Por Altamiro Borges
Na semana retrasada, Ricardo Salles, o sinistro do Meio Ambiente, deixou uma audiência pública na Câmara Federal escoltado por policiais após violento bate-boca com deputados. Ele foi acusado por Nilto Tatto (PT-SP) de ser um “office boy” do desmatamento. Irritado, o ministro metido a valentão – que fundou a exótica seita Endireita Brasil – pediu respeito, antes de deixar o recinto. “Não admito que o senhor me trate desse jeito. Eu não sou office boy de coisa nenhuma”. Ele também fez questão de defender os barões do agronegócio, negando qualquer interesse particular nessa atitude militante.
Nesse sábado (17), porém, o Estadão voltou a colocar em dúvida essa defesa desinteressada do “office boy do desmatamento”. Reportagem de Fabio Leite revela que “o Ministério Público de São Paulo abriu inquérito para apurar suspeita de enriquecimento ilícito do ministro Ricardo Salles, entre 2012 e 2017, período em que ele alternou a atividade de advogado com cargos no governo paulista. A Promotoria já pediu a quebra de sigilo bancário e fiscal de Salles, mas a medida foi negada duas vezes pela Justiça estadual neste mês”.
Ainda segundo a matéria, a investigação teve início em julho passado a partir de representação feita pela empresa Sppatrim Administração e Participações, que levantou suspeitas sobre a evolução patrimonial de Ricardo Salles com base nas declarações de bens que ele mesmo prestou à Justiça Eleitoral. Em 2012, quando foi candidato a vereador pelo PSDB, o chefão do Endireita Brasil declarou possuir R$ 1,4 milhão em bens, a maior parte em aplicações financeiras, 10% de um apartamento, um carro e uma moto. Em 2018, quando saiu a deputado federal pelo Novo, foram R$ 8,8 milhões, sendo dois apartamentos de R$ 3 milhões cada, R$ 2,3 milhões em aplicações e um barco de R$ 500 mil – alta de 335% em cinco anos, corrigida pela inflação.
De acordo com a denúncia apresentada pela Promotoria, Ricardo Salles atuou em dez casos como advogado no período citado e “não foram encontrados valores de causa suficientes a ponto de justificar o recebimento de honorário em volume que pudesse amparar tal aumento patrimonial”. O promotor ainda registra o fato da evolução patrimonial ocorrer no período em que o então secretário de Meio Ambiente de São Paulo foi acusado de fraudar um plano de manejo de uma área de proteção ambiental para beneficiar mineradoras.
Em dezembro de 2018, Ricardo Salles chegou a ser condenado por improbidade administrativa, com multa de dez vezes o seu salário, e teve seus direitos políticos suspensos por três anos. Mesmo assim – ou talvez por essas razões sinistras –, Jair Bolsonaro o nomeou como ministro do Meio Ambiente do seu laranjal. As denúncias contra o “office boy do desmatamento” não são novas. Em fevereiro último, o site The Intercept-Brasil fez um levantamento detalhado das acusações que pesam contra o “ministro do arremedo”. Vale citar alguns trechos da reportagem assinada por Tatiana Dias e Rosângela Lotfi:
*****
Para entender a ascensão na carreira do advogado Ricardo de Aquino Salles ao mais alto escalão ambiental do país, é preciso olhar para sua carreira prévia. Mais especificamente, para seu trânsito fácil entre o setor privado e o governo, a começar pela gestão tucana de Geraldo Alckmin, onde o fundador do movimento Endireita Brasil ocupou seu primeiro cargo público.
Como político, Ricardo Salles foi um fiasco. Ele concorreu a deputado federal pelo PFL em 2006, a deputado estadual em 2010 pelo DEM, a vereador pelo PSDB em 2012 (renunciou à candidatura) e a deputado federal em 2018 pelo Novo. Perdeu todas. O máximo que conseguiu foi a posição de suplente em 2010 na Assembleia Legislativa de São Paulo. Como advogado, defendeu construtoras e uma das herdeiras de Hebe Camargo. Também foi diretor jurídico da Sociedade Rural Brasileira, associação que representa os interesses do agronegócio.
