Foto: Cezar Xavier |
O 6º colóquio realizado pela Fundação Maurício Grabois, na sede do PCdoB, em São Paulo, no dia 23 de julho, terça-feira, perguntou: A grande crise de 2008 foi superada? Os economistas e estudiosos que debateram o tema foram Nilson Araújo, Renildo Souza, Lécio Morais e A. Sérgio Barroso.
Em seu comentário às palestras de Nilson e Renildo, Barroso, médico, doutorando em doutor em Desenvolvimento Econômico (Unicamp), também membro do Comitê Central do PCdoB, fez uma defesa no estudo de Marx da lei tendencial da queda da taxa de lucros, de O Capital. Diante de questionamentos filológicos, a partir de manuscritos originais, ele achou importante ressaltar o papel brilhante de Engels na organização das ideias de Marx para esta polêmica questão, que é considerado por muitos, fundamental para a compreensão das crises cíclicas do capitalismo.
Em seu comentário às palestras de Nilson e Renildo, Barroso, médico, doutorando em doutor em Desenvolvimento Econômico (Unicamp), também membro do Comitê Central do PCdoB, fez uma defesa no estudo de Marx da lei tendencial da queda da taxa de lucros, de O Capital. Diante de questionamentos filológicos, a partir de manuscritos originais, ele achou importante ressaltar o papel brilhante de Engels na organização das ideias de Marx para esta polêmica questão, que é considerado por muitos, fundamental para a compreensão das crises cíclicas do capitalismo.
Mas Barroso acredita, a partir da observação de estatísticas de importantes estudiosos, que a queda na taxa de lucro não é deflagrador da crise de 2007-8. Por outro lado, a superacumulação de capital fictício, sim, tem um papel ao detonar a crise. No entanto, as soluções propostas apenas agravaram a situação, ao retroalimentar ainda mais a especulação financeira e estimular a manutenção do sistema predatório que levou à crise.
Leia a íntegra do comentário de Barroso:
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A lei tendencial da queda na taxa de lucro
Somos amigos a muito tempo e considero que o Lécio e o Renildo são os nossos principais economistas. Trinta anos que conversamos. Nos anos 1980, o Lécio já me dava aula sobre O Capital. Não conto essa história para envelhecermos... E o Renildo foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, quando ainda atuava no movimento sindical, comigo, hoje chefe de Departamento da Universidade Federal da Bahia. Então, o pessoal não é fácil, não!
E, agora, com a presença do nosso Nilson, que tem grande experiência, em particular nessa discussão, do que eu acompanho, da problemática da questão nacional, do problema da dependência, ele tem um acúmulo enorme e certamente vai ajudar... Outros companheiros, na área da economia política, também. Estou me referindo a esses que estão na mesa.
Vou me ater a três questões bastante vinculadas a essa ideia das causas da crise e perspectivas.
O Lécio começou dizendo o seguinte: o Engels fez uma confusão... Se o Engels fez uma confusão, imagine nós... [gargalhadas] Estamos lascados!
A propósito desse nosso curso sobre O Capital, essa importante iniciativa da Fundação Maurício Grabois, eu estive relendo o prefácio de outubro de 1894, do Engels, ao livro três. É um prefácio imenso, denso, onde ele já faz uma polêmica, sobre as críticas do livro dois, que já tinha sido lançado e editado por ele. Ele abre uma polêmica profunda contestando uma série de autores críticos de Marx.
Mas o que eu quero chamar a atenção, é o seguinte: O Engels fez um esforço para montar esse livro três, porque a quantidade de papeis que o Marx deixou, os manuscritos, segundo o Engels, caóticos. Segundo os estudiosos da Mega2 (Marx e Engels Obras Completas), o centro de estudos das obras completas na Alemanha, Holanda e China, foram três versões. Aliás, os pesquisadores da Mega estiveram aqui conosco, na Fundação: o Rolf Hecker e o Michael Heinrich, biógrafo do Marx, quando conversaram conosco.
