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Convém não exagerar na hipocrisia para se declarar surpreso com a notícia de que Eduardo Cunha decidiu cometer uma chantagem contra Michel Temer para garantir a própria sobrevivência.
Sempre com apostas altas, Cunha não faz outra coisa desde que se tornou presidente da Câmara, na abertura do ano legislativo de 2015. Em agosto daquele ano, o PGR Rodrigo Janot protocolou a primeira denúncia contra ele no STF. Na época, o alvo da chantagem era Dilma. Mesmo pressionado por aliados políticos naturais, como o PSDB, o DEM, a bancada evangélica e a maioria do PMDB, o então presidente da Câmara caprichou na encenação mas jamais apertou o gatilho. Só mudou de atitude em dezembro de 2015, quando Rui Falcão, presidente do Partido dos Trabalhadores, anunciou que a legenda iria dar seus três votos contra Cunha no Conselho de Ética.
A mesma operação repete-se agora. Convencido, corretamente, que Michel Temer lhe deve a presidência, Cunha não desistiu de escapar do julgamento em plenário e ameaça explodir a coalizão que assumiu o Planalto com uma delação ampla, geral e irrestrita.
A má vontade do novo governo e seus aliados para avançar nas investigações contra Cunha é uma dessas evidências óbvias do jogo político brasileiro. Ajuda a confirmar a tese apontada pelo colunista Celso Rocha de Barros, para quem a população que foi a rua pedir o afastamento de Dilma com base em alegações de conteúdo moral precisa resolver "quem estava entre os bêbados e quem estava entre os cínicos." (Folha de S. Paulo, 15/8/2016).
Levar Cunha para o cadafalso é uma forma de dar credibilidade ao espetáculo do impeachment de Dilma, com base numa acusação ("pedaladas fiscais") que envolve uma imagem jornalística que nem é caracterizada como crime.
Numa conjuntura em que as denúncias crescem como cogumelos no ministério de Temer, permitir que o ex-presidente da Câmara permaneça à solta, é escandaloso demais, pois confirma aquilo que sempre se soube e sempre se tenta esconder: a seletividade estrutural das denúncias contra corrupção.
Este é o problema: não há voto fácil contra Cunha. Será preciso reunir a maioria absoluta – 257 votos – num plenário em que ele próprio admitiu ter sustentado 260 cabeças. Mesmo lembrando que alianças políticas não são eternas, cabe lembrar que traições, nesse terreno, costumam ter efeito venenoso, corrosivo – sem controle e sem limites. "Michel é Cunha," sintetizou Romero Jucá, na memorável conversa gravada pelo senador Sérgio Machado.
Vivemos uma situação em que é preciso distinguir o principal do secundário, o certo do errado. O problema de Cunha é escapar da lei. Como fiador da nova ordem, fará o que estiver a seu alcance, sem remorso nem dor na consciência. Sua experiência é didática como parábolas infantis. Quem teve apoio absoluto para derrubar uma presidente eleita por 54 milhões de eleitores apenas para escapar das autoridades policiais está destinado a se transformar num predador feroz, que sempre terá dificuldade para conhecer os próprios limites.
O problema dos brasileiros é outro. A partir do momento em que as garantias democráticas foram substituídas pela criminalização da vida pública, o regime nascido após a derrota da ditadura militar tornou-se alvo de aventureiros e criminosos. Ou bêbados e cínicos. Nenhum destes males, contudo, pode ser combatido com hipocrisia.
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