Em 2013, abandonou a advocacia e começou a trabalhar como secretário particular de Geraldo Alckmin, então governador de São Paulo. Nessa época, recebia um salário de R$ 12 mil e quase foi preso por não pagar pensão alimentícia de R$ 3 mil aos filhos. No processo, alegou que não tinha “condições financeiras” para pagar os R$ 28 mil que devia à ex-mulher pelos meses de pensão atrasada.
No começo do ano seguinte, no entanto, ele deixou o Palácio dos Bandeirantes e voltou para o setor privado – para a Vila Olímpia, no escritório da incorporadora Bueno Netto. Ele seria encarregado de cuidar do imbróglio judicial que a construtora tinha com um empreendimento chamado Parque Global, que seria um conjunto de dezenas de prédios na marginal Pinheiros, no Morumbi.
O terreno, que antes pertencia à Light, companhia elétrica de São Paulo, havia sido abandonado por contaminação por zinco e manganês. Foi preparado, comprado, autorizado pela prefeitura em 2010 e lançado em 2013 – mas a obra acabou embargada no ano seguinte pelo Ministério Público por problemas ambientais e urbanísticos. Segundo o MP, apenas parte do empreendimento havia sido autorizada pela prefeitura. O órgão também exigiu que a construtora retirasse a terra poluída do local – o que, segundo a Bueno Netto, inviabilizaria o empreendimento.
Defendida por Salles, a construtora fez uma reclamação formal contra o Ministério Público, alegando que já tinha cumprido os pré-requisitos para a obra. A justiça acabou embargando o Parque Global, mesmo com a construtora conversando diretamente com o governo de Geraldo Alckmin.
O prejuízo chegou a R$ 500 milhões, entre gastos com publicidade, obtenção de licenças e manutenção do espaço, fora os R$ 800 milhões da compra do terreno e a obrigação de devolver o dinheiro de 300 clientes que compraram apartamentos na planta.
Dos processos milionários envolvendo antigas sociedades desfeitas para o empreendimento, a Bueno Netto foi condenada a pagar R$ 160 milhões aos antigos sócios, mas só pagou R$ 10 milhões – foi o dinheiro encontrado na justiça no processo de falência. Ainda no alvo do Ministério Público paulista, Ricardo Salles foi investigado por atuar na Bueno Netto, segundo os procuradores, cometendo fraudes para blindar o grupo que ele defendia. De acordo com o MP, mesmo atuando para um grupo privado, ele se apresentava como sendo “ligado ao governo do estado”.
O período na iniciativa privada rendeu ótimos frutos a Ricardo Salles. O ex-devedor de pensão declarou, na eleição de 2018, um patrimônio de R$ 8,8 milhões – um aumento de 4.000% desde sua primeira tentativa de eleição, em 2006.
Ideologia? Só os outros têm
Salles se tornou secretário estadual do Meio Ambiente pouco depois, em julho de 2016, na gestão de Alckmin. Então membro do PP, ele era próximo à ala do PSDB que apoiava a candidatura de João Doria à prefeitura de São Paulo, mas sua presença era incômoda para parte do PSDB. Quando Salles chegou ao governo como moeda de troca do PP pelo apoio a Doria, o tucano Alberto Goldman se disse “enojado”.
A adulteração nos mapas aconteceu três meses depois de sua posse como secretário. E não foi sua única acusação. Foi investigado por abrir uma chamada pública para vender 34 áreas do Instituto Florestal – sem passar pelo rito legislativo. Depois, tentou negociar a sede do Instituto Geológico para obter recursos para fusão com outros dois institutos – sem que eles concordassem, ideia interrompida pela Procuradoria Geral do Estado. Em 14 de junho de 2017, o Ministério Público Estadual acusou o secretário de advocacia administrativa – ou seja, de favorecer o interesse privado usando a administração pública. Neste caso, os interesses da Bueno Netto, a incorporadora para a qual ele havia trabalhado.