Uma parte do material era 1861-64, outra parte era 1867-1868, e lá pelos anos 1970, o Marx faz uma nova redação, uma nova versão do livro três. O Engels fala da dificuldade, quando Marx adoeceu. Vocês se lembram que, exatamente no período de 1961-1964, foi a fundação da Primeira Internacional, e ele estava redigindo o livro três, simultaneamente ao livro dois. E ele precisou encabeçar a fundação. Aquele discurso de fundação é exatamente em 1864. E o Engels dizendo que ele adoeceu, também, nesse período.
O Engels fez um esforço gigantesco e não estava pra brincadeira. Nessa questão da taxa de lucros, ele consultou o Samuel Moore, “o destacado matemático de Cambridge”, que já tinha ajudado no livro dois. Consultou para fazer os cálculos matemáticos imensos que o Marx fazia pra tentar equacionar os grandes dilemas, principalmente dos problemas da lei da tendência da queda da taxa de lucro.
Esses manuscritos matemáticos, o próprio Delfim Netto diz que leu, e sempre se referia a essa história da enorme capacidade de Marx. Então, o Engels fez um trabalho fantástico, de gênio, na minha opinião. Marx e Engels abriram uma construção de um pensamento social avançadíssimo para a época.
Lendo o conjunto desse livro três, que eu ainda não havia lido, a conclusão é que Marx é um visionário! A seção 5, sobre o capital portador de juros, por exemplo, que Engels considera o mais difícil; ele teve que fazer uma reconstrução fazendo as ressalvas, botando observações e explicações entre parênteses.
Estou dizendo isso, porque em 2013 ou 2015, o Michael Heinrich, estudioso dos manuscritos da MEGA, publicou um artigo na Crítica Marxista, sobre a redação de Engels do Livro três, no qual Engels transformou-se num sujeito menor. Acho até pesado os termos que ele utilizou. Ele acha, enfatizo, “ele acha” que o Engels interpretou e refez o texto do Marx conforme sua interpretação. Então, ele se dirige ao Engels, como se ele tivesse feito uma construção do livro três que não tivesse a ver com toda uma vida que os dois tiveram juntos. Pelo amor de Deus! Isso não dá. É filologia, para simplicar, e é um desconhecimento concepcional. É uma visão academicista do significado epistemológico e metodológico da interpretação que o Engels tinha, e que o Marx tinha da nova ciência iniciada pelo marxismo.
Como diz um camarada cearense que encontrei, há uns três anos atrás, numa livraria de São Paulo, naquela onda de releituras de O Capital: Eita, tão ganhando muito dinheiro com o Capital do Marx! [risadas]
Então essa turma da filologia, que tem uma contribuição importantíssima a prestar, não estou aqui desconhecendo, de jeito nenhum, mas têm a visão deles. Tem um tipo de viés, que simplifica a grandiosidade de pensadores revolucionários como Marx e Engels.
A primeira questão, entrando nos fatores da crise, o que Lênin tem a dizer a respeito de lei? Estudando a Ciência da Lógica, do Hegel, (editado agora pela Boitempo, embora eu prefira a edição extraordinária portuguesa do Avante!) criticando as observações do Hegel sobre a lei. “O conceito de lei é um dos degraus de conhecimento pelo homem da unidade e da conexão, da interdependência e totalidade do processo mundial. É uma luta contra a absolutização do conceito de lei, contra sua simplificação, contra a sua fetichização.” Tradução excelente do Barata-Moura, direto do russo.
Lênin termina, mais para a frente: “A lei forma o tranquilo, por isso, a lei, qualquer lei, é estreita, incompleta, aproximada.” Eu quero dizer com isso, do alto da minha ignorância, e numa ligeira analogia, que as leis da mecânica quântica, a exemplo, não eliminaram a grandiosidade das leis do Newton, mas, superaram-na. Essas leis vinculadas à natureza são fenômenos muito objetivos, mais complexa ainda é a concepção de lei nas ciências sociais e humanas. Esta é a visão de Gilles-Gaston Granger, grande epistemólogo francês que morreu alguns anos atrás, que é um materialista com pensamento dialético de grande prestígio na França. Ele chamava a atenção para isso, que as ciências humanas são mais complexas.
