameaçou romper com o governo caso a proposta fosse levada adiante.
Desde então, em diversas oportunidades desde o início de sua campanha, a presidenta tem insistido na questão. No debate com os presidenciáveis promovido no último dia 16 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), um documento escrito pela entidade foi entregue aos oito candidatos presentes. Tanto Aécio como Marina se disseram a favor da proposta, fundamentada em quarto pontos básicos – fim do financiamento empresarial das campanhas, participação proporcional e paritária de homens e mulheres, voto em lista partidária em dois turnos e o fim das coligações proporcionais. Nenhum deles, entretanto, citou o plebiscito como requisito para sua realização, como fez Dilma. “O Brasil precisa muito dessa reforma”, comentou no encontro.
Na semana da Pátria (1 a 7 de setembro), quando ocorreu em todo o Brasil o plebiscito popular pela Constituinte Exclusiva à reforma, a candidata à reeleição manifestou mais uma vez seu apoio à causa. “Pela importância da reforma política, por tudo o que ela carrega, pelo fato de ser necessária uma transformação de todas as instituições, a participação popular é questão fundamental. Sem ela não se fará reforma política no Brasil”, declarou, durante caminhada em São Bernardo do Campo (SP). Seu voto foi um dos 7,75 milhões coletados no país.
Apesar da aparente disposição da petista em incentivar e viabilizar, caso reeleita, o processo de transformações no sistema político brasileiro, essa promete ser uma batalha extremamente dura entre a sociedade civil e os próprios representantes desse sistema. “O problema da resposta da Dilma Rousseff [em julho] é que não foi uma resposta dirigida às ruas, mas sim a seus pares políticos, e eles jamais farão uma reforma política”, sustenta Lincoln Secco.
Coelho reitera a posição do historiador e relembra outra tentativa de fazer prosseguir a reforma. “Em 2007, 2008, o Lula encaminhou [ao Congresso] uma proposta pra valer. O [José] Genoíno era responsável pela articulação, e não passou nada.” Para a cientista política, a mobilização popular é a única saída: a agenda avançaria “só se houvesse um outro ‘junho’” que a reivindicasse especificamente. Na entrevista a blogueiros, Dilma aludiu ao processo que mobilizou diversos segmentos sociais para a aprovação da Ficha Limpa, levada ao Congresso por meio de um projeto de iniciativa popular, como uma possível saída para efetivar a reforma.
Direitos são inegociáveis
As pautas LGBT foram responsáveis por umas das maiores polêmicas da disputa presidencial até o momento. Em 30 de agosto, Marina Silva mudou as diretrizes de sua política LGBT menos de 24 horas após o lançamento de seu plano de governo. As alterações no capítulo referente ao casamento civil igualitário foram realizadas pouco após o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, criticar no Twitter o programa da pessebista.
Passados alguns dias, Dilma Rousseff foi questionada por jornalistas a respeito do recuo da adversária. A presidenta afirmou que, quando se trata de direitos humanos, “não se deve mudar a proposta”. Na mesma ocasião, marcou posição ao condenar a homofobia e defender, pela primeira vez, sua criminalização. “Sou contra qualquer forma de violência contra pessoas. No caso especifico da homofobia, eu acho que é um ofensa ao Brasil. Então, fico triste de ver que temos grandes índices atingindo essa população. Acho que a gente tem que criminalizar a homofobia, que não é algo com o que a gente pode conviver.”
A petista voltou a abordar a questão durante seu discurso de abertura da 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, na última quarta-feira (24). “O mesmo empenho que temos em combater a violência contra as mulheres e os afrobrasileiros temos também contra a homofobia”, afirmou. “Acreditamos firmemente na dignidade de todo ser humano e na universalidade de seus direitos fundamentais. Estes devem ser protegidos de toda seletividade e de toda politização, tanto no plano interno quanto no internacional”, completou.
Para Roseli Coelho, essa é mais uma tentativa de Dilma de marcar posição “em cima de uma atitude vacilante” de Marina. “Ela foi obrigada a explicitar isso, talvez com o prejuízo de alguns milhares dos votos evangélicos, mas acho que, no geral, foi mais vantajoso para ela”, explica. A cientista política acredita, no entanto, que se a criadora da Rede não tivesse agido negativamente em relação à agenda LGBT, provavelmente a presidenta também não teria tomado partido tão incisivamente. “Tem a questão do voto evangélico, que nenhum político quer tripudiar. Esse é o tipo de assunto que, se possível, é deixado quietinho”, coloca.