Pouco antes de deixar a secretaria, em um evento em Cajati, no Vale do Ribeira, em São Paulo, Salles se indignou com um busto de Carlos Lamarca, guerrilheiro de esquerda morto em 1971. Pediu ao prefeito que funcionários retirassem o busto. A estátua foi arrancada e levada por viatura da polícia ambiental até a capital paulista, e o pedestal, demolido. A passagem dos guerrilheiros da Vanguarda Popular Revolucionária, em 1969, era um atrativo histórico na pequena cidade.
O Ministério Público de São Paulo acusou Salles de improbidade administrativa ambiental por ordenar a remoção “à revelia do devido processo legal administrativo e apenas imbuído de patente móvel ideológico incompatível com o exercício da nobre função pública que ocupava”. Como secretário do Meio Ambiente, Salles não tinha poder para tomar a decisão, de acordo com o MP, mas achou importante remover qualquer vestígio de esquerda por onde passou. Uma posição curiosa para quem hoje diz rechaçar a “perseguição ideológica”.
No dia 28 de agosto de 2017, Salles pediu demissão. Segundo o G1, a decisão partiu do PP, descontente com o desempenho do secretário. Salles disse que saiu com a “sensação de dever cumprido” e que voltaria para o setor privado. Deixou o PP, foi para o Novo e, pouco mais de um ano depois, voltou para o setor público no alto escalão de Jair Bolsonaro.
A favor da ‘autodeclaração’ das empresas
Com a tragédia de Brumadinho, provocada pela mineradora Vale, o ministério do Meio Ambiente assumiu uma inesperada posição central no início do governo Bolsonaro. O presidente chegou a cogitar a fusão da pasta com o ministério da Agricultura – o que, na prática, submeteria órgãos como o Ibama aos interesses agropecuários –, mas voltou atrás após uma dura reação da sociedade civil. Acabou nomeando, então, o ex-colega do PP, Ricardo Salles, agora filiado ao Novo.
Com uma campanha eleitoral em que prometia “munição de fuzil” contra o MST, chamou a atenção de Bolsonaro. “Vocês gostaram do ministro do Meio Ambiente agora, né?”, disse Bolsonaro a ruralistas logo após a escolha, em um vídeo gravado no Clube Militar de Brasília.
Assim como seu chefe e seus colegas, Salles chegou ao ministério motivado a extirpar a “ideologia” de esquerda. Disse que “perseguição ideológica não é saudável para ninguém” e que sua gestão seria responsável por “harmonizar” os interesses. Seguindo a cartilha de seu chefe – que queria no ministério alguém “sem caráter xiita” e proteger o meio ambiente sem “criar dificuldades para o nosso progresso” –, Salles disse que no Brasil há um “descontrole na aplicação da lei e da fiscalização”.
Depois de Brumadinho, o ministro classificou a atual lei ambiental como “complexa e irracional”. “Recursos humanos que deveriam estar focados nas questões de médio e alto risco estão sendo dispersos. Precisamos de legislação que funcione, licenciamento que funcione”, disse.
A flexibilização e a simplificação das leis ambientais é uma demanda de setores como a mineração e a agropecuária, que fazem lobby para aprovar o licenciamento para o setor. A proposta de Salles, defendida antes de Brumadinho, é que a liberação possa ser feita com uma “autodeclaração” – ou seja, o empreendedor diz que a obra está ok, e a fiscalização vem depois. Na proposta de Salles, não fica claro, por exemplo, quem define o grau de impacto ambiental de uma obra.
