Por Tomás Chiaverini, no site The Intercept-Brasil:
Recentemente, a humanidade criou um novo termo universal: a pós-verdade. Uma pós-verdade é algo falso ou imaginário, tratado como realidade. O México vai pagar por um muro na fronteira com os EUA, por exemplo. Agora, diante do ambiente político nacional, seria o caso de cunharmos um termo de sentido oposto: a pós-mentira. A pós-mentira se constituiria em algo real, mas tratado como falso ou imaginário.
Há vários exemplos do tipo na História recente do país, mas a prática de simplesmente negar os fatos provavelmente nunca esteve tão em voga quanto neste primeiro ano de governo Temer. E não seria exagero dizer que ela foi institucionalizada após as gravações do Conde com Joesley Batista. Não só por tudo o que o fatídico encontro escancarou, mas principalmente pela reação do nosso mandatário e dos brasileiros no geral.
No dia seguinte à reportagem que revelou o busílis, quando o presidente não-eleito apareceu em rede nacional de televisão, o país deu de barato que ele renunciaria. Até o coleguinha Ricardo Noblat, famoso por ter tido coragem de elogiar o físico de Temer, garantiu que seu ídolo não escaparia daquela vez. Mas, com um brilho acetinado de óleo de peroba a cobrir-lhe as faces, o Conde surpreendeu e disse que continuaria ali mesmo, como se nada de estranho tivesse acontecido.
“Sei da correção dos meus atos”
“Não temo nenhuma delação”, disse o homem que, tempos depois, teria de arquitetar um dos maiores toma-lá-dá-cás da história para livrar a própria pele na Câmara. “Sei o que fiz. Sei da correção dos meus atos. Exijo investigação plena e muito rápida para esclarecimento ao povo brasileiro”, disse.
Frente ao absurdo presidencial, as ruas, que no passado haviam se incendiado por causa das tenebrosas pedaladas de Dilma, continuaram livres para o trânsito do brasileiro trabalhador. Menos de um mês depois, Rodrigo Rocha Loures, assessor próximo do Conde, foi gravado em vídeo numa burlesca corridinha com uma mala recheada de R$ 500 mil, dinheiro de provável propina para o presidente. Comoção nacional, paneleiros em polvorosa, coxinhas e mortadelas juntos nas passeatas? Não, nada disso. Temer sapecou mais uma pós-mentira, garantindo que Rocha Loures não tinha nada de corrupto e o país continuou na sua anormalidade usual.
Um dos combustíveis das pós-verdades está no fato de elas serem especialmente saborosas: “o filho de Lula tem uma Ferrari de ouro“, por exemplo. As pós-verdades despertam aquele voyeurismo sádico que todo ser humano esconde. Já as pós-mentiras têm a dura tarefa de justamente refutar verdades mais atraentes. Por isso, para que funcionem bem, o melhor é que tenham algo a mais, um atrativo que as coloque em evidência, acima do fato em si.
Tomemos o exemplo do prefeito de Cuiabá, o peemedebista Emanuel Pinheiro. Diante de acusações de propinas, tornadas públicas na semana passada, ele disse apenas que irá provar não ter feito nada de ilícito. Uma resposta fraca, que não dá conta de sobrepujar a acusação. Claro que o fato de ele aparecer em vídeo enchendo os bolsos com gordos maços de dinheiro também prejudica um tanto a defesa.
Há vários exemplos do tipo na História recente do país, mas a prática de simplesmente negar os fatos provavelmente nunca esteve tão em voga quanto neste primeiro ano de governo Temer. E não seria exagero dizer que ela foi institucionalizada após as gravações do Conde com Joesley Batista. Não só por tudo o que o fatídico encontro escancarou, mas principalmente pela reação do nosso mandatário e dos brasileiros no geral.
No dia seguinte à reportagem que revelou o busílis, quando o presidente não-eleito apareceu em rede nacional de televisão, o país deu de barato que ele renunciaria. Até o coleguinha Ricardo Noblat, famoso por ter tido coragem de elogiar o físico de Temer, garantiu que seu ídolo não escaparia daquela vez. Mas, com um brilho acetinado de óleo de peroba a cobrir-lhe as faces, o Conde surpreendeu e disse que continuaria ali mesmo, como se nada de estranho tivesse acontecido.
