“Acredito que, sem dúvida, a nova Constituição política tem que nos permitir recuperar o Estado chileno, que hoje não nos pertence. A ditadura o entregou aos grupos econômicos para que fizessem uma festança com nossas riquezas. Eles saquearam o Estado, nossas empresas públicas foram entregues a grupos privados a preço vil, foi praticamente um presente da ditadura”.
A afirmação é de Hugo Gutiérrez, eleito em maio um dos 155 redatores da nova Constituição chilena – a primeira depois da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Ex-deputado federal, destacada liderança do Partido Comunista do Chile, advogado de presos políticos, Gutierrez defende a necessidade de “recuperar o cobre, o lítio, a biomassa marinha, o espectro radioelétrico, r tantas riquezas que atualmente estão nas mãos de grupos privados. Esta devolução tem que estar garantida na nova Constituição”.
“O povo nos deu a grande maioria, nos deu os dois terços para aprovar normas constituintes que nos permitam terminar com o saque dos grupos econômicos locais e das transnacionais”, acrescentou Gutiérrez, para quem o próximo passo decisivo será a eleição, no dia 21 de novembro, de Gabriel Boric à presidência e de um Congresso Nacional, que assegurem a implementação de um projeto que ponha fim ao neoliberalismo e contribuam para a construção de uma nova sociedade”.
É uma honra para nós conversarmos com o companheiro Hugo Gutiérrez, deputado constituinte chileno. Estamos em setembro, mês que nos recorda o golpe militar que assassinou o presidente Salvador Allende e milhares de cidadãos para colocar no poder o ditador Augusto Pinochet. O que representa diante da História o fato de estarmos hoje com uma Assembleia Constituinte instalada e com eleições marcadas para daqui há dois meses, quando a expectativa é elegermos o primeiro governo verdadeiramente popular depois de quase cinquenta anos do golpe?
Primeiramente, cumprimento ao Caio, ao Leonardo e a todos vocês que nos acompanham. Tenho plena identificação com o objetivo da busca da integração latino-americana, que coincide com o que se assinalou na VI Cúpula da CELAC (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), realizada na cidade do México sob os auspícios do presidente López Obrador, e cujo objetivo principal é, sem dúvida, começar a superar uma integração proposta pelo império, através da chamada OEA (Organização dos Estados Americanos), que só tem contribuído para os males do nosso continente.
Todos já assumem que o golpe de Estado na Bolívia foi patrocinado pelo secretário-geral da OEA e não é possível mais mantermos uma integração sob o auspício de um organismo que, claramente, responde aos interesses do império norte-americano.
Começo, portanto, por felicitar a iniciativa comunicacional de vocês que, sem dúvida, objetiva a maior integração dos países latino-americanos na sua luta contra esse império que nos quer ver submetidos a colônias.
Dito isto, creio que em meu país há três processos em curso. Um é muito antigo, mas não menos relevante, que é a luta contra a impunidade dos crimes cometidos pela ditadura militar que sucedeu o golpe de Estado que derrotou o presidente socialista Salvador Allende Gossens.
Esse processo de luta contra a impunidade, por verdade e justiça que vem ocorrendo no Chile, é uma das grandes conquistas do meu país, é essa vontade que veio se fortalecendo de que todos os crimes cometidos durante a ditadura sejam objeto de perseguição penal. Que não é possível diminuir nosso esforço por verdade e justiça.
É muito relevante que neste mês de setembro, quando se recorda o golpe de Estado, quando se recorda a morte do cantautor Victor Jara, o assassinato do ex-chanceler Orlando Letelier, em Washington-DC, por parte dos agentes de segurança da ditadura de Augusto Pinochet, e quando se recorda a morte do General Carlos Prats (comandante-chefe do Exército chileno) - na Argentina.
Há poucos dias, tivemos mais uma condenação contra os que violaram direitos humanos. Já se passaram 47 anos e seguimos prendendo violadores de direitos humanos. Creio que esta é uma grandeza de nosso povo: que nunca deixou de exigir verdade e justiça e um não à impunidade. Até hoje se segue prendendo agentes do Estado que formaram parte da ditadura e que violaram direitos humanos.
Quero destacar que esse processo de luta contra a impunidade, que permite seguir encarcerando a esses criminosos, principalmente integrantes das forças armadas chilenas, é o que está na retaguarda dos demais processos em curso no país. Particularmente do processo constituinte, que vai dar ao Chile a primeira Constituição política feita pelo povo que, sem dúvida, vai romper com os privilégios da oligarquia chilena que durante anos gozou de todas as benesses que a ditadura entregou a estas minorias, a estes grupos econômicos que participaram do roubo do nosso país. E hoje, todas essas vantagens, todos esses benefícios, todo esse lucro acumulado pela oligarquia estão por terminar.
E se isso pode passar com tranquilidade, se hoje podemos efetivamente propor uma nova Constituição política que desmonte o modelo neoliberal, isto está justamente alicerçado nessa luta contra a impunidade, porque os militares, as forças armadas, os violadores de direitos humanos sabem dessa vontade e dessa perseverança. Sabem que se obstaculizarem este caminho que está escolhendo o país rumo a uma nova Constituição que garanta a soberania popular, que garanta os recursos naturais, sabem que poderá demorar, mas serão encarcerados.
