Por Luís Fernando Vitagliano, no site Brasil Debate:
A economia é ponto nevrálgico das sociedades modernas e, por ocupar lugar central na vida cidadã, é objeto central de preocupação de qualquer governo republicano democrata moderno. Por essa importância, muitos pesquisadores associam política e economia, atribuindo à política oscilações econômicas e à economia crises políticas.
Estamos hoje diante de uma dessas associações (em que política e economia não se distinguem e ambas alimentam a atual crise). Mas, a dúvida que se irá tratar aqui remete às origens da crise e os fundamentos que a alimentam.
Antes, um parêntese: há na economia aspectos precisos, como o cálculo do PIB, dos fluxos financeiros, do comércio; e algo de impreciso como o cálculo das expectativas ou o comportamento dos agentes. Porque as expectativas são realizadas por pessoas e as pessoas, por mais previsíveis que pareçam, são movidas também por súbitas emoções. Nesse sentido, prever o que vai acontecer no ano fiscal conturbado é um exercício de subjetividade e de realização de expectativas.
E as expectativas atuais são negativas. Dilma é colocada como incapaz de combater a crise internacional – pior, com suas manobras fiscais, é acusada de incendiá-la. Isso obviamente coloca seu governo em risco ou, pelo menos, em queda de popularidade (somados aos escândalos que são vazados pela grande imprensa).
Mas, este artigo quer destacar que a atual crise nasce do cenário internacional conturbado e incerto e que os erros do governo podem não ser tão errados assim, na medida em que combateu distorções econômicas.
A oposição aproveita o momento para enquadrar o governo e acaba por fortalecer a crise, fazendo com que a incerteza cresça e a profecia se alimente dela mesma. O irônico é que, para esta mesma oposição, o que ela considera como erros do primeiro governo Dilma não pode ser dito claramente (porque seriam escandalosos se verbalizados): reduzir os juros básicos e entrar em conflito com os bancos privados para diminuição do spread bancário foi muito mal recebido pelo sistema financeiro.
Além disso, os regimes de concessão das obras públicas, incluindo e destacando o regime de partilha do pré-sal foi um acinte ao empresariado de modo geral. Todas as grandes taxas de juros colocadas à disposição de saúde e educação são inéditos e muito mal vistos pelos financistas (veja, p.ex., a proposta de José Serra de revisão do regime de partilha do pré-sal).
O fato em questão é que Dilma, no primeiro governo, enfrentou o capital financeiro. Ao fazer isso, teve como resposta um freio de investimentos privados da elite financeira interligada ao capital monopolista espalhado em seguimentos estratégicos da economia. A consequência foi que a economia travou.
Diante da ofensiva para reduzir os ganhos monopolistas do primeiro governo Dilma, veio a contraofensiva já em 2013: fuga de capitais, queda no investimento, alta de preços. Com as mudanças no regime de concessões, nas taxas de obras públicas e nos serviços ao governo, os financistas do mundo todo passaram a chantagear o Brasil pela manutenção das suas taxas de lucros.
Enquanto nos EUA a bolsa de valores dá rendimentos anuais de 7,5% em 2014, no Brasil, a bolsa caiu 2,29% em 2014 (em 2013 a queda foi de 15,5%). As ações da Petrobrás caíram 38% em 2014. A taxa Selic a 3% real não foi aceita. O dinheiro começou a ter fluxo negativo no Brasil. 2013 foi um ano de baixo investimento, 2014 ainda pior com o cenário conturbado agravado pela eleição, mas nada se compara ao final de 2014 e início de 2015, porque Dilma recebeu mais um mandato de mais quatro anos, mas foi eleita como adversária pelos investidores.
É uma crise econômica? Ou é uma crise política (entre governo e grande capital) que reverbera na econômica ou na decisão dos grandes agentes econômicos?
No primeiro governo Dilma, os ganhos foram sufocados por medidas governamentais que tiraram de foco o capital financeiro. Mas este setor não é composto apenas por bancos varejistas e de investimentos, financiadoras e agências de risco e consultorias; o setor financeiro é composto por pessoas reais, que acumulam grandes valores de capital e que circulam por várias esferas das economias nacionais e internacional. Não há distinção clara entre o setor financeiro e produtivo hoje, porque eles podem se concentrar em uma mesma pessoa, família ou sociedade anônima.
Assim, um banco pode ter como investidor um dono de uma empresa do setor varejista de eletroeletrônicos, por exemplo. Este empresário vai olhar para a economia e pensar: “onde devo colocar a maior parte do dinheiro que acumulei e não vou gastar imediatamente para que possa ganhar mais? Em uma nova loja para ganhos no longo prazo? Ou mantenho a liquidez em títulos financeiros?”.
