Por Altamiro Borges
Ainda lambendo as feridas da derrota do seu candidato, a mídia demotucana já afia as suas armas para “torturar” a presidenta Dilma Rousseff. No seu arsenal, ela não vacila em utilizar os arquivos da ditadura, dando voz aos torturadores e carrascos. Com base num processo movido pela Folha, o Superior Tribunal Militar liberou nesta semana alguns documentos deste sombrio período. O STM bem poderia liberar também os relatórios sobre a cumplicidade da mídia com os golpistas.
Jogo sujo e combinado
Na sexta-feira, 19, o jornal O Globo – pertencente à famíglia Marinho, que ergueu o seu império com o apoio dos golpistas – foi o primeiro a explorar o arquivo. Pareceu até jogo combinado. A ávida Folha conseguiu os papéis e O Globo deu a largada com o título “Documentos da ditadura dizem que Dilma 'assessorou' assaltos a bancos”. O jornal informa que os dezesseis volumes de anotações liberados pelo STM “descrevem a ex-militante como figura de expressão nos grupos em que atuou, que chefiou greves e ‘assessorou assaltos a bancos’, e nunca se arrependeu”.
Com base nas opiniões dos carrascos, O Globo diz que Dilma era chamada de “Joana D’Arc da subversão” e que seria “uma figura feminina de expressão tristemente notável”. Ele ainda destaca o relatório sobre os militantes da VAR-Palmares escrito pelo delegado Newton Fernandes. Em 12 linhas, ele traça o “perfil” de Dilma: “Uma das molas mestras e um dos cérebros dos esquemas revolucionários postos em prática pelas esquerdas radicais... É antiga militante de esquemas subversivo-terroristas... Trata-se de uma pessoa de dotação intelectual bastante apreciável”.
O rótulo de “terrorista”
No sábado, 20, foi a vez de a Folha fazer escarcéu com os documentos. Sem contextualizar a luta de resistência à ditadura – inclusive reconhecendo que a famíglia Frias apoiou o golpe e até ajudou a transportar presos políticos para a tortura –, o jornal estampou na capa: “Dilma tinha o código de acesso a arsenal usado por guerrilha”. A matéria informa que a “revelação foi feita em 1970 sob tortura por ex-colega da petista na luta armada”. Nas entrelinhas, fica implícito o seu objetivo de carimbar em Dilma Rousseff o rótulo de “terrorista”.
“A presidente eleita zelava, junto com outros dois militantes, pelo arsenal da VAR-Palmares... Entre os armamentos, havia 58 fuzis Mauser, 4 metralhadoras Ina, 2 revólveres, 3 carabinas, 3 latas de pólvora, 10 bombas de efeito moral, 100 gramas de clorofórmio, 1 rojão de fabricação caseira, 4 latas de ‘dinamite granulada’ e 30 frascos com substâncias para ‘confecção de matérias explosivas’, como ácido nítrico. Além de caixas com centenas de munições”. Noutro trecho, diz que este arsenal foi usado em assaltos a bancos e mercados e que Dilma Rousseff era informada destas “operações armadas” com três dias de antecedência.
Enfrentar os saudosos da ditadura
As duas primeiras “reporcagens” com base nos arquivos da ditadura liberados pelo STM comprovam que a mídia demotucana não dará trégua à presidenta eleita. O objetivo é enquadrá-la, ameaçando com seu arsenal de baixarias, e desgastá-la. Neste esforço, a mídia oligárquica, que clamou pelo golpe militar de 1964 e que apoiou ativamente os generais-carrascos, tentará omitir os seus próprios crimes. É preciso firmeza para enfrentar os saudosos da ditadura militar. Dilma Rousseff foi uma heroína da luta pela democracia; já a mídia golpista foi cúmplice das torturas e assassinatos.
É preciso manter a mesma coragem que a ex-ministra demonstrou quando foi “interrogada” pelo senador Agripino Maia, em 2008. Na ocasião, diante do demo, ela relatou as bárbaras torturas que sofreu e reafirmou a sua luta contra a ditadura. “Qualquer comparação entre a ditadura militar e a democracia brasileira só pode partir de quem não dá valor à democracia brasileira... Eu tinha 19 anos. Fiquei três anos na cadeia. E fui barbaramente torturada, senador... E isso, senador, faz parte e integra a minha biografia, de que tenho imenso orgulho”.
.
domingo, 21 de novembro de 2010
sábado, 20 de novembro de 2010
Kátia Abreu fala em encontro de juízes
Reproduzo artigo de Conceição Lemes, publicado no blog Viomundo:
De 11 a 13 de novembro, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) realizou, em Aracaju (SE), o IV Encontro Nacional de Juízes Estaduais, cujo tema foi “Justiça e Desenvolvimento Sustentável”.
O IV Enaje arrecadou R$ 1,05 milhão em patrocínios. Um, em particular, chamou-nos a atenção. Os R$ 100 mil pagos pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), comandada pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO).
Kátia Abreu, segundo reportagem de Leandro Fortes em CartaCapital, é a rainha do latifúndio improdutivo:
"Com a espada da lei nas mãos, e com a aquiescência de eminências do Poder Judiciário, ela tem se dedicado a investir sobre os trabalhadores sem-terra. Acusa-os de serem financiados ilegalmente para invadir terras Brasil afora. Foram ações do poder público que lhe garantiram praticamente de graça extensas e férteis terras do Cerrado de Tocantins. E mais: Kátia Abreu, beneficiária de um esquema investigado pelo Ministério Público Federal, conseguiu transformar terras produtivas em áreas onde nada se planta ou se cria. Tradução: na prática, a musa do agronegócio age com os acumuladores tradicionais de terras que atentam contra a modernização capitalista do setor rural brasileiro".
Kátia Abreu é processada também por ter desmatado ilegalmente 776 hectares sem autorização Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Por isso, recebeu multa de R$ 77 mil, até hoje não aplicada porque recorreu à Justiça. Embora já tenha vendido as terras, continua respondendo ao processo, pois a multa é intransferível.
Curiosamente, foi uma das palestrantes do IV Enaje, que reuniu 600 juízes do Brasil inteiro. Falou no painel “Código Florestal e Desenvolvimento Sustentável”.
Considerando 1) as denúncias de desmatadora e grileira que pesam sobre Kátia, 2) a criminalização que faz dos movimentos sociais do campo, 3) o lobby do latifúndio e 4) o fato de o poder judiciário ser atualmente um dos gargalos da reforma agrária no Brasil, a parceria CNA/AMB levanta dúvidas.
A avaliação de que o Judiciário é um dos entraves à reforma agrária é do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Explica-se. O governo desapropria áreas consideradas improdutivas. Seus proprietários entram com recurso. A Justiça normalmente aceita. Cria-se um impasse. O governo já expropriou a terra, mas o caso fica parado na Justiça e as famílias acampadas, à espera da decisão final.
Reportagem de Phydia de Athayde e Rodrigo Martins, também publicada em CartaCapital, reforça a avaliação do MST:
"A região do oeste paulista é simbólica por potencializar alguns entraves à reforma agrária no País. No caso, o conservadorismo do Judiciário somado ao excesso de recursos ajuizados pelos proprietários. Valdez Farias, procurador-geral do Incra, diz que o estado de São Paulo é especialmente problemático nesse ponto porque, diferentemente de outras áreas, todos os recursos possíveis são aplicados".
AMB: “Juízes não são influenciados assim como repórteres não são pela publicidade"
O Viomundo questionou então a Associação dos Magistrados Brasileiros:
1) O tema do IV Enaje foi desenvolvimento sustentável. Não configuraria conflito de interesses o patrocínio da CNA?
2) Desenvolvimento sustentável envolve propriedade da terra. O patrocínio da CNA não poderia gerar na cabeça dos juízes uma boa vontade em relação aos latifundiários em detrimento de movimentos dos trabalhadores rurais sem terra?
3) A senadora Kátia Abreu, presidente da CNA, tem ações na Justiça nas áreas agrária e ambiental. É compatível, ético, uma ré fazer palestra para juízes que podem um dia julgá-la?
4) Os recursos arrecadados com o patrocínio foram destinados a quê? Pagou despesas de juízes?
A AMB, por intermédio da assessoria de imprensa, respondeu-nos por email:
1) O convite à senadora Kátia Abreu para o painel Código Florestal e Desenvolvimento Sustentável deveu-se à representação da entidade junto ao tema. Destacamos que o painel não foi unilateral. Havia outro palestrante Raul do Valle, advogado especializado em meio ambiente e assessor jurídico da ONG Instituto Socioambiental (ISA) com ponto de vista oposto.
2) Os patrocínios são dados à entidade e não aos juízes individualmente. Da mesma forma que repórteres não são influenciados pela publicidade veiculada nos jornais em que trabalham, os juízes não são influenciados por patrocinadores de eventos. Além disso, durante o encontro eles ouviram pontos de vista divergentes.
3) A senadora estava representando um setor produtivo da sociedade, da qual é presidente, e o assunto se ateve ao tema proposto. Naquele auditório ela não estava participando de um julgamento, e sim de um debate cujo o tema foi Código Florestal e Desenvolvimento Sustentável. Se verdadeira, a premissa da pergunta proibiria os juízes de ter contato com qualquer pessoa em qualquer local, visto que todos estão sujeitos a sofrer processos. É como achar que o juiz deve viver isolado.
4) Os recursos foram aplicados na organização e infra-estrutura do evento. Cada juiz pagou sua própria despesa, como passagem, hospedagem e, inclusive, inscrição. Além da CNA, várias outras entidades patrocinaram o evento.
Juíza Dora Martins: “Insustentável a defesa do IV Enaje”
Diz a velha máxima: À mulher não basta ser só honesta; tem de parecer honesta. Por isso, ouvimos também a Associação de Juízes pela Democracia (ADJ).
“A questão dos patrocínios é bastante passível de crítica. Afinal, juízes têm de ser éticos e independentes, sem se influenciar pelo peso de suas ideologias”, afirma a juíza Dora Martins, da AJD. “Além de éticos, têm ainda a obrigação funcional de mostrar e não expor a imagem da Justiça a interpretações dúbias.”
“Não creio que os juízes fiquem de mãos e consciência amarradas só por conta do patrocínio. Porém, publicamente, isso depõe contra a imagem do Poder Judiciário”, diz Dora Martins.” A partir do momento em que no nosso sistema, capitalista, impera o poder do ‘poder’ e do dinheiro, fica insustentável a defesa de um evento como IV Enaje, do jeito que foi elaborado.”
