Por Saul Leblon, no site Carta Maior:
Naturalizada pelo noticiário como um risco incremental, a crise climática emite sinais de que mudou de pista transitando agora na fronteira da emergência planetária.
O alarme soou de convergentes estudos e centros de pesquisas científica, segundo os quais a progressão do aquecimento global teria rompido a barreira tolerável dos 1,5º C até o final do século.
Pior que isso.
A dinâmica ascendente tampouco exibiria acomodação no limite superior dos 2º C.
Embarcados no comboio das protelações ditadas pelas conveniências corporativas e rentistas, estaríamos avançando às cegas para a imponderável radial de um aquecimento superior a 2,5º C, em flerte explícito com os 3º C até 2100.
Engana-se quem enxergar alívio no calendário remoto: o caminho da deriva é inclemente.
O padrão, e a frequência dos eventos climáticos extremos, alertam os cientistas, sinaliza a emergência de ocorrências cada vez mais letais em sua abrangência, força e regularidade.
Um dado resume todos os demais: o aumento do nível do mar ganhou velocidade antes inimaginável, afirma o Relatório Especial sobre Oceano e Criosfera, divulgado há poucos dias com base em dados de quase sete mil estudos científicos.
O derretimento no Ártico da ordem de 14 mil toneladas por segundo significa que a taxa de perda de gelo triplicou em relação à média dos anos 80, por exemplo.
A camada mais densa e mais antiga do gelo ártico já registrou uma diminuição de 95%.
O encadeamento decorrente é sabido: menos gelo, água mais quente, mais derretimento.
A retroalimentação explica os saltos que têm surpreendido a ciência e sugere que o mecanismo já opera em uma dinâmica autônoma.
Estamos no meio fio da irreversibilidade de uma mutação planetária. E é da nossa vida que estamos falando.
Se a água que envolve a Terra e regula o seu clima aqueceu a ponto de produzir estragos nos extremos gelados, não é difícil inferir o impacto disso em eventos que tem sua origem, intensidade e frequência em boa parte atadas às variáveis oceânicas.
Não é só que o nível do mar vai subir mais de um metro no final do século. Até lá, furacões, ciclones, chuvas e ventos anômalos --com desdobramentos equivalentes em secas, inundações, alterações na reprodução animal e na oferta pesqueira, verões fatais e dificuldades hídricas sem precedente, inclusive nas manchas de adensamento urbano extremo, pavimentarão a avenida do novo normal, alerta o relatório citado.
O mundo emite cerca de 11 bilhões de toneladas de carbono ano.
Seria preciso cortar isso em 45% até 2030, em relação aos níveis de 2010, e zerar o passivo até 2050 para ressuscitar a esperança num final de século XXI com aquecimento não superior a 1,5º C.
O conhecimento, a tecnologia, a física e a química dizem que é possível.
O problema é o poder. Quem o tem e as determinações que orientam o seu exercício.
O emaranhado sistêmico do capitalismo rentista nos nega esse fio terra em meio ao curto circuito global.
Viabilizar mudanças tão rápidas, tão profundas nas formas de viver e de produzir -- nos padrões de consumo, exigiria uma revolução dentro da própria ideia de revolução, recriando drasticamente relações de produção e de poder –e padrões de estilo de vida substancialmente distintos dos atuais.
A correlação de forças que define o ordenamento atual da sociedade, o discernimento social espremido pelo garrote midiático e a geopolítica planetária não respaldam essa hipótese.
Mas a constatação realista não autoriza o conformismo.
Ao contrário.
A crise climática arrombou portas apenas entreabertas também no âmbito dos projetos e prioridades do campo progressista.
O que ela está nos dizendo com a autoridade dos fatos imperativos é muito simples:
envelheceram os projetos de futuro dissociados da variável climática. Não há mais discussão crível de desenvolvimento, democracia e justiça social sem incorporar o relógio e o repertório da mutação planetária em curso.
‘A crise ambiental atinge inexoravelmente toda a sociedade’, resumiu o economista Luiz Gonzaga Belluzzo em entrevista recente à rádio Carta Maior.
Ela não rebaixa, nos explicou, antes agiganta a evidência de desequilíbrios econômicos e políticos de um sistema rentista que impõe a convergência entre os tempos e as formas da produção de mercadorias, e a rapidez com que se gera a riqueza monetária.
“Você reduz o tempo e espreme o espaço de todas as dimensões sociais e econômicas. Isso é a globalização. O meio ambiente é a principal vítima dessa aceleração do tempo e desconsideração com o espaço”, diz ele.