Com o Brasil com péssimas taxas de retorno nos títulos públicos, o melhor é investir fora do País. Se o aumento da Selic interrompeu a fuga de capitais, ainda não foi capaz de proporcionar um ambiente propício a investir, nem é possível dizer que vai conseguir proporcionar essas condições, pois o cenário de longo prazo é incerto e torna-se mais incerto com o aumento das taxas.
Nesse sentido, o aumento da taxa Selic é uma armadilha espinhosa porque bate diretamente na necessidade de superávit fiscal – pelo menos primário. Além disso, cria um paradoxo de difícil solução: ao aumentar a taxa de retorno dos títulos públicos, o governo incentiva o investimento em finanças não produtivas e não geradoras de emprego. Ou seja, estimula justamente o que quer evitar, que o dinheiro fique represado como capital financeiro.
Portanto, não investir é uma decisão alimentada pelo governo (que na verdade quer o contrário), além de mutilar parte do seu próprio orçamento em maiores proporções de pagamento de juros e dividendos, tirando recursos de outras áreas. Daí que a necessidade de aumentar o ajuste fiscal para cobrir o rombo que suas próprias decisões criam é uma decisão que dilapida a própria capacidade de investimentos em gastos sociais que o governo quer preservar com a busca pela recuperação econômica.
Mas, se não optasse pela recuperação imediata do setor financeiro, o governo corria o risco de aumentar a fuga de capitais e com isso aumentar o desequilíbrio nas contas nacionais. Por isso, defende-se ao dizer que não havia opções, já que a crise internacional fez aumentar os gastos do governo com políticas anticíclicas e a manutenção dessa estratégia estava em esgotamento.
Mas, como nesse cenário o governo pode recuperar a chamada credibilidade que perdeu nos anos de 2013 e 2014? Se o que fez foi justamente aumentar seu peso no investimento produtivo e desestimular o ganho financeiro que forçou a barra? Estimular o setor financeiro que entrou em choque com o governo é o mesmo que alimentar a serpente que pode tirar sua vida.
Há um conflito em pleno processo de colisão. No momento, há recuo por parte do governo e uma tentativa de trégua em meio a muitos ataques do setor financeiro. O tamanho da trégua pode ser proporcional ao tamanho do ajuste, mas o tamanho do ajuste também determinará o tamanho do recuo.
Infelizmente, tudo isso ocorre porque parte do País não enxerga que, para desenvolver, o Brasil precisa parar de alimentar os abutres internacionais e começar a investir e criar tecnologia própria para o voo do pelicano.
Estamos hoje diante de uma dessas associações (em que política e economia não se distinguem e ambas alimentam a atual crise). Mas, a dúvida que se irá tratar aqui remete às origens da crise e os fundamentos que a alimentam.
Antes, um parêntese: há na economia aspectos precisos, como o cálculo do PIB, dos fluxos financeiros, do comércio; e algo de impreciso como o cálculo das expectativas ou o comportamento dos agentes. Porque as expectativas são realizadas por pessoas e as pessoas, por mais previsíveis que pareçam, são movidas também por súbitas emoções. Nesse sentido, prever o que vai acontecer no ano fiscal conturbado é um exercício de subjetividade e de realização de expectativas.
E as expectativas atuais são negativas. Dilma é colocada como incapaz de combater a crise internacional – pior, com suas manobras fiscais, é acusada de incendiá-la. Isso obviamente coloca seu governo em risco ou, pelo menos, em queda de popularidade (somados aos escândalos que são vazados pela grande imprensa).
Mas, este artigo quer destacar que a atual crise nasce do cenário internacional conturbado e incerto e que os erros do governo podem não ser tão errados assim, na medida em que combateu distorções econômicas.
A oposição aproveita o momento para enquadrar o governo e acaba por fortalecer a crise, fazendo com que a incerteza cresça e a profecia se alimente dela mesma. O irônico é que, para esta mesma oposição, o que ela considera como erros do primeiro governo Dilma não pode ser dito claramente (porque seriam escandalosos se verbalizados): reduzir os juros básicos e entrar em conflito com os bancos privados para diminuição do spread bancário foi muito mal recebido pelo sistema financeiro.
Além disso, os regimes de concessão das obras públicas, incluindo e destacando o regime de partilha do pré-sal foi um acinte ao empresariado de modo geral. Todas as grandes taxas de juros colocadas à disposição de saúde e educação são inéditos e muito mal vistos pelos financistas (veja, p.ex., a proposta de José Serra de revisão do regime de partilha do pré-sal).
O fato em questão é que Dilma, no primeiro governo, enfrentou o capital financeiro. Ao fazer isso, teve como resposta um freio de investimentos privados da elite financeira interligada ao capital monopolista espalhado em seguimentos estratégicos da economia. A consequência foi que a economia travou.