Isso é o que a luta pela verdade, pela justiça e contra a impunidade nos garantiu. E esse belo processo que hoje está pressionando nosso país para que os povos do Chile tenham uma nova Constituição e tenham como retaguarda justamente essa prisão especial onde todos os dias seguem ingressando violadores de direitos humanos. Já são mais de 500 presos, muitos deles morrendo nos presídios. Neste mês de setembro quatro morreram de Covid na cadeia. Isto demonstra que os termos perseguido e encarcerado, nos dará segurança para que possamos aprofundar a democracia e superar o modelo neoliberal.
Essa é uma parte importante e exemplar para a América Latina: a confrontação da repressão. E do ponto de vista do estímulo para o conjunto dos nossos países, o combate ao Estado neoliberal para a retomada das nossas riquezas. Porque estes tipos violaram nossos países para usurpar, para privatizar, para deixar um Estado vazio de direitos para os trabalhadores. De que forma a Constituinte pode abrir as portas para que tenhamos uma nova sociedade?
Acredito que, sem dúvida, a nova Constituição política tem que nos permitir recuperar o Estado chileno, que hoje não nos pertence. A ditadura o entregou aos grupos econômicos para que fizessem uma festança com nossas riquezas. Eles saquearam o Estado, nossas empresas públicas foram entregues a grupos privados a preço vil, foi praticamente um presente da ditadura.
Essas empresas tornaram muitos grupos econômicos multimilionários. Todas essas riquezas naturais, todas essas estatais precisam voltar ao Estado. Isso tem que ficar estabelecido na nova Constituição: que os recursos naturais, os bens comuns, são propriedade dos povos do Chile. Precisamos recuperar o cobre, o lítio, a biomassa marinha, o espectro radioelétrico, tantas coisas que atualmente estão nas mãos de grupos privados. Esta devolução tem que estar garantida na nova Constituição.
E, sem dúvida, é preciso garantir direitos sociais como a educação, como a saúde, a Previdência Social, a habitação, o trabalho, o direito a viver em um meio livre de contaminação. Estes são direitos mínimos que todos os povos necessitam ter.
A Constituição tem que garantir o direito à autodeterminação dos povos, tanto no plano político, como o respeito aos seus recursos naturais.
Agora és constituinte, mas já foste deputado federal. Uma das denúncias que fizeste é que ainda que a Constituição garantisse a nacionalização do cobre e do lítio, por exemplo, foram feitas leis de concessão no parlamento, como arranjos, para que grupos privados – muitos deles cartéis transnacionais – adquirissem essas riquezas estratégicas. Como fazer para diminuir a margem de manobra e o espaço destes grupos?
Acredito que a direita está dentro do que poderíamos chamar de uma tormenta perfeita. Porque eu diria que temos uma Constituinte de esquerda que poderia, se nos colocarmos de acordo, recuperar nossos recursos naturais, recuperar o Estado para os chilenos e chilenas, isso podemos fazer.
O povo nos deu a grande maioria, temos os dois terços para aprovar normas constituintes que nos permitam terminar com o saque dos grupos econômicos locais e das transnacionais.
Mas a tormenta também está instalada porque está a possibilidade de que o candidato de Apruebo Dignidad, Gabriel Boric, faça com que um governo realmente de esquerda chegue pela primeira vez ao Palácio de La Moneda. E se isso se soma a um parlamento de esquerda, que é uma decisão que o povo tem de tomar, nos permitirá as grandes transformações que o país necessita.
Porque no dia de amanhã poderemos ter uma bela Constituição política, com normas muito avançadas, mas de nada adiantará se não tivermos um governo encabeçado por Gabriel Boric, que assegure esse processo de implementação da Constituição, junto com um Congresso Nacional que esteja em condições de chegar aos acordos necessários para implementar rapidamente a transição democrática que nunca tivemos.
Porque nosso problema não esteve dado somente por uma ditadura militar, mas também por uma elite política que se instala durante uma transição democrática covarde, traidora de todas as lutas dos povos, que os desconheceram, para depois instalar-se com base nas benesses obtidas.
Essa transição democrática perpétua que tivemos não cumpriu com os objetivos de terminar com a Constituição da ditadura. Teve que ocorrer toda uma revolta social, popular, para que iniciássemos a caminhada para pôr fim à Constituição da ditadura. Manteve vigente um modelo neoliberal, uma doutrina de segurança nacional que habita nos corações e nas mentes de todos os integrantes das Forças Armadas e dos órgãos de segurança, manteve a impunidade à violação aos direitos humanos.
Se não fosse pela sociedade, que esteve convencida da urgência da importância de pôr fim aos abusos, nada teria mudado, porque não houve compromisso algum de parte da transição democrática de se acabar com a impunidade à violação aos direitos humanos, que vinha arrastando-se desde a ditadura.