A lógica do neoliberalismo em fúria é que é preciso liberar a economia das restrições e constrangimentos materiais, sociais e naturais.
É a ‘desconstitucionalização’ dos tucanos, nome elegante para a desregulamentação bruta de Guedes e assemelhados. O efeito é o mesmo e envolve recuar o Estado e entregar as estatais e a sociedade aos desígnios dos mercados em todas as esferas.
Inclusive na ambiental.
‘Isso produziu o quê na Amazônia? -- pergunta Belluzzo para fuzilar a resposta: ‘ Produziu uma devastação’.
A principal dificuldade na equação da crise climática remete assim ao poder sonegado à sociedade para controlar os requisitos de racionalidade e equilíbrio indissociáveis da sua sobrevivência no século XXI.
A mola mestra da irresponsabilidade indecente é a ideia dominante de que as empresas, os recursos naturais, a pesquisa e as instituições –universidades, por exemplo, como denunciam os reitores e intelectuais ouvidos pela Rádio Carta Maior sobre o ‘Future-se’-- existem para atender aos requisitos de manutenção e ampliação da fatia da renda detida pelo império global dos acionistas.
Quem são eles?
O 1% que no Brasil abocanha 28% da riqueza, apoia Bolsonaro e fulgura como a elite local mais privilegiada em relação aos acionistas de todo o planeta.
A democracia liberal vigente não se propõe a corrigir essa lacuna embora os meios para tal existam.
A Unctad calcula, por exemplo, que empresas multinacionais têm um “colchão” de US$ 2 trilhões de liquidez. O valor acumulado de ativos de indivíduos mais ricos do planeta supera os US$ 60 trilhões. Investidores institucionais nos países ricos têm ativos de US$ 92,6 trilhões. Só no Brasil, a fatia desses investimentos somaria US$ 220 bi.
Em seu “Relatório Sobre Comércio e Desenvolvimento 2019”, essa agencia da ONU para o comércio e o desenvolvimento recomenda ‘medidas audaciosas’ de natureza tributária e de controle de capitais que viabilizem uma expansão fiscal forte sobe esse mar de capitais e, através disso, um “acordo ecológico mundial”.
Para o quê?
Para impulsionar o investimento público. Para evitar a catástrofe climática. Para gerar milhões de empregos em gastos com infraestrutura e industrialização verde. E por fim, mas não por último, para reatar o crescimento aos salários, e libertar a sociedade do buraco negro da ganância rentista.
Esse é o cenário dentro do qual o Brasil exerceu a sua prerrogativa histórica de abrir a sessão inaugural da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a ONU, no dia 24 de setembro deste ano.
O que se viu e ouviu ali dá a medida da irresponsabilidade social das elites brasileiras.
Elas delegaram a um ser desprezível ensopado em ignorância e preconceito a tarefa de ocupar o poder e assim manter afastado o projeto progressista de construção democrática e sustentável do nosso desenvolvimento.
Foi assim, vestido da armadura arestosa do cavaleiro da guerra fria, que ele grunhiu a um mundo perplexo o decálogo da barbárie perfeita.
Afrontou nações, distribuiu insultos, provocou chefes de Estado, agigantou interesses contrapostos.
Diante da assembleia das nações, apregoou a guerra santa entre bons e maus agrupados conforme a certificação estreita e repressiva de seu arsenal moralista, de um lado; antissocial e antinacional, de outro, na renúncia suicida a políticas públicas, direitos e conquistas civilizatórias.
O destampatório sobressaltado atacou ambientalistas, socialistas e lideranças indígenas. Vociferou ideias de soberania obscurantistas --biombo tosco para a entrega, já em tramitação no Congresso nacional, do subsolo da Amazônia, e das porções mais intactas da floresta, as reservas indígenas, à atividade mais destrutiva do planeta: a mineração internacional.
Cabe arguir se não passa da hora de uma frente progressista e democrática afrontar integralmente o conjunto predatório de maior ou menor impacto que a sobre a floresta com a bandeira de uma moratória verde para a Amazônia, até que a humanidade tenha controlado a régua do aquecimento climático.
Mesmo quando bem intencionadas, caso das ideias de ‘tornar a floresta rentável de pé’, o conjunto gerador de renda está enlaçado na armadilha de que a Amazônia para existir sob o capitalismo precisa oferecer lucros na velocidade impossível do padrão rentista.
A população local, cerca de 20 milhões de pessoas mora predominantemente em cidades precárias. Não se beneficia, antes sofre as consequências da ‘exploração’ da mata. E o país dispõe de 60 milhões de áreas degradadas de pasto que equivale a um outro Brasil agrícola disponível para plantio sem novas derrubadas.