Se depender do histórico de defesa dos interesses corporativos e “desburocratização” – uma palavra bonita que ele usou para justificar não ter cumprido os ritos tradicionais dos processos ambientais em seu período como secretário –, não é difícil deduzir a quem o seu posicionamento vai beneficiar.
Enquanto Salles recorre da condenação, o Ministério Público paulista entrou com uma apelação pedindo que ele seja impedido de exercer o cargo de ministro. Segundo o MP, a mudança nos mapas ordenada por Salles poderia provocar “gravíssimas consequências”. Os condenados, segundo os promotores, agiram “com a clara intenção de beneficiar setores econômicos, notadamente a mineração”. Vale lembrar que a justiça paulista livrou o ex-secretário – e também a Fiesp – de multa milionária pelos possíveis danos ambientais decorrentes das alterações. Outro advogado entrou com uma ação para tentar impedir que Salles assumisse, mas a justiça paulista negou o pedido. “Gostando ou não da escolha, parece que ainda foi feita dentro do espaço de discricionariedade política próprio do cargo de Presidente da República”, disse o juiz na decisão.
Em entrevista à Jovem Pan, o ministro atribuiu a condenação à perseguição “ideológica”, como de praxe. O ministro disse que “esse processo e a decisão são muito mais um combate político-ideológico contra a postura que eu adotei na secretaria do que qualquer ilegalidade formal”. E que Bolsonaro reconhece isso.
Apesar das denúncias, Salles assumiu normalmente o ministério. Sua agenda foi ocupada, principalmente, por encontros com ruralistas, empresários, banqueiros e mineradoras – nenhuma reunião com ambientalistas e pesquisadores da área aconteceu em seu primeiro mês no ministério. Na quarta-feira, 23, se encontrou com representantes da Frente Parlamentar de Agropecuária e, logo depois, com Luiz Eduardo Fróes do Amaral Osório, diretor-executivo de Sustentabilidade e Relações Institucionais da Vale. Dois dias depois, a lama desceu sobre Brumadinho.
Na semana retrasada, Ricardo Salles, o sinistro do Meio Ambiente, deixou uma audiência pública na Câmara Federal escoltado por policiais após violento bate-boca com deputados. Ele foi acusado por Nilto Tatto (PT-SP) de ser um “office boy” do desmatamento. Irritado, o ministro metido a valentão – que fundou a exótica seita Endireita Brasil – pediu respeito, antes de deixar o recinto. “Não admito que o senhor me trate desse jeito. Eu não sou office boy de coisa nenhuma”. Ele também fez questão de defender os barões do agronegócio, negando qualquer interesse particular nessa atitude militante.
Nesse sábado (17), porém, o Estadão voltou a colocar em dúvida essa defesa desinteressada do “office boy do desmatamento”. Reportagem de Fabio Leite revela que “o Ministério Público de São Paulo abriu inquérito para apurar suspeita de enriquecimento ilícito do ministro Ricardo Salles, entre 2012 e 2017, período em que ele alternou a atividade de advogado com cargos no governo paulista. A Promotoria já pediu a quebra de sigilo bancário e fiscal de Salles, mas a medida foi negada duas vezes pela Justiça estadual neste mês”.
Ainda segundo a matéria, a investigação teve início em julho passado a partir de representação feita pela empresa Sppatrim Administração e Participações, que levantou suspeitas sobre a evolução patrimonial de Ricardo Salles com base nas declarações de bens que ele mesmo prestou à Justiça Eleitoral. Em 2012, quando foi candidato a vereador pelo PSDB, o chefão do Endireita Brasil declarou possuir R$ 1,4 milhão em bens, a maior parte em aplicações financeiras, 10% de um apartamento, um carro e uma moto. Em 2018, quando saiu a deputado federal pelo Novo, foram R$ 8,8 milhões, sendo dois apartamentos de R$ 3 milhões cada, R$ 2,3 milhões em aplicações e um barco de R$ 500 mil – alta de 335% em cinco anos, corrigida pela inflação.
