Por Xosé Hermida, no site Carta Maior:
Não há ninguém melhor que o deputado e ex-militar Jair Bolsonaro para falar dos artistas: “merecem ser fuzilados”. Fuzilar é uma atividade que excita este agora candidato à presidência, que em outros tempos lamentou que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não fosse executado quando era opositor à ditadura que governou o país entre 1964 e 1985. No ano passado, Bolsonaro dedicou seu voto a favor da destituição de Rousseff a um dos maiores torturadores da ditadura. E há pouco posou orgulhoso com uma camiseta cujo estampado dizia: “Direitos humanos, esterco da escória social”.
Este indivíduo tem boa posição nas pesquisas, com uma intenção de voto de 20%, atrás somente do ex-presidente Lula da Silva. Os estudos do instituto Datafolha, revelam que 60% dos seus apoios são de pessoas jovens, com menos de 34 anos. O fenômeno Bolsonaro, explica Mauro Paulino, diretor do Datafolha, “se alimenta do medo que se apodou da sociedade brasileira”. Cerda de 60% da população confessa que vive num território controlado por alguma facção criminosa. A cada ano são assassinados 60 mil brasileiros. Os partidários da venda livre de armas cresceram de 30% a 43% desde 2013.
Mas fora da questão da segurança, apesar do ruído cada vez maior dos grupos anti conservadores, tampouco existem dados para afirmar que a maioria do país assimilou essas posições reacionárias. Aliás, nos últimos quatro anos, os defensores dos direitos dos homossexuais passaram de 67% a 74%.
“Artistas e feministas fomentam a pedofilia”. “El ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – responsável pelo maior programa de privatizações da história do Brasil – e o multimilionário húngaro-estadunidense George Soros patrocinam o comunismo”. “As escolas públicas, universidades e meios de comunicação foram dominados por uma `patrulha ideológica´ de inspiração bolivariana”. Inclusive “o nazismo nasceu da esquerda”. Bem-vindos ao Brasil da segunda década do Século XXI, um país onde um candidato a presidente que faz apologia pública da tortura e faz alarde de sua homofobia tem 20% das intenções de voto para as próximas presidenciais.
No Brasil de hoje mensagens como as que estão descritas acima se difundem todos os dias nas redes sociais e mobilizam a exaltados como os que tentaram agredir a filósofa feminista Judith Butler em São Paulo, aos gritos de “queimem a bruxa”. Nesse país sacudido pela corrupção e pela profunda crise política, que começa a sair da depressão econômica, é perfeitamente possível que a polícia se apresente num museu para confiscar uma obra de arte. Ou que o curador de uma exposição espere a chegada das forças de segurança para conduzi-lo a um testemunho perante uma comissão que investiga maus tratos à infância.
“Isso era impensável até há pouco tempo. Nem na ditadura ocorria algumas situações assim”. Após uma vida dedicada a organizar exposições artísticas, Gaudêncio Fidelis se viu estigmatizado, quase como um delinquente. Seu crime foi organizar em Porto Alegre uma mostra chamada Queermuseu, na qual artistas conhecidos apresentaram obras que refletiam sobrem o sexo. Nas redes sociais, se organizou uma manifestação contra o evento, com o argumento de que se fazia apologia da pedofilia e da zoofilia. O patrocinador do espaço era o Banco Santander, que decidiu fechá-la quando se viu diante da ameaça de um boicote de clientes. “Não conheço outro caso no mundo de uma exposição destas dimensões que fosse interrompida assim repentinamente”, lamenta Fidelis.
Pesa agora sobre o curador uma ordem para que a policia o conduza a declarar numa comissão do Senado sobre maus tratos a crianças. Como ele, também foram chamados o diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo e um artista que protagonizo uma performance na que aparecia nu. A promotoria chegou a abrir uma investigação depois que foram difundidas imagens nas que ele se via deitado enquanto uma menina tocava os pés do artista. “Pedofilia”, bradaram de novo nas redes. A mesma acusação foi usada contra uma das glórias da música brasileira, o cantor e compositor Caetano Veloso.
