Por Marcus Ianoni, na revista Teoria e Debate:
No processo político que resultou no afastamento de Dilma Rousseff, por suposto cometimento de crime de responsabilidade, e na formação do governo interino encabeçado por Michel Temer, a bandeira da corrupção desempenhou a função estratégica de programa de ação na ofensiva da aliança oposicionista – composta por atores sociopolíticos e político-institucionais – rumo à deposição da presidenta.
Mas, organizado o novo Executivo e sua ampla coalizão parlamentar, nota-se que é grande a presença de fichas-sujas (no sentido ampliado do termo) nas hostes governistas, ao passo que arrefeceu a campanha anticorrupção da direita, capitaneada na esfera extrainstitucional pela grande mídia, por grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL), por assim dizer, das redes sociais e ruas, e demais segmentos liberal-conservadores e autoritários das classes médias.
No processo político que resultou no afastamento de Dilma Rousseff, por suposto cometimento de crime de responsabilidade, e na formação do governo interino encabeçado por Michel Temer, a bandeira da corrupção desempenhou a função estratégica de programa de ação na ofensiva da aliança oposicionista – composta por atores sociopolíticos e político-institucionais – rumo à deposição da presidenta.
Mas, organizado o novo Executivo e sua ampla coalizão parlamentar, nota-se que é grande a presença de fichas-sujas (no sentido ampliado do termo) nas hostes governistas, ao passo que arrefeceu a campanha anticorrupção da direita, capitaneada na esfera extrainstitucional pela grande mídia, por grupos como o Movimento Brasil Livre (MBL), por assim dizer, das redes sociais e ruas, e demais segmentos liberal-conservadores e autoritários das classes médias.
A Lei da Ficha Limpa, visando combater a corrupção eleitoral, estabelece critérios rigorosos para o registro das candidaturas. Se o mesmo espírito universal que inspirou essa lei movesse a moralidade política das forças que, na grande mídia, nas ruas e redes sociais, partiram para a ação contra irregularidades ocorridas nas gestões federais encabeçadas pelo PT, a indignação militante e organizada não teria saído de cena, mesmo considerando que é inviável contar com uma participação política de massa em período integral.
O andamento do impeachment alimenta-se de uma zona nebulosa que serve de pano de fundo para os atores deposicionistas extraírem um crime de responsabilidade a partir de um confuso, mas também organizado amálgama sistêmico composto por indignação contra a corrupção, supostas irregularidades fiscais e crise econômica.
Esse amálgama explica o caráter neoliberal da coalizão do impeachment, quem dela participa e qual é, na verdade, seu principal programa: derrotar o PT e as políticas social-desenvolvimentistas e abrir um horizonte de longo prazo para o projeto de país centrado no protagonismo dos mercados, que não distingue interesses nacionais e multinacionais. Para um espectro significativo do imaginário da opinião pública, coproduzido pela grande mídia de ideário neoliberal, o governo deposto seria amplamente errático, e sua derrubada, a panaceia. Avançando o impeachment, como tem ocorrido, a eliminação do bode expiatório teria restaurado a moralidade na esfera pública?
O PMDB, principal partido de sustentação do governo Dilma até maio de 2016, lidera agora o governo interino, com o apoio não só de vários outros partidos da antiga base governista, mas também da ex-oposição (liderada por PSDB, DEM, PPS e SD). Na atual oposição institucional estão a centro-esquerda e a esquerda: PT, PDT, PCdoB e PSOL.
A iniciativa do impeachment foi liderada institucionalmente por Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, criminoso de colarinho branco de grande monta. Em 1991, no início de sua carreira política, quando foi nomeado para presidir a antiga Telerj, por indicação de Paulo César Farias (ex-testa de ferro de Fernando Collor de Mello), já se envolveu em escândalo de superfaturamento. Sua imensa ficha de irregularidades tornou-se pública de 2015 para cá. Foi acusado pela Procuradoria Geral da Presidência (PGR) de lavagem de dinheiro, corrupção passiva, evasão de divisas e falsidade ideológica e está sendo processado pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por ter negado, na CPI da Petrobras, possuir contas na Suíça. Além disso, sua esposa Claudia Cruz é ré na Lava Jato.