De acordo com a denúncia apresentada pela Promotoria, Ricardo Salles atuou em dez casos como advogado no período citado e “não foram encontrados valores de causa suficientes a ponto de justificar o recebimento de honorário em volume que pudesse amparar tal aumento patrimonial”. O promotor ainda registra o fato da evolução patrimonial ocorrer no período em que o então secretário de Meio Ambiente de São Paulo foi acusado de fraudar um plano de manejo de uma área de proteção ambiental para beneficiar mineradoras.
Em dezembro de 2018, Ricardo Salles chegou a ser condenado por improbidade administrativa, com multa de dez vezes o seu salário, e teve seus direitos políticos suspensos por três anos. Mesmo assim – ou talvez por essas razões sinistras –, Jair Bolsonaro o nomeou como ministro do Meio Ambiente do seu laranjal. As denúncias contra o “office boy do desmatamento” não são novas. Em fevereiro último, o site The Intercept-Brasil fez um levantamento detalhado das acusações que pesam contra o “ministro do arremedo”. Vale citar alguns trechos da reportagem assinada por Tatiana Dias e Rosângela Lotfi:
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Para entender a ascensão na carreira do advogado Ricardo de Aquino Salles ao mais alto escalão ambiental do país, é preciso olhar para sua carreira prévia. Mais especificamente, para seu trânsito fácil entre o setor privado e o governo, a começar pela gestão tucana de Geraldo Alckmin, onde o fundador do movimento Endireita Brasil ocupou seu primeiro cargo público.
Como político, Ricardo Salles foi um fiasco. Ele concorreu a deputado federal pelo PFL em 2006, a deputado estadual em 2010 pelo DEM, a vereador pelo PSDB em 2012 (renunciou à candidatura) e a deputado federal em 2018 pelo Novo. Perdeu todas. O máximo que conseguiu foi a posição de suplente em 2010 na Assembleia Legislativa de São Paulo. Como advogado, defendeu construtoras e uma das herdeiras de Hebe Camargo. Também foi diretor jurídico da Sociedade Rural Brasileira, associação que representa os interesses do agronegócio.
Em 2013, abandonou a advocacia e começou a trabalhar como secretário particular de Geraldo Alckmin, então governador de São Paulo. Nessa época, recebia um salário de R$ 12 mil e quase foi preso por não pagar pensão alimentícia de R$ 3 mil aos filhos. No processo, alegou que não tinha “condições financeiras” para pagar os R$ 28 mil que devia à ex-mulher pelos meses de pensão atrasada.
No começo do ano seguinte, no entanto, ele deixou o Palácio dos Bandeirantes e voltou para o setor privado – para a Vila Olímpia, no escritório da incorporadora Bueno Netto. Ele seria encarregado de cuidar do imbróglio judicial que a construtora tinha com um empreendimento chamado Parque Global, que seria um conjunto de dezenas de prédios na marginal Pinheiros, no Morumbi.
O terreno, que antes pertencia à Light, companhia elétrica de São Paulo, havia sido abandonado por contaminação por zinco e manganês. Foi preparado, comprado, autorizado pela prefeitura em 2010 e lançado em 2013 – mas a obra acabou embargada no ano seguinte pelo Ministério Público por problemas ambientais e urbanísticos. Segundo o MP, apenas parte do empreendimento havia sido autorizada pela prefeitura. O órgão também exigiu que a construtora retirasse a terra poluída do local – o que, segundo a Bueno Netto, inviabilizaria o empreendimento.
Defendida por Salles, a construtora fez uma reclamação formal contra o Ministério Público, alegando que já tinha cumprido os pré-requisitos para a obra. A justiça acabou embargando o Parque Global, mesmo com a construtora conversando diretamente com o governo de Geraldo Alckmin.
