Por Léa Maria Aarão Reis, no site Carta Maior:
Este atual instante de crise do Brasil 2017 é a “grande oportunidade de mudança no meio das trevas em que vivemos hoje,” escreve o autor do best seller A elite do atraso – da escravidão à lava jato, o sociólogo Jessé Souza, de 57 anos, das mais brilhantes e inovadoras vozes da sua geração na análise e crítica social e política do país. Um dos vencedores do Premio Jabuti deste ano, a ser entregue amanhã (dia 30/11), ele está na lista dos mais vendidos da Publisher News neste fim de ano.
No último parágrafo desse seu livro lançado há menos de dois meses, o fecho da trilogia A tolice da inteligência brasileira, de 2015, e A radiografia do golpe – entenda como e porque você foi enganado (2016), ele exorta: “A esperança de hoje tem que ser uma adaptação contemporânea do velho chamado aos explorados: os feitos de imbecis de todo o país: uni-vos! (...) recuperemos nossa inteligência, voltemos a praticar a reflexão autônoma que é a chave de tudo que a raça humana produziu de bonito e de distinto na vida da espécie.”
Ex - presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), Jessé Souza nasceu no Rio Grande do Norte e tem formação em Direito, Sociologia, Psicologia e Filosofia, respectivamente no Brasil, Alemanha e Estados Unidos. É professor titular de Sociologia da Universidade Federal do ABC.
Na sua obra, ele produz um retrato avançado e vigoroso das classes sociais do país e das renitentes e imensas desigualdades entre elas – entre os mais de vinte livros publicados, de sua autoria. Constrói uma poderosa alternativa arejando as idéias, até então pilares tidos como indiscutíveis do conhecimento especializado, de Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro. Sai-se bem e preciso nesse seu desafio que se estende às esquerdas. Para ele, elas sempre foram colonizadas pelo falso moralismo do discurso da direita. “Não é atoa que Sergio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, baluartes do moralismo conservador, são heróis da esquerda.’’
Permeiam o seu trabalho referências ao sociólogo francês Pierre Bourdieu, ao filósofo canadense Charles Taylor e a Florestan Fernandes – este, no que se relaciona à construção do conceito de ‘’subcidadania. ’’
A tese de Souza é esta: no Brasil moderno há quatro classes. A dos ‘’endinheirados, classe dominante, que explora materialmente as demais. As intermediárias se situam entre a elite do dinheiro dominante e os que dominam simbolicamente todas as outras.’’ A segunda, a classe média e suas diversas frações que possuem o que ele chama de capital cultural. "Os juízes que julgam, os professores que ensinam, jornalistas que escrevem. A classe trabalhadora, precária na imensa maioria, é a terceira.” À quarta, a dos excluídos, chama, provocador, de "ralé brasileira"’. Situa-se abaixo da linha de "dignidade"’, como enfatiza.
Na sua análise oposta ao economicismo, sobre os excluídos ele escreve: ‘’Os excluídos não são apenas pobres economicamente. Faltam os estímulos afetivos e morais para o sucesso escolar e depois profissional que a classe média possui como seu principal privilégio desde o berço. ’’
‘’A única classe ‘consciente de si’ entre nós é a elite da rapina,’’ observa Jessé, e oferece um perfil certeiro dos ‘’endinheirados’’: precisam mostrar que não é o dinheiro que marca seu estilo de vida, mas um gosto inato. “Precisam de algum capital cultural para ser aceitos em seu grupo e não passarem por ‘broncos’. Entender de vinhos caros, comidinha gourmet, ternos cortados à mão. Esses conhecem ‘’as ilhas exclusivas do Oceano Índico onde seus pares levam suas amantes preferidas.’’
‘’Se nossas classes médias – que efetivamente poderiam ser mais inteligentes do que são – são feitas de tolas todo dia pelas doses diárias de veneno midiático, imaginemos as classes abandonadas que não têm defesa cognitiva possível a esse tipo de ataque a não ser o racionalismo prático do dia a dia que a fazem escolher os líderes que efetivamente melhoram seu bem estar concreto e aumentam suas chances de vida.’’
A classe média é o ‘’instrumento e tropa de choque’’, na classificação de Jessé, dos interesses do mercado – interesses que elas nem compreendem direito o que significam. (É uma classe) ‘’que pisa nos debaixo e faz salamaleques para os de cima.’’ E o pior: ‘’Acha-se dona de uma tradição intelectual pseudocrítica que demoniza o estado.’’
