Por Paulo Kliass, no site Outras Palavras:
Nos tempos mais recentes, o Banco Mundial parece ter recuperado um pouco de seu triste protagonismo histórico. Trata-se de um retorno à condição de organismo encarregado de sugerir o que existe de pior no cardápio de recomendações de política econômica e políticas públicas para os países membros da instituição.
Confesso que fui um dos que acreditaram, de forma um tanto ingênua, que os efeitos da crise econômica e financeira de 2008/9 poderiam ter contribuído para um processo de oxigenação de ideias e procedimentos no interior do banco. Afinal, um conjunto de países do chamado “mundo desenvolvido” mudou a forma como passaram a lidar com determinados aspectos das respectivas políticas econômicas.
Além disso, muitos economistas renomados do establishment - que haviam dado suporte orgânico e conceitual ao receituário do Consenso de Washington - fizeram uma espécie de mea culpa pelos equívocos que haviam patrocinado com as orientações de cunho liberal. As universidades e centros de pesquisa pelo mundo afora também se viram pressionados a introduzir elementos de heterodoxia em suas linhas de estudo e trabalho. O liberalismo radical passou a ser temperado com pitadas de visões críticas ao modelo até então reinante.
A realidade gritava mais forte e os países estavam adotando políticas ad hoc influenciadas por derivações de um certo keynesianismo ou desenvolvimentismo, uma vez que a simples crença nas forças do livre mercado não estava sendo capaz de superar a crise e a estagnação da atividade econômica em escala global. Assistiu-se a uma recuperação do protagonismo do Estado em suas diferentes opções de politica econômica. Mas como não foi gerada nenhuma alternativa consistente ao modelo vigente até a antevéspera da eclosão da crise, o fato é que aos poucos a opção liberal foi reassumindo seu espaço.
Nos tempos mais recentes, o Banco Mundial parece ter recuperado um pouco de seu triste protagonismo histórico. Trata-se de um retorno à condição de organismo encarregado de sugerir o que existe de pior no cardápio de recomendações de política econômica e políticas públicas para os países membros da instituição.
Confesso que fui um dos que acreditaram, de forma um tanto ingênua, que os efeitos da crise econômica e financeira de 2008/9 poderiam ter contribuído para um processo de oxigenação de ideias e procedimentos no interior do banco. Afinal, um conjunto de países do chamado “mundo desenvolvido” mudou a forma como passaram a lidar com determinados aspectos das respectivas políticas econômicas.
Além disso, muitos economistas renomados do establishment - que haviam dado suporte orgânico e conceitual ao receituário do Consenso de Washington - fizeram uma espécie de mea culpa pelos equívocos que haviam patrocinado com as orientações de cunho liberal. As universidades e centros de pesquisa pelo mundo afora também se viram pressionados a introduzir elementos de heterodoxia em suas linhas de estudo e trabalho. O liberalismo radical passou a ser temperado com pitadas de visões críticas ao modelo até então reinante.
A realidade gritava mais forte e os países estavam adotando políticas ad hoc influenciadas por derivações de um certo keynesianismo ou desenvolvimentismo, uma vez que a simples crença nas forças do livre mercado não estava sendo capaz de superar a crise e a estagnação da atividade econômica em escala global. Assistiu-se a uma recuperação do protagonismo do Estado em suas diferentes opções de politica econômica. Mas como não foi gerada nenhuma alternativa consistente ao modelo vigente até a antevéspera da eclosão da crise, o fato é que aos poucos a opção liberal foi reassumindo seu espaço.
Banco Mundial e a agenda conservadora
Os movimentos no interior do Banco Mundial podem ser compreendidos a partir dessa dinâmica. Depois de uma breve fase de convivência e aceitação desse humor heterodoxo, em seguida percebe-se uma reafirmação dos preceitos fundamentadores do neoliberalismo. No caso do Brasil, a mudança é evidente. No intervalo de poucos meses, a instituição divulgou dois relatórios a respeito de nossa realidade. O primeiro foi objeto de muita crítica, o famoso “Ajuste (In)Justo” que foi tornado público em novembro do ano passado [aqui artigo de Paulo Kliass sobre o documento – nota OP]
Agora, o banco acaba de divulgar outro documento, com o pomposo título de “Emprego e crescimento: a agenda da produtividade”. Parece óbvio que a situação atual a que a politica de austericídio nos levou exige mudança de rumo. Recuperação da atividade econômica e geração de emprego para fazer frente aos mais de 12 milhões de desempregados são tarefas essenciais. No entanto, o diagnóstico do banco e suas sugestões vão exatamente na contramão de tudo aquilo que nos parece necessário para recuperar nosso país.