Em julho, durante a convenção nacional do PT, o Setorial Nacional LGBT do partido enviou a Dilma uma cartapedindo que suas pautas tivessem espaço durante a campanha eleitoral. O documento propõe também treze pontos a serem abordados em um segundo mandato de Rousseff, entre eles, a criação de uma Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos de LGBT e também do Plano Nacional LGBT, por meio de decreto e com previsão orçamentária para sua execução.
À época, a petista não se pronunciou sobre o fato. Quem se manifestou pela sigla foi Bruno Elias, secretário nacional de Movimentos Populares do PT. Ele frisou que o partido “não desistiu do tema, ainda mais com o avanço desses grupos conservadores que esse ano vem com mais força. O nosso esforço é de brigar para incorporar as questões LGBT no programa de governo.”
Diante da mobilização de sua própria legenda e após se defender publicamente a promoção dos direitos LGBT, Dilma prometeu se reunir com a militância petista, no último dia 20, em evento contra a homofobia e pela paz no Brasil. O encontro acabou não sendo realizado, mas, de acordo com informações internas do PT, deve ocorrer durante a campanha do segundo turno.
Em entrevista concedida a blogueiros na tarde da última sexta-feira (27), a presidenta Dilma Rousseff foi taxativa a respeito de um dos temas caros à parte da sociedade civil e ao próprio petismo: “A comunicação não pode ser objeto de monopólio”. Perguntada a respeito da questão da regulação econômica do setor, a candidata à reeleição buscou ainda fazer a diferenciação entre a proposta e a tal aventada “censura” denunciada por porta-vozes da mídia tradicional. “Em qualquer setor onde haja concentração de propriedade, cabe a regulação. Acredito que a regulação tem uma base, que é a base econômica, a concentração de poder econômico dificilmente leva a relações democráticas”, disse. “No Brasil tenta se confundir o controle de conteúdo com o econômico. Uma coisa não tem nada a ver com a outra: controlar conteúdo é coisa de país ditatorial”.
Esta foi uma das sequências mais marcantes da coletiva de Dilma, até porque o tema ficou em segundo plano não apenas em sua gestão, mas também durante boa parte dos oito anos do governo Lula, que tem como marco a realização da Conferência Nacional da área em 2010, seu último ano como presidente. “Não será incorreto afirmar que a maioria das propostas de políticas públicas que segmentos populares da sociedade civil organizada consideram avanços – apesar de importantes exceções – não logrou sucesso nos oito anos dos governos Lula. Ao contrário, muitas propostas foram abandonadas ou substituídas por outras que negavam as intenções originais”, definiu Venício Lima em seu livro Um balanço dos governos Lula [2003-2010] (Publisher Brasil).
Na entrevista, Dilma admitiu a lentidão com que a questão da regulação econômica é tratada (“Não fui eu que não regulei, ninguém regulou”), mas afirma que, agora, a sociedade estaria mais “madura” pra tratar do tema. “Se você fala com um conjunto de cidadãos vai ver que eles querem [a regulação], é generalizado, todo mundo percebe que há um setor que precisa ser regularizado”, disse.
A presidenta atribuiu ao momento atual um contexto mais favorável para tratar de um assunto espinhoso como este, mas, no encontro, fez referência também a outras questões que costuma abordar com pouca frequência – talvez pelo fato de a pauta da mídia tradicional ser sempre outra. Mais uma vez atentou para a necessidade de se fazer um plebiscito para a reforma política, demanda de parte da sociedade civil que entende ser esta a única forma de não deixa mudanças no sistema serem feitas pro aqueles que usufruem dele.
Falou de questões como os assassinatos por parte de agentes do Estado que ocorrem nas periferias. “Hoje a principal pauta do movimento negro é a luta contra a violência que mata a juventude negra. A estatística é clara, quem morre é pobre, negro e jovem da periferia. Assumi o compromisso com os autos de resistência, acho que o auto de resistência é uma forma de legalizar esse processo […] Vamos colocar o peso do governo nessa questão dos autos de resistência”. Em relação à política carcerária, falou que “essa é uma questão que o governo vai se meter”. De acordo com ela, “essa política de encarceramento do Brasil é uma política cega, não sabe para onde vai”.