“De modo algum, os juízes que porventura estiveram no tal evento são passíveis de crítica ou qualquer forma de acusação no seu desempenho funcional”, salienta Dora Martins. “Porém, parece-me desnecessário a exposição da magistratura nacional a esse tipo de situação, evitável, e que, trazida ao conhecimento público, permite ser interpretada de todos (e qualquer) os modos.”
“A independência judicial é o bem mais caro que todo juiz deve ter, zelar e lutar”, arremata. “Tudo o que possa colocar isso em risco deve ser afastado, evitado e rejeitado.A transparência é outra virtude a ser buscada no exercício dos poderes do Estado, inclusive no poder Judiciário.”
.
De 11 a 13 de novembro, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) realizou, em Aracaju (SE), o IV Encontro Nacional de Juízes Estaduais, cujo tema foi “Justiça e Desenvolvimento Sustentável”.
O IV Enaje arrecadou R$ 1,05 milhão em patrocínios. Um, em particular, chamou-nos a atenção. Os R$ 100 mil pagos pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), comandada pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO).
Kátia Abreu, segundo reportagem de Leandro Fortes em CartaCapital, é a rainha do latifúndio improdutivo:
"Com a espada da lei nas mãos, e com a aquiescência de eminências do Poder Judiciário, ela tem se dedicado a investir sobre os trabalhadores sem-terra. Acusa-os de serem financiados ilegalmente para invadir terras Brasil afora. Foram ações do poder público que lhe garantiram praticamente de graça extensas e férteis terras do Cerrado de Tocantins. E mais: Kátia Abreu, beneficiária de um esquema investigado pelo Ministério Público Federal, conseguiu transformar terras produtivas em áreas onde nada se planta ou se cria. Tradução: na prática, a musa do agronegócio age com os acumuladores tradicionais de terras que atentam contra a modernização capitalista do setor rural brasileiro".
Kátia Abreu é processada também por ter desmatado ilegalmente 776 hectares sem autorização Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Por isso, recebeu multa de R$ 77 mil, até hoje não aplicada porque recorreu à Justiça. Embora já tenha vendido as terras, continua respondendo ao processo, pois a multa é intransferível.
Curiosamente, foi uma das palestrantes do IV Enaje, que reuniu 600 juízes do Brasil inteiro. Falou no painel “Código Florestal e Desenvolvimento Sustentável”.
Considerando 1) as denúncias de desmatadora e grileira que pesam sobre Kátia, 2) a criminalização que faz dos movimentos sociais do campo, 3) o lobby do latifúndio e 4) o fato de o poder judiciário ser atualmente um dos gargalos da reforma agrária no Brasil, a parceria CNA/AMB levanta dúvidas.
A avaliação de que o Judiciário é um dos entraves à reforma agrária é do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Explica-se. O governo desapropria áreas consideradas improdutivas. Seus proprietários entram com recurso. A Justiça normalmente aceita. Cria-se um impasse. O governo já expropriou a terra, mas o caso fica parado na Justiça e as famílias acampadas, à espera da decisão final.
Reportagem de Phydia de Athayde e Rodrigo Martins, também publicada em CartaCapital, reforça a avaliação do MST:
"A região do oeste paulista é simbólica por potencializar alguns entraves à reforma agrária no País. No caso, o conservadorismo do Judiciário somado ao excesso de recursos ajuizados pelos proprietários. Valdez Farias, procurador-geral do Incra, diz que o estado de São Paulo é especialmente problemático nesse ponto porque, diferentemente de outras áreas, todos os recursos possíveis são aplicados".
AMB: “Juízes não são influenciados assim como repórteres não são pela publicidade"
O Viomundo questionou então a Associação dos Magistrados Brasileiros:
1) O tema do IV Enaje foi desenvolvimento sustentável. Não configuraria conflito de interesses o patrocínio da CNA?
2) Desenvolvimento sustentável envolve propriedade da terra. O patrocínio da CNA não poderia gerar na cabeça dos juízes uma boa vontade em relação aos latifundiários em detrimento de movimentos dos trabalhadores rurais sem terra?
3) A senadora Kátia Abreu, presidente da CNA, tem ações na Justiça nas áreas agrária e ambiental. É compatível, ético, uma ré fazer palestra para juízes que podem um dia julgá-la?
4) Os recursos arrecadados com o patrocínio foram destinados a quê? Pagou despesas de juízes?
A AMB, por intermédio da assessoria de imprensa, respondeu-nos por email:
1) O convite à senadora Kátia Abreu para o painel Código Florestal e Desenvolvimento Sustentável deveu-se à representação da entidade junto ao tema. Destacamos que o painel não foi unilateral. Havia outro palestrante Raul do Valle, advogado especializado em meio ambiente e assessor jurídico da ONG Instituto Socioambiental (ISA) com ponto de vista oposto.
2) Os patrocínios são dados à entidade e não aos juízes individualmente. Da mesma forma que repórteres não são influenciados pela publicidade veiculada nos jornais em que trabalham, os juízes não são influenciados por patrocinadores de eventos. Além disso, durante o encontro eles ouviram pontos de vista divergentes.
3) A senadora estava representando um setor produtivo da sociedade, da qual é presidente, e o assunto se ateve ao tema proposto. Naquele auditório ela não estava participando de um julgamento, e sim de um debate cujo o tema foi Código Florestal e Desenvolvimento Sustentável. Se verdadeira, a premissa da pergunta proibiria os juízes de ter contato com qualquer pessoa em qualquer local, visto que todos estão sujeitos a sofrer processos. É como achar que o juiz deve viver isolado.
4) Os recursos foram aplicados na organização e infra-estrutura do evento. Cada juiz pagou sua própria despesa, como passagem, hospedagem e, inclusive, inscrição. Além da CNA, várias outras entidades patrocinaram o evento.
Juíza Dora Martins: “Insustentável a defesa do IV Enaje”
Diz a velha máxima: À mulher não basta ser só honesta; tem de parecer honesta. Por isso, ouvimos também a Associação de Juízes pela Democracia (ADJ).
“A questão dos patrocínios é bastante passível de crítica. Afinal, juízes têm de ser éticos e independentes, sem se influenciar pelo peso de suas ideologias”, afirma a juíza Dora Martins, da AJD. “Além de éticos, têm ainda a obrigação funcional de mostrar e não expor a imagem da Justiça a interpretações dúbias.”
“Não creio que os juízes fiquem de mãos e consciência amarradas só por conta do patrocínio. Porém, publicamente, isso depõe contra a imagem do Poder Judiciário”, diz Dora Martins.” A partir do momento em que no nosso sistema, capitalista, impera o poder do ‘poder’ e do dinheiro, fica insustentável a defesa de um evento como IV Enaje, do jeito que foi elaborado.”
“De modo algum, os juízes que porventura estiveram no tal evento são passíveis de crítica ou qualquer forma de acusação no seu desempenho funcional”, salienta Dora Martins. “Porém, parece-me desnecessário a exposição da magistratura nacional a esse tipo de situação, evitável, e que, trazida ao conhecimento público, permite ser interpretada de todos (e qualquer) os modos.”
“A independência judicial é o bem mais caro que todo juiz deve ter, zelar e lutar”, arremata. “Tudo o que possa colocar isso em risco deve ser afastado, evitado e rejeitado.A transparência é outra virtude a ser buscada no exercício dos poderes do Estado, inclusive no poder Judiciário.”
.
Política externa e desenvolvimento
Reproduzo entrevista concedida a Silvio Caccia Bava e Dario Pignotti, publicada no jornal Le Monde Diplomatique Brasil:
Marco Aurélio Garcia, assessor da presidência da República para assuntos internacionais, recebeu com exclusividade o Le Monde Diplomatique Brasil no Palácio do Planalto. Entre os temas tratados na entrevista, o Mercosul, a integração regional, a crise econômica e o modelo de desenvolvimento.
Qual é o balanço desses quase oito anos de política externa?
O êxito que nós tivemos em matéria de política externa se expressa hoje numa forte projeção do Brasil no mundo, que foi dado essencialmente pelas grandes transformações que nós tivemos internamente porque não só elas foram inéditas no caso brasileiro, mas, de certa maneira, foram também inéditas, ou quase inéditas, no mundo. Crescer com distribuição de renda, com estabilidade macroeconômica, com redução da vulnerabilidade externa e com democracia, não é pouca coisa. Por outro lado, incorporamos o contexto mundial como um elemento essencial para o país.
A política externa do Brasil não pode ser simplesmente entendida como um mecanismo de projeção do Brasil no mundo, ela é um elemento substancial do próprio projeto nacional brasileiro. Nós não podemos nos pensar fora do mundo, fora da região. Vivemos num mundo em transição, uma transição longa, e o desfecho não é totalmente previsível a julgar pelas transformações que o mundo passou desde os anos 1990. Fortalece-se a perspectiva de que devemos construir um mundo dominado por valores multilaterais. E nós acreditamos que este multilateralismo, ele se traduzirá também na constituição de um mundo multipolar.
Fizemos a aposta de desenvolver um processo de integração regional. Hoje, a América do Sul ocupa um lugar privilegiado no mundo e talvez ela própria não tenha consciência perfeita disso. Temos as maiores reservas de energia do mundo: petróleo, gás, carvão, potencial hidroelétrico, biocombustíveis, energia nuclear, eólica, solar etc. E o mundo demandará cada vez mais energia. Temos grandes recursos de alimentação, e recursos que não são mais resultantes daquele tipo de produção primária, exportadora, do passado. Nossa agricultura tem alta produtividade, que não existiria sem pesquisa científica, tecnológica etc. Temos grandes reservas de minério, que obviamente serão importantes para qualquer etapa da humanidade, mas particularmente para essa onde está havendo certas zonas de crescimento industrial muito forte. E nós já temos polos industriais significativos, alguns de ponta. É claro que vamos ter qu e enfatizar muito mais políticas industriais locais, nacionais e regionais.
Mas temos também outros trunfos, mudanças sociais que estão ocorrendo praticamente em todos os países, que propiciaram a inclusão de dezenas de milhões de pessoas à condição de produtores e consumidores. A região se transformou num grande mercado e num grande polo produtor. São quase 400 milhões de sul-americanos, uma população com traços de homogeneidade muito maiores do que em outras regiões do mundo.