Todas as mudanças terão que ser feitas depois que se aprove a nova Constituição política. A partir de então se iniciará realmente a transição democrática que o Chile esperou por pelo menos 32 anos. Imaginem: mais de três décadas para começar uma verdadeira transição política, com uma Constituição democrática, superando o modelo neoliberal, superando essa doutrina de segurança nacional e seguindo com o compromisso que teve a sociedade chilena de terminar com a impunidade dos crimes cometidos pela ditadura.
Vocês dirão: mas passou muito tempo, estão prendendo velhinhos. Sim, estamos aprisionando velhos, mas que cometeram graves violações aos direitos humanos. Vão morrer na prisão? Sim, vão morrer na prisão, sem nenhuma dúvida. Assim como não há dúvida de que merecem morrer nos cárceres pelos crimes que cometeram, como o genocídio, o extermínio de milhares de pessoas por suas ideias [oficialmente, mais de 40 mil]. Até hoje o Chile tem mais de mil em condições de detidos desaparecidos, que não os encontramos, que os seguimos buscando. E os que cometeram os crimes não nos dizem onde estão. Então, acreditem: não há outro caminho senão a prisão e a condenação desses criminosos.
Creio que tudo o que estamos passando no Chile, este processo de luta contra a impunidade, este processo constituinte, este processo de eleger um presidente e um Congresso Nacional de esquerda, este processo em conjunto, é uma tempestade perfeita para a direita, porém depende também de que haja um compromisso maior também do povo para que isso consiga ser realizado. E se conseguimos que isso seja realizado é, sem dúvida, uma demonstração de que queremos superar realmente o neoliberalismo e aprofundar a democracia.
Como estão neste momento, final de setembro, os trabalhos dentro do processo de elaboração da Constituição? Já se pode ver uma intenção de mudança concreta na saúde, na previdência, na economia?
Estamos atualmente no momento da aprovação das regras que vão permitir a elaboração da norma constitucional. Mas já posso assinalar com segurança que vamos ter um Estado plurinacional. Isto é irreversível, que reconheçamos que o povo do Chile é um povo, mas que juntos existem os primeiros povos representados pelos Mapuche, Rapa Nui, Diaguita, Aymara, Quechua... Ou seja, existe uma diversidade de povos. Isso é irreversível. Só nos falta agora a norma que permita escrever a nova Constituição política. Já está claro que os órgãos políticos que estão se construindo, a partir dessa nova Constituição, serão paritários (homens e mulheres). Não há possibilidade de retroceder na concepção de que os órgãos como a Câmara de Deputados, o Poder Judiciário, todos os poderes que estabeleçam esta Constituição serão paritários. Não haverá mais um poder ou um órgão do Estado que seja composto apenas por homens. Isso te posso assegurar que não vai mais existir no Chile. Será garantido que em todos esses órgãos pelo menos a metade será composta por mulheres. Da mesma forma, haverá um reconhecimento à diversidade sexual, que vai haver uma proibição absoluta, total, da intolerância neste país. E isto é importante para pôr fim ao negacionismo da direita, sobretudo a que nega as violações de direitos humanos.
Também creio não haver dúvidas de que o país não vai ser mais um Estado centralista, unitário, no sentido de que a estrutura do país responda unicamente aos interesses do poder econômico. O que vai haver é um país diverso, um reconhecimento dos territórios, vai haver justiça territorial. Creio que aqui todas as regiões se sentirão contentes de participar porque tudo não vai estar mais centralizado em Santiago do Chile. Também as regiões do norte e do sul, que são muito isoladas, que têm pouca população e que têm tido pouca atenção por parte do Estado chileno, vão aparecer de verdade na geografia do nosso país. Creio que temos avançado de forma significativa e que isso vai ser notado de forma mais substanciosa quando começarmos a elaborar as normas permanentes que vão se incorporar à nova Constituição que submeteremos à votação no final desse processo Constituinte. [A nova Constituição será submetida a referendo popular antes de entrar em vigor].
Haverá uma democratização de direitos, mas também uma democratização dos recursos que vão permitir o efetivo exercício desses direitos. É esta a ideia?
Esta é uma grande pergunta e sem dúvida, sim, queremos direitos sociais e temos que fazer uma recuperação dos recursos naturais, dos bens comuns.
Creio que não há possibilidade de garantir direitos sociais como o direito à habitação, à educação ou à saúde sem recuperarmos os bens comuns, porque são eles que podem garantir recursos para entregarmos ao povo o que o povo está pedindo.
Não queremos somente uma Constituição que diga apenas que há o direito à saúde, os povos querem que esse direito lhes seja reconhecido, mas que também materialmente se veja como uma realidade. Que vão a um hospital e que sejam bem atendidos, que tenham médicos para atender. Não como agora que a saúde pública é uma saúde secundária em relação à privada, que é a que realmente importa.
Creio que os povos do Chile vão exigir que o Estado lhes garanta realmente que seus direitos possam ser desfrutados diariamente, no cotidiano. Isto devemos ter presente no momento em que reconheçamos os direitos sociais, mas também mudemos o sistema tributário e recuperemos as empresas do Estado e os bens que nos pertencem.
Há uma luta política e ideológica dentro da Constituinte? Como isso está chegando na sociedade chilena, se há toda uma manipulação dos meios, ainda mais em meio a uma intensa disputa eleitoral?
