Por Saul Leblon, no site Carta Maior:
O angu golpista borbulha mas não dá ponto.
O alarido policial-midiático (uma extensão um do outro) difunde ilusões de consenso que embriagam o ambiente conservador.
A realidade do golpe, porém, é diferente da propaganda, como ficou nítido nesta 2ª feira, quando o novo presidente da Câmara anulou a sessão que votou o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. O apavoramento que o episódio gerou no golpismo evidencia o medo do que se seguiu: qualquer faísca de esperança levanta o país.
Rapidamente os vigilantes do golpe, tendo à frente as milícias do jornalismo embarcado, cuidaram de sufocar a transgressão ao enredo delicado.
O angu golpista borbulha mas não dá ponto.
O alarido policial-midiático (uma extensão um do outro) difunde ilusões de consenso que embriagam o ambiente conservador.
A realidade do golpe, porém, é diferente da propaganda, como ficou nítido nesta 2ª feira, quando o novo presidente da Câmara anulou a sessão que votou o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. O apavoramento que o episódio gerou no golpismo evidencia o medo do que se seguiu: qualquer faísca de esperança levanta o país.
Rapidamente os vigilantes do golpe, tendo à frente as milícias do jornalismo embarcado, cuidaram de sufocar a transgressão ao enredo delicado.
Salvam-se as aparências, mas a inconsistência do angu piora com o aumento da temperatura.
Caminha-se no chão mole de uma ruptura sem solidez, nem horizonte de futuro: um golpe que não se assume, mas que aos poucos é forçado a expor as garras de violência intrínsecas ao risco de se dissolver na contestação.
A impressionante convergência do que há de pior na sociedade –não estamos qualificando pessoas, mas interesses, diagnósticos, métodos, alinhamentos geopolíticos, padrões de civilidade, de jornalismo e, sobretudo, escolhas de desenvolvimento - leva alguns a confundir a borbulha do golpismo, a euforia, com hegemonia.
A aliança do baixo clero parlamentar com a plutocracia, da classe média fascistizada com o antipetismo histérico da mídia, bem como a do judiciário cúmplice com a toga acoelhada compõe, de fato, uma gordurosa coalizão da escória que avança para assaltar o poder no Brasil.
Daí a se confundir essa usurpação com o magnetismo que o uso da palavra hegemonia requer, vai uma grande diferença.
Hegemonia não significa apenas força, ainda que necessariamente a inclua.
Hegemonia implica, sobretudo, consentimento --algo incompatível com a natureza própria de um golpe.
Num caso, predomina a conspiração violenta; no outro, a capacidade de pactuar, de liderar, de arrebatar, de convencer, de arregimentar, enfim, de mobilizar corações e mentes para empreender o passo seguinte na vida de uma nação.
Quem o faria ? Temer?
Serra? Jucá...
...Janaína Paschoal?
O que esses timoneiros lograram de mais visível, com escoltas de nível equivalente na mídia e no judiciário, foi arquitetar o sequestro de um mandato portador de 54,5 milhões de votos.
O feito apoia-se em um massacre propagandístico só equivalente, ou superior, ao que antecedeu o golpe de 1964.
O que se conseguiu até agora foi gerar turbulência institucional, paralisia econômica, incerteza nos segmentos majoritários da sociedade, repulsa nas fileiras democráticas e apoio efetivo restrito a camadas conservadoras e na renda alta adestrada na crispação midiática.
Em uma sociedade trincada na vertical pelo esgotamento de um ciclo de expansão, essa dissolução apenas magnifica o desafio de se erguer linhas de passagem para um novo espaço de futuro.
O repertório que o golpe teima em enfiar goela abaixo da sociedade configura tudo menos a ‘ponte para o futuro’ que o publieditorial do jornalismo econômico acena para os mercados.
O que se preconiza, de fato, é um lacto purga em dose concentrada do arrocho neoliberal sistematicamente rejeitado pelas urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014.
Esse é o embasamento histórico do golpe.
Se lograr êxito abrir-se-á uma temporada de 180 dias que abalarão o Brasil.
Um regime de exceção, dirigido por um agrupamento de interesses excludentes, tentará então a temerária imposição ao país de protocolos e diretrizes não pactuados nas urnas, tampouco negociados em grandes mesas nacionais para as quais, inclusive, não dispõe de mandato e tampouco de mediadores reconhecidos.
