Por Ayrton Centeno, no site Sul-21:
Rompendo o casulo opaco que a envolve, a senadora Ana Amélia finalmente ganhou os holofotes nacionais: ofereceu ao país aquela que é, talvez, sua maior contribuição enquanto figura pública. Seu pronunciamento no Senado durante os debates sobre o impeachment, cavou-lhe um lugar na história política do país. No rodapé mas, mesmo assim, notável. Aproximou-a de um velho companheiro de opção político-partidária, o coronel Jarbas Passarinho (1920-2016).
Quatro vezes ministro, uma vez governador e duas senador, Passarinho legou uma frase para a posteridade, aquela pronunciada no dia 13 de dezembro de 1968 ao assinar o Ato Institucional 5 que implodiria o simulacro de democracia então vigente. Das conversas em torno da mesa dos signatários que afundariam a nação na mais cruel de suas tiranias, a sentença de Passarinho foi a que ficou na memória coletiva. Trespassou as décadas, sempre relembrada, para desgosto do seu autor.
“Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”, disse o coronel ao ditador Costa e Silva antes de apor seu jamegão naquele papel que transformaria o habeas corpus em esquisitice, a censura em virtude, a tortura em método e a matança em regra.
Se Passarinho produziu a epígrafe do golpe dentro do golpe em 1968, Ana Amélia escreveu o bordão do golpe de 2016. Subiu à tribuna do Senado e comunicou ter “muita alegria de ser golpista ao lado de ministros como Carmen Lucia, como Antonio Dias Toffoli, e todos aqueles que declararam que o impeachment é constitucional”. E seguiu o baile com a senadora reparando que “a fraude, ou o golpe, incrivelmente tem a cobertura da Suprema Corte de nosso país”.
Presidindo o processo, Ricardo Lewandowski reagiu à batatada com cara de paisagem, afivelando aquele semblante catatônico que o faz mais parecido com um personagem extraviado de uma refilmagem de “Um Estranho no Ninho” do que com um ministro da corte. Não tugiu, nem mugiu. E seguiu o baile.
Ana Amélia tirou o STF para dançar como forma de blindagem. Se sou golpista, o STF também é. Ao propor a parceria, demonstrou desconhecer o comportamento das excelências nos idos de 1964. O governo Goulart foi derrubado uma semana depois de Ana Amélia completar 19 anos, idade suficiente para entender algumas coisas básicas. Em 1964, o cidadão que se sentava na cadeira hoje de Lewandowski, o então presidente do STF, Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, abençoou o assalto ao poder:
“O desafio feito à democracia foi respondido vigorosamente. Sua recuperação tornou-se legítima através do movimento das Forças Armadas, já estando restabelecido o poder de governo pela forma constitucional”, pontificou. Sob a ótica esdrúxula do STF, tudo estava em seu lugar: o golpe era legítimo, a democracia estava preservada e a constituição idem. No dia 2 de abril de 1964, Ribeiro da Costa representou o Supremo na posse de Ranieri Mazzilli, quando Goulart permanecia no Brasil e, portanto, o cargo não estava vago. E abriu as portas da corte para recepcionar o marechal Castello Branco.
Tem sido assim: ao ser confrontado com um golpe, o tirocínio do STF, teórico guardião da democracia, torna-se, subitamente, embotado. É um bailarino de pé quebrado e quem com ele bailar pensando em tirar vantagem irá, no pior sentido, dançar.
Mas não é algo que vá enodoar a alegria golpista da senadora. Ana Amélia vem de carreira fecunda no jornalismo onde, até onde se sabe, nunca explicitou maior desconforto com os 21 anos de ditadura civil-militar. Sentou praça na RBS, empresa que, através de seus veículos, jamais negou respaldo ao regime. “A preservação dos ideais”, editorial de Zero Hora, de 1º. de setembro de 1969, não deixa dúvida sobre a ternura dessa relação. Nele, exalta-se “a autoridade e a irreversibilidade da Revolução”. Em outros termos, enquanto as chacinas ensangüentavam os porões, o jornal propugnava a ditadura infinita.
Antes da carreira política, Ana Amélia serviu à RBS durante 33 anos. Em 2010, afastou-se para se candidatar. Bem antes, casara-se com o senador Octávio Cardoso (1930-2011). Cardoso vinha da Aliança Renovadora Nacional (Arena), legenda criada pela ditadura para apoiá-la. Desembarcou no Senado por obra e graça do arbítrio. Suplente de Tarso Dutra, abiscoitou o cargo sem necessidade de voto. O titular era biônico, indicado pelo regime. Com a morte de Tarso Dutra, Cardoso assumiu a bionicidade e a vaga. Pertencia ao PDS, que sucedeu a Arena. É mais uma evidência da intimidade com o governo discricionário no currículo da senadora, não por casualidade eleita pelo PP, atual disfarce daquela mesma Arena.
Ana Amélia repete Passarinho porém ao seu feitio. No instante de firmar o AI-5, o coronel revelou certa contrariedade. Assinou-o entre resmungos. Mandou os escrúpulos às favas mas teve escrúpulos para dispensar. Já a senadora não parece incomodada. Ao contrário, exulta ao anunciar seu júbilo de ser golpista ao lado do STF. Aquilo que, na boca de Passarinho, soa quase como imprecação, na sua parece uma apoteose, uma epifania. Por isso confesso que não entendo bem quando ouço o escracho “Ana Amélia golpista!”. Deveria ser ofensa mas é apenas um pleonasmo.