Não só é inacreditável a demora na condução do processo de cassação de Cunha na Câmara, como muito preocupante que a votação final pelo plenário do relatório que propõe sua condenação por quebra de decoro parlamentar tenha sido marcada por Rodrigo Maia para 12 de setembro, uma segunda-feira, dia costumeiramente esvaziado na agenda do Legislativo, ainda mais em período pré-eleitoral. Maia, atual presidente da Casa e conterrâneo carioca de bancada de Cunha, assim já se referiu ao maior criminoso da história política brasileira recente, submetido a processo de cassação: “Ele é um político ousado, inteligente, disciplinado e trabalhador. [...] Reúne todas essas qualidades”. Como a aprovação da cassação requer maioria absoluta da Casa, 257 votos, aliados de Cunha avaliam, com contentamento, que a votação será adiada, pois tal quórum só deverá existir em novembro.
Ademais, dos 65 titulares que formaram a Comissão do Impeachment da Câmara 21 respondem a inquérito ou ação penal. E 144 deputados federais que votaram na sessão de autorização do impeachment são investigados em inquéritos ou ações penais no STF. Mesmo sendo conhecidas essas informações sobre Cunha e demais deputados, a suposta campanha programática anticorrupção avançou, contentando-se inescrupulosamente com que políticos fichas-sujas do Congresso Nacional derrotassem a esquerda institucional – vista pela oposição de então como encarnação absoluta de toda a corrupção – e organizassem o governo interino.
Temer, na condição de vice-presidente, praticou os mesmos atos administrativos que servem de motivo causal ao processo de impeachment de sua aliada de chapa nas eleições de 2014. Em maio desse ano, o presidente interino foi condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo por crime eleitoral e tornou-se ficha-suja, inelegível, por ter doado, a dois aliados de partido, fundos de campanha além do limite permitido. Além disso, Temer foi citado 24 vezes na delação de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, como tendo intermediado o pedido de recursos para a campanha de Gabriel Chalita (PMDB) à Prefeitura de São Paulo em 2012.
E tem mais. Recentemente, Temer foi mencionado na delação premiada de Marcelo Odebrecht, ainda não homologada, como tendo pedido R$ 10 milhões para a campanha eleitoral do PMDB, durante um jantar no Palácio Jaburu, em maio de 2014, no qual, além do então vice-presidente da República, estavam o referido empresário e o atual ministro-chefe da Casa Civil Eliseu Padilha (PMDB), então deputado federal. O montante teria sido recebido em dinheiro “na mão”, ou seja, na forma física da moeda, pouco tempo depois.
Logo após serem empossados, três ministros do governo interino caíram por suspeita de envolvimento nos crimes contra a administração pública investigados na operação Lava Jato: o senador Romero Jucá (PMDB), do Planejamento, Henrique Eduardo Alves (PMDB), do Turismo, e Fabiano Silveira, que, dadas as contradições nas fileiras supostamente moralistas da aliança pró-impeachment, havia sido instalado no recém-criado Ministério da Transparência. Que ironia da história!
Jucá está sob investigação da PGR, autorizada pelo STF, por suspeita de desvio de recursos e crimes eleitorais. Ele caiu após vir à tona o conteúdo de sua conversa telefônica com Sérgio Machado, indicado pelo PMDB para a presidência da Transpetro. No áudio, o senador diz que Temer e Cunha jogam no mesmo time e que a deposição de Dilma faria parte de um acordo nacional entre elites políticas e da burocracia pública, incluindo ministros do STF, para frear a Lava Jato. Por outro lado, em sua delação premiada, Sérgio Machado afirmou ter repassado, entre 2008 e 2014, R$ 1,55 milhão ao ex-ministro Henrique Eduardo Alves, que presidiu a Câmara em 2013-2014. Por ter conta bancária irregular na Suíça, descoberta pela Lava Jato, Alves foi denunciado ao STF pela PGR por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Ademais, os áudios de Sérgio Machado revelaram que Fabiano Silveira fez críticas à Lava Jato e ao procurador-geral Rodrigo Janot.