Diante da ofensiva para reduzir os ganhos monopolistas do primeiro governo Dilma, veio a contraofensiva já em 2013: fuga de capitais, queda no investimento, alta de preços. Com as mudanças no regime de concessões, nas taxas de obras públicas e nos serviços ao governo, os financistas do mundo todo passaram a chantagear o Brasil pela manutenção das suas taxas de lucros.
Enquanto nos EUA a bolsa de valores dá rendimentos anuais de 7,5% em 2014, no Brasil, a bolsa caiu 2,29% em 2014 (em 2013 a queda foi de 15,5%). As ações da Petrobrás caíram 38% em 2014. A taxa Selic a 3% real não foi aceita. O dinheiro começou a ter fluxo negativo no Brasil. 2013 foi um ano de baixo investimento, 2014 ainda pior com o cenário conturbado agravado pela eleição, mas nada se compara ao final de 2014 e início de 2015, porque Dilma recebeu mais um mandato de mais quatro anos, mas foi eleita como adversária pelos investidores.
É uma crise econômica? Ou é uma crise política (entre governo e grande capital) que reverbera na econômica ou na decisão dos grandes agentes econômicos?
No primeiro governo Dilma, os ganhos foram sufocados por medidas governamentais que tiraram de foco o capital financeiro. Mas este setor não é composto apenas por bancos varejistas e de investimentos, financiadoras e agências de risco e consultorias; o setor financeiro é composto por pessoas reais, que acumulam grandes valores de capital e que circulam por várias esferas das economias nacionais e internacional. Não há distinção clara entre o setor financeiro e produtivo hoje, porque eles podem se concentrar em uma mesma pessoa, família ou sociedade anônima.
Assim, um banco pode ter como investidor um dono de uma empresa do setor varejista de eletroeletrônicos, por exemplo. Este empresário vai olhar para a economia e pensar: “onde devo colocar a maior parte do dinheiro que acumulei e não vou gastar imediatamente para que possa ganhar mais? Em uma nova loja para ganhos no longo prazo? Ou mantenho a liquidez em títulos financeiros?”.
Com o Brasil com péssimas taxas de retorno nos títulos públicos, o melhor é investir fora do País. Se o aumento da Selic interrompeu a fuga de capitais, ainda não foi capaz de proporcionar um ambiente propício a investir, nem é possível dizer que vai conseguir proporcionar essas condições, pois o cenário de longo prazo é incerto e torna-se mais incerto com o aumento das taxas.
Nesse sentido, o aumento da taxa Selic é uma armadilha espinhosa porque bate diretamente na necessidade de superávit fiscal – pelo menos primário. Além disso, cria um paradoxo de difícil solução: ao aumentar a taxa de retorno dos títulos públicos, o governo incentiva o investimento em finanças não produtivas e não geradoras de emprego. Ou seja, estimula justamente o que quer evitar, que o dinheiro fique represado como capital financeiro.
Portanto, não investir é uma decisão alimentada pelo governo (que na verdade quer o contrário), além de mutilar parte do seu próprio orçamento em maiores proporções de pagamento de juros e dividendos, tirando recursos de outras áreas. Daí que a necessidade de aumentar o ajuste fiscal para cobrir o rombo que suas próprias decisões criam é uma decisão que dilapida a própria capacidade de investimentos em gastos sociais que o governo quer preservar com a busca pela recuperação econômica.
Mas, se não optasse pela recuperação imediata do setor financeiro, o governo corria o risco de aumentar a fuga de capitais e com isso aumentar o desequilíbrio nas contas nacionais. Por isso, defende-se ao dizer que não havia opções, já que a crise internacional fez aumentar os gastos do governo com políticas anticíclicas e a manutenção dessa estratégia estava em esgotamento.
Mas, como nesse cenário o governo pode recuperar a chamada credibilidade que perdeu nos anos de 2013 e 2014? Se o que fez foi justamente aumentar seu peso no investimento produtivo e desestimular o ganho financeiro que forçou a barra? Estimular o setor financeiro que entrou em choque com o governo é o mesmo que alimentar a serpente que pode tirar sua vida.
Há um conflito em pleno processo de colisão. No momento, há recuo por parte do governo e uma tentativa de trégua em meio a muitos ataques do setor financeiro. O tamanho da trégua pode ser proporcional ao tamanho do ajuste, mas o tamanho do ajuste também determinará o tamanho do recuo.
Infelizmente, tudo isso ocorre porque parte do País não enxerga que, para desenvolver, o Brasil precisa parar de alimentar os abutres internacionais e começar a investir e criar tecnologia própria para o voo do pelicano.
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