Estes e outros pontos indicam uma tendência já verificada nas últimas semanas de campanha, com a presidenta mostrando uma inclinação maior para pautas e pontos defendidos por parte da esquerda, de movimentos populares e da sociedade civil. Muitos acreditam que tal postura se deve à entrada de Marina Silva na corrida presidencial, forçando uma definição melhor dos campos ocupados por cada candidatura. Um movimento similar ao ocorrido no segundo turno de 2006, quando a campanha de Lula assumiu a defesa de instituições e empresas públicas, jogando no colo de Alckmin as privatizações feitas no governo FHC. A postura da ex-senadora, próxima a posicionamentos neoliberais sobretudo na área econômica, teria facilitado a tarefa para a petista.
“No momento em que se vê ameaçado pelo campo da direita, [o PT] se inclina à esquerda, e aí convoca a militância, ressuscita bandeiras históricas, claro que dentro do nosso quadro político moderado atual, nada como nos anos 80”, explica à Fórum o historiador Lincoln Secco, professor da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro História do PT. Para ele, o deslocamento da candidatura de Dilma mais à esquerda foi motivado, em grande parte, por uma das propostas polêmicas de Marina: a independência do Banco Central. “Foi um fator fundamental”, considera. “O fato dela ter os assessores econômicos que tem também permitiu que o PT encontrasse uma frente de combate pela esquerda”, avalia, referindo-se, por exemplo, aos posicionamentos explicitados por Eduardo Gianetti da Fonseca, economista conhecido por defender valores neoliberais.
De acordo com a cientista política Roseli Coelho, docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), “determinadas posições vêm até por uma questão de princípio e identidade ideológica”,ressaltando que Dilma adotou essa postura para se diferenciar totalmente de seus adversários diante do eleitorado. Como exemplo, cita o pré-sal, tema de intensos embates nessa disputa pelo Palácio do Planalto. “A ênfase no pré-sal como bem de todo o povo brasileiro está dentro do velho espírito petista de nacionalizar o máximo possível. Ela [Dilma] e sua campanha estão avaliando que é muito mais do gosto do eleitorado uma candidata vir a público reafirmar esse caráter do que deixar o pré-sal para calendas gregas, como a Marina vem mostrando. Ela disse, em uma de suas primeiras entrevistas, que é preciso superar a era do petróleo”, explica.
Temas como a democratização da comunicação e a reforma política, mencionados acima, além do combate à homofobia, área muito criticada durante sua gestão, podem dar um direcionamento a um eventual segundo governo Dilma distinto de seu primeiro mandato. Mas como essas mudanças seriam efetivadas?
Democratizar as telecomunicações
Em maio, o PT incluiu o tema da regulação econômica dos meios de comunicação no que seriam as diretrizes de um plano de governo para o segundo mandato de Dilma – a pauta havia sido inicialmente proposta por Franklin Martins na primeira administração de Lula, quando era ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social. Em julho, entretanto, o trecho foi retirado do documento, entregue ao Tribunal Superior Eleitoral no mesmo mês. Ainda assim, mesmo antes mesmo da campanha eleitoral se iniciar oficialmente, Dilma Rousseff já havia declarado defender a regulação econômica dos meios de comunicação como forma de evitar a formação de oligopólios e monopólios entre os veículos midiáticos, discurso também recorrente em falas do ex-presidente Lula, que em maio afirmou que a “questão da regulação da mídia é imperiosa”.
A jornalista Beatriz Barbosa, integrante da coordenação do Intervozes, um dos coletivos mais atuantes na luta pela democratização das comunicações no Brasil, reconhece que Dilma tem tratado da questão com mais frequência, mas ainda não a vê de fato comprometida com o debate. “Para nós, essa agenda da comunicação continua não sendo prioritária. Apesar dela ter dado declarações sobre, retirou do programa de governo”, assevera.