O Banco Mundial insiste em retornar aos velhos tempos das recomendações da ortodoxia. Tudo elaborado na mais absoluta sintonia com os interesses dos países do centro do capitalismo, com o intuito de manter a distância com relação aos países chamados periféricos. Mas, então o que fazer para aumentar a produtividade da economia e superar as dificuldades atuais? A tecnocracia baseada em Washington não tem dúvidas: o caminho passa por dois tipos de medidas. São elas: i) reduzir os níveis salariais dos trabalhadores; e, ii) aumentar a abertura comercial do Brasil para com o resto do mundo. Uma loucura!
A volta do arrocho dos salários
Ao contrário do que apontam os estudos e evidências do período recente, o BM volta com a lengalenga de que o valor do salário mínimo impede ganhos de produtividade, aumentando o conhecido “custo Brasil”. O texto é literal nessa interpretação e sugere que os salários sejam reduzidos para voltarmos a crescer, uma vez que limitariam a oferta de trabalho por parte das empresas.
(…) “As restrições das leis trabalhistas às empresas e o alto (e crescente) valor do salário mínimo também têm o potencial de limitar as oportunidades de trabalho formal — principalmente para os jovens em busca de emprego.” (…)
Ocorre que um debate muito similar era realizado em 2002. Quando o salário mínimo cresceu e os rendimentos médios dos trabalhadores subiram a partir de 2003, esse movimento não provocou problemas no mercado de trabalho. O Senador Paulo Paim (PT-RS) tinha um projeto famoso em que atribuía ao salário mínimo o valor de US$ 100. Era considerado lunático/sonhador por uns, populista/irresponsável por outros. Pois o valor do menor rendimento chegou a ultrapassar US$300 e nem por isso o Brasil quebrou, como preconizavam os opositores a esse tipo de medida. Pelo contrário. Foi o período de menor índice de desemprego da História e com baixo nível de informalidade nas relações trabalhistas. Mas o documento parece brigar com a realidade.
O desemprego voltou a crescer a partir de 2015 em razão da política de austericídio e não por conta do valor do salário mínimo. Afinal, é reconhecido por (quase) todos os especialistas que a manutenção do crescimento inclusivo só foi possível graças à elevação da capacidade de consumo dos setores da base da nossa pirâmide social e econômica. Mas o banco não tem papas na língua e sugere claramente que optemos pelo retrocesso:
(…) “Talvez seja o caso, portanto, de rever as políticas de salário mínimo.” (…)
Abertura comercial: destruição de nossa economia
Na outra ponta, o relatório propõe que o Brasil aprofunde sua política de abertura comercial. Isso implica oferecer ainda maiores e melhores oportunidades para os demais países do resto do mundo que continuem a inundar nossa economia com seus produtos manufaturados no exterior. Contrariando todas as evidências, o banco insiste com a tese surrada de que ainda seríamos uma “economia fechada”.
(…) “Em comparação a outros países, a abertura comercial do Brasil é limitada e reflete uma posição de política altamente intervencionista e protetora” (…)
A serem levadas a sério as ponderações do documento, o Brasil não é aquele país que abriu sua economia para o resto do mundo, desde a malfadada experiência irresponsável da liberalização generalizada promovida por Collor no início da década de 1990. O fato é que desde então o peso das importações tem crescido por aqui, com maior impacto na compra de manufaturados estrangeiros, em especial os produtos chineses. Além disso, os setores mais dinâmicos de nossa economia são dominados por oligopólios estrangeiros.
(…) “Essa experiência, portanto, fornece evidências importantes que corroboram a importância da abertura comercial para o aumento da produtividade.” (…)
O documento se esquece de mencionar os efeitos perversos da abertura sem critérios, uma vez que ela aprofundou o processo de desindustrialização de nossa economia. Além disso, o mesmo modelo aberturista tem contribuído para a consolidação de um regime de natureza neocolonial. O Brasil se especializa cada vez mais na exportação de “commodities” de baixo valor agregado, como é o caso dos produtos do agronegócio e dos minerais/petróleo. No outro sentido da abertura comercial, importamos bens e serviços de alto valor agregado. Na prática, mantém-se a estrutura de dominação econômica e subordinação aos países com os quais mantemos relações de comércio.