O envolvimento do ministério de Temer com irregularidades não para por aí. Executivos da Odebrecht informaram, poucos dias atrás, que José Serra (PSDB), ministro das Relações Exteriores do governo interino, recebeu a quantia atualizada de R$ 34,5 milhões, por meio de caixa dois, para sua campanha eleitoral à presidência, em 2010. Os ministros da Educação Mendonça Filho (DEM), da Casa Civil Eliseu Padilha (PMDB), do Meio Ambiente Sarney Filho (PV) e da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima (PMDB) também foram mencionados em delações ou estão sob investigação.
Na Câmara, pode-se destacar, entre tantos nomes, o deputado André Moura (PSC), líder do governo por indicação de Eduardo Cunha, condenado em segunda instância por improbidade administrativa cometida em Pirambu, Sergipe, onde foi prefeito. Ele também é réu em três ações penais no STF e investigado em vários inquéritos, inclusive por suspeição de homicídio e de participação em irregularidades na Petrobras. Segundo o site Congresso em Foco, dos 81 senadores, “24 são acusados ou suspeitos de práticas criminosas como corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, peculato, crimes eleitorais, de responsabilidade e contra a Lei de Licitações”.
Enquanto isso, lê-se o seguinte no site do MBL em relação aos ministros do governo interino: “Bruno Araújo (Cidades), Raul Jungmann (Defesa), José Serra (Relações Exteriores), Mendonça Filho (Educação e Cultura) e Ricardo Barros (Saúde) são citados nas planilhas de doações feitas pelo Grupo Odebrecht. Essa planilha contém 284 políticos, e, até o dia desta publicação, não é crime receber doações legais de campanha registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Vamos lembrar – os políticos citados acima declararam as doações recebidas, o que não configura crime”. Essa é apenas uma pequena evidência do caráter partidarizado e seletivo do programa contra a corrupção de forças da coalizão do impeachment. Mencionando apenas um caso, enquanto a Odebrecht declara que Serra recebeu robusto fundo de campanha via caixa dois, o MBL, de antemão, inocenta o ministro. De outro lado, aquilo que se refere ao PT e suas lideranças é visto como um atentado ao princípio da moralidade.
O MBL ainda diz: “Não temos corruptos de estimação, não aceitaremos ministros investigados pela Lava Jato em governo nenhum”. Mas os únicos crimes contra a administração pública que importam são os da Lava Jato? A condição de ficha-suja do presidente interino e o fato de ele ter sido várias vezes mencionado em delações ou conversas telefônicas são pouca coisa? E por que focar apenas no Executivo se o regime é democrático, ainda que a democracia esteja sendo ferida pelos últimos acontecimentos? A função de governo depende do Executivo e do Legislativo, e também do Judiciário. A condenação de André Moura por improbidade administrativa e sua condição de investigado não importam? Ele não é ministro, mas pertence às forças políticas governistas, ocupando posto importante na estrutura institucional do presidencialismo de coalizão. A ação pelo mesmo crime de improbidade administrativa contra Eliseu Padilha, em trâmite na Justiça Federal, também não vem ao caso? A referência ao MBL é apenas para exemplificar aquilo que, na verdade, diz respeito a um problema das lideranças do bloco neoliberal, a partidarização e limitação de seu alegado combate à corrupção. Essa seletividade se expressa em sua máxima potência na cobertura da Lava Jato feita pela grande mídia.
O senador Romero Jucá deixou de servir ao governo interino na condição de ministro do Planejamento, mas não é problema ético um investigado na Lava Jato ocupar a 2ª vice-presidência do Senado? Isso não horroriza os liberais? O presidente do Senado, Renan Calheiros, instituição onde ocorre o julgamento do impeachment, tem nada menos que onze inquéritos no STF. Além disso, os seguintes senadores estão respondendo a inquérito ou ação penal no STF e votaram a favor da continuidade do impeachment: Aloysio Nunes (PSDB), Benedito de Lira (PP), Cássio Cunha Lima (PSDB), Ciro Nogueira (PP), Dário Berger (PMDB), Edison Lobão (PMDB), Eduardo Amorim (PSC), Fernando Bezerra Coelho (PSB), Fernando Collor (PTB), Gladson Cameli (PP), Ivo Cassol (PP), José Agripino (DEM), Romero Jucá (PMDB), Sérgio Petecão (PSD), Simone Tebet (PMDB), Valdir Raupp (PMDB) e Wellington Fagundes (PR).
