Por Pedro Henrique Evangelista Duarte, no site Brasil Debate:
O momento de crise chama mais uma vez a atenção para um debate que, vez por outra, ganha destaque entre os economistas: o papel do Estado na sociedade e na economia. Mais uma vez, a situação de caos promove a rara união entre as mais diferentes escolas do pensamento econômico, todas elas certas de que neste momento cabe ao Estado a solução, ou a mitigação, dos efeitos danosos de uma crise sanitária que tem tido reflexos proeminentes sobre a atividade econômica, a ponto de considerarem que essa crise terá proporções mais amplas que a grande crise capitalista de 1929. Mas qual é a função do Estado em meio à crise?
Fazer uma reflexão sobre o papel do Estado na crise é fazer uma reflexão sobre o papel do Estado em si. É partir da compreensão de que estamos tratando de um Estado burguês, pensado e organizado para a promoção da atividade econômica e, nesse sentido, para a valorização do capital.
Tal tem sido a função histórica do Estado: sempre atrelado às classes detentoras do poder econômico e dependente destas, implementa políticas no sentido da promoção do desenvolvimento econômico, da perpetuação destes poderes e da manutenção das suas bases de sustentação. Não é por outra razão que, ao olharmos para a história, percebemos o protagonismo do Estado na consolidação do modo de produção capitalista, na organização das estruturas que particularizam suas diferentes fases e, no mesmo sentido, na recuperação da atividade econômica em momentos de crise.
Esta é, por exemplo, a visão que temos quando olhamos para as grandes crises do modo de produção. Nas principais crises do modo de produção capitalista, ao Estado coube o papel central de formulação de políticas anticíclicas.
Tais foram os casos da organização do movimento imperialista, para resolver a crise do final do século 19; do New Deal estadunidense, para equacionar os efeitos da crise de 1929; e das intervenções bancárias em 2009 para frear os impactos da crise do subprime. Durante as duas grandes guerras mundiais, aos Estados coube a organização dos mecanismos da chamada “economia de guerra”. A partir desses poucos exemplos, percebe-se muito claramente que o Estado é sempre demandado como “colchão amortecedor” nos momentos de crise.
A experiência de consolidação do capitalismo nos países periféricos, no entanto, nos mostrou uma outra feição do Estado. Nos países latino-americanos, ao Estado coube o papel central nos respectivos processos de industrialização, através da formulação de um planejamento econômico centralizado voltado exclusivamente para a montagem do setor industrial. Ademais, em momentos específicos, coube também ao Estado a formulação de políticas voltadas à proteção do trabalhador e à redução da desigualdade de renda, ainda que sem deixar de atender aos interesses das classes dominantes – já que, apesar das especificidades, mantem-se como Estado burguês.
Todos esses aspectos são apresentados com o intuito de lançar um olhar sobre a atual situação da relação Estado e sociedade no Brasil. De fato, desde o golpe de 2016, as políticas neoliberais – no seu sentido mais genuíno – voltaram a ser o direcionador das políticas públicas.
De forma mais proeminente, desde 2019, a equipe econômica do governo Bolsonaro – chefiada por Paulo Guedes – tem repetido o mantra da ineficiência do Estado, do excesso de endividamento público, do colapso das contas do governo e dos privilégios do funcionalismo público, tudo isso com o objetivo de lançar um conjunto de reformas que, às custas dos direitos trabalhistas, cria uma série de benefícios ao setor privado e ao capital financeiro. No bojo dessas formulações – e com questionável apoio popular – o atual governo aprovou a reforma da previdência e avançava a passos largos na aprovação da reforma administrativa.
Com a chegada dos reflexos da crise, não houve alternativa: o Estado foi demandado a resolvê-la. E, nesse ponto, se estabelece o grande paradoxo entre um governo cuja orientação ideológica defende a não intervenção do Estado na economia e na sociedade, e as irrestritas necessidades que se colocam para impedir que a crise se desdobre em um caos com consequências imprevistas. Nesse interim, duas questões ganham relevo: as ações até então implementadas pelo governo brasileiro, e o papel do setor privado na crise.
