Charge: Adnael |
Peça 1 – os bolsonaristas
Fui ver de perto as manifestações em frente ao quartel, no Ibirapuera, em São Paulo.
Havia de tudo, o jovem de periferia que dizia que iria salvar o país, famílias com crianças, senhoras de mais idade, um lúmpen de periferia, majoritariamente da faixa até 5 salários mínimos, casais educados e valentões dos grotões.
Enfim, um grupo diverso vestindo camisetas verde-amarelas e cantando com emoção o hino nacional.
Não é a ultradireita.
É um pessoal que jamais teve participação política, que foi abandonado pelos partidos e movimentos e conquistados pelas igrejas e pelo bolsonarismo. É um grupo ridiculamente amador. Mas, por trás dele, tem a ultradireita, violenta, armamentista e armada. E, no comando, um capitão baratinado.
No início, houve o silêncio de Bolsonaro, enquanto os filhos e o gabinete do ódio convocaram baderneiros para açular os quartéis.
O primeiro movimento foi o bloqueio de estradas.
Imediatamente o movimento bateu no bolso do agronegócio e dos transportadores, pontos de apoio do bolsonarismo.
Criou-se então um dilema a ser enfrentado por um homem pequeno.
Como fazer? Atender às demandas dos aliados e, ao mesmo tempo, contentar seu público?
Soltou, então, um vídeo cercado de pedidos de desculpas, enquanto pedia para os seguidores pararem de bloquear as estradas.
Foi tão surpreendente que, em alguns grupos bolsonaristas, buscaram-se explicações das mais extravagantes.
A lição que fica é que Bolsonaro só preservará sua mística mantendo os seguidores em permanente mobilização, uma tarefa impossível para quatro anos de espera, a não ser que se pretenda antecipar os conflitos.
O barulho no Congresso, por parte das bases bolsonaristas, não será suficiente para atender aos anseios da ultradireita.
E aí ocorre um dilema no arco da direita-ultradireita.
Uma coisa eram as declarações extravagantes do presidente da República capazes, cada qual, de criar um fato midiático. Outra é um ex-presidente, incapaz de formulações estratégicas, dizendo frases desconexas para um público que já se familiarizou com os truques dos algoritmos.
O quadro ideal, para a frente bolsonarista, seria um Bolsonaro obedecendo ao script de formuladores mais hábeis. É hipótese improvável de ocorrer, dada a indisciplina atávica de Bolsonaro.
Para complicar o quadro, há os filhos de Bolsonaro, com suas vulnerabilidades, especialmente em relação à Justiça.
Daí a importância fundamental de mudanças em postos-chaves das Forças Armadas, para reorganizar o controle de armas e encetar uma campanha eficiente de desarmamento da população e, especialmente, dos Clubes de Caça e Tiro e colecionadores.
Peça 2 – as investigações policiais
A dubiedade de Bolsonaro se explica.
De um lado, a necessidade de manter os seguidores mobilizados; de outro, o medo nítido de se expor ainda mais à Justiça.
É por aí – mais as características psicológicas de Bolsonaro – que se explica sua dificuldade em se transformar em um líder institucional da oposição.
O medo da Justiça é tão grande que Bolsonaro praticamente entregou seu governo ao Centrão, em troca de uma blindagem contra um impeachment que liquidaria com todas suas blindagens.
Agora, com a contagem regressiva para deixar o governo, o pânico aumenta.
No reinado bolsonarista, há uma enorme relação de crimes a serem apurados.
1- As consequências dos bloqueios, com o episódio do atropelamento de Mirassol, atraso em atendimentos médicos, a morte de um motorista, que bateu em um caminhão que bloqueava o trânsito. Tudo isso recairá sobre o diretor da Polícia Rodoviária Federal e o próprio presidente da República.
2- O fim do sigilo de 100 anos para inúmeras operações suspeitas.
3- O fim do sigilo do orçamento secreto, abrindo uma rodovia para as investigações da Polícia Federal.
4- As mais de mil empresas que serão autuadas pelo Ministério Público do Trabalho, por assédio eleitoral.
5- A continuidade das investigações da CPI das Vacinas. Inclusive com a possibilidade de responsabilização criminal de Bolsonaro, por mortes que poderiam ter sido evitadas.
6- As suspeitas que cercam o clã Bolsonaro, desde a tentativa de desviar da Eletrobrás excesso de energia de Itaipu – em operação articulada por bolsonaristas de dentro do Itamarati – até as aventuras nos Ministérios da Educação e do Meio Ambiente e dos Bolsonaro em Dubai.
7- A apuração da organização criminosa, bancada por empresários, para bloquear estradas.
8- As investigações sobre bolsonaristas infiltrados na máquinas públicas, na AGU (Advocacia Geral da União), PRF (Polícia Rodoviária Federal(, CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico).
9- A apuração do assassinato de Marielle Franco.
Agora, o jogo consistirá em aguardar o primeiro ano do governo Lula, enfrentando dificuldades com a herança maldita legada por Bolsonaro.
Ficará aguardando o desgaste do governo Lula para se recolocar como liderança de oposição.
Peça 3 – o início do governo Lula
A grande frente montada por Lula terá um enorme fator agregador: o fantasma da ultradireita, em caso de fracasso do governo.
Há tempos, Lula demonstrou entender os caminhos da reconstrução: uma enorme maratona nacional, com envolvimento de todos os setores.
Haverá vários modelos a serem seguidos:
1- O modelo federativo, com suas instituições já existentes: conselhos de governadores, de prefeitos, de secretários temáticos.
2- Conferências Nacionais em cima dos principais temas de políticas públicas.
3- A criação de um modelo similar aos grupos executivos do governo Kubitscheck – sugestão do economista Luiz Gonzaga Belluzzo. Os grupos foram criados para ajudar no planejamento da industrialização brasileiro. Já existe um modelo legado no segundo governo Lula, a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), incumbida de acolher grupos setoriais da indústria para identificação dos grandes desafios tecnológicos. Amarrado ao grupo, a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e o BNDES.
4- Modelos de indução, pelo BNDES, do capital privado para projetos de infraestrutura,
Provavelmente, a montagem da equipe de governo obedecerá aos princípios do grande pacto nacional.
Peça 4 – a garantia do Supremo Tribunal Federal
A destruição das instituições brasileiras foi obra de dois poderes: a Justiça e a mídia.
O desempenho quase heroico do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido por Alexandre de Moraes, foi essencial para a manutenção da democracia.
Aparentemente, a explicitação dos riscos do bolsonarismo selvagem produziu, além disso, uma unanimidade inédita no STF.
Além disso, houve a adesão de vários pontos da máquina pública, de procuradores do Tribunal de Contas da União à atuação louvável do Ministério Público do Trabalho, de assessores da Economia (vazando os planos de Paulo Guedes para o caso de um segundo governo Bolsonaro) aos procuradores do Ministério Público Federal, exigindo investigações sobre o presidente e o diretor da PRF.
A maneira como lideranças do Centrão acataram rapidamente o resultado das eleições mostra que o martelo do STF inibiu aventuras golpistas.
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