Escavar um fosso entre a representação política da sociedade e o poder de decisão sobre o destino do seu desenvolvimento é tudo o que a ganância cega das plutocracias pode almejar como êxito.
Isso dificilmente conseguirá prosperar em ambiente de vigência das liberdades democráticas.
Tampouco o sucesso nos seus próprios termos é plausível –ainda que a economia esteja no fundo do poço por conta, inclusive, de uma greve do capital golpista e alguma reação deva ocorrer.
Há inconsistências maiores, porém, que limitam o fôlego dessa empreitada.
Desdenhar dos partidos e entregar o destino da sociedade a uma lógica cega que se avoca autossuficiente e autorregulável, foi justamente o que se fez nas últimas décadas no mundo capitalista.
O corolário desse voo cego foi a crise sistêmica de 2008, da qual a economia internacional está longe de haver superado.
O golpe aposta sus fichas em ‘crescer para fora’ e ‘arrochar para dentro’ na crença em uma recuperação global da qual o próprio Fed duvida, tendo renunciado a novas altas nas taxas de juros por isso, e a Europa, a cada dia, tem menos razões para acreditar.
Não há demanda no mundo depois de 40 anos de dilapidação neoliberal de direitos sociais e trabalhistas e do esgoelamento fiscal dos Estados nacionais, que abdicaram de arrecadar para se endividar. Hoje não dispõem de fôlego nem de ferramentas (banco públicos de desenvolvimento, por exemplo) para investir e arrastar o capital privado, viciado na cocaína rentista.
A ilusão de que replicar a receita fracassada da ortodoxia será suficiente para fazer decolar a economia brasileira explica o desdém com a crise de hegemonia que move o golpe e, paradoxalmente, irá paralisa-lo logo em seguida.
A solução rasa e repetitiva do arrocho fiscal (corta, corta, corta) e monetário (juro alto) reflete um campo de visão de classe, endogenamente estreito.
O Brasil plano, feito de desafios monocausais, infantilmente atribuídos ao ‘lulopetismo’ pelo doutrina colegial do jornalismo conservador, simplesmente não existe.
O relevo econômico do país inclui-se entre as encostas mais acidentadas do capitalismo mundial, graças à tradição secular de predadores, ora abrigada sob as asas do timoneiro Temer.
O que se desenha para os próximos 180 dias, assim, é um condensado acerto de contas de velhas e novas pendências trazidas de uma espiral histórica de confronto e crispação que se acomodou brevemente no ciclo de expansão recente (2004/2012), mas cuja recidiva explodiu com octanagem redobrada pela perspectiva de se quebrar o ciclo de treze anos de governos progressistas no país.
Com um agravante.
A paralisia econômica fundiu-se ao enrijecimento de um sistema político incapaz de prover as condições, canais e instrumentos requeridos à repactuação do passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
Herdado do ciclo da redemocratização, o sistema político do país reflete uma transição tutelada que inoculou no DNA da sociedade a incapacidade para renovar-se.
O insulamento de uma representação política tragada pelo círculo vicioso dos interesses autorreferentes, culminou, assim, com a captura da nação por uma escória parlamentar liderada por um maestro da vigarice.
Desse ovo nasceu a serpente que agora almeja usurpar o mandato de uma mulher honesta em benefício de projetos e agentes que nunca dispuseram de voto para derrota-la.
O único antídoto a essa mistura de esgotamento e desespero conservador é a rua.
Sem votos, o chão firme dos interesses conservadores apoia-se em duas hipertrofias –a do judiciário e a da mídia.
Ambas são insustentáveis se a sociedade se erguer e se mobilizar, não aquecida por um incêndio passageiro.
Mas organizada de forma propositiva e assertiva na definição do que se aspira para a cidadania e a economia, com base em uma tríade: redemocratização, desenvolvimento e repactuação nacional.
O governo legítimo - o da Presidenta Dilma - deve organizar uma agenda de resistência que contemple essas prioridades, traduzindo-a em um calendário de 180 dias de atividades.