Não acredito que haja uma grande confrontação no interior da Constituinte. Teria havido se a direita tivesse mais representada do que está. O que ocorre é que estamos discutindo, acredito mais do que o devido, é entre o que estamos de acordo. Tem de haver na Convenção política o reconhecimento à soberania dos povos, que recupere bens comuns, que recupere nossas empresas estatais, que reconheça direitos sociais.
Mas o que a direita tem se dedicado, sabendo que não tem força de decisão dentro da Convenção? Tem usado os seus meios de comunicação para tentar tirar credibilidade à Constituinte. A forma como a direita tem incidido é via difamação, tentando desacreditá-la. O fakenews é permanente, inventam mentiras. E como eles têm os meios de comunicação e a Constituinte não tem nenhum, obviamente eles vendem uma grande disputa interna, quando ela não existe.
O Presidente Joe Biden disse há poucos dias que os EUA não vão mais apostar em intervenções armadas diretas para defender seus interesses, mas investir em aliados políticos locais objetivando instalar governos dóceis e submissos. Um exemplo recente dessa política foi o golpe na Bolívia.
É possível que os EUA adotem tal política no Chile nas próximas eleições quando se elegerá um presidente e um Legislativo ainda sob as regras da Constituição pinochetista? Um poder político que não se submeta à nova Constituição?
Acredito que já temos uma experiência a respeito da política norte-americana, que nos tem considerado seu quintal. Não temos nenhuma razão de esperar a aplicação de uma política externa diferente do império, que segue nos tratando como sua colônia. Somos necessários para eles por várias razões, mas fundamentalmente pelos nossos recursos naturais e pela mão de obra barata.
Consequentemente, o império vai seguir atacando de várias formas os países latino-americanos. É bom lembrar das muitas mentiras que se elaboraram nos EUA sobre Rafael Correa para envolvê-lo num caso de corrupção no Equador e que hoje o impede de voltar a seu país. Vocês também viram como esse juiz Moro, formado nos Estados Unidos, onde teve a orientação para a perseguição penal do ex-presidente e, espero, futuro presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
Assim que os EUA, em diversos tempos, recorre a diversas fórmulas para intervir na política de nossos países. Por isso precisamos manter sempre vivo nosso anti-imperialismo. Este é o ABC do que temos que fazer, os que estamos comprometidos com as mudanças na América Latina. Junto com a integração, deve estar essa clareza de que somos anti-imperialistas.
A respeito do que se passa com os países, claro, o império se mete nas mentes das pessoas e, lamentavelmente, isso faz muitos reagirem em função da ideologia que eles criaram. Não é fácil de superar o neoliberalismo culturalmente. Essa é uma complexidade que temos em nossos países e temos que assumir que existe. Daí a importância de uma Constituição que restabeleça a soberania popular, que restabeleça os direitos econômicos, sociais e culturais. Que em definitivo ponha o acento em que são os povos, os trabalhadores e trabalhadoras que geram as riquezas, os que devem ser a principal preocupação do Estado chileno.
Essa Constituição pode dizer tudo isso, mas é óbvio que os EUA vão seguir interagindo com os políticos locais, com a oligarquia local, tentando subverter este processo. Por isso, quando começava esta conversa eu falava da importância de seguir com a luta contra a impunidade das violações dos direitos humanos cometidos pela ditadura. Porque a oligarquia chilena, assim como as oligarquias de todos os países, com o que contam no final para impor seus desígnios, seus privilégios, são as Forças Armadas e quando estas, particularmente no caso chileno, estão atormentadas permanentemente pela perseguição penal, que não foi interrompida neste país, que não parou em nenhum momento, isto é o que permite dizer que há um processo que pode aprofundar a nova Constituição política. E oxalá com um governo de esquerda, oxalá com um Congresso Nacional de esquerda, e com esse processo de luta contra a impunidade que pode aprofundar a democracia impedindo que as Forças Armadas intervenham neste processo constituinte e político para subvertê-lo, para frustrá-lo, para fazê-lo fracassar.
Penso, portanto, que cada um desses processos precisa manter-se vivo. Porque é assim que eles vão cada um se resguardando, para garantir a democracia e restabelecer a soberania popular.
Qual a sua avaliação da importância da comunicação alternativa acompanhar in loco o atual processo?
É muita a relevância que terá a presença do coletivo de comunicação ComunicaSul, acompanhando o processo eleitoral presidencial e parlamentar, e também vigilante do processo constituinte. É de suma importância. Porque hoje estamos jogando no Chile o fim do neoliberalismo, onde surgiu estas políticas nefastas para os seres humanos em todo o mundo. Aqui por meio de uma ditadura se implementou esta irracionalidade econômica chamada de neoliberalismo e aqui é onde teremos de sepultá-lo. Acredito que o início do fim começa no dia 21 de novembro com as eleições presidenciais e do Congresso, processo que tem de ser consumado com a nova Constituição política.