Finalmente, o Banco tenta nos iludir com o falso argumento de que a abertura comercial também teria o efeito de colaborar para a redução das desigualdades de renda. Mas é amplamente sabido que o principal fator para a inclusão e diminuição das disparidades foi a recuperação dos salários, bem como a melhoria e a ampliação do acesso aos serviços públicos.
(…) “Com a liberalização comercial dos anos 1990 no Brasil, o aumento dos rendimentos reais das famílias pobres foi o dobro do aumento dos rendimentos das famílias mais ricas. ” (…)
Essa crença quase dogmática nas benesses da abertura generalizada tem o efeito de prejudicar ainda mais as bases de um projeto de recuperação do desenvolvimento. Em um momento de incerteza, em que o presidente Trump retoma suas ideias protecionistas para os Estados Unidos e a própria União Europeia experimenta dificuldades, a pior estratégia é a de promover ainda mais abertura unilateral e sem contrapartidas.
Qualquer projeto de redefinição de nossa rede de relações diplomáticas e comerciais passa pela constituição de um governo legitimado pelas urnas. A busca de uma saída promotora de desenvolvimento inclusivo e sustentável implica a expansão das atividades econômicas internas e a participação importante dos rendimentos do trabalho no total da renda nacional.
Mais uma vez, o Banco Mundial se equivoca. O Brasil deve fugir desse tipo de recomendação, que vem sempre antenada exclusivamente com os interesses do financismo. Precisamos preservar os interesses nacionais na geração de renda e riqueza, além de evitar a tentação de redução de salários.
Os movimentos no interior do Banco Mundial podem ser compreendidos a partir dessa dinâmica. Depois de uma breve fase de convivência e aceitação desse humor heterodoxo, em seguida percebe-se uma reafirmação dos preceitos fundamentadores do neoliberalismo. No caso do Brasil, a mudança é evidente. No intervalo de poucos meses, a instituição divulgou dois relatórios a respeito de nossa realidade. O primeiro foi objeto de muita crítica, o famoso “Ajuste (In)Justo” que foi tornado público em novembro do ano passado [aqui artigo de Paulo Kliass sobre o documento – nota OP]
Agora, o banco acaba de divulgar outro documento, com o pomposo título de “Emprego e crescimento: a agenda da produtividade”. Parece óbvio que a situação atual a que a politica de austericídio nos levou exige mudança de rumo. Recuperação da atividade econômica e geração de emprego para fazer frente aos mais de 12 milhões de desempregados são tarefas essenciais. No entanto, o diagnóstico do banco e suas sugestões vão exatamente na contramão de tudo aquilo que nos parece necessário para recuperar nosso país.
O Banco Mundial insiste em retornar aos velhos tempos das recomendações da ortodoxia. Tudo elaborado na mais absoluta sintonia com os interesses dos países do centro do capitalismo, com o intuito de manter a distância com relação aos países chamados periféricos. Mas, então o que fazer para aumentar a produtividade da economia e superar as dificuldades atuais? A tecnocracia baseada em Washington não tem dúvidas: o caminho passa por dois tipos de medidas. São elas: i) reduzir os níveis salariais dos trabalhadores; e, ii) aumentar a abertura comercial do Brasil para com o resto do mundo. Uma loucura!
A volta do arrocho dos salários
Ao contrário do que apontam os estudos e evidências do período recente, o BM volta com a lengalenga de que o valor do salário mínimo impede ganhos de produtividade, aumentando o conhecido “custo Brasil”. O texto é literal nessa interpretação e sugere que os salários sejam reduzidos para voltarmos a crescer, uma vez que limitariam a oferta de trabalho por parte das empresas.