Não há nenhuma atividade exploratória capaz de gerar mais renda do que a existência em si da maior extensão continua de floresta tropical do planeta. A Amazônia não precisa pedir licença ao lucro para existir, assim como as geleiras dos polos não precisam oferecer outro ‘produto’ à humanidade que não assegurar uma temperatura compatível com a vida na Terra.
O repúdio à ruptura desconcertante com a tradição pacifista, multilateralista e negociadora do Brasil na ONU, dia 24 último, só não foi maior que a indignação com o menosprezo diante do clamor global por um pacto audacioso e cooperativo como esse, convergente com aquilo que a urgência climática cobra dentro de cada nação e entre as nações.
A conclusão urge se transformar em força política.
A defesa da civilização, o aggiornamento nas formas de viver e de produzir, a reciclagem na agenda do desenvolvimento --a tempo de evitar o caos-- mais que nunca dependem da iniciativa política organizada, dotada de informação crítica, traduzida em frentes plurais à altura do principal desafio do nosso tempo que consiste em ressuscitar a esperança e a confiança da sociedade nela mesma.
Vale dizer na democracia e na ação política organizada e coletiva.
É com esse sentido de urgência histórica --local e planetária— que Carta Maior realiza um imenso esforço de engajamento para dar sua cota a esse mutirão.
A web Rádio Carta Maior no ar desde o início de agosto provou a sua adequação à agilidade que o tempo cobra dos democratas, socialistas e liberais sinceros de todo o país.
Através de podcasts focados nos eixos que condensam os graves conflitos vividos pela sociedade brasileira, amplificamos o alcance de vozes que podem contribuir para a sua compreensão e superação.
Esse é o objetivo: aproximar interlocutores, disseminar ideias, aprofundar o discernimento crítico que leva ao engajamento e à mobilização.
O tempo de perguntar que horas são se esgotou: a hora é de engajamento e respostas criativas, politicamente organizadas, para vencer a irresponsabilidade indecente no poder caricaturada na figura mundialmente bizarra e perigosa do Presidente do país.
Só há uma forma de fazer isso de maneira bem sucedida: juntos, munidos de desassombro e audácia histórica. O nome do jogo é sobrevivência.
A ver.
Naturalizada pelo noticiário como um risco incremental, a crise climática emite sinais de que mudou de pista transitando agora na fronteira da emergência planetária.
O alarme soou de convergentes estudos e centros de pesquisas científica, segundo os quais a progressão do aquecimento global teria rompido a barreira tolerável dos 1,5º C até o final do século.
Pior que isso.
A dinâmica ascendente tampouco exibiria acomodação no limite superior dos 2º C.
Embarcados no comboio das protelações ditadas pelas conveniências corporativas e rentistas, estaríamos avançando às cegas para a imponderável radial de um aquecimento superior a 2,5º C, em flerte explícito com os 3º C até 2100.
Engana-se quem enxergar alívio no calendário remoto: o caminho da deriva é inclemente.
O padrão, e a frequência dos eventos climáticos extremos, alertam os cientistas, sinaliza a emergência de ocorrências cada vez mais letais em sua abrangência, força e regularidade.
Um dado resume todos os demais: o aumento do nível do mar ganhou velocidade antes inimaginável, afirma o Relatório Especial sobre Oceano e Criosfera, divulgado há poucos dias com base em dados de quase sete mil estudos científicos.
O derretimento no Ártico da ordem de 14 mil toneladas por segundo significa que a taxa de perda de gelo triplicou em relação à média dos anos 80, por exemplo.
A camada mais densa e mais antiga do gelo ártico já registrou uma diminuição de 95%.
O encadeamento decorrente é sabido: menos gelo, água mais quente, mais derretimento.
A retroalimentação explica os saltos que têm surpreendido a ciência e sugere que o mecanismo já opera em uma dinâmica autônoma.
Estamos no meio fio da irreversibilidade de uma mutação planetária. E é da nossa vida que estamos falando.
Se a água que envolve a Terra e regula o seu clima aqueceu a ponto de produzir estragos nos extremos gelados, não é difícil inferir o impacto disso em eventos que tem sua origem, intensidade e frequência em boa parte atadas às variáveis oceânicas.
Não é só que o nível do mar vai subir mais de um metro no final do século. Até lá, furacões, ciclones, chuvas e ventos anômalos --com desdobramentos equivalentes em secas, inundações, alterações na reprodução animal e na oferta pesqueira, verões fatais e dificuldades hídricas sem precedente, inclusive nas manchas de adensamento urbano extremo, pavimentarão a avenida do novo normal, alerta o relatório citado.