Consequentemente, estar presente, vigilante e atento com o que está se passando no Chile é vital para a América Latina e para o mundo. Não é que queiramos ser o centro de nada, mas o que está se jogando é a criação, o início de políticas pós-neoliberais, o que vem depois do neoliberalismo. Isso quer dizer que a batalha do Chile continua.
A afirmação é de Hugo Gutiérrez, eleito em maio um dos 155 redatores da nova Constituição chilena – a primeira depois da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Ex-deputado federal, destacada liderança do Partido Comunista do Chile, advogado de presos políticos, Gutierrez defende a necessidade de “recuperar o cobre, o lítio, a biomassa marinha, o espectro radioelétrico, r tantas riquezas que atualmente estão nas mãos de grupos privados. Esta devolução tem que estar garantida na nova Constituição”.
“O povo nos deu a grande maioria, nos deu os dois terços para aprovar normas constituintes que nos permitam terminar com o saque dos grupos econômicos locais e das transnacionais”, acrescentou Gutiérrez, para quem o próximo passo decisivo será a eleição, no dia 21 de novembro, de Gabriel Boric à presidência e de um Congresso Nacional, que assegurem a implementação de um projeto que ponha fim ao neoliberalismo e contribuam para a construção de uma nova sociedade”.
É uma honra para nós conversarmos com o companheiro Hugo Gutiérrez, deputado constituinte chileno. Estamos em setembro, mês que nos recorda o golpe militar que assassinou o presidente Salvador Allende e milhares de cidadãos para colocar no poder o ditador Augusto Pinochet. O que representa diante da História o fato de estarmos hoje com uma Assembleia Constituinte instalada e com eleições marcadas para daqui há dois meses, quando a expectativa é elegermos o primeiro governo verdadeiramente popular depois de quase cinquenta anos do golpe?
Primeiramente, cumprimento ao Caio, ao Leonardo e a todos vocês que nos acompanham. Tenho plena identificação com o objetivo da busca da integração latino-americana, que coincide com o que se assinalou na VI Cúpula da CELAC (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), realizada na cidade do México sob os auspícios do presidente López Obrador, e cujo objetivo principal é, sem dúvida, começar a superar uma integração proposta pelo império, através da chamada OEA (Organização dos Estados Americanos), que só tem contribuído para os males do nosso continente.
Todos já assumem que o golpe de Estado na Bolívia foi patrocinado pelo secretário-geral da OEA e não é possível mais mantermos uma integração sob o auspício de um organismo que, claramente, responde aos interesses do império norte-americano.
Começo, portanto, por felicitar a iniciativa comunicacional de vocês que, sem dúvida, objetiva a maior integração dos países latino-americanos na sua luta contra esse império que nos quer ver submetidos a colônias.
Dito isto, creio que em meu país há três processos em curso. Um é muito antigo, mas não menos relevante, que é a luta contra a impunidade dos crimes cometidos pela ditadura militar que sucedeu o golpe de Estado que derrotou o presidente socialista Salvador Allende Gossens.
Esse processo de luta contra a impunidade, por verdade e justiça que vem ocorrendo no Chile, é uma das grandes conquistas do meu país, é essa vontade que veio se fortalecendo de que todos os crimes cometidos durante a ditadura sejam objeto de perseguição penal. Que não é possível diminuir nosso esforço por verdade e justiça.
É muito relevante que neste mês de setembro, quando se recorda o golpe de Estado, quando se recorda a morte do cantautor Victor Jara, o assassinato do ex-chanceler Orlando Letelier, em Washington-DC, por parte dos agentes de segurança da ditadura de Augusto Pinochet, e quando se recorda a morte do General Carlos Prats (comandante-chefe do Exército chileno) - na Argentina.
Há poucos dias, tivemos mais uma condenação contra os que violaram direitos humanos. Já se passaram 47 anos e seguimos prendendo violadores de direitos humanos. Creio que esta é uma grandeza de nosso povo: que nunca deixou de exigir verdade e justiça e um não à impunidade. Até hoje se segue prendendo agentes do Estado que formaram parte da ditadura e que violaram direitos humanos.
Quero destacar que esse processo de luta contra a impunidade, que permite seguir encarcerando a esses criminosos, principalmente integrantes das forças armadas chilenas, é o que está na retaguarda dos demais processos em curso no país. Particularmente do processo constituinte, que vai dar ao Chile a primeira Constituição política feita pelo povo que, sem dúvida, vai romper com os privilégios da oligarquia chilena que durante anos gozou de todas as benesses que a ditadura entregou a estas minorias, a estes grupos econômicos que participaram do roubo do nosso país. E hoje, todas essas vantagens, todos esses benefícios, todo esse lucro acumulado pela oligarquia estão por terminar.
E se isso pode passar com tranquilidade, se hoje podemos efetivamente propor uma nova Constituição política que desmonte o modelo neoliberal, isto está justamente alicerçado nessa luta contra a impunidade, porque os militares, as forças armadas, os violadores de direitos humanos sabem dessa vontade e dessa perseverança. Sabem que se obstaculizarem este caminho que está escolhendo o país rumo a uma nova Constituição que garanta a soberania popular, que garanta os recursos naturais, sabem que poderá demorar, mas serão encarcerados.