Para Barbosa, a regulação econômica seria um passo fundamental, mas há outros pontos igualmente importantes que precisariam ser encapados pela discussão. Eles estão dispostos no Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica, elaborado por movimentos sociais ligados à causa. Para que o PL seja votado no Congresso Nacional, são necessárias 1,3 milhão de assinaturas, que estão sendo coletadas.
Se a petista parece não ter de fato garantido a criação de uma lei de meios para o Brasil em uma possível segunda gestão, não se pode dizer o mesmo em relação à universalização da banda larga. No último dia 9, Dilma participou do evento Diálogos Conectados, promovido pela campanha “Banda Larga É um Direito Seu”, e respondeu a perguntas de entidades que lutam por uma internet acessível a todos. No encontro, afirmou que expansão da conexão de qualidade, de modo que todos os brasileiros possam dela usufruir, é o maior desafio de infraestrutura que existe no país atualmente.
Para atingir a universalização do serviço, propôs a criação de uma lei que a assegure. “A universalização é lei, lei para mim é pública, é obrigado a fazer e ponto. Se não fizer com meta clara, o prazo é tal, tem de dar tal velocidade, que não é só falar que chegou na sua casa, eu quero saber qual é a velocidade, qual é a capacidade, e como está sendo feita a conexão”, disse.
Barbosa assinala que, nos últimos anos, os governos têm tratado o tema pela via da massificação, portanto, é um avanço que Dilma tenha falado em oferecer acesso a todos que assim desejarem. “O próprio Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado em 2010 por Lula e abandonado ao longo do tempo, trabalhava na linha de levar o acesso ao máximo possível da população, mas trabalhando com uma perspectiva de quem poderia pagar por esse acesso, de tentar chegar a taxas mais baixas, através do barateamento, mas não falava em universalização”, esclarece.
Embora promissor, o compromisso de formulação de uma lei é questionado em alguns aspectos por ativistas e especialistas da área. “Não somos contrários à lei, mas sabemos o tempo que demoraria para ser aprovada no Congresso Nacional. A gente entende que a própria legislação de telecomunicações que já está em vigor no Brasil hoje permitira o tratamento da internet como serviço essencial prestado no regime público. Ele poderia ser garantido a partir de um decreto presidencial”, pontua.
A reforma mais urgente
Desde os protestos de junho do ano passado, Dilma Rousseff tem batido na tecla da reforma política por meio de plebiscito. “Foi claramente uma resposta ao que estava acontecendo nas ruas”, relembra Roseli Coelho. “Mas assumiu o compromisso porque havia uma proposta de um setor de dentro do PT.” Meses depois que eclodiram as manifestações de rua, tentou cumprir a promessa e encaminhou ao Congresso uma proposta de consulta popular, que acabou não avançando. À época, houve resistência dentro da base aliada – em especial do PMDB, que ameaçou romper com o governo caso a proposta fosse levada adiante.
Desde então, em diversas oportunidades desde o início de sua campanha, a presidenta tem insistido na questão. No debate com os presidenciáveis promovido no último dia 16 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), um documento escrito pela entidade foi entregue aos oito candidatos presentes. Tanto Aécio como Marina se disseram a favor da proposta, fundamentada em quarto pontos básicos – fim do financiamento empresarial das campanhas, participação proporcional e paritária de homens e mulheres, voto em lista partidária em dois turnos e o fim das coligações proporcionais. Nenhum deles, entretanto, citou o plebiscito como requisito para sua realização, como fez Dilma. “O Brasil precisa muito dessa reforma”, comentou no encontro.
Na semana da Pátria (1 a 7 de setembro), quando ocorreu em todo o Brasil o plebiscito popular pela Constituinte Exclusiva à reforma, a candidata à reeleição manifestou mais uma vez seu apoio à causa. “Pela importância da reforma política, por tudo o que ela carrega, pelo fato de ser necessária uma transformação de todas as instituições, a participação popular é questão fundamental. Sem ela não se fará reforma política no Brasil”, declarou, durante caminhada em São Bernardo do Campo (SP). Seu voto foi um dos 7,75 milhões coletados no país.