O responsável por envolver os nessas investigações parlamentárias sobre supostos abusos à infância é o senador e pastor evangélico Magno Malta, conhecido por seu extremismo e sua maneira exaltada de falar. Já os organizadores do escândalo nas redes não têm nada de religiosos. São um grupo de jovens que há um ano, durante as massivas manifestações pedindo a destituição da presidenta Dilma Rousseff, conseguiram mobilizar boa parte do país.
Com seu espírito juvenil e ar pop, os garotos do Movimento Brasil Livre (MBL) pareciam representar a cara de um país novo, que rechaça a corrupção e defende o liberalismo econômico. Da noite pro dia, se transformaram em figuras nacionais. Em pouco mais de um ano, essa figura se transformou completamente. O que antes era como um movimento de regeneração democrática agora é uma potente máquina que explora a habilidade de difundir campanhas nas redes sociais contra artistas, ou defender a venda de armas, ou hostilizar jornalistas e professores acusados de difundir a extrema esquerda ou o comunismo. Além de uma legião de internautas seguidores, eles contam com poderosos apoios, como os dos prefeitos de São Paulo e Porto Alegre. Ou do dono de uma das maiores lojas de roupa do Brasil – Flávio Rocha, que escreveu um artigo alertando sobre o perigo das exposições que formam parte de um suposto “plano desenhado pelas esferas mais sofisticadas do esquerdismo, para fomentar o comunismo no Brasil”.
“Até os Anos 90 essas campanhas vinham de coletivos extremistas evangélicos, mas agora estamos diante de um fenômeno novo, o conservadorismo laico”, explica Pablo Ortellado, professor da Universidade de São Paulo. “Este tipo de guerras cultural está ocorrendo em todo o mundo, sobretudo nos Estados Unidos, embora o caso brasileiro tenha características próprias. Se aproveitaram dos canais de comunicação organizados a seu favor durante as manifestações contra Dilma Rousseff. Surfaram essa onda, criando um novo movimento conservador, com um discurso antissistema e bastante oportunista, porque que nem eles mesmos acreditam em muitas coisas das que dizem. Isso é extremamente preocupante. Tenho 43 anos e jamais havia vivido algo assim”.
Em meio a este clima, os brasileiros serão convocados às urnas dentro de um ano, para escolher o novo presidente. O professor Ortellado teme que a de 2018 seja “uma campanha violenta num país super polarizado”.
“Os artistas merecem ser fuzilados”
No Brasil de hoje mensagens como as que estão descritas acima se difundem todos os dias nas redes sociais e mobilizam a exaltados como os que tentaram agredir a filósofa feminista Judith Butler em São Paulo, aos gritos de “queimem a bruxa”. Nesse país sacudido pela corrupção e pela profunda crise política, que começa a sair da depressão econômica, é perfeitamente possível que a polícia se apresente num museu para confiscar uma obra de arte. Ou que o curador de uma exposição espere a chegada das forças de segurança para conduzi-lo a um testemunho perante uma comissão que investiga maus tratos à infância.
“Isso era impensável até há pouco tempo. Nem na ditadura ocorria algumas situações assim”. Após uma vida dedicada a organizar exposições artísticas, Gaudêncio Fidelis se viu estigmatizado, quase como um delinquente. Seu crime foi organizar em Porto Alegre uma mostra chamada Queermuseu, na qual artistas conhecidos apresentaram obras que refletiam sobrem o sexo. Nas redes sociais, se organizou uma manifestação contra o evento, com o argumento de que se fazia apologia da pedofilia e da zoofilia. O patrocinador do espaço era o Banco Santander, que decidiu fechá-la quando se viu diante da ameaça de um boicote de clientes. “Não conheço outro caso no mundo de uma exposição destas dimensões que fosse interrompida assim repentinamente”, lamenta Fidelis.
Pesa agora sobre o curador uma ordem para que a policia o conduza a declarar numa comissão do Senado sobre maus tratos a crianças. Como ele, também foram chamados o diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo e um artista que protagonizo uma performance na que aparecia nu. A promotoria chegou a abrir uma investigação depois que foram difundidas imagens nas que ele se via deitado enquanto uma menina tocava os pés do artista. “Pedofilia”, bradaram de novo nas redes. A mesma acusação foi usada contra uma das glórias da música brasileira, o cantor e compositor Caetano Veloso.