Em A radiografia do golpe, o autor realça a novidade da cooptação da fração corporativa do aparato jurídico-policial do estado. Sublinha a restrição dos direitos individuais que contribuem para que ela aumente ainda mais o seu próprio poder. ‘’Uma casta com altos salários e vantagens que fogem da transparência, que adorou posar de guardiã da moralidade. Aumentou seus privilégios colonizando a agenda do estado. ’’
Ele próprio alvo de ataques e ao seu A elite do atraso, Jessé escreveu, há dois meses, num artigo publicado em jornal paulistano: “(...) meu crime, agora, foi ter me transformado em um autor que toca nas questões essenciais, em um país saqueado e sem rumo, com uma linguagem que as pessoas comuns podem entender. Isso é intolerável para uma parte da academia – inclusive da esquerda ou que se imagina enquanto tal – que nunca se identificou com o estudo das questões reais do país e que usam seu capital cultural como outros usam o dinheiro. ’’
Nesse texto, e na sua linguagem eloquente e acessível, Souza lembra ‘’(...) ter sido estimulado por alguns dos melhores pensadores vivos para tornar o mundo social e suas fraudes compreensíveis para um porteiro e para uma enfermeira. Esse é meu verdadeiro crime para meus detratores. ’’
Na sua radiografia do assalto ao poder do ano passado, trabalho escrito em 2016, no calor do cavalo-de-pau político desfechado pelos golpistas e na ruptura brusca (embora traiçoeira e fermentada há anos) do processo democrático, ele anota que ‘’seja para assaltar um banco, seja para assaltar a soberania popular, é sempre mais fácil achar aventureiros para a empreitada do que dividir o bolo. Na hora de dividir o butim do golpe é que surgem os conflitos. Essa é a fase em que estamos hoje. A luta de morte aqui é para salvar as aparências. Nem todos conseguirão. ’’
Jessé Souza finaliza o ano com agenda intensa. Participará de debates este mês na PUC/SP e na Unicamp e fará vários lançamentos de A elite do atraso – ou como o país se deixa manipular pela elite - terceira reimpressão em menos de dois meses.
Neste, ele destaca a atuação da Globo no golpe. “A Globo, em associação com a grande mídia a maior parte do tempo, e a Lava jato, fizeram (...) a todos nós de perfeitos imbecis. A título de combater a corrupção dos tolos, turbinaram e legitimaram a corrupção real como nunca antes neste país das multidões de imbecilizados.”
Ler Jessé Souza é indispensável para quem deseja, com honestidade e sem parti pris, compreender a lamentável situação do Brasil pós-golpe – fracassado, no seu significado estrito – e o silêncio ou a aparente indiferença, muitas vezes dissimulada, de grandes frações da classe média.
“Será que vale a pena tudo isso para manter os escravos no seu lugar? ’’ ele indaga. ‘’O amor de grande parte da classe média pela elite é amor de mulher de malandro. ’’ Mas Souza acena com a esperança nos novos ventos que virão: ‘’Afinal, tudo que foi feito por gente também pode ser refeito por gente.’’
E atenção: para 2018 ele promete a reedição do seu A construção da sub-cidadania.
Este atual instante de crise do Brasil 2017 é a “grande oportunidade de mudança no meio das trevas em que vivemos hoje,” escreve o autor do best seller A elite do atraso – da escravidão à lava jato, o sociólogo Jessé Souza, de 57 anos, das mais brilhantes e inovadoras vozes da sua geração na análise e crítica social e política do país. Um dos vencedores do Premio Jabuti deste ano, a ser entregue amanhã (dia 30/11), ele está na lista dos mais vendidos da Publisher News neste fim de ano.
No último parágrafo desse seu livro lançado há menos de dois meses, o fecho da trilogia A tolice da inteligência brasileira, de 2015, e A radiografia do golpe – entenda como e porque você foi enganado (2016), ele exorta: “A esperança de hoje tem que ser uma adaptação contemporânea do velho chamado aos explorados: os feitos de imbecis de todo o país: uni-vos! (...) recuperemos nossa inteligência, voltemos a praticar a reflexão autônoma que é a chave de tudo que a raça humana produziu de bonito e de distinto na vida da espécie.”
Ex - presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), Jessé Souza nasceu no Rio Grande do Norte e tem formação em Direito, Sociologia, Psicologia e Filosofia, respectivamente no Brasil, Alemanha e Estados Unidos. É professor titular de Sociologia da Universidade Federal do ABC.
Na sua obra, ele produz um retrato avançado e vigoroso das classes sociais do país e das renitentes e imensas desigualdades entre elas – entre os mais de vinte livros publicados, de sua autoria. Constrói uma poderosa alternativa arejando as idéias, até então pilares tidos como indiscutíveis do conhecimento especializado, de Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro. Sai-se bem e preciso nesse seu desafio que se estende às esquerdas. Para ele, elas sempre foram colonizadas pelo falso moralismo do discurso da direita. “Não é atoa que Sergio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, baluartes do moralismo conservador, são heróis da esquerda.’’
Permeiam o seu trabalho referências ao sociólogo francês Pierre Bourdieu, ao filósofo canadense Charles Taylor e a Florestan Fernandes – este, no que se relaciona à construção do conceito de ‘’subcidadania. ’’
A tese de Souza é esta: no Brasil moderno há quatro classes. A dos ‘’endinheirados, classe dominante, que explora materialmente as demais. As intermediárias se situam entre a elite do dinheiro dominante e os que dominam simbolicamente todas as outras.’’ A segunda, a classe média e suas diversas frações que possuem o que ele chama de capital cultural. "Os juízes que julgam, os professores que ensinam, jornalistas que escrevem. A classe trabalhadora, precária na imensa maioria, é a terceira.” À quarta, a dos excluídos, chama, provocador, de "ralé brasileira"’. Situa-se abaixo da linha de "dignidade"’, como enfatiza.