O prejuízo chegou a R$ 500 milhões, entre gastos com publicidade, obtenção de licenças e manutenção do espaço, fora os R$ 800 milhões da compra do terreno e a obrigação de devolver o dinheiro de 300 clientes que compraram apartamentos na planta.
Dos processos milionários envolvendo antigas sociedades desfeitas para o empreendimento, a Bueno Netto foi condenada a pagar R$ 160 milhões aos antigos sócios, mas só pagou R$ 10 milhões – foi o dinheiro encontrado na justiça no processo de falência. Ainda no alvo do Ministério Público paulista, Ricardo Salles foi investigado por atuar na Bueno Netto, segundo os procuradores, cometendo fraudes para blindar o grupo que ele defendia. De acordo com o MP, mesmo atuando para um grupo privado, ele se apresentava como sendo “ligado ao governo do estado”.
O período na iniciativa privada rendeu ótimos frutos a Ricardo Salles. O ex-devedor de pensão declarou, na eleição de 2018, um patrimônio de R$ 8,8 milhões – um aumento de 4.000% desde sua primeira tentativa de eleição, em 2006.
Ideologia? Só os outros têm
Salles se tornou secretário estadual do Meio Ambiente pouco depois, em julho de 2016, na gestão de Alckmin. Então membro do PP, ele era próximo à ala do PSDB que apoiava a candidatura de João Doria à prefeitura de São Paulo, mas sua presença era incômoda para parte do PSDB. Quando Salles chegou ao governo como moeda de troca do PP pelo apoio a Doria, o tucano Alberto Goldman se disse “enojado”.
A adulteração nos mapas aconteceu três meses depois de sua posse como secretário. E não foi sua única acusação. Foi investigado por abrir uma chamada pública para vender 34 áreas do Instituto Florestal – sem passar pelo rito legislativo. Depois, tentou negociar a sede do Instituto Geológico para obter recursos para fusão com outros dois institutos – sem que eles concordassem, ideia interrompida pela Procuradoria Geral do Estado. Em 14 de junho de 2017, o Ministério Público Estadual acusou o secretário de advocacia administrativa – ou seja, de favorecer o interesse privado usando a administração pública. Neste caso, os interesses da Bueno Netto, a incorporadora para a qual ele havia trabalhado.
Pouco antes de deixar a secretaria, em um evento em Cajati, no Vale do Ribeira, em São Paulo, Salles se indignou com um busto de Carlos Lamarca, guerrilheiro de esquerda morto em 1971. Pediu ao prefeito que funcionários retirassem o busto. A estátua foi arrancada e levada por viatura da polícia ambiental até a capital paulista, e o pedestal, demolido. A passagem dos guerrilheiros da Vanguarda Popular Revolucionária, em 1969, era um atrativo histórico na pequena cidade.
O Ministério Público de São Paulo acusou Salles de improbidade administrativa ambiental por ordenar a remoção “à revelia do devido processo legal administrativo e apenas imbuído de patente móvel ideológico incompatível com o exercício da nobre função pública que ocupava”. Como secretário do Meio Ambiente, Salles não tinha poder para tomar a decisão, de acordo com o MP, mas achou importante remover qualquer vestígio de esquerda por onde passou. Uma posição curiosa para quem hoje diz rechaçar a “perseguição ideológica”.
No dia 28 de agosto de 2017, Salles pediu demissão. Segundo o G1, a decisão partiu do PP, descontente com o desempenho do secretário. Salles disse que saiu com a “sensação de dever cumprido” e que voltaria para o setor privado. Deixou o PP, foi para o Novo e, pouco mais de um ano depois, voltou para o setor público no alto escalão de Jair Bolsonaro.