O responsável por envolver os nessas investigações parlamentárias sobre supostos abusos à infância é o senador e pastor evangélico Magno Malta, conhecido por seu extremismo e sua maneira exaltada de falar. Já os organizadores do escândalo nas redes não têm nada de religiosos. São um grupo de jovens que há um ano, durante as massivas manifestações pedindo a destituição da presidenta Dilma Rousseff, conseguiram mobilizar boa parte do país.
Com seu espírito juvenil e ar pop, os garotos do Movimento Brasil Livre (MBL) pareciam representar a cara de um país novo, que rechaça a corrupção e defende o liberalismo econômico. Da noite pro dia, se transformaram em figuras nacionais. Em pouco mais de um ano, essa figura se transformou completamente. O que antes era como um movimento de regeneração democrática agora é uma potente máquina que explora a habilidade de difundir campanhas nas redes sociais contra artistas, ou defender a venda de armas, ou hostilizar jornalistas e professores acusados de difundir a extrema esquerda ou o comunismo. Além de uma legião de internautas seguidores, eles contam com poderosos apoios, como os dos prefeitos de São Paulo e Porto Alegre. Ou do dono de uma das maiores lojas de roupa do Brasil – Flávio Rocha, que escreveu um artigo alertando sobre o perigo das exposições que formam parte de um suposto “plano desenhado pelas esferas mais sofisticadas do esquerdismo, para fomentar o comunismo no Brasil”.
“Até os Anos 90 essas campanhas vinham de coletivos extremistas evangélicos, mas agora estamos diante de um fenômeno novo, o conservadorismo laico”, explica Pablo Ortellado, professor da Universidade de São Paulo. “Este tipo de guerras cultural está ocorrendo em todo o mundo, sobretudo nos Estados Unidos, embora o caso brasileiro tenha características próprias. Se aproveitaram dos canais de comunicação organizados a seu favor durante as manifestações contra Dilma Rousseff. Surfaram essa onda, criando um novo movimento conservador, com um discurso antissistema e bastante oportunista, porque que nem eles mesmos acreditam em muitas coisas das que dizem. Isso é extremamente preocupante. Tenho 43 anos e jamais havia vivido algo assim”.
Em meio a este clima, os brasileiros serão convocados às urnas dentro de um ano, para escolher o novo presidente. O professor Ortellado teme que a de 2018 seja “uma campanha violenta num país super polarizado”.
“Os artistas merecem ser fuzilados”
Não há ninguém melhor que o deputado e ex-militar Jair Bolsonaro para falar dos artistas: “merecem ser fuzilados”. Fuzilar é uma atividade que excita este agora candidato à presidência, que em outros tempos lamentou que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não fosse executado quando era opositor à ditadura que governou o país entre 1964 e 1985. No ano passado, Bolsonaro dedicou seu voto a favor da destituição de Rousseff a um dos maiores torturadores da ditadura. E há pouco posou orgulhoso com uma camiseta cujo estampado dizia: “Direitos humanos, esterco da escória social”.
Este indivíduo tem boa posição nas pesquisas, com uma intenção de voto de 20%, atrás somente do ex-presidente Lula da Silva. Os estudos do instituto Datafolha, revelam que 60% dos seus apoios são de pessoas jovens, com menos de 34 anos. O fenômeno Bolsonaro, explica Mauro Paulino, diretor do Datafolha, “se alimenta do medo que se apodou da sociedade brasileira”. Cerda de 60% da população confessa que vive num território controlado por alguma facção criminosa. A cada ano são assassinados 60 mil brasileiros. Os partidários da venda livre de armas cresceram de 30% a 43% desde 2013.
Mas fora da questão da segurança, apesar do ruído cada vez maior dos grupos anti conservadores, tampouco existem dados para afirmar que a maioria do país assimilou essas posições reacionárias. Aliás, nos últimos quatro anos, os defensores dos direitos dos homossexuais passaram de 67% a 74%.
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