Por Patricia Faermann, no Jornal GGN:
A presidente Dilma Rousseff é alvo de impeachment com base em dois motivos: por emitir seis decretos de crédito suplementar e pela denominada "pedalada fiscal" no ano de 2015. O parlamentar eleito para produzir o relatório que julgará a presidente da República no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG), é alvo de uma ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF) por prática de manobras contábeis, durante a sua gestão no governo de Minas Gerais, desviando junto com o mandato de Aécio Neves mais de R$ 14 bilhões destinados à saúde para outros investimentos, e maquiando as contas do orçamento do Estado até 2013. Entenda cada uma das acusações que, de um lado, foi brecada na Justiça Federal de Belo Horizonte e, de outro, pode destituir o poder da Presidência.
A denúncia contra Dilma
O que não integra a denúncia contra a presidente são as pedaladas fiscais do ano de 2014, que foram julgadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como irregulares e as acusações de delatores da Operação Lava Jato que envolvem as contas de sua campanha eleitoral.
Os decretos de suplementação orçamentária no valor de R$ 96 bilhões (R$ 2,5 bilhões baseados em receita nova) foram feitos sem a autorização do Congresso e assinados depois de julho de 2015, quando o Governo já tinha admitido que não conseguiria cumprir a meta fiscal do ano.
Em sua defesa, o governo alega que os decretos não ampliaram os gastos, apenas os remanejaram. Os governistas também afirmam que não houve má fé por parte da presidente e, assim, sem razão para o impeachment. Já o relatório aprovado pelos deputados afirma que houve desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000, que integra a Lei do Impeachment, sendo "crime de responsabilidade" atentar contra a lei orçamentária e contra a "guarda e o emprego legal dos dinheiros públicos".
A presidente Dilma também é denunciada por atrasar o repasse de R$ 3,5 bilhões ao Banco do Brasil para o pagamento do programa de crédito agrícola do Plano Safra, em 2015. Chamada de pedalada fiscal, o atrasou fez com que o BB pagasse os agricultores com recursos próprios. Foi visto pelos defensores do impeachment, em outras palavras, como "um empréstimo de um banco estatal", o que é proibido por lei.
O governo alega que houve apenas "atrasos em pagamentos", e não empréstimos, e que não agiu contra a lei orçamentária, que na Lei do Impeachment caracteriza como crime contrariar "empréstimo, emitindo moeda corrente ou apólices, ou efetuando operação de crédito sem autorização legal".
Não incluem no atual processo as chamadas pedaladas fiscais que ocorreram em 2014, quando o governo atrasou o pagamento a bancos do repasse a programas sociais como o Minha Casa, Minha Vida, e ao FGTS, julgadas no último ano pelo TCU como operações de créditos ilegais.
A decisão de excluir esses pontos do processo foi do relator da Comissão Especial do Impeachment na Câmara dos Deputados, Jovair Arantes (PTB-GO), que sugeriu, porém, que o Senado pode decidir incluir essas acusações no processo, ou não.
A ação contra Anastasia
No último ano, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública contra os ex-governadores do PSDB de Minas Gerais, Antônio Anastasia e Aécio Neves, por "manobras contábeis" em suas gestões.
Diferentemente da criação de novos decretos pela presidente Dilma Rousseff para possibilitar o repasse do governo federal a pagamentos que extrapolaram o Orçamento aprovado pelo Congresso, as manobras contábeis dos governos estaduais tucanos foram a de desviar mais de R$ 14 bilhões da saúde pública mineira, quantia enviada pela União obrigatória para o setor, para outros investimentos.
Ao GGN, o procurador da República de Minas Gerais, Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, explicou que os dois governadores simplesmente descumpriram a Emenda Constitucional 29/200, que determinou a obrigatoriedade de investir, pelo menos, 12% do orçamento em ações e serviços de saúde pública, como atendimentos de urgência e emergência, compra de equipamentos, obras nas unidades de saúde, acesso a medicamentos e criação de leitos.
Por dez anos, entre 2003 e 2012, as gestões de Anastasia e Aécio Neves descumpriram sistematicamente a Constituição. "Trata-se de uma total e absurda indiferença ao Estado de Direito, como se ao governante fosse possível administrar sem a devida observância dos preceitos constitucionais e legais", disseram os procuradores autores da ação.