Quais são os problemas? Temos baixo nível de integração. A integração que tínhamos anteriormente era uma integração centralmente comercial. Mercosul, Comunidade Andina etc. E essa integração essencialmente comercial, ainda que ela seja importante os dados de comércio exterior brasileiro e da região atestam isso ela tem dificuldades, tendo em vista que o confronto de uma economia como a brasileira com outras economias de menor escala pode aprofundar assimetrias entre o Brasil e outros países. Nós temos que pensar num tipo de integração que transcenda o aspecto puramente comercial e que vá em outra direção.
Nós temos um baixíssimo nível de integração física. Por incrível que pareça, agora, nesse fim dos oito anos do governo Lula, passamos a ter as primeiras conexões Atlântico-Pacífico. Vamos inaugurar a Transoceânica lá com o Peru. Agora em outubro devemos inaugurar essa estrada Iquique-Santos, passando pela Bolívia. Há também projetos muito consistentes, como a ligação Porto Alegre e Coquimbo, que vai implicar em um grande túnel na Argentina. Serão caminhos de integração muito importantes, que vão diminuir consideravelmente o custo das nossas exportações e vão provocar também uma maior inter-relação dos nossos países.
A simples ponte que nós fizemos no Peru mudou o perfil da relação Peru-Brasil e fez com que nós fossemos obrigados, inclusive, a aprofundar certas concessões importantes no que diz respeito ao domínio comercial propriamente dito. Por que os habitantes de Manaus têm que importar verduras de São Paulo quando eles podem importar do Peru por um preço muito mais barato? Essa integração vai favorecer também uma maior internalização dos nossos países, que são muito concentrados na faixa litorânea.
A região está crescendo e vai precisar de um planejamento estratégico em matéria de energia. Nós constatamos um grande paradoxo, a região tem as maiores reservas energéticas do mundo, mas tem apagão na Argentina, no Uruguai, no Chile, no Paraguai, na Venezuela. Em toda parte tem apagão. Então, o que é que precisamos? Nós precisamos estabelecer uma grande rede energética para podermos potencializar essa capacidade num período em que as taxas de crescimento devem ser muito elevadas. Aqui no Brasil está se falando de 7,5% ou 8%, na Argentina as cifras não são muito diferentes, no Uruguai também. E não tem sentido que os países promovam este crescimento de forma isolada.
Para enfrentarmos o tema das assimetrias precisamos ter políticas produtivas comuns, de integração. Políticas agrícolas e políticas industriais. Isso, nós estamos fazendo como uma experiência piloto - e os argentinos também estão participando - no caso da Venezuela.
A Venezuela é um país extraordinário, é um país com grandes riquezas minerais, petróleo, no entanto, há muitas décadas ela exporta petróleo e importa alface, tomate, ovos, frango. O que era muito funcional, tendo em vista o tipo de classe dominante que tinha lá. E criou, inclusive, uma burguesia importadora, também elitista, feliz da vida com isso. A conversão dessa economia petroleira em uma economia mais complexa, ela pode ser feita porque a Venezuela tem um mercado interno de 28 milhões de pessoas.
A Venezuela ocupa um lugar importante na área andina, ela pode se ligar a todos os mercados adjacentes, e pode suprir uma série de demandas da região. Então, nós começamos a fazer um trabalho de integração com os venezuelanos, abrimos um escritório da Embrapa lá e um escritório da Agência Brasileira do Desenvolvimento Industrial, ABDI, para desenvolver projetos agrícolas, produzir. O que eles querem? Garan tir a sua segurança alimentar e também produzir uma série de insumos, de manufaturas, que não tem sentido que eles importem, além de itens ligados à própria produção petrolífera etc.
Nós demos uma importância muito grande à construção da linha de transmissão entre Itaipu e Assunción porque achamos que, concluída essa linha, Assunción pode se transformar num grande polo industrial que vai atrair o investimento brasileiro. Já tem uma fábrica de cimento que se estabeleceu lá e tem uma série de investidores que já estão de olho para investir lá. Isso muda o perfil.
Outro item é a integração financeira. Eu tinha um entusiasmo muito grande com a possibilidade de que nós pudéssemos acelerar uma integração financeira. Hoje eu acho que é uma coisa mais complexa. Partes dessa integração financeira já estão se realizando e podem se realizar no curto prazo. Outras, não. Por exemplo, moeda comum, eu acho muito difícil. O Banco Central comum, acho muito difícil e a experiência europeia agora está nos mostrando isso. Mas pudemos avançar em várias coisas e temos que implementar mais fortemente o Banco do Sul.
Ainda que hoje o problema não seja tanto um problema de recursos. Há recursos. O problema é muito mais um problema de garantias. O BNDES pode perfeitamente alavancar muito mais as empresas brasileiras e até outras empresas não brasileiras, mas sul-americanas, na região, sobretudo agora quando criarmos o nosso Eximbank (banco que financia exportações e importações). O próprio BID teve que se adaptar a essa nova realidade. Mas o Banco do Sul, sem dúvida nenhuma, vai ser um instrumento importante.
Outra coisa, que começamos a fazer com a Argentina, são trocas em moeda local. Com a Argentina já começou e nós estamos negociando com muitos países da região. Se conseguirmos introduzir isso, estamos dando uma resposta regional ao problema da crise desse modelo do dólar no mundo. Isso baixa os custos do comércio exterior, viabiliza mais a participação de pequenas e médias empresas, que muitas vezes não têm capacidade de comercializar em dólar.
Eu acho que temos um baixo nível de institucionalização dos nossos mecanismos de integração do Mercosul. Se você observar o que é a estrutura do Mercosul em Montevidéu é ridícula, não porque seja má, ridícula porque é pequena. Na Unasul, levamos muito tempo para avançar na eleição da secretaria-geral, o Kirchner está sendo um excelente secretário-geral. Mas uma série de coisas, seja no âmbito do Mercosul, seja no âmbito da Unasul, está muito lenta ainda, está muito devagar.
Os países têm muita resistência em combinar, nos processos de integração, questões de supranacionalidade.
Evidentemente, se você começa a integrar, você perde certas cotas de soberania e isso é muito, muito difícil. No caso da América do Sul, eu acho que as dificuldades talvez venham a ser menores do que as europeias porque o nacionalismo na América do Sul sempre foi um nacionalismo muito em favor da integração. Todas as grandes potências nacionalistas da região sempre foram entusiastas da integração sul-americana ou latino-americana. Peronismo e chavismo, que são dois exemplos muito gritantes de nacionalismo, sempre foram muito favoráveis à ideia da pátria grande etc. Então, por aí nós não vamos ter grandes dificuldades. Eu acho que não haverá as resistências ideológicas porque o nosso nacionalismo é diferente do nacionalismo europeu que é um nacionalismo ensimesmado, rancoroso, conservador, exc ludente.
Quando você fala que estamos em momento de transição, transição para onde? O planeta está se dando conta que não tem recursos suficientes para tanta gente, que os recursos estratégicos vão se exaurir. E nós temos aqui a vantagem de ter o Pré-sal, de ter os minérios e tudo o mais. Um projeto de desenvolvimento brasileiro baseado na exploração das commodities, na exportação da soja, na grande concentração da terra, é um modelo de desenvolvimento que está posto em causa no mundo inteiro. Se nós potencializarmos nossas capacidades, não estaríamos entrando na contramão no sentido de que temos de cuidar mais dos recursos naturais, preservar o planeta? O que a estratégia brasileira está projetando não é a continuidade do modelo anterior? Por outro lado, o Brasil é a metade da América Latina. O PIB é a metade, a população é a metade, a terra é a metade. E existe um discurso dos nossos vizinhos que fala do imperialismo brasileiro e de que as assimetrias estão se acentuando. Se você for ver, o capital brasileiro na Bolívia, na Argentina, Uruguai, Paraguai, ele está muito presente. E a estratégia brasileira de expansão apoia empresas que se transformam em global players brasileiros, como a Odebrecht, a OAS, a Queiroz Galvão, quer dizer, elas vão junto no pacote das relações diplomáticas. Como é que você vê essa contradição?
Em primeiro lugar, nós não estamos fazendo uma revolução socialista no Brasil, certo? Então, isso significa, concretamente, que vamos continuar convivendo com empresas grandes, médias, pequenas. Oxalá, nós possamos, inclusive, estabelecer um equilíbrio entre essas empresas médias e pequenas. Na questão da terra tem havido uma tentativa de estabelecer quase que uma divisão de trabalho que tem até expressão institucional. Nós temos dois ministérios de agricultura, o ministério da reforma agrária e o ministério do agrobusiness. E acho que eles têm convivido razoavelmente.
A ideia do imperialismo brasileiro é, a meu juízo, minoritária na cabeça de alguns setores na América Latina, e ela sempre existirá. De uma maneira geral, a visão que os sul-americanos e que os latino-americanos têm do Brasil é muito boa. Nós temos, inclusive, pesquisas sobre isso.
É óbvio que nós somos colocados, em determinados momentos, diante de dilemas insolúveis. Você não tem formas de equilibrar o comércio com todos os países da região. Não tem. A menos que você deixe de exportar coisas que eles demandam e que se eles não comprarem de nós, eles vão comprar dos Estados Unidos, da Europa. E isso por uma razão muito simples, nós temos uma economia extremamente diversificada, com um nível de produtividade crescente, enquanto que outros países, como o Chile, tem seis produtos de exportação. Ele exporta o quê? Coisas do mar, vinho, frutas, cobre, madeira e celulose. Nós importamos essas coisas, mas nós podemos exportar "trocentas" coisas para lá.
A única maneira de resolver isso é impulsionar o desenvolvimento industrial e agrícola desses países para que eles possam realizar um certo tipo de substituição de importações; e criar mecanismos para estimular a importação desses produtos. O Itamaraty tem um programa que se chama Programa de Substituição Competitiva de Importações, que nos leva, por exemplo, a mandar técnicos para a Bolívia para ensinar as empresas bolivianas a exportar para o Brasil. Mas isso tem os seus limites. Todos os países melhoraram os níveis de exportação para o Brasil nesses dois últimos anos, o problema é que o Brasil também melhorou muito. Então, a única maneira que nós temos é ajudar a industrialização desses países, criar um complexo produtivo.