Na sua análise oposta ao economicismo, sobre os excluídos ele escreve: ‘’Os excluídos não são apenas pobres economicamente. Faltam os estímulos afetivos e morais para o sucesso escolar e depois profissional que a classe média possui como seu principal privilégio desde o berço. ’’
‘’A única classe ‘consciente de si’ entre nós é a elite da rapina,’’ observa Jessé, e oferece um perfil certeiro dos ‘’endinheirados’’: precisam mostrar que não é o dinheiro que marca seu estilo de vida, mas um gosto inato. “Precisam de algum capital cultural para ser aceitos em seu grupo e não passarem por ‘broncos’. Entender de vinhos caros, comidinha gourmet, ternos cortados à mão. Esses conhecem ‘’as ilhas exclusivas do Oceano Índico onde seus pares levam suas amantes preferidas.’’
‘’Se nossas classes médias – que efetivamente poderiam ser mais inteligentes do que são – são feitas de tolas todo dia pelas doses diárias de veneno midiático, imaginemos as classes abandonadas que não têm defesa cognitiva possível a esse tipo de ataque a não ser o racionalismo prático do dia a dia que a fazem escolher os líderes que efetivamente melhoram seu bem estar concreto e aumentam suas chances de vida.’’
A classe média é o ‘’instrumento e tropa de choque’’, na classificação de Jessé, dos interesses do mercado – interesses que elas nem compreendem direito o que significam. (É uma classe) ‘’que pisa nos debaixo e faz salamaleques para os de cima.’’ E o pior: ‘’Acha-se dona de uma tradição intelectual pseudocrítica que demoniza o estado.’’
Em A radiografia do golpe, o autor realça a novidade da cooptação da fração corporativa do aparato jurídico-policial do estado. Sublinha a restrição dos direitos individuais que contribuem para que ela aumente ainda mais o seu próprio poder. ‘’Uma casta com altos salários e vantagens que fogem da transparência, que adorou posar de guardiã da moralidade. Aumentou seus privilégios colonizando a agenda do estado. ’’
Ele próprio alvo de ataques e ao seu A elite do atraso, Jessé escreveu, há dois meses, num artigo publicado em jornal paulistano: “(...) meu crime, agora, foi ter me transformado em um autor que toca nas questões essenciais, em um país saqueado e sem rumo, com uma linguagem que as pessoas comuns podem entender. Isso é intolerável para uma parte da academia – inclusive da esquerda ou que se imagina enquanto tal – que nunca se identificou com o estudo das questões reais do país e que usam seu capital cultural como outros usam o dinheiro. ’’
Nesse texto, e na sua linguagem eloquente e acessível, Souza lembra ‘’(...) ter sido estimulado por alguns dos melhores pensadores vivos para tornar o mundo social e suas fraudes compreensíveis para um porteiro e para uma enfermeira. Esse é meu verdadeiro crime para meus detratores. ’’
Na sua radiografia do assalto ao poder do ano passado, trabalho escrito em 2016, no calor do cavalo-de-pau político desfechado pelos golpistas e na ruptura brusca (embora traiçoeira e fermentada há anos) do processo democrático, ele anota que ‘’seja para assaltar um banco, seja para assaltar a soberania popular, é sempre mais fácil achar aventureiros para a empreitada do que dividir o bolo. Na hora de dividir o butim do golpe é que surgem os conflitos. Essa é a fase em que estamos hoje. A luta de morte aqui é para salvar as aparências. Nem todos conseguirão. ’’
Jessé Souza finaliza o ano com agenda intensa. Participará de debates este mês na PUC/SP e na Unicamp e fará vários lançamentos de A elite do atraso – ou como o país se deixa manipular pela elite - terceira reimpressão em menos de dois meses.
Neste, ele destaca a atuação da Globo no golpe. “A Globo, em associação com a grande mídia a maior parte do tempo, e a Lava jato, fizeram (...) a todos nós de perfeitos imbecis. A título de combater a corrupção dos tolos, turbinaram e legitimaram a corrupção real como nunca antes neste país das multidões de imbecilizados.”
Ler Jessé Souza é indispensável para quem deseja, com honestidade e sem parti pris, compreender a lamentável situação do Brasil pós-golpe – fracassado, no seu significado estrito – e o silêncio ou a aparente indiferença, muitas vezes dissimulada, de grandes frações da classe média.
“Será que vale a pena tudo isso para manter os escravos no seu lugar? ’’ ele indaga. ‘’O amor de grande parte da classe média pela elite é amor de mulher de malandro. ’’ Mas Souza acena com a esperança nos novos ventos que virão: ‘’Afinal, tudo que foi feito por gente também pode ser refeito por gente.’’
E atenção: para 2018 ele promete a reedição do seu A construção da sub-cidadania.
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