Causas contrariantes à LTQTL e a crise
O próprio Marx tratou disso. Não se falou aqui, mas no capítulo 14, depois do 13 (“A lei como tal”), são as contradições da lei, o que contra resta a lei. Ele elabora lei, mas coloca como contra-restantes o problema da superexploração dos trabalhadores, que significa o aumento da mais-valia. Na equação que Marx faz, ele supõe a taxa de mais-valia fixa. Outra contra-restante é o barateamento do capital constante, da maquinaria do ser que é onde o capitalista investe mais para aumentar a produtividade do trabalho, descartando ou reduzindo o peso da força de trabalho, o capital variável.
Num debate que fizemos sobre o livro três, alguns anos atrás, o Renildo apresentou um gráfico extraordinário mostrando a “invasão” chinesa do maquinário barato que a China expandiu pelo mundo gigantescamente. Os chineses ocuparam um espaço imenso na indústria têxtil, entre nós, por exemplo. Barateando, porque era mais ou menos 20% a 30% mais barato do que o que se produzia aqui. Então, esse fenômeno do barateamento o Marx cita lá, como uma segunda característica. Outro que ele cita, inacreditavelmente, é o aumento do capital por ações, o comércio exterior etc.
O que quero dizer para vocês, - minha opinião -, no que entendi do Marx, ele considera como causas principais no miolo da crise, a superacumulação de capitais, ou superprodução; a lei de tendência da queda na taxa de lucros, sim, é parte integrante da dinâmica ciclo-crise do capitalismo; e a desproporção de departamentos (produção e consumo), que o professor Nilson amplifica para a constituição da lei do desenvolvimento desigual, se eu bem entendi. O subconsumo aparece rarefeitamente, como retroalimentação à crise, no sentido da gestação da crise, quero dizer.
Vamos raciocinar objetivamente: antes da crise de 2007, 70% do consumo de demanda do PIB era dos EUA, pelas razões que o Lécio elencou, aqui. Em 2009, era exemplificado, no material que a gente estudou, a Suécia entrou numa recessão braba e passou quase dois anos afundada numa crise. Só que a renda per capita sueca era cerca de U$ 48 mil, quase igual a americana. O subconsumo da Suécia determinando crise? Isso eu pergunto, o subconsumo em 2007 nos EUA determinando crise? Ninguém afirmou isso aqui, mas eu estou apenas cotejando sobre um questionamento real do papel do subconsumo.
Em última instância, num estudo sobre o parâmetro dos mercados, em 1893, se não me engano, o Lênin era um menino, tinha 23 anos de idade, diz: na condição do subconsumo, a situação do proletariado já está dada no capitalismo. Já era uma questão pretérita, já estava estabelecida. Diz isso claramente o Lênin. Portanto, não é ela que promove a causa da crise. Ninguém falou isso, mas eu estou dizendo que no cotejamento das questões pendentes em relação ao miolo da crise, tem isso. De lá pra cá, a gente percebe que o subconsumo das massas retroalimenta a crise, isso é claro pra mim.
Mas estamos falando das causas que deflagram a crise. Então, superacumulação. Lembro, Lécio, que trocamos correspondência e falamos longamente sobre isso em 2008, 2009. Quando você me chamava a atenção, você cotejando as ideias de que o processo de superprodução de capital pode ser refletido no volume de títulos e papéis podres e hipotecas, porque eles são capital portador de juros. Então, houve uma profusão gigantesca nessa esfera das finanças. Se não levarmos em consideração essas mudanças que aconteceram...
Controvérsias sobre queda no lucro
Segundo ponto. O Renildo colocou aqui sobre a controvérsia entre os marxistas. Estou de acordo. Só acrescentaria, ali, os dois franceses: Gerard Dumenil e Dominique Levy. Aquele economista (D. Bsasu), que mostra o papel dos lucros financeiros...São autores que registram empiricamente o crescimento dos lucros na era da globalização neoliberal, não a sua queda.
Há controvérsia antiga e renovada, entre os pensadores marxistas, sobre a tendência da queda de lucro; e de demanda efetiva, ou de realização concreta da mais valia, em última instância.