Rompendo o casulo opaco que a envolve, a senadora Ana Amélia finalmente ganhou os holofotes nacionais: ofereceu ao país aquela que é, talvez, sua maior contribuição enquanto figura pública. Seu pronunciamento no Senado durante os debates sobre o impeachment, cavou-lhe um lugar na história política do país. No rodapé mas, mesmo assim, notável. Aproximou-a de um velho companheiro de opção político-partidária, o coronel Jarbas Passarinho (1920-2016).
Quatro vezes ministro, uma vez governador e duas senador, Passarinho legou uma frase para a posteridade, aquela pronunciada no dia 13 de dezembro de 1968 ao assinar o Ato Institucional 5 que implodiria o simulacro de democracia então vigente. Das conversas em torno da mesa dos signatários que afundariam a nação na mais cruel de suas tiranias, a sentença de Passarinho foi a que ficou na memória coletiva. Trespassou as décadas, sempre relembrada, para desgosto do seu autor.
“Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”, disse o coronel ao ditador Costa e Silva antes de apor seu jamegão naquele papel que transformaria o habeas corpus em esquisitice, a censura em virtude, a tortura em método e a matança em regra.
Se Passarinho produziu a epígrafe do golpe dentro do golpe em 1968, Ana Amélia escreveu o bordão do golpe de 2016. Subiu à tribuna do Senado e comunicou ter “muita alegria de ser golpista ao lado de ministros como Carmen Lucia, como Antonio Dias Toffoli, e todos aqueles que declararam que o impeachment é constitucional”. E seguiu o baile com a senadora reparando que “a fraude, ou o golpe, incrivelmente tem a cobertura da Suprema Corte de nosso país”.
Presidindo o processo, Ricardo Lewandowski reagiu à batatada com cara de paisagem, afivelando aquele semblante catatônico que o faz mais parecido com um personagem extraviado de uma refilmagem de “Um Estranho no Ninho” do que com um ministro da corte. Não tugiu, nem mugiu. E seguiu o baile.
Ana Amélia tirou o STF para dançar como forma de blindagem. Se sou golpista, o STF também é. Ao propor a parceria, demonstrou desconhecer o comportamento das excelências nos idos de 1964. O governo Goulart foi derrubado uma semana depois de Ana Amélia completar 19 anos, idade suficiente para entender algumas coisas básicas. Em 1964, o cidadão que se sentava na cadeira hoje de Lewandowski, o então presidente do STF, Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, abençoou o assalto ao poder:
“O desafio feito à democracia foi respondido vigorosamente. Sua recuperação tornou-se legítima através do movimento das Forças Armadas, já estando restabelecido o poder de governo pela forma constitucional”, pontificou. Sob a ótica esdrúxula do STF, tudo estava em seu lugar: o golpe era legítimo, a democracia estava preservada e a constituição idem. No dia 2 de abril de 1964, Ribeiro da Costa representou o Supremo na posse de Ranieri Mazzilli, quando Goulart permanecia no Brasil e, portanto, o cargo não estava vago. E abriu as portas da corte para recepcionar o marechal Castello Branco.
Tem sido assim: ao ser confrontado com um golpe, o tirocínio do STF, teórico guardião da democracia, torna-se, subitamente, embotado. É um bailarino de pé quebrado e quem com ele bailar pensando em tirar vantagem irá, no pior sentido, dançar.
Mas não é algo que vá enodoar a alegria golpista da senadora. Ana Amélia vem de carreira fecunda no jornalismo onde, até onde se sabe, nunca explicitou maior desconforto com os 21 anos de ditadura civil-militar. Sentou praça na RBS, empresa que, através de seus veículos, jamais negou respaldo ao regime. “A preservação dos ideais”, editorial de Zero Hora, de 1º. de setembro de 1969, não deixa dúvida sobre a ternura dessa relação. Nele, exalta-se “a autoridade e a irreversibilidade da Revolução”. Em outros termos, enquanto as chacinas ensangüentavam os porões, o jornal propugnava a ditadura infinita.
Antes da carreira política, Ana Amélia serviu à RBS durante 33 anos. Em 2010, afastou-se para se candidatar. Bem antes, casara-se com o senador Octávio Cardoso (1930-2011). Cardoso vinha da Aliança Renovadora Nacional (Arena), legenda criada pela ditadura para apoiá-la. Desembarcou no Senado por obra e graça do arbítrio. Suplente de Tarso Dutra, abiscoitou o cargo sem necessidade de voto. O titular era biônico, indicado pelo regime. Com a morte de Tarso Dutra, Cardoso assumiu a bionicidade e a vaga. Pertencia ao PDS, que sucedeu a Arena. É mais uma evidência da intimidade com o governo discricionário no currículo da senadora, não por casualidade eleita pelo PP, atual disfarce daquela mesma Arena.
Ana Amélia repete Passarinho porém ao seu feitio. No instante de firmar o AI-5, o coronel revelou certa contrariedade. Assinou-o entre resmungos. Mandou os escrúpulos às favas mas teve escrúpulos para dispensar. Já a senadora não parece incomodada. Ao contrário, exulta ao anunciar seu júbilo de ser golpista ao lado do STF. Aquilo que, na boca de Passarinho, soa quase como imprecação, na sua parece uma apoteose, uma epifania. Por isso confesso que não entendo bem quando ouço o escracho “Ana Amélia golpista!”. Deveria ser ofensa mas é apenas um pleonasmo.
3 comentários:
Ana Amélia é uma reles Golpista, Embusteira e Anti-Povo brasileiro.
Qual era mesmo o nome desse tão terrivel ditador de 64 a 85 ? Morrem hoje mais pessoas assassinadas em dois dias do que morreram em 21 anos.
Qual o nome do tão terrivel ditador de 64 a 85 ???
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