O fato de que hoje em dia uma parte crescente da economia argentina - que é um grande país - esteja controlada por capitais brasileiros é visto de forma contraditória. Têm pessoas que dizem: olha o imperialismo brasileiro, precisamos nacionalizar. No entanto, há uma demanda de investimentos lá, brasileiros. Como é que você fica então?
E temos um tipo de política que nos tem criado problemas aqui, não nos países lá. Quando nós negociamos o preço do gás com a Bolívia, quando aceitamos sem conflito o processo de nacionalização da Petrobras, que foi indenizada, ou quando fizemos esse acordo com o Paraguai sobre o preço da energia de Itaipu, que está trancado aqui no Congresso, o que a direita brasileira está nos dizendo? Nos acusa de generosidades, dizem que somos muito molengas com o Evo Morales, que os paraguaios fazem o que bem entendem, os argentinos todo dia estão fazendo desfeita etc. O que não é absolutamente verdade. Os conflitos que existem na esfera comercial afetam 5%, 6% do comércio, e afetam transitoriamente e são resolvidos. Como se na União Europeia não houvesse nenhum problema, tudo funcionasse de uma forma melhor.
Assim como não nos interessa São Paulo próspero e o Nordeste destroçado, também não nos interessa um Brasil próspero e uma Bolívia, um Paraguai, e outros países, afetados gravemente por problemas econômicos e sociais. O grande dinamismo que a economia brasileira tem precisa ser pensado como um fator dinamizador para essas economias.
O Pré-sal vai significar a construção de 200 navios. Não se produz 200 navios no mundo, hoje. Vai significar plataformas, gasodutos, encanamento. Ele vai produzir um impacto industrial sobre o país que será absolutamente devastador, que transcende o domínio do petróleo e do gás. Vai afetar todo o setor de máquinas e equipamentos e está estimulando até a produção dos outros países. A Venezuela, e a Colômbia estão começando a criar estaleiros. E o Uruguai está produzindo partes. Por outro lado, temos que nacionalizar mais ou regionalizar mais o processo da produção da indústria automotiva. Por isso a questão institucional da Unasul e do Mercosul é fundamental.
Sobre a questão do modelo, o grande problema que enfrentamos num país como o Brasil, e em outros países da região, é que nós vivemos problemas do presente, mas também vivemos problemas do passado e do futuro. Ora, falar em consumismo num país que tinha 40 milhões vivendo abaixo da linha da pobreza? Nós vamos ter que passar por um período mais ou menos parecido àquele que os Estados Unidos viveram do fim do século XIX, até a crise de 1929.
Eu acho que nós temos pela frente um conjunto de desafios materiais e imateriais absolutamente fenomenal. Nós temos podido compatibilizar, na área rural, grande propriedade e agricultura familiar. Tem que melhorar isso? Tem que melhorar. Mas a grande verdade é que o consumo interno do país é garantido hoje pela agricultura familiar. Isso não é pouca coisa. E estamos com um tipo de agricultura empresarial que é uma agricultura sofisticada, que vai sendo estimulada pela demanda internacional. A China não tem condições de alimentar a sua população. É óbvio. Eles têm 20% das terras agricultáveis no país e 1,2 bilhão de pessoas. E a Índia também está nesta situação. Quer dizer, haverá uma demanda.
Agora, todo progresso, com todas as conotações ideológicas que essa expressão tem, traz contrapartidas negativas, evidentemente. O Programa Luz para Todos, sem dúvida nenhuma, deve trazer ao Brasil algumas perturbações do ponto de vista ambiental. Mas eu posso defender que 10 milhões de pessoas continuem a viver com candeeiro e vela?
A transição a que eu me referia é a seguinte: antes da queda do Muro de Berlim, da dissolução da União Soviética, nós tínhamos um mundo bipolar, um mundo que vivia a ameaça da guerra nuclear. A União Soviética, os países do leste europeu, desaparecem enquanto modelo socioeconômico, enquanto projeto político. A China transita na direção da economia de mercado.
E o que você tem como resíduo político-ideológico daquele modelo, outrora tão poderoso, do século XX, são pequenos núcleos irrelevantes para se pensar um projeto de mundo. Cuba, Vietnã, e mesmo o Vietnã mudou, Coréia do Norte etc. Como modelo, do ponto de vista do projeto social, eles estão fragilizados. Isso se junta com a crise da concepção da democracia. O que coincide com uma grande hipertrofia dos Estados Unidos enquanto potência econômica, política e militar, guerra do Iraque e aquelas coisas todas.
Nós passamos então a transitar em outra direção. Eu estive recentemente na França, conversando com alguns amigos que não via há algum tempo, e eles têm uma enorme simpatia e atração por conhecer melhor o que eles chamam a Social-democracia do Sul. O que é a Social-democracia do Sul? Somos nós! Sem aquele contexto, porque a socialdemocracia num certo momento foi um projeto que não deu certo, mas cujas premissas são expectativas de um governo capaz de compatibilizar democracia econômico-social com a democracia política. O que é que eu quero mais do que isso?
Alguns teóricos estão falando que a América do Sul é uma usina de pensamento político. No caso do Brasil, por ser a grande potência econômica, geográfica, será que esse modelo da Social-democracia do Sul pode ser um modelo exportável como ideia?
Eu acho que esse é um dos grandes problemas que estamos enfrentando na região, é que as mudanças que houve, elas são muito mais importantes do que a reflexão sobre essas mudanças. E eu acho que nós temos uma esquerda - e eu estou aqui nos incluindo - em crise. Eu gosto muito de uma frase, que não é minha: antes nós tínhamos ideias e não tínhamos votos, agora nós temos votos e não temos ideias.
Essa já é uma experiência duradoura. No Brasil nós estamos com a expectativa de que isso dure mais tempo. Na Venezuela já dura 10 anos. Na Bolívia está durando. No Uruguai está durando. Na Argentina durará, não tenho a menor dúvida, ainda que o perfil da esquerda lá seja diferente, porque lá você tem esquerda no governo e na oposição. Mesmo num país como o Chile, onde a esquerda sofreu uma escovada forte, ela hoje está obrigada a se repensar. Tem mais o Equador, tem mais o Paraguai, enfim, hoje em dia você não tem nenhum país da região onde essas questões não se colocam.
Eu considero que a relação com a Argentina é absolutamente essencial para o Brasil, sem a liga, uma boa relação Brasil Argentina, não haverá integração regional. Há outros países também que podem ter um papel importante, como a Colômbia. Tão logo ela resolva o seu contencioso interno, e acho que vai resolvê-lo, será um país que vai ter também um papel fundamental na região.
Não se esqueçam que na cúpula de Mar del Plata nós tivemos uma seleção Brasil Argentina com Kirchner e Lula no ataque e marcando gol. Quem derrubou a Alca não foi nosso amigo Chávez, quem derrubou a Alca naquele momento foi o Kirchner, o Lula, com o apoio dos uruguaios e dos paraguaios, sofrendo uma pressão dos demônios.
Você está falando em um projeto multipolar, mas parece que a aposta é no G20. Por que não o G192, que são as nações associadas à ONU?
O G20 é uma expressão renovada da crise de governança mundial. Como o multilateralismo foi relegado a uma posição secundária, o que nós tivemos num determinado momento foi a criação de um diretório ad hoc, que foi o G7, depois G8.
Já no começo do governo Lula, começou a haver a percepção de que esse era um diretório obsoleto. Em Aviens, o Chirac convidou 12 países mais, Brasil, Egito, México, a Nigéria, Argélia, África do Sul, a China, a Índia etc. Depois, com exceção da reunião do G8 que se fez nos Estados Unidos, quando Bush não convidou ninguém, todas as reuniões subsequentes contaram sempre com a presença destes países, até que isso afunilou para um G5, e na reunião da Escócia o Lula disse: "se for só para o cafezinho, eu não vou".
Quando houve a crise de setembro de 2008, os primeiros dias da crise coincidiram com a Assembleia Geral da ONU, aí o Lula, no seu discurso, fez alusão à crise. Umas semanas depois, no meio de outubro, o Bush telefonou para o Lula e disse, olha, eu estou com você e quero convocar uma reunião de países para discutir a crise no dia 15 de novembro, quem é que você acha que deve ir? E o Lula, de batepronto, disse: eu acho que deve ser o G20, G20 financeiro. Ora, o G20 financeiro era uma instituição de segunda, terceira linha, porque ele era integrado pelos ministros da fazenda, mas na prática eram os chefes de gabinete, os secretários internacionais dos ministérios que iam. Isso não quer dizer que ela não fosse importante. Discutimos várias coisas importantes, e com isso, o G20 ganhou importância.
Tivemos uma reunião em São Paulo, quando o Brasil estava presidindo, nessa ocasião o G20 foi até ampliado porque tinha o problema da Espanha, que queria participar. O Sarkozy usou um artifício enquanto presidente da União Europeia. Ele cedeu o lugar para a Espanha ir no lugar da França. Eu acho que essa situação é expressão dessa crise mundial de governança e o G20 também é um diretório ad hoc. A diferença é que é um diretório ad hoc mais representativo porque inclui México, Argentina, Brasil, Indonésia, África do Sul, Nigéria, Egito. Já tem uma composição, eu diria, um pouco mais significativa. Essa crise de governança mundial provoca outros movimentos, o Ibas, os Bric, agora surge o SEVIT, com Colômbia, Egito, Vietnã, Indonésia, Turquia e África do Sul.
Isso nos traz para a relação com os Estados Unidos. Ela apresenta sinais contraditórios. Havia toda uma expectativa de que o Obama fosse um mediador, um negociador para a América Latina, e o que a gente está vendo é o contrário, os EUA fizeram novos acordos para bases militares em vários lugares, Costa Rica, Colômbia, reativaram a IV Frota, ou seja, a América Latina entrou no radar dos Estados Unidos, que consideram que há uma certa instabilidade política no seu quintal. Isso coloca em oposição a Unasul e os Estados Unidos? Porque há um plano regional de defesa, inclusive com a perspectiva de uma integração da indústria bélica, na América do Sul? Esses movimentos indicam que nós vamos passar períodos difíceis na relação com os Estados Unidos?