"Com todas as manobras empreendidas pelo Governo do Estado de inclusão de despesas alheias à saúde, R$ 14.226.267.397,38 (quatorze bilhões, duzentos e vinte e seis milhões, trezentos e noventa e sete mil reais e trinta e oito centavos) deixaram de ser investidos no Sistema Único de Saúde – SUS, o que equivale a aproximadamente 3 anos e 4 meses de aplicações de recursos estaduais neste, abrangidas, inclusive, as despesas com pessoal", revelou a denúncia.
A manobra consistiu, segundo os investigadores, em registrar como gastos da saúde remessas de dinheiro para o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), para a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) e outras "despesas com animais e vegetais", como serviços veterinários prestados a canil, atendimento veterinário para cães, vacinas para o plantel de semoventes, repasses a entidades assistenciais como a Coordenadoria de Apoio e Assistência à Pessoa Deficiente e, inclusive, o pagamento de benefícios previdenciários a servidores ativos e inativos de Minas Gerais.
E todos esses recursos integravam o Fundo de Participação do Estado (FPE), que é o montante enviado pelo governo federal aos estados brasileiros, além da arrecadação de impostos, como o ITCD, ICMS e o IPVA.
O trecho da Constituição não apenas determina que os 12% do orçamento seja para a saúde, como também explicita que esses recursos devem ser investidos em ações e serviços "que sejam de responsabilidade específica do setor de saúde, não se confundindo com despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicas, ainda que com reflexos sobre as condições de saúde", como por exemplo o saneamento básico, "para que não houvesse dúvidas sobre a natureza dos recursos", assinalam os procuradores.
O desvio de função foi feito por Anastasia e Aécio Neves para mascarar que houve o cumprimento da obrigatoriedade. Sendo que, na prática, não houve.
Como se não bastasse, os governadores tucanos estaduais também manobraram no cálculo do orçamento. Consideraram não apenas a receita vinculável, ou seja, o Fundo de Participação e os impostos, como "também despesas que foram suportadas por recursos diretamente arrecadados, ou seja, que sequer representaram efetivos gastos para o Estado, não consistindo em investimentos reais deste". Essas despesas são os pagamentos de aposentados e pensionistas e de entidades como o IPSEMG, IPSM e Hospital Militar, que não somente se tratam de serviços restritos, como também são custeados pelos próprios servidores e dependentes.
"Assim, [o Estado de MG] conseguiu que um maior valor do próprio orçamento fiscal ficasse livre para outros gastos que não em saúde", disse. "Valer-se destes valores pagos pelos usuários ou oriundos de terceiros, computando-os na soma de investimentos públicos estaduais como se fossem a mesma coisa, é uma inegável artimanha para inflar números e distorcer a realidade", completou a denúncia do MPF.
A ação civil movida pelos procuradores foi além e apontou o resultado, na prática, da manobra contábil praticada por Anastasia e Aécio Neves. "Após tantos anos investindo no SUS bem abaixo do mínimo constitucional, o serviço público de Saúde, embora considerado o mais importante pela população, alcançou, em 2009 e 2010, os piores índices de satisfação dentre os serviços públicos prestados pelo Estado de Minas Gerais", indicam, com a visualização, inclusive, de um gráfico:
"O desatendimento da previsão constitucional não ocorre sem deixar marcas, as quais têm sido sentidas profundamente pela população de todo o Estado, sobretudo a mais carente, que não tem recursos para arcar com os custos de tratamentos particulares", seguiram.
Entre as "marcas" deixadas pelos desvios dos recursos, os procuradores elencam "as filas extenuantes, a falta de leitos nos hospitais, a demora que chega a semanas e até meses para que o cidadão se entreviste com um médico, a demora na marcação e na realização de exames clínico-laboratoriais, as mortes nas filas dos nosocômios, as doenças endêmicas que vez por outra castigam a população (como foi o caso recente da dengue), a falta de remédios a serem distribuídos à população".
A ação pedia a antecipação de tutela, ou seja, que as penas já fossem cumpridas, antes mesmo do julgamento final. Entre as determinações para o Estado de Minas, estava a aplicação, nos próximos anos, dos 14 bilhões que deixaram de ser investidos nesses dez anos de governos Aécio e Anastasia e a apresentação de estudos técnicos contábeis e econômicos para que a medida fosse viável, sanando, assim, a dívida que as gestões tucanas mantinham na saúde.
Entretanto, a 15ª Vara Federal de Belo Horizonte negou a antecipação de tutela. Em resposta, os procuradores entraram com recurso contra a decisão e o caso, agora, está tramitando no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.
A seguir, os valores que deixaram de ser aplicados na saúde de Minas:
E a íntegra da Ação Civil Pública [aqui].
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