Marisa Letícia Lula da Silva bordou a primeira bandeira do Partido dos Trabalhadores. A estrela que foi ganhando forma com seu trabalho haveria de iluminar a história brasileira. A luz que se apaga agora deixa ainda presente o calor de sua memória. Há a política que se exerce com ações públicas, mas há a política, tão ou mais necessária, que se tece no dia a dia, em relações marcadas pela coragem e ancoradas no amor e na solidariedade com os próximos.
Muitos dos que hoje se arvoram em defensores da democracia deveriam aprender com dona Marisa lições de destemor na vida real. Enquanto alguns se abrigavam na barra das calças do avô, como coadjuvantes da conciliação temerosa, ela abria sua casa para reuniões do combativo e combatido Sindicato dos Metalúrgicos. Em sua sala dormiram companheiros em busca de refúgio na luta pela liberdade. Em seu quarto, se preparava para visitar o marido na prisão.
É possível imaginar a vida de uma ex-operária, cuidando da família enquanto compunha a gênese de um movimento que iria transformar a vida política nacional. Não eram tarefas opostas, mas que se agregavam na trajetória de uma mulher de luta e determinação. Aprendeu a fazer política, foi conselheira e articuladora quando necessário, e não abandonou as tarefas indelegáveis que o amor lhe entregou.
Nas idas e vindas das conveniências, ela nunca hesitou em escolher o lado certo, mesmo sem fazer alarde de suas opções. Quando muitos se alimentavam do orgulho da proximidade com o poder, ela ocupou a tarefa necessária da presença com discrição. Não quis ser o que nunca foi seu desejo. Não se transformou em primeira-dama protocolar, porque sempre havia sido exemplar em momentos muito mais exigentes, mantendo os valores de seu caráter e a força de suas convicções.
Batalhas infames
Mas a vida exigiria mais de dona Marisa. Não a vida, mas os homens habitados pelo ódio e pelo preconceito. Sentiu na alma e depois no corpo, por uma via tão intangível como real, os ataques daqueles incapazes de respeitar a vontade popular e o caminho da busca da justiça social. A tudo reagiu com a força de sempre, com a dignidade habitual, com a garra de quem defende os seus.
As derradeiras batalhas foram infames. Viu Lula ser ameaçado covardemente numa caçada sem limites, teve os filhos postos sob suspeição e a casa invadida. Foi constrangida a depor sem que antes fosse convocada como cidadã de bem. Legaram-lhe propriedades que não eram suas, exibiram exames médicos como forma de condenação antecipada. Quiseram até mesmo bani-la do tratamento em um hospital paulista por torpe discriminação. Usaram-na para atacar o moral de Lula. Execraram-na pelo silêncio, acusaram-na pelas palavras que não disse.
A morte de dona Marisa pesa em todos nós com a gravidade da tristeza de quem perdeu alguém que aprendeu a admirar e ter afeto. Situações como esta nos conduzem, com sua dor e elaboração necessária, ao difícil trabalho do luto. No entanto, a torpeza da situação que se desenhou nas sombras do sentido da história, por ações de pessoas ruins, marcadas pela maldade em seus sítios defesos das cortes, tribunas e páginas de jornal, parece nos fortalecer também para a luta.
Há uma bandeira escura, que reveste tudo de tristeza nesse momento. Mas desfraldada, com o tempo, pode fazer brilhar novamente a luz de uma estrela tecida por mão de mulher. Sofremos o luto por Marisa e nos solidarizamos com Lula e sua família. Estamos prontos para a luta em nome de sua outra família, da qual todos os brasileiros de bem fazem parte.
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