Não. Não. Primeiro, eu não acho que a América Latina seja uma zona de preocupação imediata dos Estados Unidos. São uma preocupação dos Estados Unidos, o Paquistão, o Afeganistão, o Oriente Médio, talvez alguns setores na África. Pelo contrário, eu acho que os Estados Unidos, por enquanto, consideram que essa é uma região tranquila. Eles têm algumas preocupações que estão ligadas a movimentos de desestabilização, movimentos políticos. Evidentemente eles devem ter uma enorme preocupação com a situação mexicana. Mesmo se forem resolvidos os problemas no México, os esquemas da criminalidade podem se estender pelo conjunto da América Central. O que é real. O problema desses grupos delinquentes, ligados ou não ao narcotráfico, ao tráfico de armas, tem uma incidência muito forte em países como a Guatemala, Honduras, Salvador.
A questão das bases militares, eu acho que elas correm um pouco autonomamente. Quando se falou na IV Frota, altos funcionários do governo americano disseram que não tinham informações sobre isso. Eu tenho a impressão que isso corresponde muito mais a um cacoete estratégico de um país que mantém ainda essa aspiração de ser, digamos, o grande responsável pela segurança coletiva no mundo.
Isso explica porque é que há reações negativas sempre que algum país quer influir sobre questões de segurança coletiva, sobre alguns pontos nevrálgicos, como é o diferendo que nós tivemos com os Estados Unidos sobre o Irã. É isso. Quem são esses caras que vão se meter numa briga que não é deles? Essa briga é nossa, dizem eles. Só que eles estão resolvendo mal essa briga e durante um bom período estiveram resolvendo mal a briga do Oriente Médio.
No caso dos temas de segurança coletiva da região, um dos acertos que a Unasul teve, e nisso funcionou muito a intuição do Lula, porque foi o Lula que fez essa proposta, foi a criação de um Conselho de Defesa Sul-americano. O processo de integração não pode prescindir de tratar o tema de segurança coletiva.
Uma das dificuldades que a integração europeia enfrenta é o fato de que ela não tem um quadro de segurança coletiva próprio, ela tem o guarda-chuva da OTAN, então isso significa concretamente que ela terá que estar sempre em sintonia com os Estados Unidos porque, entre outras coisas, os Estados Unidos comandam a OTAN.
Eu acho que é óbvio que o complexo militar e industrial dos EUA, como chamava o Eisenhower, não gostará de ver surgir uma indústria de defesa regional. As pessoas têm que saber que pagam um preço por certas limitações que elas impõem nesse modelo. Quando nós fomos vender os Super Tucanos para a Venezuela, não foram as empresas que fornecem partes para o Super Tucano que protestaram, elas estavam dispostas, foi o governo americano que impediu. É o Congresso, que tem comitês rígidos. Então, as pessoas têm que saber que assim não dá.
Mas eu não acho que nós estejamos vivendo um momento de tensão com os Estados Unidos. Muito pelo contrário. E acho, inclusive, que deveríamos procurar baixar essa tensão ao máximo. Eu sei que isso não é fácil, que existe uma retórica antiamericana muito forte na região, porém, estamos condenados - a América Latina e os Estados Unidos - ao convívio, vivemos na mesma região e acho que ganharíamos muito se tivéssemos uma boa convivência. O Brasil conseguiu manter nesse período uma relação muito boa com os Estados Unidos. Nos últimos meses tem esse problema do Irã que criou uma certa gruma aí, mas não me parece que seja uma coisa consistente. Quando você assume uma função como a de presidente dos Estados Unidos, você não faz só o que quer. Você sofre uma série de constrangimentos naturais, normais.
A própria relação dos Estados Unidos com a Colômbia, num certo momento, estava complicada por uma série de razões. E estamos muito satisfeitos com a ideia de que se possa lançar rapidamente uma solução pacífica da guerrilha.
Como é que você vê isso?
Eu acho que o presidente dos Santos tem uma percepção muito clara de que é preciso mudar a agenda da Colômbia. A Colômbia tem que deixar de ser o país das Farcs, da guerrilha, tem que ser vista como um país de todas as possibilidades. Eu estou convencido de que ele vai se empenhar muito em chegar a uma solução de paz. Eu não vejo nenhum futuro para as Farcs, nenhum futuro. E acho que se houver futuro, será um futuro amargo porque esses movimentos, quando eles entram em declínio, eles não entram em declínio de uma hora para a outra, é um declínio longo, sangrento, sacrificando milhares de pessoas que podem perfeitamente ter um outro papel na vida política colombiana.
E como poderá Dilma, se eleita, contribuir nesse processo de reconciliação da Colômbia? É claro que [o presidente Juan Manuel] Santos fala que esse é um problema deles e todo mundo sabe disso, mas a própria Dilma falou que ela também estaria muito interessada.
Nós não nos imiscuímos na situação interna da Colômbia, e essa posição vai persistir. E sempre nos colocamos dispostos a ajudar. Bom, a Dilma tem a seu favor duas coisas. Em primeiro lugar, ela tem uma boa percepção da política internacional. Ela não é uma neófita. E terá o Itamaraty para ajudá-la na implementação da política internacional. Em segundo lugar, ela é uma pessoa com grande determinação pessoal, assertiva. Ela terá uma agenda muito ampla, felizmente o Brasil hoje tem um leque de questões internacionais. Eu tenho a impressão de que, em primeiro lugar, eleita presidente, ela acompanhará o Lula na reunião do G20. Ela estará presente na reunião do Mercosul, quando o Brasil deixa a presidência. Pode ser até que ela venha a presidir a reunião do Mercosul, se a reunião fosse jogada para janeiro, como aconteceu com a da Argentina, que atrasou um pouquinho. Enfim, ela vai te r os seus dossiês aí rapidamente para tratá-los.
.
Marco Aurélio Garcia, assessor da presidência da República para assuntos internacionais, recebeu com exclusividade o Le Monde Diplomatique Brasil no Palácio do Planalto. Entre os temas tratados na entrevista, o Mercosul, a integração regional, a crise econômica e o modelo de desenvolvimento.
Qual é o balanço desses quase oito anos de política externa?
O êxito que nós tivemos em matéria de política externa se expressa hoje numa forte projeção do Brasil no mundo, que foi dado essencialmente pelas grandes transformações que nós tivemos internamente porque não só elas foram inéditas no caso brasileiro, mas, de certa maneira, foram também inéditas, ou quase inéditas, no mundo. Crescer com distribuição de renda, com estabilidade macroeconômica, com redução da vulnerabilidade externa e com democracia, não é pouca coisa. Por outro lado, incorporamos o contexto mundial como um elemento essencial para o país.
A política externa do Brasil não pode ser simplesmente entendida como um mecanismo de projeção do Brasil no mundo, ela é um elemento substancial do próprio projeto nacional brasileiro. Nós não podemos nos pensar fora do mundo, fora da região. Vivemos num mundo em transição, uma transição longa, e o desfecho não é totalmente previsível a julgar pelas transformações que o mundo passou desde os anos 1990. Fortalece-se a perspectiva de que devemos construir um mundo dominado por valores multilaterais. E nós acreditamos que este multilateralismo, ele se traduzirá também na constituição de um mundo multipolar.
Fizemos a aposta de desenvolver um processo de integração regional. Hoje, a América do Sul ocupa um lugar privilegiado no mundo e talvez ela própria não tenha consciência perfeita disso. Temos as maiores reservas de energia do mundo: petróleo, gás, carvão, potencial hidroelétrico, biocombustíveis, energia nuclear, eólica, solar etc. E o mundo demandará cada vez mais energia. Temos grandes recursos de alimentação, e recursos que não são mais resultantes daquele tipo de produção primária, exportadora, do passado. Nossa agricultura tem alta produtividade, que não existiria sem pesquisa científica, tecnológica etc. Temos grandes reservas de minério, que obviamente serão importantes para qualquer etapa da humanidade, mas particularmente para essa onde está havendo certas zonas de crescimento industrial muito forte. E nós já temos polos industriais significativos, alguns de ponta. É claro que vamos ter qu e enfatizar muito mais políticas industriais locais, nacionais e regionais.
Mas temos também outros trunfos, mudanças sociais que estão ocorrendo praticamente em todos os países, que propiciaram a inclusão de dezenas de milhões de pessoas à condição de produtores e consumidores. A região se transformou num grande mercado e num grande polo produtor. São quase 400 milhões de sul-americanos, uma população com traços de homogeneidade muito maiores do que em outras regiões do mundo.
Quais são os problemas? Temos baixo nível de integração. A integração que tínhamos anteriormente era uma integração centralmente comercial. Mercosul, Comunidade Andina etc. E essa integração essencialmente comercial, ainda que ela seja importante os dados de comércio exterior brasileiro e da região atestam isso ela tem dificuldades, tendo em vista que o confronto de uma economia como a brasileira com outras economias de menor escala pode aprofundar assimetrias entre o Brasil e outros países. Nós temos que pensar num tipo de integração que transcenda o aspecto puramente comercial e que vá em outra direção.
Nós temos um baixíssimo nível de integração física. Por incrível que pareça, agora, nesse fim dos oito anos do governo Lula, passamos a ter as primeiras conexões Atlântico-Pacífico. Vamos inaugurar a Transoceânica lá com o Peru. Agora em outubro devemos inaugurar essa estrada Iquique-Santos, passando pela Bolívia. Há também projetos muito consistentes, como a ligação Porto Alegre e Coquimbo, que vai implicar em um grande túnel na Argentina. Serão caminhos de integração muito importantes, que vão diminuir consideravelmente o custo das nossas exportações e vão provocar também uma maior inter-relação dos nossos países.
A simples ponte que nós fizemos no Peru mudou o perfil da relação Peru-Brasil e fez com que nós fossemos obrigados, inclusive, a aprofundar certas concessões importantes no que diz respeito ao domínio comercial propriamente dito. Por que os habitantes de Manaus têm que importar verduras de São Paulo quando eles podem importar do Peru por um preço muito mais barato? Essa integração vai favorecer também uma maior internalização dos nossos países, que são muito concentrados na faixa litorânea.
A região está crescendo e vai precisar de um planejamento estratégico em matéria de energia. Nós constatamos um grande paradoxo, a região tem as maiores reservas energéticas do mundo, mas tem apagão na Argentina, no Uruguai, no Chile, no Paraguai, na Venezuela. Em toda parte tem apagão. Então, o que é que precisamos? Nós precisamos estabelecer uma grande rede energética para podermos potencializar essa capacidade num período em que as taxas de crescimento devem ser muito elevadas. Aqui no Brasil está se falando de 7,5% ou 8%, na Argentina as cifras não são muito diferentes, no Uruguai também. E não tem sentido que os países promovam este crescimento de forma isolada.