Isso é o que a luta pela verdade, pela justiça e contra a impunidade nos garantiu. E esse belo processo que hoje está pressionando nosso país para que os povos do Chile tenham uma nova Constituição e tenham como retaguarda justamente essa prisão especial onde todos os dias seguem ingressando violadores de direitos humanos. Já são mais de 500 presos, muitos deles morrendo nos presídios. Neste mês de setembro quatro morreram de Covid na cadeia. Isto demonstra que os termos perseguido e encarcerado, nos dará segurança para que possamos aprofundar a democracia e superar o modelo neoliberal.
Essa é uma parte importante e exemplar para a América Latina: a confrontação da repressão. E do ponto de vista do estímulo para o conjunto dos nossos países, o combate ao Estado neoliberal para a retomada das nossas riquezas. Porque estes tipos violaram nossos países para usurpar, para privatizar, para deixar um Estado vazio de direitos para os trabalhadores. De que forma a Constituinte pode abrir as portas para que tenhamos uma nova sociedade?
Acredito que, sem dúvida, a nova Constituição política tem que nos permitir recuperar o Estado chileno, que hoje não nos pertence. A ditadura o entregou aos grupos econômicos para que fizessem uma festança com nossas riquezas. Eles saquearam o Estado, nossas empresas públicas foram entregues a grupos privados a preço vil, foi praticamente um presente da ditadura.
Essas empresas tornaram muitos grupos econômicos multimilionários. Todas essas riquezas naturais, todas essas estatais precisam voltar ao Estado. Isso tem que ficar estabelecido na nova Constituição: que os recursos naturais, os bens comuns, são propriedade dos povos do Chile. Precisamos recuperar o cobre, o lítio, a biomassa marinha, o espectro radioelétrico, tantas coisas que atualmente estão nas mãos de grupos privados. Esta devolução tem que estar garantida na nova Constituição.
E, sem dúvida, é preciso garantir direitos sociais como a educação, como a saúde, a Previdência Social, a habitação, o trabalho, o direito a viver em um meio livre de contaminação. Estes são direitos mínimos que todos os povos necessitam ter.
A Constituição tem que garantir o direito à autodeterminação dos povos, tanto no plano político, como o respeito aos seus recursos naturais.
Agora és constituinte, mas já foste deputado federal. Uma das denúncias que fizeste é que ainda que a Constituição garantisse a nacionalização do cobre e do lítio, por exemplo, foram feitas leis de concessão no parlamento, como arranjos, para que grupos privados – muitos deles cartéis transnacionais – adquirissem essas riquezas estratégicas. Como fazer para diminuir a margem de manobra e o espaço destes grupos?
Acredito que a direita está dentro do que poderíamos chamar de uma tormenta perfeita. Porque eu diria que temos uma Constituinte de esquerda que poderia, se nos colocarmos de acordo, recuperar nossos recursos naturais, recuperar o Estado para os chilenos e chilenas, isso podemos fazer.
O povo nos deu a grande maioria, temos os dois terços para aprovar normas constituintes que nos permitam terminar com o saque dos grupos econômicos locais e das transnacionais.
Mas a tormenta também está instalada porque está a possibilidade de que o candidato de Apruebo Dignidad, Gabriel Boric, faça com que um governo realmente de esquerda chegue pela primeira vez ao Palácio de La Moneda. E se isso se soma a um parlamento de esquerda, que é uma decisão que o povo tem de tomar, nos permitirá as grandes transformações que o país necessita.
Porque no dia de amanhã poderemos ter uma bela Constituição política, com normas muito avançadas, mas de nada adiantará se não tivermos um governo encabeçado por Gabriel Boric, que assegure esse processo de implementação da Constituição, junto com um Congresso Nacional que esteja em condições de chegar aos acordos necessários para implementar rapidamente a transição democrática que nunca tivemos.
Porque nosso problema não esteve dado somente por uma ditadura militar, mas também por uma elite política que se instala durante uma transição democrática covarde, traidora de todas as lutas dos povos, que os desconheceram, para depois instalar-se com base nas benesses obtidas.
Essa transição democrática perpétua que tivemos não cumpriu com os objetivos de terminar com a Constituição da ditadura. Teve que ocorrer toda uma revolta social, popular, para que iniciássemos a caminhada para pôr fim à Constituição da ditadura. Manteve vigente um modelo neoliberal, uma doutrina de segurança nacional que habita nos corações e nas mentes de todos os integrantes das Forças Armadas e dos órgãos de segurança, manteve a impunidade à violação aos direitos humanos.
Se não fosse pela sociedade, que esteve convencida da urgência da importância de pôr fim aos abusos, nada teria mudado, porque não houve compromisso algum de parte da transição democrática de se acabar com a impunidade à violação aos direitos humanos, que vinha arrastando-se desde a ditadura.
Todas as mudanças terão que ser feitas depois que se aprove a nova Constituição política. A partir de então se iniciará realmente a transição democrática que o Chile esperou por pelo menos 32 anos. Imaginem: mais de três décadas para começar uma verdadeira transição política, com uma Constituição democrática, superando o modelo neoliberal, superando essa doutrina de segurança nacional e seguindo com o compromisso que teve a sociedade chilena de terminar com a impunidade dos crimes cometidos pela ditadura.