O mundo emite cerca de 11 bilhões de toneladas de carbono ano.
Seria preciso cortar isso em 45% até 2030, em relação aos níveis de 2010, e zerar o passivo até 2050 para ressuscitar a esperança num final de século XXI com aquecimento não superior a 1,5º C.
O conhecimento, a tecnologia, a física e a química dizem que é possível.
O problema é o poder. Quem o tem e as determinações que orientam o seu exercício.
O emaranhado sistêmico do capitalismo rentista nos nega esse fio terra em meio ao curto circuito global.
Viabilizar mudanças tão rápidas, tão profundas nas formas de viver e de produzir -- nos padrões de consumo, exigiria uma revolução dentro da própria ideia de revolução, recriando drasticamente relações de produção e de poder –e padrões de estilo de vida substancialmente distintos dos atuais.
A correlação de forças que define o ordenamento atual da sociedade, o discernimento social espremido pelo garrote midiático e a geopolítica planetária não respaldam essa hipótese.
Mas a constatação realista não autoriza o conformismo.
Ao contrário.
A crise climática arrombou portas apenas entreabertas também no âmbito dos projetos e prioridades do campo progressista.
O que ela está nos dizendo com a autoridade dos fatos imperativos é muito simples:
envelheceram os projetos de futuro dissociados da variável climática. Não há mais discussão crível de desenvolvimento, democracia e justiça social sem incorporar o relógio e o repertório da mutação planetária em curso.
‘A crise ambiental atinge inexoravelmente toda a sociedade’, resumiu o economista Luiz Gonzaga Belluzzo em entrevista recente à rádio Carta Maior.
Ela não rebaixa, nos explicou, antes agiganta a evidência de desequilíbrios econômicos e políticos de um sistema rentista que impõe a convergência entre os tempos e as formas da produção de mercadorias, e a rapidez com que se gera a riqueza monetária.
“Você reduz o tempo e espreme o espaço de todas as dimensões sociais e econômicas. Isso é a globalização. O meio ambiente é a principal vítima dessa aceleração do tempo e desconsideração com o espaço”, diz ele.
A lógica do neoliberalismo em fúria é que é preciso liberar a economia das restrições e constrangimentos materiais, sociais e naturais.
É a ‘desconstitucionalização’ dos tucanos, nome elegante para a desregulamentação bruta de Guedes e assemelhados. O efeito é o mesmo e envolve recuar o Estado e entregar as estatais e a sociedade aos desígnios dos mercados em todas as esferas.
Inclusive na ambiental.
‘Isso produziu o quê na Amazônia? -- pergunta Belluzzo para fuzilar a resposta: ‘ Produziu uma devastação’.
A principal dificuldade na equação da crise climática remete assim ao poder sonegado à sociedade para controlar os requisitos de racionalidade e equilíbrio indissociáveis da sua sobrevivência no século XXI.
A mola mestra da irresponsabilidade indecente é a ideia dominante de que as empresas, os recursos naturais, a pesquisa e as instituições –universidades, por exemplo, como denunciam os reitores e intelectuais ouvidos pela Rádio Carta Maior sobre o ‘Future-se’-- existem para atender aos requisitos de manutenção e ampliação da fatia da renda detida pelo império global dos acionistas.
Quem são eles?
O 1% que no Brasil abocanha 28% da riqueza, apoia Bolsonaro e fulgura como a elite local mais privilegiada em relação aos acionistas de todo o planeta.
A democracia liberal vigente não se propõe a corrigir essa lacuna embora os meios para tal existam.
A Unctad calcula, por exemplo, que empresas multinacionais têm um “colchão” de US$ 2 trilhões de liquidez. O valor acumulado de ativos de indivíduos mais ricos do planeta supera os US$ 60 trilhões. Investidores institucionais nos países ricos têm ativos de US$ 92,6 trilhões. Só no Brasil, a fatia desses investimentos somaria US$ 220 bi.
Em seu “Relatório Sobre Comércio e Desenvolvimento 2019”, essa agencia da ONU para o comércio e o desenvolvimento recomenda ‘medidas audaciosas’ de natureza tributária e de controle de capitais que viabilizem uma expansão fiscal forte sobe esse mar de capitais e, através disso, um “acordo ecológico mundial”.
Para o quê?
Para impulsionar o investimento público. Para evitar a catástrofe climática. Para gerar milhões de empregos em gastos com infraestrutura e industrialização verde. E por fim, mas não por último, para reatar o crescimento aos salários, e libertar a sociedade do buraco negro da ganância rentista.