“Sei da correção dos meus atos”
“Não temo nenhuma delação”, disse o homem que, tempos depois, teria de arquitetar um dos maiores toma-lá-dá-cás da história para livrar a própria pele na Câmara. “Sei o que fiz. Sei da correção dos meus atos. Exijo investigação plena e muito rápida para esclarecimento ao povo brasileiro”, disse.
Frente ao absurdo presidencial, as ruas, que no passado haviam se incendiado por causa das tenebrosas pedaladas de Dilma, continuaram livres para o trânsito do brasileiro trabalhador. Menos de um mês depois, Rodrigo Rocha Loures, assessor próximo do Conde, foi gravado em vídeo numa burlesca corridinha com uma mala recheada de R$ 500 mil, dinheiro de provável propina para o presidente. Comoção nacional, paneleiros em polvorosa, coxinhas e mortadelas juntos nas passeatas? Não, nada disso. Temer sapecou mais uma pós-mentira, garantindo que Rocha Loures não tinha nada de corrupto e o país continuou na sua anormalidade usual.
Um dos combustíveis das pós-verdades está no fato de elas serem especialmente saborosas: “o filho de Lula tem uma Ferrari de ouro“, por exemplo. As pós-verdades despertam aquele voyeurismo sádico que todo ser humano esconde. Já as pós-mentiras têm a dura tarefa de justamente refutar verdades mais atraentes. Por isso, para que funcionem bem, o melhor é que tenham algo a mais, um atrativo que as coloque em evidência, acima do fato em si.
Tomemos o exemplo do prefeito de Cuiabá, o peemedebista Emanuel Pinheiro. Diante de acusações de propinas, tornadas públicas na semana passada, ele disse apenas que irá provar não ter feito nada de ilícito. Uma resposta fraca, que não dá conta de sobrepujar a acusação. Claro que o fato de ele aparecer em vídeo enchendo os bolsos com gordos maços de dinheiro também prejudica um tanto a defesa.
O fetiche do bigode
Mas vejamos o exemplo contrário, do também peemedebista, senador Romero Jucá. Alvo de três denúncias de corrupção em uma única semana, ele fez o quê? Disse que é inocente? Sim, mas adicionou a isso todo um brilho de desfaçatez. Afirmou que seu acusador, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deve ter algum fetiche com seu bigode.
“Eu diria que pelo menos é uma fixação. Ele até deu declaração sobre o meu bigode. Não sei se é um fetiche ou alguma coisa. Não entendo esse comportamento dele”, afirmou o astuto senador. Pronto. Os brasileiros passaram a imaginar Janot mergulhado em freudianas fantasias e as acusações contra Jucá foram pro segundo plano do noticiário.
Para além dos fetiches, outra forma comum de vitaminar pós-mentiras é aparentar indignação diante dos fatos. Um bom exemplo disso está na reação do casal Gilmar e Guiomar Mendes, à constatação de suas íntimas relações com Jacob Barata Filho, apelidado de “Rei dos Ônibus”.
O casal foi padrinho de casamento da filha do sujeito, que casou com um sobrinho de Guiomar. O escritório de advocacia onde ela trabalha cuida de casos relacionados ao empresário, que mantém negócios com o cunhado do ministro e teria mandado um valioso arranjo de flores ao casal.
“É uma grande associação de fatos ridículos que não provam nada”
Aí, o sujeito foi flagrado num belo esquema de corrupção e posto em cana. E o que fez o ministro? Tratou de colocá-lo em liberdade. Não uma, mas duas vezes! E quando a imprensa, Janot e todos os indignados do twitter resolveram reclamar, a senhora Mendes não ofereceu uma resposta protocolar qualquer. Ela se indignou. “É uma grande associação de fatos ridículos que não provam nada”, disse. “Não há nada! É espuma”, concluiu enfática.