Vocês dirão: mas passou muito tempo, estão prendendo velhinhos. Sim, estamos aprisionando velhos, mas que cometeram graves violações aos direitos humanos. Vão morrer na prisão? Sim, vão morrer na prisão, sem nenhuma dúvida. Assim como não há dúvida de que merecem morrer nos cárceres pelos crimes que cometeram, como o genocídio, o extermínio de milhares de pessoas por suas ideias [oficialmente, mais de 40 mil]. Até hoje o Chile tem mais de mil em condições de detidos desaparecidos, que não os encontramos, que os seguimos buscando. E os que cometeram os crimes não nos dizem onde estão. Então, acreditem: não há outro caminho senão a prisão e a condenação desses criminosos.
Creio que tudo o que estamos passando no Chile, este processo de luta contra a impunidade, este processo constituinte, este processo de eleger um presidente e um Congresso Nacional de esquerda, este processo em conjunto, é uma tempestade perfeita para a direita, porém depende também de que haja um compromisso maior também do povo para que isso consiga ser realizado. E se conseguimos que isso seja realizado é, sem dúvida, uma demonstração de que queremos superar realmente o neoliberalismo e aprofundar a democracia.
Como estão neste momento, final de setembro, os trabalhos dentro do processo de elaboração da Constituição? Já se pode ver uma intenção de mudança concreta na saúde, na previdência, na economia?
Estamos atualmente no momento da aprovação das regras que vão permitir a elaboração da norma constitucional. Mas já posso assinalar com segurança que vamos ter um Estado plurinacional. Isto é irreversível, que reconheçamos que o povo do Chile é um povo, mas que juntos existem os primeiros povos representados pelos Mapuche, Rapa Nui, Diaguita, Aymara, Quechua... Ou seja, existe uma diversidade de povos. Isso é irreversível. Só nos falta agora a norma que permita escrever a nova Constituição política. Já está claro que os órgãos políticos que estão se construindo, a partir dessa nova Constituição, serão paritários (homens e mulheres). Não há possibilidade de retroceder na concepção de que os órgãos como a Câmara de Deputados, o Poder Judiciário, todos os poderes que estabeleçam esta Constituição serão paritários. Não haverá mais um poder ou um órgão do Estado que seja composto apenas por homens. Isso te posso assegurar que não vai mais existir no Chile. Será garantido que em todos esses órgãos pelo menos a metade será composta por mulheres. Da mesma forma, haverá um reconhecimento à diversidade sexual, que vai haver uma proibição absoluta, total, da intolerância neste país. E isto é importante para pôr fim ao negacionismo da direita, sobretudo a que nega as violações de direitos humanos.
Também creio não haver dúvidas de que o país não vai ser mais um Estado centralista, unitário, no sentido de que a estrutura do país responda unicamente aos interesses do poder econômico. O que vai haver é um país diverso, um reconhecimento dos territórios, vai haver justiça territorial. Creio que aqui todas as regiões se sentirão contentes de participar porque tudo não vai estar mais centralizado em Santiago do Chile. Também as regiões do norte e do sul, que são muito isoladas, que têm pouca população e que têm tido pouca atenção por parte do Estado chileno, vão aparecer de verdade na geografia do nosso país. Creio que temos avançado de forma significativa e que isso vai ser notado de forma mais substanciosa quando começarmos a elaborar as normas permanentes que vão se incorporar à nova Constituição que submeteremos à votação no final desse processo Constituinte. [A nova Constituição será submetida a referendo popular antes de entrar em vigor].
Haverá uma democratização de direitos, mas também uma democratização dos recursos que vão permitir o efetivo exercício desses direitos. É esta a ideia?
Esta é uma grande pergunta e sem dúvida, sim, queremos direitos sociais e temos que fazer uma recuperação dos recursos naturais, dos bens comuns.
Creio que não há possibilidade de garantir direitos sociais como o direito à habitação, à educação ou à saúde sem recuperarmos os bens comuns, porque são eles que podem garantir recursos para entregarmos ao povo o que o povo está pedindo.
Não queremos somente uma Constituição que diga apenas que há o direito à saúde, os povos querem que esse direito lhes seja reconhecido, mas que também materialmente se veja como uma realidade. Que vão a um hospital e que sejam bem atendidos, que tenham médicos para atender. Não como agora que a saúde pública é uma saúde secundária em relação à privada, que é a que realmente importa.
Creio que os povos do Chile vão exigir que o Estado lhes garanta realmente que seus direitos possam ser desfrutados diariamente, no cotidiano. Isto devemos ter presente no momento em que reconheçamos os direitos sociais, mas também mudemos o sistema tributário e recuperemos as empresas do Estado e os bens que nos pertencem.
Há uma luta política e ideológica dentro da Constituinte? Como isso está chegando na sociedade chilena, se há toda uma manipulação dos meios, ainda mais em meio a uma intensa disputa eleitoral?