Há anseio social contra a corrupção e pelo fim da impunidade, mas o problema é a liderança política dessa demanda. Se a liderança é partidarizada, então a demanda contra a corrupção dos universalistas sinceros dispersos na cidadania serve de matéria-prima política para grupos de interesse de falsos moralistas. A demanda contra a corrupção desses últimos é apenas um programa oportunista de uma coalizão política. “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei.” Qual seria o programa de fato da locomotiva mais poderosa do comboio pró-deposição? Se, de um lado, o impeachment não está servindo para alavancar a continuidade da luta contra a corrupção – agora, inclusive, com o golpe quase concluído, fala-se em um amplo acordo para diferenciar caixa dois de propina –, o governo repleto de fichas-sujas tem deixado poderosos interesses econômicos, do capital nacional e internacional, mais confiantes de que o pior da crise está passando, graças às políticas de austeridade fiscal e monetária, de retirada dos direitos trabalhistas e de privatização do pré-sal e da Petrobras, todas elas a serviço dos ricos, rentistas e financistas, de dentro e fora do país, e prejudiciais à maioria da nação.
* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense e pesquisador das relações entre política e economia.
O andamento do impeachment alimenta-se de uma zona nebulosa que serve de pano de fundo para os atores deposicionistas extraírem um crime de responsabilidade a partir de um confuso, mas também organizado amálgama sistêmico composto por indignação contra a corrupção, supostas irregularidades fiscais e crise econômica.
Esse amálgama explica o caráter neoliberal da coalizão do impeachment, quem dela participa e qual é, na verdade, seu principal programa: derrotar o PT e as políticas social-desenvolvimentistas e abrir um horizonte de longo prazo para o projeto de país centrado no protagonismo dos mercados, que não distingue interesses nacionais e multinacionais. Para um espectro significativo do imaginário da opinião pública, coproduzido pela grande mídia de ideário neoliberal, o governo deposto seria amplamente errático, e sua derrubada, a panaceia. Avançando o impeachment, como tem ocorrido, a eliminação do bode expiatório teria restaurado a moralidade na esfera pública?
O PMDB, principal partido de sustentação do governo Dilma até maio de 2016, lidera agora o governo interino, com o apoio não só de vários outros partidos da antiga base governista, mas também da ex-oposição (liderada por PSDB, DEM, PPS e SD). Na atual oposição institucional estão a centro-esquerda e a esquerda: PT, PDT, PCdoB e PSOL.
A iniciativa do impeachment foi liderada institucionalmente por Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, criminoso de colarinho branco de grande monta. Em 1991, no início de sua carreira política, quando foi nomeado para presidir a antiga Telerj, por indicação de Paulo César Farias (ex-testa de ferro de Fernando Collor de Mello), já se envolveu em escândalo de superfaturamento. Sua imensa ficha de irregularidades tornou-se pública de 2015 para cá. Foi acusado pela Procuradoria Geral da Presidência (PGR) de lavagem de dinheiro, corrupção passiva, evasão de divisas e falsidade ideológica e está sendo processado pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por ter negado, na CPI da Petrobras, possuir contas na Suíça. Além disso, sua esposa Claudia Cruz é ré na Lava Jato.
Não só é inacreditável a demora na condução do processo de cassação de Cunha na Câmara, como muito preocupante que a votação final pelo plenário do relatório que propõe sua condenação por quebra de decoro parlamentar tenha sido marcada por Rodrigo Maia para 12 de setembro, uma segunda-feira, dia costumeiramente esvaziado na agenda do Legislativo, ainda mais em período pré-eleitoral. Maia, atual presidente da Casa e conterrâneo carioca de bancada de Cunha, assim já se referiu ao maior criminoso da história política brasileira recente, submetido a processo de cassação: “Ele é um político ousado, inteligente, disciplinado e trabalhador. [...] Reúne todas essas qualidades”. Como a aprovação da cassação requer maioria absoluta da Casa, 257 votos, aliados de Cunha avaliam, com contentamento, que a votação será adiada, pois tal quórum só deverá existir em novembro.