Ao analisar as medidas até então implementadas pelo governo, não há dúvidas de que, em sua natureza, estão voltadas à salvaguarda dos interesses do setor privado. Tal é o caso, inclusive, quando analisamos os termos da Medida Provisória 936 que, chamada de “programa emergencial para a manutenção do emprego e da renda”, cria direitos de redução de jornada e salários – beneficiando a classe empresarial – ao passo que cria um mecanismo de reposição salarial que, em todos os casos, resulta em perdas para o trabalhador.
Estudo recente publicado pelo Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON/IE/UNICAMP) mostra que, para diferentes cenários, a perda de rendimento para a classe trabalhadora pode ir de 10% a 82%, ao passo que a queda da massa salarial pode chegar a 28%.
Por sua vez, o auxílio emergencial de R$ 600 aprovado pelo governo, para pagamento a trabalhadores informais, desempregados e microempreendedores individuais, é relativamente baixo, se considerarmos que, em muitos casos, será o único rendimento para o sustento de famílias. No mesmo sentido, análises apontam que apenas 36% dos microempreendedores individuais no Brasil terão acesso ao auxílio emergencial de R$ 600. Trata-se de informações preocupantes, especialmente se considerarmos as frações mais vulneráveis da população.
E o papel do setor privado? Em tempos em que a perspectiva ideológica do governo defende que a atividade econômica deve ser conduzida pelo setor privado, e que as políticas implementadas são voltadas efetivamente à defesa dos interesses deste, seria plausível esperar que o empresariado cumprisse algum papel, juntamente com o governo, para mitigar os efeitos da crise. Mas em meio ao caos o setor privado precisa, mais do que nunca, dos recursos públicos.
O Estado brasileiro, assim, parece só ganhar importância em meio ao caos. Porém, nas atuais circunstâncias, o Estado parece ainda não ter encontrado os caminhos para refrear os efeitos da crise. O lugar para onde caminhamos é incerto, mas inegavelmente obscuro. Razões pelas quais cabe, à classe trabalhadora, a organização e a luta pela garantia de seus direitos.
O momento de crise chama mais uma vez a atenção para um debate que, vez por outra, ganha destaque entre os economistas: o papel do Estado na sociedade e na economia. Mais uma vez, a situação de caos promove a rara união entre as mais diferentes escolas do pensamento econômico, todas elas certas de que neste momento cabe ao Estado a solução, ou a mitigação, dos efeitos danosos de uma crise sanitária que tem tido reflexos proeminentes sobre a atividade econômica, a ponto de considerarem que essa crise terá proporções mais amplas que a grande crise capitalista de 1929. Mas qual é a função do Estado em meio à crise?
Fazer uma reflexão sobre o papel do Estado na crise é fazer uma reflexão sobre o papel do Estado em si. É partir da compreensão de que estamos tratando de um Estado burguês, pensado e organizado para a promoção da atividade econômica e, nesse sentido, para a valorização do capital.
Tal tem sido a função histórica do Estado: sempre atrelado às classes detentoras do poder econômico e dependente destas, implementa políticas no sentido da promoção do desenvolvimento econômico, da perpetuação destes poderes e da manutenção das suas bases de sustentação. Não é por outra razão que, ao olharmos para a história, percebemos o protagonismo do Estado na consolidação do modo de produção capitalista, na organização das estruturas que particularizam suas diferentes fases e, no mesmo sentido, na recuperação da atividade econômica em momentos de crise.
Esta é, por exemplo, a visão que temos quando olhamos para as grandes crises do modo de produção. Nas principais crises do modo de produção capitalista, ao Estado coube o papel central de formulação de políticas anticíclicas.
Tais foram os casos da organização do movimento imperialista, para resolver a crise do final do século 19; do New Deal estadunidense, para equacionar os efeitos da crise de 1929; e das intervenções bancárias em 2009 para frear os impactos da crise do subprime. Durante as duas grandes guerras mundiais, aos Estados coube a organização dos mecanismos da chamada “economia de guerra”. A partir desses poucos exemplos, percebe-se muito claramente que o Estado é sempre demandado como “colchão amortecedor” nos momentos de crise.