Para além das espumas e dos bigodes, as pós-mentiras se multiplicam rapidamente. Hoje, permeiam as mais diversas cores ideológicas e ramos de atuação pública. O pós-prefeito de São Paulo, João Doria, por exemplo, garante que não tem intenção de ser candidato à presidência ano que vem, enquanto percorre o país em pré-campanha, deixando a maior cidade dos país à sorte do vice, Bruno Covas.
O ex-presidente Lula ignorou o fato de o senador Renan Calheiros constituir-se em uma das forças mais nocivas da política nacional, e elogiou o colega de palanque, um homem de coragem, segundo o líder petista.
Por fim, vale dizer que nem o juiz Sérgio Moro, bastião da nova moralidade nacional, está livre da prática. Quando teve de lidar com a acusação de que um amigo negociava vantagens na Lava Jato, disse que não se pode confiar na palavra de um acusado. A mesma palavra de acusados, claro, tem sido a espinha dorsal do trabalho de Moro na Lava Jato.
Mas, no mundo de pós-verdades e pós-mentiras, a coerência, assim como os fatos, já não tem mais tanta importância.
Mas vejamos o exemplo contrário, do também peemedebista, senador Romero Jucá. Alvo de três denúncias de corrupção em uma única semana, ele fez o quê? Disse que é inocente? Sim, mas adicionou a isso todo um brilho de desfaçatez. Afirmou que seu acusador, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deve ter algum fetiche com seu bigode.
“Eu diria que pelo menos é uma fixação. Ele até deu declaração sobre o meu bigode. Não sei se é um fetiche ou alguma coisa. Não entendo esse comportamento dele”, afirmou o astuto senador. Pronto. Os brasileiros passaram a imaginar Janot mergulhado em freudianas fantasias e as acusações contra Jucá foram pro segundo plano do noticiário.
Para além dos fetiches, outra forma comum de vitaminar pós-mentiras é aparentar indignação diante dos fatos. Um bom exemplo disso está na reação do casal Gilmar e Guiomar Mendes, à constatação de suas íntimas relações com Jacob Barata Filho, apelidado de “Rei dos Ônibus”.
O casal foi padrinho de casamento da filha do sujeito, que casou com um sobrinho de Guiomar. O escritório de advocacia onde ela trabalha cuida de casos relacionados ao empresário, que mantém negócios com o cunhado do ministro e teria mandado um valioso arranjo de flores ao casal.
“É uma grande associação de fatos ridículos que não provam nada”
Aí, o sujeito foi flagrado num belo esquema de corrupção e posto em cana. E o que fez o ministro? Tratou de colocá-lo em liberdade. Não uma, mas duas vezes! E quando a imprensa, Janot e todos os indignados do twitter resolveram reclamar, a senhora Mendes não ofereceu uma resposta protocolar qualquer. Ela se indignou. “É uma grande associação de fatos ridículos que não provam nada”, disse. “Não há nada! É espuma”, concluiu enfática.
Para além das espumas e dos bigodes, as pós-mentiras se multiplicam rapidamente. Hoje, permeiam as mais diversas cores ideológicas e ramos de atuação pública. O pós-prefeito de São Paulo, João Doria, por exemplo, garante que não tem intenção de ser candidato à presidência ano que vem, enquanto percorre o país em pré-campanha, deixando a maior cidade dos país à sorte do vice, Bruno Covas.
O ex-presidente Lula ignorou o fato de o senador Renan Calheiros constituir-se em uma das forças mais nocivas da política nacional, e elogiou o colega de palanque, um homem de coragem, segundo o líder petista.
Por fim, vale dizer que nem o juiz Sérgio Moro, bastião da nova moralidade nacional, está livre da prática. Quando teve de lidar com a acusação de que um amigo negociava vantagens na Lava Jato, disse que não se pode confiar na palavra de um acusado. A mesma palavra de acusados, claro, tem sido a espinha dorsal do trabalho de Moro na Lava Jato.
Mas, no mundo de pós-verdades e pós-mentiras, a coerência, assim como os fatos, já não tem mais tanta importância.
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