Mas tem a outra corrente, Renildo, que você já escreveu sobre isso, que é do sistema da financeirização. O neoliberalismo opera transformações gigantescas na esfera da finanças. O Lênin já dizia que o capitalismo monopolista longe de atenuar as contradições, acelerava-as. Lênin colocava o capitalismo financeiro como o “novo capitalismo” (“O imperialismo, fase superior do capitalismo”)
Então, com os processos de desregulamentação do Acordo de Bretton Woods, isso é muito concreto, na minha opinião. Como os processos de liberalização da conta de capitais. Isso nós tivemos no Brasil, com Marcílio Marques Moreira, em 1991, já, que terminou com Antônio Palocci, em 2005. O desenvolvimento da crise chegando à periferia. Mas isso começou em meados dos anos 1970, nos EUA. Um processo de agudização interna; depois na Inglaterra com a Thatcher, em 1979, junto com Reagan, em 1981, complementaram; depois Helmut Kohl na Alemanha, e o Japão, a seguir, o fizeram também. Uma sequência de desregulamentação global para poder dar vazão a esse processo de expansão da finança mundial.
Superacumulação, expansão do capital financeiro. Só restaria fazer uma ressalva, que muitos estatísticos mostram: às vésperas de 2007, não há queda dos lucros. Inclusive os EUA, como demonstram François Chesnais, Gerard Dumenil e Dominique Levy, entre outros, que apresentam os gráficos. Como diz o outro, gráfico, o sujeito monta como ele quer. Há um debate no interior desse processo, da ascensão financeira antes de 2007, que de que não há lucros em queda antes de 2007.
Estou com isso corroborando que não aparece como fator deflagrador da crise uma queda na taxa de lucros. Estudiosos dizem que nas crises de 1873 e 1896, houve, sim, uma influência grande na determinação na crise da queda na taxa de lucros. Em 1929 e 1930, a especulação financeira com o crash de 29 de outubro de 1929, em Nova York, foi um papel preponderante. Nos anos 1970, a queda nos lucros também, porque houve a ascensão neoliberal, que era para contra-restar a lucratividade em queda. Crise do Petróleo, oscilação do dólar, o dólar sem lastro de agosto de 1971, todos aqueles fenômenos que sucederam a fase de desestruturação dos acordos de Bretton Woods. O final dos anos 1960 parece ser o marco que pesquisadores identificam o fim da expansão da economia do pós-Guerra.
Agora, nessa crise iniciada em 2007-8 não teve o fator da queda da taxa de lucros determinando a crise. Essa crise tem uma outra fisionomia, em que também as estatísticas de lucratividade revelam isso.
O monstrengo continua engordando
Quando se fala em depressão do investimento, em 2017 se teve um crescimento na economia, inclusive contestando a ideia de Robert Gordon e Larry Summers da tendência de estagnação secular. Na minha opinião, esses economistas viram a bagaceira criada e a incapacidade dos Bancos Centrais de responder com taxa de juros negativas, não apenas baixas. Na medida que se instauraram as taxas de juros negativas, isso não impediu que o quantitative easing agisse no sistema financeiro para os financistas, na amplificações do valor de suas ações, também pelo mecanismo que ficou conhecido desde anos 1990, deles mesmos recomprarem suas ações para valorizá-las.
A economia não conseguiu sair dos marcos do que já foi dito aqui. É preciso ver o outro lado de que os financistas continuaram a ganhar, mesmo com a quebra do Lehman Brothers, vários mecanismos, mas principalmente pelo quantitative easing. Para terminar, o Banco Central europeu tem aproximadamente dois trilhões de euros empacados e o Federal Reserve quatro trilhões de dólares empacados, ainda de papeis que não recicláveis, não podem ser vendidos, papéis podres, porque não têm público de compra. [Lécio diz: quando um vence, eles compram outro e põem no lugar.]
Com esse problema da depressão do investimento na esfera do capital produtivo na economia, o que estamos vivendo com essa crise, é de fato, uma problematização muito mais profunda do processo de acumulação e reprodução capitalista global. Quero dizer, o sistema capitalista está com dificuldades de equacionar esse monstrengo que ele próprio criou. A finança tem um papel extraordinário, mas não investe na produção, ou investe muito pouco. Chama a atenção por outro lado, essa concentração gigantesca da lucratividade para os grandes oligopólios da tecnologia. Vocês viram que a Apple e a Amazon chegaram a US$ um trilhão de valor acionário, que redireciona o processo de acumulação capitalista para as mudanças do processo industrial.
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