A experiência de consolidação do capitalismo nos países periféricos, no entanto, nos mostrou uma outra feição do Estado. Nos países latino-americanos, ao Estado coube o papel central nos respectivos processos de industrialização, através da formulação de um planejamento econômico centralizado voltado exclusivamente para a montagem do setor industrial. Ademais, em momentos específicos, coube também ao Estado a formulação de políticas voltadas à proteção do trabalhador e à redução da desigualdade de renda, ainda que sem deixar de atender aos interesses das classes dominantes – já que, apesar das especificidades, mantem-se como Estado burguês.
Todos esses aspectos são apresentados com o intuito de lançar um olhar sobre a atual situação da relação Estado e sociedade no Brasil. De fato, desde o golpe de 2016, as políticas neoliberais – no seu sentido mais genuíno – voltaram a ser o direcionador das políticas públicas.
De forma mais proeminente, desde 2019, a equipe econômica do governo Bolsonaro – chefiada por Paulo Guedes – tem repetido o mantra da ineficiência do Estado, do excesso de endividamento público, do colapso das contas do governo e dos privilégios do funcionalismo público, tudo isso com o objetivo de lançar um conjunto de reformas que, às custas dos direitos trabalhistas, cria uma série de benefícios ao setor privado e ao capital financeiro. No bojo dessas formulações – e com questionável apoio popular – o atual governo aprovou a reforma da previdência e avançava a passos largos na aprovação da reforma administrativa.
Com a chegada dos reflexos da crise, não houve alternativa: o Estado foi demandado a resolvê-la. E, nesse ponto, se estabelece o grande paradoxo entre um governo cuja orientação ideológica defende a não intervenção do Estado na economia e na sociedade, e as irrestritas necessidades que se colocam para impedir que a crise se desdobre em um caos com consequências imprevistas. Nesse interim, duas questões ganham relevo: as ações até então implementadas pelo governo brasileiro, e o papel do setor privado na crise.
Ao analisar as medidas até então implementadas pelo governo, não há dúvidas de que, em sua natureza, estão voltadas à salvaguarda dos interesses do setor privado. Tal é o caso, inclusive, quando analisamos os termos da Medida Provisória 936 que, chamada de “programa emergencial para a manutenção do emprego e da renda”, cria direitos de redução de jornada e salários – beneficiando a classe empresarial – ao passo que cria um mecanismo de reposição salarial que, em todos os casos, resulta em perdas para o trabalhador.
Estudo recente publicado pelo Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON/IE/UNICAMP) mostra que, para diferentes cenários, a perda de rendimento para a classe trabalhadora pode ir de 10% a 82%, ao passo que a queda da massa salarial pode chegar a 28%.
Por sua vez, o auxílio emergencial de R$ 600 aprovado pelo governo, para pagamento a trabalhadores informais, desempregados e microempreendedores individuais, é relativamente baixo, se considerarmos que, em muitos casos, será o único rendimento para o sustento de famílias. No mesmo sentido, análises apontam que apenas 36% dos microempreendedores individuais no Brasil terão acesso ao auxílio emergencial de R$ 600. Trata-se de informações preocupantes, especialmente se considerarmos as frações mais vulneráveis da população.
E o papel do setor privado? Em tempos em que a perspectiva ideológica do governo defende que a atividade econômica deve ser conduzida pelo setor privado, e que as políticas implementadas são voltadas efetivamente à defesa dos interesses deste, seria plausível esperar que o empresariado cumprisse algum papel, juntamente com o governo, para mitigar os efeitos da crise. Mas em meio ao caos o setor privado precisa, mais do que nunca, dos recursos públicos.
O Estado brasileiro, assim, parece só ganhar importância em meio ao caos. Porém, nas atuais circunstâncias, o Estado parece ainda não ter encontrado os caminhos para refrear os efeitos da crise. O lugar para onde caminhamos é incerto, mas inegavelmente obscuro. Razões pelas quais cabe, à classe trabalhadora, a organização e a luta pela garantia de seus direitos.
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