Incluem-se aí debates, fóruns, mesas de negociação e conferências regionais por todo o Brasil , até desembocar no final do processo em uma gigantesca Conferência Nacional da Democracia e do Desenvolvimento, para sacramentar uma frente política e um Plano de Ação –para voltar ao governo ou para concorrer em 2018.
Portanto, não se trata apenas de derrotar um golpe manco.
Mas de faze-lo desbravando um novo caminho, com uma nova frente de forças, capaz de empolgar o país com as possibilidades renovadas para o seu desenvolvimento, graças ao poder revigorado da democracia de dizer sim e não ao mercado.
Isso é o que pode fazer dos próximos 180 dias a sepultura do golpe. E mais que isso: o renascimento da esperança no país que poderíamos ser, mas que ainda não somos.
A ver.
Caminha-se no chão mole de uma ruptura sem solidez, nem horizonte de futuro: um golpe que não se assume, mas que aos poucos é forçado a expor as garras de violência intrínsecas ao risco de se dissolver na contestação.
A impressionante convergência do que há de pior na sociedade –não estamos qualificando pessoas, mas interesses, diagnósticos, métodos, alinhamentos geopolíticos, padrões de civilidade, de jornalismo e, sobretudo, escolhas de desenvolvimento - leva alguns a confundir a borbulha do golpismo, a euforia, com hegemonia.
A aliança do baixo clero parlamentar com a plutocracia, da classe média fascistizada com o antipetismo histérico da mídia, bem como a do judiciário cúmplice com a toga acoelhada compõe, de fato, uma gordurosa coalizão da escória que avança para assaltar o poder no Brasil.
Daí a se confundir essa usurpação com o magnetismo que o uso da palavra hegemonia requer, vai uma grande diferença.
Hegemonia não significa apenas força, ainda que necessariamente a inclua.
Hegemonia implica, sobretudo, consentimento --algo incompatível com a natureza própria de um golpe.
Num caso, predomina a conspiração violenta; no outro, a capacidade de pactuar, de liderar, de arrebatar, de convencer, de arregimentar, enfim, de mobilizar corações e mentes para empreender o passo seguinte na vida de uma nação.
Quem o faria ? Temer?
Serra? Jucá...
...Janaína Paschoal?
O que esses timoneiros lograram de mais visível, com escoltas de nível equivalente na mídia e no judiciário, foi arquitetar o sequestro de um mandato portador de 54,5 milhões de votos.
O feito apoia-se em um massacre propagandístico só equivalente, ou superior, ao que antecedeu o golpe de 1964.
O que se conseguiu até agora foi gerar turbulência institucional, paralisia econômica, incerteza nos segmentos majoritários da sociedade, repulsa nas fileiras democráticas e apoio efetivo restrito a camadas conservadoras e na renda alta adestrada na crispação midiática.
Em uma sociedade trincada na vertical pelo esgotamento de um ciclo de expansão, essa dissolução apenas magnifica o desafio de se erguer linhas de passagem para um novo espaço de futuro.
O repertório que o golpe teima em enfiar goela abaixo da sociedade configura tudo menos a ‘ponte para o futuro’ que o publieditorial do jornalismo econômico acena para os mercados.
O que se preconiza, de fato, é um lacto purga em dose concentrada do arrocho neoliberal sistematicamente rejeitado pelas urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014.
Esse é o embasamento histórico do golpe.
Se lograr êxito abrir-se-á uma temporada de 180 dias que abalarão o Brasil.
Um regime de exceção, dirigido por um agrupamento de interesses excludentes, tentará então a temerária imposição ao país de protocolos e diretrizes não pactuados nas urnas, tampouco negociados em grandes mesas nacionais para as quais, inclusive, não dispõe de mandato e tampouco de mediadores reconhecidos.
Escavar um fosso entre a representação política da sociedade e o poder de decisão sobre o destino do seu desenvolvimento é tudo o que a ganância cega das plutocracias pode almejar como êxito.
Isso dificilmente conseguirá prosperar em ambiente de vigência das liberdades democráticas.
Tampouco o sucesso nos seus próprios termos é plausível –ainda que a economia esteja no fundo do poço por conta, inclusive, de uma greve do capital golpista e alguma reação deva ocorrer.
Há inconsistências maiores, porém, que limitam o fôlego dessa empreitada.