Para enfrentarmos o tema das assimetrias precisamos ter políticas produtivas comuns, de integração. Políticas agrícolas e políticas industriais. Isso, nós estamos fazendo como uma experiência piloto - e os argentinos também estão participando - no caso da Venezuela.
A Venezuela é um país extraordinário, é um país com grandes riquezas minerais, petróleo, no entanto, há muitas décadas ela exporta petróleo e importa alface, tomate, ovos, frango. O que era muito funcional, tendo em vista o tipo de classe dominante que tinha lá. E criou, inclusive, uma burguesia importadora, também elitista, feliz da vida com isso. A conversão dessa economia petroleira em uma economia mais complexa, ela pode ser feita porque a Venezuela tem um mercado interno de 28 milhões de pessoas.
A Venezuela ocupa um lugar importante na área andina, ela pode se ligar a todos os mercados adjacentes, e pode suprir uma série de demandas da região. Então, nós começamos a fazer um trabalho de integração com os venezuelanos, abrimos um escritório da Embrapa lá e um escritório da Agência Brasileira do Desenvolvimento Industrial, ABDI, para desenvolver projetos agrícolas, produzir. O que eles querem? Garan tir a sua segurança alimentar e também produzir uma série de insumos, de manufaturas, que não tem sentido que eles importem, além de itens ligados à própria produção petrolífera etc.
Nós demos uma importância muito grande à construção da linha de transmissão entre Itaipu e Assunción porque achamos que, concluída essa linha, Assunción pode se transformar num grande polo industrial que vai atrair o investimento brasileiro. Já tem uma fábrica de cimento que se estabeleceu lá e tem uma série de investidores que já estão de olho para investir lá. Isso muda o perfil.
Outro item é a integração financeira. Eu tinha um entusiasmo muito grande com a possibilidade de que nós pudéssemos acelerar uma integração financeira. Hoje eu acho que é uma coisa mais complexa. Partes dessa integração financeira já estão se realizando e podem se realizar no curto prazo. Outras, não. Por exemplo, moeda comum, eu acho muito difícil. O Banco Central comum, acho muito difícil e a experiência europeia agora está nos mostrando isso. Mas pudemos avançar em várias coisas e temos que implementar mais fortemente o Banco do Sul.
Ainda que hoje o problema não seja tanto um problema de recursos. Há recursos. O problema é muito mais um problema de garantias. O BNDES pode perfeitamente alavancar muito mais as empresas brasileiras e até outras empresas não brasileiras, mas sul-americanas, na região, sobretudo agora quando criarmos o nosso Eximbank (banco que financia exportações e importações). O próprio BID teve que se adaptar a essa nova realidade. Mas o Banco do Sul, sem dúvida nenhuma, vai ser um instrumento importante.
Outra coisa, que começamos a fazer com a Argentina, são trocas em moeda local. Com a Argentina já começou e nós estamos negociando com muitos países da região. Se conseguirmos introduzir isso, estamos dando uma resposta regional ao problema da crise desse modelo do dólar no mundo. Isso baixa os custos do comércio exterior, viabiliza mais a participação de pequenas e médias empresas, que muitas vezes não têm capacidade de comercializar em dólar.
Eu acho que temos um baixo nível de institucionalização dos nossos mecanismos de integração do Mercosul. Se você observar o que é a estrutura do Mercosul em Montevidéu é ridícula, não porque seja má, ridícula porque é pequena. Na Unasul, levamos muito tempo para avançar na eleição da secretaria-geral, o Kirchner está sendo um excelente secretário-geral. Mas uma série de coisas, seja no âmbito do Mercosul, seja no âmbito da Unasul, está muito lenta ainda, está muito devagar.
Os países têm muita resistência em combinar, nos processos de integração, questões de supranacionalidade.
Evidentemente, se você começa a integrar, você perde certas cotas de soberania e isso é muito, muito difícil. No caso da América do Sul, eu acho que as dificuldades talvez venham a ser menores do que as europeias porque o nacionalismo na América do Sul sempre foi um nacionalismo muito em favor da integração. Todas as grandes potências nacionalistas da região sempre foram entusiastas da integração sul-americana ou latino-americana. Peronismo e chavismo, que são dois exemplos muito gritantes de nacionalismo, sempre foram muito favoráveis à ideia da pátria grande etc. Então, por aí nós não vamos ter grandes dificuldades. Eu acho que não haverá as resistências ideológicas porque o nosso nacionalismo é diferente do nacionalismo europeu que é um nacionalismo ensimesmado, rancoroso, conservador, exc ludente.
Quando você fala que estamos em momento de transição, transição para onde? O planeta está se dando conta que não tem recursos suficientes para tanta gente, que os recursos estratégicos vão se exaurir. E nós temos aqui a vantagem de ter o Pré-sal, de ter os minérios e tudo o mais. Um projeto de desenvolvimento brasileiro baseado na exploração das commodities, na exportação da soja, na grande concentração da terra, é um modelo de desenvolvimento que está posto em causa no mundo inteiro. Se nós potencializarmos nossas capacidades, não estaríamos entrando na contramão no sentido de que temos de cuidar mais dos recursos naturais, preservar o planeta? O que a estratégia brasileira está projetando não é a continuidade do modelo anterior? Por outro lado, o Brasil é a metade da América Latina. O PIB é a metade, a população é a metade, a terra é a metade. E existe um discurso dos nossos vizinhos que fala do imperialismo brasileiro e de que as assimetrias estão se acentuando. Se você for ver, o capital brasileiro na Bolívia, na Argentina, Uruguai, Paraguai, ele está muito presente. E a estratégia brasileira de expansão apoia empresas que se transformam em global players brasileiros, como a Odebrecht, a OAS, a Queiroz Galvão, quer dizer, elas vão junto no pacote das relações diplomáticas. Como é que você vê essa contradição?
Em primeiro lugar, nós não estamos fazendo uma revolução socialista no Brasil, certo? Então, isso significa, concretamente, que vamos continuar convivendo com empresas grandes, médias, pequenas. Oxalá, nós possamos, inclusive, estabelecer um equilíbrio entre essas empresas médias e pequenas. Na questão da terra tem havido uma tentativa de estabelecer quase que uma divisão de trabalho que tem até expressão institucional. Nós temos dois ministérios de agricultura, o ministério da reforma agrária e o ministério do agrobusiness. E acho que eles têm convivido razoavelmente.
A ideia do imperialismo brasileiro é, a meu juízo, minoritária na cabeça de alguns setores na América Latina, e ela sempre existirá. De uma maneira geral, a visão que os sul-americanos e que os latino-americanos têm do Brasil é muito boa. Nós temos, inclusive, pesquisas sobre isso.
É óbvio que nós somos colocados, em determinados momentos, diante de dilemas insolúveis. Você não tem formas de equilibrar o comércio com todos os países da região. Não tem. A menos que você deixe de exportar coisas que eles demandam e que se eles não comprarem de nós, eles vão comprar dos Estados Unidos, da Europa. E isso por uma razão muito simples, nós temos uma economia extremamente diversificada, com um nível de produtividade crescente, enquanto que outros países, como o Chile, tem seis produtos de exportação. Ele exporta o quê? Coisas do mar, vinho, frutas, cobre, madeira e celulose. Nós importamos essas coisas, mas nós podemos exportar "trocentas" coisas para lá.
A única maneira de resolver isso é impulsionar o desenvolvimento industrial e agrícola desses países para que eles possam realizar um certo tipo de substituição de importações; e criar mecanismos para estimular a importação desses produtos. O Itamaraty tem um programa que se chama Programa de Substituição Competitiva de Importações, que nos leva, por exemplo, a mandar técnicos para a Bolívia para ensinar as empresas bolivianas a exportar para o Brasil. Mas isso tem os seus limites. Todos os países melhoraram os níveis de exportação para o Brasil nesses dois últimos anos, o problema é que o Brasil também melhorou muito. Então, a única maneira que nós temos é ajudar a industrialização desses países, criar um complexo produtivo.
O fato de que hoje em dia uma parte crescente da economia argentina - que é um grande país - esteja controlada por capitais brasileiros é visto de forma contraditória. Têm pessoas que dizem: olha o imperialismo brasileiro, precisamos nacionalizar. No entanto, há uma demanda de investimentos lá, brasileiros. Como é que você fica então?
E temos um tipo de política que nos tem criado problemas aqui, não nos países lá. Quando nós negociamos o preço do gás com a Bolívia, quando aceitamos sem conflito o processo de nacionalização da Petrobras, que foi indenizada, ou quando fizemos esse acordo com o Paraguai sobre o preço da energia de Itaipu, que está trancado aqui no Congresso, o que a direita brasileira está nos dizendo? Nos acusa de generosidades, dizem que somos muito molengas com o Evo Morales, que os paraguaios fazem o que bem entendem, os argentinos todo dia estão fazendo desfeita etc. O que não é absolutamente verdade. Os conflitos que existem na esfera comercial afetam 5%, 6% do comércio, e afetam transitoriamente e são resolvidos. Como se na União Europeia não houvesse nenhum problema, tudo funcionasse de uma forma melhor.
Assim como não nos interessa São Paulo próspero e o Nordeste destroçado, também não nos interessa um Brasil próspero e uma Bolívia, um Paraguai, e outros países, afetados gravemente por problemas econômicos e sociais. O grande dinamismo que a economia brasileira tem precisa ser pensado como um fator dinamizador para essas economias.
O Pré-sal vai significar a construção de 200 navios. Não se produz 200 navios no mundo, hoje. Vai significar plataformas, gasodutos, encanamento. Ele vai produzir um impacto industrial sobre o país que será absolutamente devastador, que transcende o domínio do petróleo e do gás. Vai afetar todo o setor de máquinas e equipamentos e está estimulando até a produção dos outros países. A Venezuela, e a Colômbia estão começando a criar estaleiros. E o Uruguai está produzindo partes. Por outro lado, temos que nacionalizar mais ou regionalizar mais o processo da produção da indústria automotiva. Por isso a questão institucional da Unasul e do Mercosul é fundamental.
Sobre a questão do modelo, o grande problema que enfrentamos num país como o Brasil, e em outros países da região, é que nós vivemos problemas do presente, mas também vivemos problemas do passado e do futuro. Ora, falar em consumismo num país que tinha 40 milhões vivendo abaixo da linha da pobreza? Nós vamos ter que passar por um período mais ou menos parecido àquele que os Estados Unidos viveram do fim do século XIX, até a crise de 1929.