A favor da ‘autodeclaração’ das empresas
Com a tragédia de Brumadinho, provocada pela mineradora Vale, o ministério do Meio Ambiente assumiu uma inesperada posição central no início do governo Bolsonaro. O presidente chegou a cogitar a fusão da pasta com o ministério da Agricultura – o que, na prática, submeteria órgãos como o Ibama aos interesses agropecuários –, mas voltou atrás após uma dura reação da sociedade civil. Acabou nomeando, então, o ex-colega do PP, Ricardo Salles, agora filiado ao Novo.
Com uma campanha eleitoral em que prometia “munição de fuzil” contra o MST, chamou a atenção de Bolsonaro. “Vocês gostaram do ministro do Meio Ambiente agora, né?”, disse Bolsonaro a ruralistas logo após a escolha, em um vídeo gravado no Clube Militar de Brasília.
Assim como seu chefe e seus colegas, Salles chegou ao ministério motivado a extirpar a “ideologia” de esquerda. Disse que “perseguição ideológica não é saudável para ninguém” e que sua gestão seria responsável por “harmonizar” os interesses. Seguindo a cartilha de seu chefe – que queria no ministério alguém “sem caráter xiita” e proteger o meio ambiente sem “criar dificuldades para o nosso progresso” –, Salles disse que no Brasil há um “descontrole na aplicação da lei e da fiscalização”.
Depois de Brumadinho, o ministro classificou a atual lei ambiental como “complexa e irracional”. “Recursos humanos que deveriam estar focados nas questões de médio e alto risco estão sendo dispersos. Precisamos de legislação que funcione, licenciamento que funcione”, disse.
A flexibilização e a simplificação das leis ambientais é uma demanda de setores como a mineração e a agropecuária, que fazem lobby para aprovar o licenciamento para o setor. A proposta de Salles, defendida antes de Brumadinho, é que a liberação possa ser feita com uma “autodeclaração” – ou seja, o empreendedor diz que a obra está ok, e a fiscalização vem depois. Na proposta de Salles, não fica claro, por exemplo, quem define o grau de impacto ambiental de uma obra.
Se depender do histórico de defesa dos interesses corporativos e “desburocratização” – uma palavra bonita que ele usou para justificar não ter cumprido os ritos tradicionais dos processos ambientais em seu período como secretário –, não é difícil deduzir a quem o seu posicionamento vai beneficiar.
Enquanto Salles recorre da condenação, o Ministério Público paulista entrou com uma apelação pedindo que ele seja impedido de exercer o cargo de ministro. Segundo o MP, a mudança nos mapas ordenada por Salles poderia provocar “gravíssimas consequências”. Os condenados, segundo os promotores, agiram “com a clara intenção de beneficiar setores econômicos, notadamente a mineração”. Vale lembrar que a justiça paulista livrou o ex-secretário – e também a Fiesp – de multa milionária pelos possíveis danos ambientais decorrentes das alterações. Outro advogado entrou com uma ação para tentar impedir que Salles assumisse, mas a justiça paulista negou o pedido. “Gostando ou não da escolha, parece que ainda foi feita dentro do espaço de discricionariedade política próprio do cargo de Presidente da República”, disse o juiz na decisão.
Em entrevista à Jovem Pan, o ministro atribuiu a condenação à perseguição “ideológica”, como de praxe. O ministro disse que “esse processo e a decisão são muito mais um combate político-ideológico contra a postura que eu adotei na secretaria do que qualquer ilegalidade formal”. E que Bolsonaro reconhece isso.
Apesar das denúncias, Salles assumiu normalmente o ministério. Sua agenda foi ocupada, principalmente, por encontros com ruralistas, empresários, banqueiros e mineradoras – nenhuma reunião com ambientalistas e pesquisadores da área aconteceu em seu primeiro mês no ministério. Na quarta-feira, 23, se encontrou com representantes da Frente Parlamentar de Agropecuária e, logo depois, com Luiz Eduardo Fróes do Amaral Osório, diretor-executivo de Sustentabilidade e Relações Institucionais da Vale. Dois dias depois, a lama desceu sobre Brumadinho.
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