Desdenhar dos partidos e entregar o destino da sociedade a uma lógica cega que se avoca autossuficiente e autorregulável, foi justamente o que se fez nas últimas décadas no mundo capitalista.
O corolário desse voo cego foi a crise sistêmica de 2008, da qual a economia internacional está longe de haver superado.
O golpe aposta sus fichas em ‘crescer para fora’ e ‘arrochar para dentro’ na crença em uma recuperação global da qual o próprio Fed duvida, tendo renunciado a novas altas nas taxas de juros por isso, e a Europa, a cada dia, tem menos razões para acreditar.
Não há demanda no mundo depois de 40 anos de dilapidação neoliberal de direitos sociais e trabalhistas e do esgoelamento fiscal dos Estados nacionais, que abdicaram de arrecadar para se endividar. Hoje não dispõem de fôlego nem de ferramentas (banco públicos de desenvolvimento, por exemplo) para investir e arrastar o capital privado, viciado na cocaína rentista.
A ilusão de que replicar a receita fracassada da ortodoxia será suficiente para fazer decolar a economia brasileira explica o desdém com a crise de hegemonia que move o golpe e, paradoxalmente, irá paralisa-lo logo em seguida.
A solução rasa e repetitiva do arrocho fiscal (corta, corta, corta) e monetário (juro alto) reflete um campo de visão de classe, endogenamente estreito.
O Brasil plano, feito de desafios monocausais, infantilmente atribuídos ao ‘lulopetismo’ pelo doutrina colegial do jornalismo conservador, simplesmente não existe.
O relevo econômico do país inclui-se entre as encostas mais acidentadas do capitalismo mundial, graças à tradição secular de predadores, ora abrigada sob as asas do timoneiro Temer.
O que se desenha para os próximos 180 dias, assim, é um condensado acerto de contas de velhas e novas pendências trazidas de uma espiral histórica de confronto e crispação que se acomodou brevemente no ciclo de expansão recente (2004/2012), mas cuja recidiva explodiu com octanagem redobrada pela perspectiva de se quebrar o ciclo de treze anos de governos progressistas no país.
Com um agravante.
A paralisia econômica fundiu-se ao enrijecimento de um sistema político incapaz de prover as condições, canais e instrumentos requeridos à repactuação do passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.
Herdado do ciclo da redemocratização, o sistema político do país reflete uma transição tutelada que inoculou no DNA da sociedade a incapacidade para renovar-se.
O insulamento de uma representação política tragada pelo círculo vicioso dos interesses autorreferentes, culminou, assim, com a captura da nação por uma escória parlamentar liderada por um maestro da vigarice.
Desse ovo nasceu a serpente que agora almeja usurpar o mandato de uma mulher honesta em benefício de projetos e agentes que nunca dispuseram de voto para derrota-la.
O único antídoto a essa mistura de esgotamento e desespero conservador é a rua.
Sem votos, o chão firme dos interesses conservadores apoia-se em duas hipertrofias –a do judiciário e a da mídia.
Ambas são insustentáveis se a sociedade se erguer e se mobilizar, não aquecida por um incêndio passageiro.
Mas organizada de forma propositiva e assertiva na definição do que se aspira para a cidadania e a economia, com base em uma tríade: redemocratização, desenvolvimento e repactuação nacional.
O governo legítimo - o da Presidenta Dilma - deve organizar uma agenda de resistência que contemple essas prioridades, traduzindo-a em um calendário de 180 dias de atividades.
Incluem-se aí debates, fóruns, mesas de negociação e conferências regionais por todo o Brasil , até desembocar no final do processo em uma gigantesca Conferência Nacional da Democracia e do Desenvolvimento, para sacramentar uma frente política e um Plano de Ação –para voltar ao governo ou para concorrer em 2018.
Portanto, não se trata apenas de derrotar um golpe manco.
Mas de faze-lo desbravando um novo caminho, com uma nova frente de forças, capaz de empolgar o país com as possibilidades renovadas para o seu desenvolvimento, graças ao poder revigorado da democracia de dizer sim e não ao mercado.
Isso é o que pode fazer dos próximos 180 dias a sepultura do golpe. E mais que isso: o renascimento da esperança no país que poderíamos ser, mas que ainda não somos.
A ver.
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