(…) “As restrições das leis trabalhistas às empresas e o alto (e crescente) valor do salário mínimo também têm o potencial de limitar as oportunidades de trabalho formal — principalmente para os jovens em busca de emprego.” (…)
Ocorre que um debate muito similar era realizado em 2002. Quando o salário mínimo cresceu e os rendimentos médios dos trabalhadores subiram a partir de 2003, esse movimento não provocou problemas no mercado de trabalho. O Senador Paulo Paim (PT-RS) tinha um projeto famoso em que atribuía ao salário mínimo o valor de US$ 100. Era considerado lunático/sonhador por uns, populista/irresponsável por outros. Pois o valor do menor rendimento chegou a ultrapassar US$300 e nem por isso o Brasil quebrou, como preconizavam os opositores a esse tipo de medida. Pelo contrário. Foi o período de menor índice de desemprego da História e com baixo nível de informalidade nas relações trabalhistas. Mas o documento parece brigar com a realidade.
O desemprego voltou a crescer a partir de 2015 em razão da política de austericídio e não por conta do valor do salário mínimo. Afinal, é reconhecido por (quase) todos os especialistas que a manutenção do crescimento inclusivo só foi possível graças à elevação da capacidade de consumo dos setores da base da nossa pirâmide social e econômica. Mas o banco não tem papas na língua e sugere claramente que optemos pelo retrocesso:
(…) “Talvez seja o caso, portanto, de rever as políticas de salário mínimo.” (…)
Abertura comercial: destruição de nossa economia
Na outra ponta, o relatório propõe que o Brasil aprofunde sua política de abertura comercial. Isso implica oferecer ainda maiores e melhores oportunidades para os demais países do resto do mundo que continuem a inundar nossa economia com seus produtos manufaturados no exterior. Contrariando todas as evidências, o banco insiste com a tese surrada de que ainda seríamos uma “economia fechada”.
(…) “Em comparação a outros países, a abertura comercial do Brasil é limitada e reflete uma posição de política altamente intervencionista e protetora” (…)
A serem levadas a sério as ponderações do documento, o Brasil não é aquele país que abriu sua economia para o resto do mundo, desde a malfadada experiência irresponsável da liberalização generalizada promovida por Collor no início da década de 1990. O fato é que desde então o peso das importações tem crescido por aqui, com maior impacto na compra de manufaturados estrangeiros, em especial os produtos chineses. Além disso, os setores mais dinâmicos de nossa economia são dominados por oligopólios estrangeiros.
(…) “Essa experiência, portanto, fornece evidências importantes que corroboram a importância da abertura comercial para o aumento da produtividade.” (…)
O documento se esquece de mencionar os efeitos perversos da abertura sem critérios, uma vez que ela aprofundou o processo de desindustrialização de nossa economia. Além disso, o mesmo modelo aberturista tem contribuído para a consolidação de um regime de natureza neocolonial. O Brasil se especializa cada vez mais na exportação de “commodities” de baixo valor agregado, como é o caso dos produtos do agronegócio e dos minerais/petróleo. No outro sentido da abertura comercial, importamos bens e serviços de alto valor agregado. Na prática, mantém-se a estrutura de dominação econômica e subordinação aos países com os quais mantemos relações de comércio.
Finalmente, o Banco tenta nos iludir com o falso argumento de que a abertura comercial também teria o efeito de colaborar para a redução das desigualdades de renda. Mas é amplamente sabido que o principal fator para a inclusão e diminuição das disparidades foi a recuperação dos salários, bem como a melhoria e a ampliação do acesso aos serviços públicos.
(…) “Com a liberalização comercial dos anos 1990 no Brasil, o aumento dos rendimentos reais das famílias pobres foi o dobro do aumento dos rendimentos das famílias mais ricas. ” (…)
Essa crença quase dogmática nas benesses da abertura generalizada tem o efeito de prejudicar ainda mais as bases de um projeto de recuperação do desenvolvimento. Em um momento de incerteza, em que o presidente Trump retoma suas ideias protecionistas para os Estados Unidos e a própria União Europeia experimenta dificuldades, a pior estratégia é a de promover ainda mais abertura unilateral e sem contrapartidas.
Qualquer projeto de redefinição de nossa rede de relações diplomáticas e comerciais passa pela constituição de um governo legitimado pelas urnas. A busca de uma saída promotora de desenvolvimento inclusivo e sustentável implica a expansão das atividades econômicas internas e a participação importante dos rendimentos do trabalho no total da renda nacional.
Mais uma vez, o Banco Mundial se equivoca. O Brasil deve fugir desse tipo de recomendação, que vem sempre antenada exclusivamente com os interesses do financismo. Precisamos preservar os interesses nacionais na geração de renda e riqueza, além de evitar a tentação de redução de salários.
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