Eu acho que nós temos pela frente um conjunto de desafios materiais e imateriais absolutamente fenomenal. Nós temos podido compatibilizar, na área rural, grande propriedade e agricultura familiar. Tem que melhorar isso? Tem que melhorar. Mas a grande verdade é que o consumo interno do país é garantido hoje pela agricultura familiar. Isso não é pouca coisa. E estamos com um tipo de agricultura empresarial que é uma agricultura sofisticada, que vai sendo estimulada pela demanda internacional. A China não tem condições de alimentar a sua população. É óbvio. Eles têm 20% das terras agricultáveis no país e 1,2 bilhão de pessoas. E a Índia também está nesta situação. Quer dizer, haverá uma demanda.
Agora, todo progresso, com todas as conotações ideológicas que essa expressão tem, traz contrapartidas negativas, evidentemente. O Programa Luz para Todos, sem dúvida nenhuma, deve trazer ao Brasil algumas perturbações do ponto de vista ambiental. Mas eu posso defender que 10 milhões de pessoas continuem a viver com candeeiro e vela?
A transição a que eu me referia é a seguinte: antes da queda do Muro de Berlim, da dissolução da União Soviética, nós tínhamos um mundo bipolar, um mundo que vivia a ameaça da guerra nuclear. A União Soviética, os países do leste europeu, desaparecem enquanto modelo socioeconômico, enquanto projeto político. A China transita na direção da economia de mercado.
E o que você tem como resíduo político-ideológico daquele modelo, outrora tão poderoso, do século XX, são pequenos núcleos irrelevantes para se pensar um projeto de mundo. Cuba, Vietnã, e mesmo o Vietnã mudou, Coréia do Norte etc. Como modelo, do ponto de vista do projeto social, eles estão fragilizados. Isso se junta com a crise da concepção da democracia. O que coincide com uma grande hipertrofia dos Estados Unidos enquanto potência econômica, política e militar, guerra do Iraque e aquelas coisas todas.
Nós passamos então a transitar em outra direção. Eu estive recentemente na França, conversando com alguns amigos que não via há algum tempo, e eles têm uma enorme simpatia e atração por conhecer melhor o que eles chamam a Social-democracia do Sul. O que é a Social-democracia do Sul? Somos nós! Sem aquele contexto, porque a socialdemocracia num certo momento foi um projeto que não deu certo, mas cujas premissas são expectativas de um governo capaz de compatibilizar democracia econômico-social com a democracia política. O que é que eu quero mais do que isso?
Alguns teóricos estão falando que a América do Sul é uma usina de pensamento político. No caso do Brasil, por ser a grande potência econômica, geográfica, será que esse modelo da Social-democracia do Sul pode ser um modelo exportável como ideia?
Eu acho que esse é um dos grandes problemas que estamos enfrentando na região, é que as mudanças que houve, elas são muito mais importantes do que a reflexão sobre essas mudanças. E eu acho que nós temos uma esquerda - e eu estou aqui nos incluindo - em crise. Eu gosto muito de uma frase, que não é minha: antes nós tínhamos ideias e não tínhamos votos, agora nós temos votos e não temos ideias.
Essa já é uma experiência duradoura. No Brasil nós estamos com a expectativa de que isso dure mais tempo. Na Venezuela já dura 10 anos. Na Bolívia está durando. No Uruguai está durando. Na Argentina durará, não tenho a menor dúvida, ainda que o perfil da esquerda lá seja diferente, porque lá você tem esquerda no governo e na oposição. Mesmo num país como o Chile, onde a esquerda sofreu uma escovada forte, ela hoje está obrigada a se repensar. Tem mais o Equador, tem mais o Paraguai, enfim, hoje em dia você não tem nenhum país da região onde essas questões não se colocam.
Eu considero que a relação com a Argentina é absolutamente essencial para o Brasil, sem a liga, uma boa relação Brasil Argentina, não haverá integração regional. Há outros países também que podem ter um papel importante, como a Colômbia. Tão logo ela resolva o seu contencioso interno, e acho que vai resolvê-lo, será um país que vai ter também um papel fundamental na região.
Não se esqueçam que na cúpula de Mar del Plata nós tivemos uma seleção Brasil Argentina com Kirchner e Lula no ataque e marcando gol. Quem derrubou a Alca não foi nosso amigo Chávez, quem derrubou a Alca naquele momento foi o Kirchner, o Lula, com o apoio dos uruguaios e dos paraguaios, sofrendo uma pressão dos demônios.
Você está falando em um projeto multipolar, mas parece que a aposta é no G20. Por que não o G192, que são as nações associadas à ONU?
O G20 é uma expressão renovada da crise de governança mundial. Como o multilateralismo foi relegado a uma posição secundária, o que nós tivemos num determinado momento foi a criação de um diretório ad hoc, que foi o G7, depois G8.
Já no começo do governo Lula, começou a haver a percepção de que esse era um diretório obsoleto. Em Aviens, o Chirac convidou 12 países mais, Brasil, Egito, México, a Nigéria, Argélia, África do Sul, a China, a Índia etc. Depois, com exceção da reunião do G8 que se fez nos Estados Unidos, quando Bush não convidou ninguém, todas as reuniões subsequentes contaram sempre com a presença destes países, até que isso afunilou para um G5, e na reunião da Escócia o Lula disse: "se for só para o cafezinho, eu não vou".
Quando houve a crise de setembro de 2008, os primeiros dias da crise coincidiram com a Assembleia Geral da ONU, aí o Lula, no seu discurso, fez alusão à crise. Umas semanas depois, no meio de outubro, o Bush telefonou para o Lula e disse, olha, eu estou com você e quero convocar uma reunião de países para discutir a crise no dia 15 de novembro, quem é que você acha que deve ir? E o Lula, de batepronto, disse: eu acho que deve ser o G20, G20 financeiro. Ora, o G20 financeiro era uma instituição de segunda, terceira linha, porque ele era integrado pelos ministros da fazenda, mas na prática eram os chefes de gabinete, os secretários internacionais dos ministérios que iam. Isso não quer dizer que ela não fosse importante. Discutimos várias coisas importantes, e com isso, o G20 ganhou importância.
Tivemos uma reunião em São Paulo, quando o Brasil estava presidindo, nessa ocasião o G20 foi até ampliado porque tinha o problema da Espanha, que queria participar. O Sarkozy usou um artifício enquanto presidente da União Europeia. Ele cedeu o lugar para a Espanha ir no lugar da França. Eu acho que essa situação é expressão dessa crise mundial de governança e o G20 também é um diretório ad hoc. A diferença é que é um diretório ad hoc mais representativo porque inclui México, Argentina, Brasil, Indonésia, África do Sul, Nigéria, Egito. Já tem uma composição, eu diria, um pouco mais significativa. Essa crise de governança mundial provoca outros movimentos, o Ibas, os Bric, agora surge o SEVIT, com Colômbia, Egito, Vietnã, Indonésia, Turquia e África do Sul.
Isso nos traz para a relação com os Estados Unidos. Ela apresenta sinais contraditórios. Havia toda uma expectativa de que o Obama fosse um mediador, um negociador para a América Latina, e o que a gente está vendo é o contrário, os EUA fizeram novos acordos para bases militares em vários lugares, Costa Rica, Colômbia, reativaram a IV Frota, ou seja, a América Latina entrou no radar dos Estados Unidos, que consideram que há uma certa instabilidade política no seu quintal. Isso coloca em oposição a Unasul e os Estados Unidos? Porque há um plano regional de defesa, inclusive com a perspectiva de uma integração da indústria bélica, na América do Sul? Esses movimentos indicam que nós vamos passar períodos difíceis na relação com os Estados Unidos?
Não. Não. Primeiro, eu não acho que a América Latina seja uma zona de preocupação imediata dos Estados Unidos. São uma preocupação dos Estados Unidos, o Paquistão, o Afeganistão, o Oriente Médio, talvez alguns setores na África. Pelo contrário, eu acho que os Estados Unidos, por enquanto, consideram que essa é uma região tranquila. Eles têm algumas preocupações que estão ligadas a movimentos de desestabilização, movimentos políticos. Evidentemente eles devem ter uma enorme preocupação com a situação mexicana. Mesmo se forem resolvidos os problemas no México, os esquemas da criminalidade podem se estender pelo conjunto da América Central. O que é real. O problema desses grupos delinquentes, ligados ou não ao narcotráfico, ao tráfico de armas, tem uma incidência muito forte em países como a Guatemala, Honduras, Salvador.
A questão das bases militares, eu acho que elas correm um pouco autonomamente. Quando se falou na IV Frota, altos funcionários do governo americano disseram que não tinham informações sobre isso. Eu tenho a impressão que isso corresponde muito mais a um cacoete estratégico de um país que mantém ainda essa aspiração de ser, digamos, o grande responsável pela segurança coletiva no mundo.
Isso explica porque é que há reações negativas sempre que algum país quer influir sobre questões de segurança coletiva, sobre alguns pontos nevrálgicos, como é o diferendo que nós tivemos com os Estados Unidos sobre o Irã. É isso. Quem são esses caras que vão se meter numa briga que não é deles? Essa briga é nossa, dizem eles. Só que eles estão resolvendo mal essa briga e durante um bom período estiveram resolvendo mal a briga do Oriente Médio.
No caso dos temas de segurança coletiva da região, um dos acertos que a Unasul teve, e nisso funcionou muito a intuição do Lula, porque foi o Lula que fez essa proposta, foi a criação de um Conselho de Defesa Sul-americano. O processo de integração não pode prescindir de tratar o tema de segurança coletiva.
Uma das dificuldades que a integração europeia enfrenta é o fato de que ela não tem um quadro de segurança coletiva próprio, ela tem o guarda-chuva da OTAN, então isso significa concretamente que ela terá que estar sempre em sintonia com os Estados Unidos porque, entre outras coisas, os Estados Unidos comandam a OTAN.
Eu acho que é óbvio que o complexo militar e industrial dos EUA, como chamava o Eisenhower, não gostará de ver surgir uma indústria de defesa regional. As pessoas têm que saber que pagam um preço por certas limitações que elas impõem nesse modelo. Quando nós fomos vender os Super Tucanos para a Venezuela, não foram as empresas que fornecem partes para o Super Tucano que protestaram, elas estavam dispostas, foi o governo americano que impediu. É o Congresso, que tem comitês rígidos. Então, as pessoas têm que saber que assim não dá.