Ademais, dos 65 titulares que formaram a Comissão do Impeachment da Câmara 21 respondem a inquérito ou ação penal. E 144 deputados federais que votaram na sessão de autorização do impeachment são investigados em inquéritos ou ações penais no STF. Mesmo sendo conhecidas essas informações sobre Cunha e demais deputados, a suposta campanha programática anticorrupção avançou, contentando-se inescrupulosamente com que políticos fichas-sujas do Congresso Nacional derrotassem a esquerda institucional – vista pela oposição de então como encarnação absoluta de toda a corrupção – e organizassem o governo interino.
Temer, na condição de vice-presidente, praticou os mesmos atos administrativos que servem de motivo causal ao processo de impeachment de sua aliada de chapa nas eleições de 2014. Em maio desse ano, o presidente interino foi condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo por crime eleitoral e tornou-se ficha-suja, inelegível, por ter doado, a dois aliados de partido, fundos de campanha além do limite permitido. Além disso, Temer foi citado 24 vezes na delação de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, como tendo intermediado o pedido de recursos para a campanha de Gabriel Chalita (PMDB) à Prefeitura de São Paulo em 2012.
E tem mais. Recentemente, Temer foi mencionado na delação premiada de Marcelo Odebrecht, ainda não homologada, como tendo pedido R$ 10 milhões para a campanha eleitoral do PMDB, durante um jantar no Palácio Jaburu, em maio de 2014, no qual, além do então vice-presidente da República, estavam o referido empresário e o atual ministro-chefe da Casa Civil Eliseu Padilha (PMDB), então deputado federal. O montante teria sido recebido em dinheiro “na mão”, ou seja, na forma física da moeda, pouco tempo depois.
Logo após serem empossados, três ministros do governo interino caíram por suspeita de envolvimento nos crimes contra a administração pública investigados na operação Lava Jato: o senador Romero Jucá (PMDB), do Planejamento, Henrique Eduardo Alves (PMDB), do Turismo, e Fabiano Silveira, que, dadas as contradições nas fileiras supostamente moralistas da aliança pró-impeachment, havia sido instalado no recém-criado Ministério da Transparência. Que ironia da história!
Jucá está sob investigação da PGR, autorizada pelo STF, por suspeita de desvio de recursos e crimes eleitorais. Ele caiu após vir à tona o conteúdo de sua conversa telefônica com Sérgio Machado, indicado pelo PMDB para a presidência da Transpetro. No áudio, o senador diz que Temer e Cunha jogam no mesmo time e que a deposição de Dilma faria parte de um acordo nacional entre elites políticas e da burocracia pública, incluindo ministros do STF, para frear a Lava Jato. Por outro lado, em sua delação premiada, Sérgio Machado afirmou ter repassado, entre 2008 e 2014, R$ 1,55 milhão ao ex-ministro Henrique Eduardo Alves, que presidiu a Câmara em 2013-2014. Por ter conta bancária irregular na Suíça, descoberta pela Lava Jato, Alves foi denunciado ao STF pela PGR por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Ademais, os áudios de Sérgio Machado revelaram que Fabiano Silveira fez críticas à Lava Jato e ao procurador-geral Rodrigo Janot.
O envolvimento do ministério de Temer com irregularidades não para por aí. Executivos da Odebrecht informaram, poucos dias atrás, que José Serra (PSDB), ministro das Relações Exteriores do governo interino, recebeu a quantia atualizada de R$ 34,5 milhões, por meio de caixa dois, para sua campanha eleitoral à presidência, em 2010. Os ministros da Educação Mendonça Filho (DEM), da Casa Civil Eliseu Padilha (PMDB), do Meio Ambiente Sarney Filho (PV) e da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima (PMDB) também foram mencionados em delações ou estão sob investigação.
Na Câmara, pode-se destacar, entre tantos nomes, o deputado André Moura (PSC), líder do governo por indicação de Eduardo Cunha, condenado em segunda instância por improbidade administrativa cometida em Pirambu, Sergipe, onde foi prefeito. Ele também é réu em três ações penais no STF e investigado em vários inquéritos, inclusive por suspeição de homicídio e de participação em irregularidades na Petrobras. Segundo o site Congresso em Foco, dos 81 senadores, “24 são acusados ou suspeitos de práticas criminosas como corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, peculato, crimes eleitorais, de responsabilidade e contra a Lei de Licitações”.