Apesar da aparente disposição da petista em incentivar e viabilizar, caso reeleita, o processo de transformações no sistema político brasileiro, essa promete ser uma batalha extremamente dura entre a sociedade civil e os próprios representantes desse sistema. “O problema da resposta da Dilma Rousseff [em julho] é que não foi uma resposta dirigida às ruas, mas sim a seus pares políticos, e eles jamais farão uma reforma política”, sustenta Lincoln Secco.
Coelho reitera a posição do historiador e relembra outra tentativa de fazer prosseguir a reforma. “Em 2007, 2008, o Lula encaminhou [ao Congresso] uma proposta pra valer. O [José] Genoíno era responsável pela articulação, e não passou nada.” Para a cientista política, a mobilização popular é a única saída: a agenda avançaria “só se houvesse um outro ‘junho’” que a reivindicasse especificamente. Na entrevista a blogueiros, Dilma aludiu ao processo que mobilizou diversos segmentos sociais para a aprovação da Ficha Limpa, levada ao Congresso por meio de um projeto de iniciativa popular, como uma possível saída para efetivar a reforma.
Direitos são inegociáveis
As pautas LGBT foram responsáveis por umas das maiores polêmicas da disputa presidencial até o momento. Em 30 de agosto, Marina Silva mudou as diretrizes de sua política LGBT menos de 24 horas após o lançamento de seu plano de governo. As alterações no capítulo referente ao casamento civil igualitário foram realizadas pouco após o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus, criticar no Twitter o programa da pessebista.
Passados alguns dias, Dilma Rousseff foi questionada por jornalistas a respeito do recuo da adversária. A presidenta afirmou que, quando se trata de direitos humanos, “não se deve mudar a proposta”. Na mesma ocasião, marcou posição ao condenar a homofobia e defender, pela primeira vez, sua criminalização. “Sou contra qualquer forma de violência contra pessoas. No caso especifico da homofobia, eu acho que é um ofensa ao Brasil. Então, fico triste de ver que temos grandes índices atingindo essa população. Acho que a gente tem que criminalizar a homofobia, que não é algo com o que a gente pode conviver.”
A petista voltou a abordar a questão durante seu discurso de abertura da 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, na última quarta-feira (24). “O mesmo empenho que temos em combater a violência contra as mulheres e os afrobrasileiros temos também contra a homofobia”, afirmou. “Acreditamos firmemente na dignidade de todo ser humano e na universalidade de seus direitos fundamentais. Estes devem ser protegidos de toda seletividade e de toda politização, tanto no plano interno quanto no internacional”, completou.
Para Roseli Coelho, essa é mais uma tentativa de Dilma de marcar posição “em cima de uma atitude vacilante” de Marina. “Ela foi obrigada a explicitar isso, talvez com o prejuízo de alguns milhares dos votos evangélicos, mas acho que, no geral, foi mais vantajoso para ela”, explica. A cientista política acredita, no entanto, que se a criadora da Rede não tivesse agido negativamente em relação à agenda LGBT, provavelmente a presidenta também não teria tomado partido tão incisivamente. “Tem a questão do voto evangélico, que nenhum político quer tripudiar. Esse é o tipo de assunto que, se possível, é deixado quietinho”, coloca.
Em julho, durante a convenção nacional do PT, o Setorial Nacional LGBT do partido enviou a Dilma uma cartapedindo que suas pautas tivessem espaço durante a campanha eleitoral. O documento propõe também treze pontos a serem abordados em um segundo mandato de Rousseff, entre eles, a criação de uma Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos de LGBT e também do Plano Nacional LGBT, por meio de decreto e com previsão orçamentária para sua execução.
À época, a petista não se pronunciou sobre o fato. Quem se manifestou pela sigla foi Bruno Elias, secretário nacional de Movimentos Populares do PT. Ele frisou que o partido “não desistiu do tema, ainda mais com o avanço desses grupos conservadores que esse ano vem com mais força. O nosso esforço é de brigar para incorporar as questões LGBT no programa de governo.”
Diante da mobilização de sua própria legenda e após se defender publicamente a promoção dos direitos LGBT, Dilma prometeu se reunir com a militância petista, no último dia 20, em evento contra a homofobia e pela paz no Brasil. O encontro acabou não sendo realizado, mas, de acordo com informações internas do PT, deve ocorrer durante a campanha do segundo turno.
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