Não acredito que haja uma grande confrontação no interior da Constituinte. Teria havido se a direita tivesse mais representada do que está. O que ocorre é que estamos discutindo, acredito mais do que o devido, é entre o que estamos de acordo. Tem de haver na Convenção política o reconhecimento à soberania dos povos, que recupere bens comuns, que recupere nossas empresas estatais, que reconheça direitos sociais.
Mas o que a direita tem se dedicado, sabendo que não tem força de decisão dentro da Convenção? Tem usado os seus meios de comunicação para tentar tirar credibilidade à Constituinte. A forma como a direita tem incidido é via difamação, tentando desacreditá-la. O fakenews é permanente, inventam mentiras. E como eles têm os meios de comunicação e a Constituinte não tem nenhum, obviamente eles vendem uma grande disputa interna, quando ela não existe.
O Presidente Joe Biden disse há poucos dias que os EUA não vão mais apostar em intervenções armadas diretas para defender seus interesses, mas investir em aliados políticos locais objetivando instalar governos dóceis e submissos. Um exemplo recente dessa política foi o golpe na Bolívia.
É possível que os EUA adotem tal política no Chile nas próximas eleições quando se elegerá um presidente e um Legislativo ainda sob as regras da Constituição pinochetista? Um poder político que não se submeta à nova Constituição?
Acredito que já temos uma experiência a respeito da política norte-americana, que nos tem considerado seu quintal. Não temos nenhuma razão de esperar a aplicação de uma política externa diferente do império, que segue nos tratando como sua colônia. Somos necessários para eles por várias razões, mas fundamentalmente pelos nossos recursos naturais e pela mão de obra barata.
Consequentemente, o império vai seguir atacando de várias formas os países latino-americanos. É bom lembrar das muitas mentiras que se elaboraram nos EUA sobre Rafael Correa para envolvê-lo num caso de corrupção no Equador e que hoje o impede de voltar a seu país. Vocês também viram como esse juiz Moro, formado nos Estados Unidos, onde teve a orientação para a perseguição penal do ex-presidente e, espero, futuro presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
Assim que os EUA, em diversos tempos, recorre a diversas fórmulas para intervir na política de nossos países. Por isso precisamos manter sempre vivo nosso anti-imperialismo. Este é o ABC do que temos que fazer, os que estamos comprometidos com as mudanças na América Latina. Junto com a integração, deve estar essa clareza de que somos anti-imperialistas.
A respeito do que se passa com os países, claro, o império se mete nas mentes das pessoas e, lamentavelmente, isso faz muitos reagirem em função da ideologia que eles criaram. Não é fácil de superar o neoliberalismo culturalmente. Essa é uma complexidade que temos em nossos países e temos que assumir que existe. Daí a importância de uma Constituição que restabeleça a soberania popular, que restabeleça os direitos econômicos, sociais e culturais. Que em definitivo ponha o acento em que são os povos, os trabalhadores e trabalhadoras que geram as riquezas, os que devem ser a principal preocupação do Estado chileno.
Essa Constituição pode dizer tudo isso, mas é óbvio que os EUA vão seguir interagindo com os políticos locais, com a oligarquia local, tentando subverter este processo. Por isso, quando começava esta conversa eu falava da importância de seguir com a luta contra a impunidade das violações dos direitos humanos cometidos pela ditadura. Porque a oligarquia chilena, assim como as oligarquias de todos os países, com o que contam no final para impor seus desígnios, seus privilégios, são as Forças Armadas e quando estas, particularmente no caso chileno, estão atormentadas permanentemente pela perseguição penal, que não foi interrompida neste país, que não parou em nenhum momento, isto é o que permite dizer que há um processo que pode aprofundar a nova Constituição política. E oxalá com um governo de esquerda, oxalá com um Congresso Nacional de esquerda, e com esse processo de luta contra a impunidade que pode aprofundar a democracia impedindo que as Forças Armadas intervenham neste processo constituinte e político para subvertê-lo, para frustrá-lo, para fazê-lo fracassar.
Penso, portanto, que cada um desses processos precisa manter-se vivo. Porque é assim que eles vão cada um se resguardando, para garantir a democracia e restabelecer a soberania popular.
Qual a sua avaliação da importância da comunicação alternativa acompanhar in loco o atual processo?
É muita a relevância que terá a presença do coletivo de comunicação ComunicaSul, acompanhando o processo eleitoral presidencial e parlamentar, e também vigilante do processo constituinte. É de suma importância. Porque hoje estamos jogando no Chile o fim do neoliberalismo, onde surgiu estas políticas nefastas para os seres humanos em todo o mundo. Aqui por meio de uma ditadura se implementou esta irracionalidade econômica chamada de neoliberalismo e aqui é onde teremos de sepultá-lo. Acredito que o início do fim começa no dia 21 de novembro com as eleições presidenciais e do Congresso, processo que tem de ser consumado com a nova Constituição política.
Consequentemente, estar presente, vigilante e atento com o que está se passando no Chile é vital para a América Latina e para o mundo. Não é que queiramos ser o centro de nada, mas o que está se jogando é a criação, o início de políticas pós-neoliberais, o que vem depois do neoliberalismo. Isso quer dizer que a batalha do Chile continua.
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