Enquanto isso, lê-se o seguinte no site do MBL em relação aos ministros do governo interino: “Bruno Araújo (Cidades), Raul Jungmann (Defesa), José Serra (Relações Exteriores), Mendonça Filho (Educação e Cultura) e Ricardo Barros (Saúde) são citados nas planilhas de doações feitas pelo Grupo Odebrecht. Essa planilha contém 284 políticos, e, até o dia desta publicação, não é crime receber doações legais de campanha registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Vamos lembrar – os políticos citados acima declararam as doações recebidas, o que não configura crime”. Essa é apenas uma pequena evidência do caráter partidarizado e seletivo do programa contra a corrupção de forças da coalizão do impeachment. Mencionando apenas um caso, enquanto a Odebrecht declara que Serra recebeu robusto fundo de campanha via caixa dois, o MBL, de antemão, inocenta o ministro. De outro lado, aquilo que se refere ao PT e suas lideranças é visto como um atentado ao princípio da moralidade.
O MBL ainda diz: “Não temos corruptos de estimação, não aceitaremos ministros investigados pela Lava Jato em governo nenhum”. Mas os únicos crimes contra a administração pública que importam são os da Lava Jato? A condição de ficha-suja do presidente interino e o fato de ele ter sido várias vezes mencionado em delações ou conversas telefônicas são pouca coisa? E por que focar apenas no Executivo se o regime é democrático, ainda que a democracia esteja sendo ferida pelos últimos acontecimentos? A função de governo depende do Executivo e do Legislativo, e também do Judiciário. A condenação de André Moura por improbidade administrativa e sua condição de investigado não importam? Ele não é ministro, mas pertence às forças políticas governistas, ocupando posto importante na estrutura institucional do presidencialismo de coalizão. A ação pelo mesmo crime de improbidade administrativa contra Eliseu Padilha, em trâmite na Justiça Federal, também não vem ao caso? A referência ao MBL é apenas para exemplificar aquilo que, na verdade, diz respeito a um problema das lideranças do bloco neoliberal, a partidarização e limitação de seu alegado combate à corrupção. Essa seletividade se expressa em sua máxima potência na cobertura da Lava Jato feita pela grande mídia.
O senador Romero Jucá deixou de servir ao governo interino na condição de ministro do Planejamento, mas não é problema ético um investigado na Lava Jato ocupar a 2ª vice-presidência do Senado? Isso não horroriza os liberais? O presidente do Senado, Renan Calheiros, instituição onde ocorre o julgamento do impeachment, tem nada menos que onze inquéritos no STF. Além disso, os seguintes senadores estão respondendo a inquérito ou ação penal no STF e votaram a favor da continuidade do impeachment: Aloysio Nunes (PSDB), Benedito de Lira (PP), Cássio Cunha Lima (PSDB), Ciro Nogueira (PP), Dário Berger (PMDB), Edison Lobão (PMDB), Eduardo Amorim (PSC), Fernando Bezerra Coelho (PSB), Fernando Collor (PTB), Gladson Cameli (PP), Ivo Cassol (PP), José Agripino (DEM), Romero Jucá (PMDB), Sérgio Petecão (PSD), Simone Tebet (PMDB), Valdir Raupp (PMDB) e Wellington Fagundes (PR).
Há anseio social contra a corrupção e pelo fim da impunidade, mas o problema é a liderança política dessa demanda. Se a liderança é partidarizada, então a demanda contra a corrupção dos universalistas sinceros dispersos na cidadania serve de matéria-prima política para grupos de interesse de falsos moralistas. A demanda contra a corrupção desses últimos é apenas um programa oportunista de uma coalizão política. “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei.” Qual seria o programa de fato da locomotiva mais poderosa do comboio pró-deposição? Se, de um lado, o impeachment não está servindo para alavancar a continuidade da luta contra a corrupção – agora, inclusive, com o golpe quase concluído, fala-se em um amplo acordo para diferenciar caixa dois de propina –, o governo repleto de fichas-sujas tem deixado poderosos interesses econômicos, do capital nacional e internacional, mais confiantes de que o pior da crise está passando, graças às políticas de austeridade fiscal e monetária, de retirada dos direitos trabalhistas e de privatização do pré-sal e da Petrobras, todas elas a serviço dos ricos, rentistas e financistas, de dentro e fora do país, e prejudiciais à maioria da nação.
* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense e pesquisador das relações entre política e economia.
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