Esse é o cenário dentro do qual o Brasil exerceu a sua prerrogativa histórica de abrir a sessão inaugural da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, a ONU, no dia 24 de setembro deste ano.
O que se viu e ouviu ali dá a medida da irresponsabilidade social das elites brasileiras.
Elas delegaram a um ser desprezível ensopado em ignorância e preconceito a tarefa de ocupar o poder e assim manter afastado o projeto progressista de construção democrática e sustentável do nosso desenvolvimento.
Foi assim, vestido da armadura arestosa do cavaleiro da guerra fria, que ele grunhiu a um mundo perplexo o decálogo da barbárie perfeita.
Afrontou nações, distribuiu insultos, provocou chefes de Estado, agigantou interesses contrapostos.
Diante da assembleia das nações, apregoou a guerra santa entre bons e maus agrupados conforme a certificação estreita e repressiva de seu arsenal moralista, de um lado; antissocial e antinacional, de outro, na renúncia suicida a políticas públicas, direitos e conquistas civilizatórias.
O destampatório sobressaltado atacou ambientalistas, socialistas e lideranças indígenas. Vociferou ideias de soberania obscurantistas --biombo tosco para a entrega, já em tramitação no Congresso nacional, do subsolo da Amazônia, e das porções mais intactas da floresta, as reservas indígenas, à atividade mais destrutiva do planeta: a mineração internacional.
Cabe arguir se não passa da hora de uma frente progressista e democrática afrontar integralmente o conjunto predatório de maior ou menor impacto que a sobre a floresta com a bandeira de uma moratória verde para a Amazônia, até que a humanidade tenha controlado a régua do aquecimento climático.
Mesmo quando bem intencionadas, caso das ideias de ‘tornar a floresta rentável de pé’, o conjunto gerador de renda está enlaçado na armadilha de que a Amazônia para existir sob o capitalismo precisa oferecer lucros na velocidade impossível do padrão rentista.
A população local, cerca de 20 milhões de pessoas mora predominantemente em cidades precárias. Não se beneficia, antes sofre as consequências da ‘exploração’ da mata. E o país dispõe de 60 milhões de áreas degradadas de pasto que equivale a um outro Brasil agrícola disponível para plantio sem novas derrubadas.
Não há nenhuma atividade exploratória capaz de gerar mais renda do que a existência em si da maior extensão continua de floresta tropical do planeta. A Amazônia não precisa pedir licença ao lucro para existir, assim como as geleiras dos polos não precisam oferecer outro ‘produto’ à humanidade que não assegurar uma temperatura compatível com a vida na Terra.
O repúdio à ruptura desconcertante com a tradição pacifista, multilateralista e negociadora do Brasil na ONU, dia 24 último, só não foi maior que a indignação com o menosprezo diante do clamor global por um pacto audacioso e cooperativo como esse, convergente com aquilo que a urgência climática cobra dentro de cada nação e entre as nações.
A conclusão urge se transformar em força política.
A defesa da civilização, o aggiornamento nas formas de viver e de produzir, a reciclagem na agenda do desenvolvimento --a tempo de evitar o caos-- mais que nunca dependem da iniciativa política organizada, dotada de informação crítica, traduzida em frentes plurais à altura do principal desafio do nosso tempo que consiste em ressuscitar a esperança e a confiança da sociedade nela mesma.
Vale dizer na democracia e na ação política organizada e coletiva.
É com esse sentido de urgência histórica --local e planetária— que Carta Maior realiza um imenso esforço de engajamento para dar sua cota a esse mutirão.
A web Rádio Carta Maior no ar desde o início de agosto provou a sua adequação à agilidade que o tempo cobra dos democratas, socialistas e liberais sinceros de todo o país.
Através de podcasts focados nos eixos que condensam os graves conflitos vividos pela sociedade brasileira, amplificamos o alcance de vozes que podem contribuir para a sua compreensão e superação.
Esse é o objetivo: aproximar interlocutores, disseminar ideias, aprofundar o discernimento crítico que leva ao engajamento e à mobilização.
O tempo de perguntar que horas são se esgotou: a hora é de engajamento e respostas criativas, politicamente organizadas, para vencer a irresponsabilidade indecente no poder caricaturada na figura mundialmente bizarra e perigosa do Presidente do país.
Só há uma forma de fazer isso de maneira bem sucedida: juntos, munidos de desassombro e audácia histórica. O nome do jogo é sobrevivência.
A ver.
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