Por Fernando Brito, no blog Tijolaço:
Em julho de 1944, quando os destinos da 2a. Guerra Mundial já estavam definidos, uma conferência internacional – essencialmente ocidental – criou as duas instituições que, durante mais de meio século, tiveram a hegemonia da relações monetárias e das condições de cooperação financeira entre os países do mundo.
Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial (então, Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) foram ferramentas importantíssimas na implantação do domínio econômico da potência vencedora – os EUA – sobre a face da Terra e o nascedouro do padrão-dólar nas relações cambiais, dando um indescritível poder a quem o emitia, pois passou não apenas a ser a referência de valor das moedas como, cruelmente, passou a ser mundialmente entesourado, permitindo a emissão de moeda sem o efeito inflacionário que isso traz: a moeda que não circula não gera inflação, óbvio
A Europa, em frangalhos, pendurou-se na hegemonia norte-americana e, na economia – ao contrário do que ocorreria na política, meses depois, na Conferência de Yalta – o mundo tornou-se unipolar. A tentativa de escapar dela, pela Europa, primeiro através do Mercado Comum Europeu e, depois, pela unificação monetária no Euro, levou 50 anos, e deu uma sobrevida à decadente economia do Velho Continente que, se não podia mais projetar-se globalmente, como na primeira metade do século 20, ao menos conseguiu – aos trancos e barrancos e cada vez mais sob a batuta alemã – preservar a capacidade de, internamente, funcionar como bloco, ao menos até que as crises da dívida pública dos seus membros abrisse rachaduras como a da Grécia e Itália que lutam para remendar por lá.
Primeiro discretamente, ao longo dos anos 80 e da primeira metade dos 90, a China, de 1995 em diante, sai de um papel nulo na economia global para tornar-se, no século 21, uma grande locomotiva da economia mundial, praticando um misto de grande liberalismo na atração de capitais e seletivo protecionismo no seu desenvolvimento industrial, que a tornou o grande player do comércio mundial. E é obvio que com a formação de capital próprio abundante, queira um papel menos dependente e mais isolado na atividade econômica do mundo.
Nesta década, ela assumiu abertamente que quer fazê-lo através de um processo de cooperação muito mais comercial que financeiro, ao contrário dos EUA que sempre pretenderam o controle das economias internas dos países, quando não dos próprios países.
Deu dois passos gigantes, mas pacientes e sem manifestações de exclusivismo, até agora.
O primeiro, com a formação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura – aberto ao mundo todo mas, como o nome indica, voltado para sua afirmação geopolítica no continente e cujas possibilidades, mesmo com os muxoxos públicos dos EUA, não impediu que a Europa – Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Espanha – e a Austrália aderissem à iniciativa, pelo potencial que tem para todo o mundo, inclusive o Brasil.
O segundo, em escala global, sinalizando que quer parcerias duradouras com líderes continentais (no caso da Índia, subcontinentais) de todo o planeta, hoje em processo de afirmação econômica. E que, somados, como relembra a nota do Ministério da Fazenda, hoje, “representa 42% da população mundial, 26% da superfície terrestre e 27% da economia global”.
O Banco dos Brics, ou Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), como é seu nome oficial é isso, mais do que a capacidade de investimento no curto prazo, e a prova mais convincente é a divisão igualitária da governança da nova instituição.
É o recado mais direto que se podia dar aos EUA, que resistem teimosamente a mudar as regras de participação e influência no FMI, cuja função de prover estabilidade monetária se confundiu com a de ser uma espécie de “polícia econômica” mundial, como os brasileiros acima dos 40 anos sabem que foi, para muitos e para nós.
É por isso que seu anúncio veio casado com – aí, sim, com a hegemonia chinesa, que tem imensas reservas cambiais e é o maior credor do Tesouro Americano – com a criação de um megacolchão monetário – US$ 100 bilhões – um fundo autogerido de reservas monetárias e cambiais para conter eventuais pressões cambiais dos países do BRICS e que, ao contrário do NBD, não exigirá aportes financeiros, mas a virtual disponibilização mútuas das reservas em caso de ataques contra as moedas dos cinco integrantes.
Chamo a atenção para o último parágrafo de nota de Joaquim Levy, que para bom entendedor é o bastante:
“O NBD é uma instituição aberta a qualquer país membro das Nações Unidas. Os países dos BRICS, no entanto, dada sua condição de membros fundadores, manterão um poder de voto conjunto de pelo menos 55%. Ademais, nenhum outro país individualmente terá poder de voto de um país dos BRICS. Esta previsão garante ao Brasil lugar de fala privilegiado na governança do Banco e possibilitará que os BRICS efetivamente possam ver suas experiências de desenvolvimento refletidas no primeiro Banco Multilateral de Desenvolvimento de alcance global estabelecido desde a instituição do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), criado na esteira da Segunda Guerra Mundial.”
O acordo de reciprocidade no uso de reservas e o banco, são, de fato, a primeira resposta – não de confronto, mas de preservação de soberania – dada à Era FMI.
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