Mas eu não acho que nós estejamos vivendo um momento de tensão com os Estados Unidos. Muito pelo contrário. E acho, inclusive, que deveríamos procurar baixar essa tensão ao máximo. Eu sei que isso não é fácil, que existe uma retórica antiamericana muito forte na região, porém, estamos condenados - a América Latina e os Estados Unidos - ao convívio, vivemos na mesma região e acho que ganharíamos muito se tivéssemos uma boa convivência. O Brasil conseguiu manter nesse período uma relação muito boa com os Estados Unidos. Nos últimos meses tem esse problema do Irã que criou uma certa gruma aí, mas não me parece que seja uma coisa consistente. Quando você assume uma função como a de presidente dos Estados Unidos, você não faz só o que quer. Você sofre uma série de constrangimentos naturais, normais.
A própria relação dos Estados Unidos com a Colômbia, num certo momento, estava complicada por uma série de razões. E estamos muito satisfeitos com a ideia de que se possa lançar rapidamente uma solução pacífica da guerrilha.
Como é que você vê isso?
Eu acho que o presidente dos Santos tem uma percepção muito clara de que é preciso mudar a agenda da Colômbia. A Colômbia tem que deixar de ser o país das Farcs, da guerrilha, tem que ser vista como um país de todas as possibilidades. Eu estou convencido de que ele vai se empenhar muito em chegar a uma solução de paz. Eu não vejo nenhum futuro para as Farcs, nenhum futuro. E acho que se houver futuro, será um futuro amargo porque esses movimentos, quando eles entram em declínio, eles não entram em declínio de uma hora para a outra, é um declínio longo, sangrento, sacrificando milhares de pessoas que podem perfeitamente ter um outro papel na vida política colombiana.
E como poderá Dilma, se eleita, contribuir nesse processo de reconciliação da Colômbia? É claro que [o presidente Juan Manuel] Santos fala que esse é um problema deles e todo mundo sabe disso, mas a própria Dilma falou que ela também estaria muito interessada.
Nós não nos imiscuímos na situação interna da Colômbia, e essa posição vai persistir. E sempre nos colocamos dispostos a ajudar. Bom, a Dilma tem a seu favor duas coisas. Em primeiro lugar, ela tem uma boa percepção da política internacional. Ela não é uma neófita. E terá o Itamaraty para ajudá-la na implementação da política internacional. Em segundo lugar, ela é uma pessoa com grande determinação pessoal, assertiva. Ela terá uma agenda muito ampla, felizmente o Brasil hoje tem um leque de questões internacionais. Eu tenho a impressão de que, em primeiro lugar, eleita presidente, ela acompanhará o Lula na reunião do G20. Ela estará presente na reunião do Mercosul, quando o Brasil deixa a presidência. Pode ser até que ela venha a presidir a reunião do Mercosul, se a reunião fosse jogada para janeiro, como aconteceu com a da Argentina, que atrasou um pouquinho. Enfim, ela vai te r os seus dossiês aí rapidamente para tratá-los.
.
A vingança póstuma de Otavio Frias
Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no Blog da Cidadania:
O homem fardado e a declaração na foto acima correspondem a Otávio Frias de Oliveira, o falecido fundador do jornal Folha de São Paulo. Imagem e palavras pertencem a momentos distintos de sua vida. Todavia, unidas explicam por que seu herdeiro Otavio Frias Filho, o “Otavinho”, foi resgatar em arquivos dos órgãos de repressão da ditadura militar as desculpas usadas por esta para prender e torturar Dilma Vana Rousseff, a presidente eleita do Brasil.
Frias de Oliveira lutou na Revolução Constitucionalista de 1932, que tentou dar um golpe de Estado contra Getúlio Vargas. Coerente com seu apreço pelo militarismo e pela derrubada de governos dos quais não gostava, apoiou o golpe militar de 1964. Nesse período, a Folha de São Paulo serviu de voz e pernas para os ditadores que se sucederiam no poder ao exaltá-los e ao transportar para eles seus presos políticos até os centros de tortura do regime.
No dia 21 de setembro de 1971, a Ação Libertadora Nacional (ALN) incendiou camionetes da Folha que eram utilizadas para entregar jornais. Os responsáveis acusavam o dono do jornal de emprestar os veículos para transporte de presos políticos. Frias de Oliveira respondeu ao atentado publicando um editorial na primeira página no dia seguinte, sob o título “Banditismo”.
Eis um trecho do texto:
“Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social - realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama. [...] Um país, enfim, de onde a subversão - que se alimenta do ódio e cultiva a violência – está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear.” (Editorial: Banditismo – publicado em 22 de setembro de 1971; Octavio Frias de Oliveira).
O presidente da República de então era Emílio Garrastazu Médici. Nomeado presidente pelos militares, comandou o período mais duro da ditadura militar. Foi a época do auge das prisões, torturas e assassinatos de militantes políticos de esquerda pelo regime.
Apesar dos elogios de Frias de Oliveira à ditadura, segundo a Fundação Getúlio Vargas foi no governo Médici que a miséria e a concentração de renda ganharam impulso. O Brasil teve o 9º Produto Nacional Bruto do mundo no período, mas em desnutrição perdia apenas para Índia, Indonésia, Bangladesh, Paquistão e Filipinas.
O uso político que o jornal Folha de São Paulo começou a fazer neste sábado das desculpas da ditadura para prender e torturar impiedosamente uma garota de 19 anos que lutava para libertar seu país do regime de exceção constitui-se, portanto, em uma vingança póstuma de um homem que dedicou sua vida à uma luta incessante contra a democracia, obviamente por acreditar que o povo não sabia votar.
.
O homem fardado e a declaração na foto acima correspondem a Otávio Frias de Oliveira, o falecido fundador do jornal Folha de São Paulo. Imagem e palavras pertencem a momentos distintos de sua vida. Todavia, unidas explicam por que seu herdeiro Otavio Frias Filho, o “Otavinho”, foi resgatar em arquivos dos órgãos de repressão da ditadura militar as desculpas usadas por esta para prender e torturar Dilma Vana Rousseff, a presidente eleita do Brasil.
Frias de Oliveira lutou na Revolução Constitucionalista de 1932, que tentou dar um golpe de Estado contra Getúlio Vargas. Coerente com seu apreço pelo militarismo e pela derrubada de governos dos quais não gostava, apoiou o golpe militar de 1964. Nesse período, a Folha de São Paulo serviu de voz e pernas para os ditadores que se sucederiam no poder ao exaltá-los e ao transportar para eles seus presos políticos até os centros de tortura do regime.
No dia 21 de setembro de 1971, a Ação Libertadora Nacional (ALN) incendiou camionetes da Folha que eram utilizadas para entregar jornais. Os responsáveis acusavam o dono do jornal de emprestar os veículos para transporte de presos políticos. Frias de Oliveira respondeu ao atentado publicando um editorial na primeira página no dia seguinte, sob o título “Banditismo”.
Eis um trecho do texto:
“Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social - realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama. [...] Um país, enfim, de onde a subversão - que se alimenta do ódio e cultiva a violência – está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear.” (Editorial: Banditismo – publicado em 22 de setembro de 1971; Octavio Frias de Oliveira).
O presidente da República de então era Emílio Garrastazu Médici. Nomeado presidente pelos militares, comandou o período mais duro da ditadura militar. Foi a época do auge das prisões, torturas e assassinatos de militantes políticos de esquerda pelo regime.
Apesar dos elogios de Frias de Oliveira à ditadura, segundo a Fundação Getúlio Vargas foi no governo Médici que a miséria e a concentração de renda ganharam impulso. O Brasil teve o 9º Produto Nacional Bruto do mundo no período, mas em desnutrição perdia apenas para Índia, Indonésia, Bangladesh, Paquistão e Filipinas.
O uso político que o jornal Folha de São Paulo começou a fazer neste sábado das desculpas da ditadura para prender e torturar impiedosamente uma garota de 19 anos que lutava para libertar seu país do regime de exceção constitui-se, portanto, em uma vingança póstuma de um homem que dedicou sua vida à uma luta incessante contra a democracia, obviamente por acreditar que o povo não sabia votar.
.
EUA aumentam operações clandestinas
Reproduzo artigo de Eva Golinger, publicado no sítio Carta Maior:
Segundo o informe anual de 2010 do Escritório de Iniciativas para uma Transição (OTI) da Agência Internacional de Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID) sobre suas operações na Venezuela, 9,29 milhões de dólares foram investidos esse ano em esforços para apoiar os objetivos da política exterior norte-americana e promover a democracia neste país sul americano. Esta cifra representa um aumento de quase dois milhões de dólares em relação ao ano passado, quando esse mesmo escritório de transição financiou atividades políticas contra o governo de Hugo Chávez com 7,45 milhões de dólares.
A OTI é uma divisão da USAID dedicada a apoiar objetivos da política exterior dos EUA através da promoção da democracia (segundo sua avaliação) em países que se encontram em crise. A OTI fornece assistência rápida, flexível e de curto prazo para transições políticas e de estabilização. Ainda que a OTI seja, tradicionalmente, um mecanismo de curto prazo para injetar milhões de dólares em fundos líquidos que influem sobre a situação política de países estrategicamente importantes para Washington, o caso da Venezuela é diferente. A OTI abriu sua sede nesse país em 2002 e a mantém até hoje, apesar de não contar com a devida autorização do governo da Venezuela. Na verdade, é o único escritório que a USAID mantém durante tanto tempo em algum país.
As operações clandestinas da OTI
Em nota oficial com a data de 22 de janeiro de 2002, o presidente da OTI, Russel Porter, revela como e por que a USAID chegou à Venezuela. Dias antes, em 04 de janeiro, o escritório de Assuntos Andinos do Departamento de Estado pediu a OTI para estabelecer um programa para a Venezuela. Estava claro que havia uma preocupação crescente sobre a saúde política do país. Solicitaram à OTI que oferecesse programas e assistência para fortalecer os elementos democráticos (sic) que estavam sob a mira do governo de Chávez.
Porter visitou a Venezuela em 18 de janeiro de 2002 e logo comentou: "Para preservar a democracia, é necessário um apoio imediato para a mídia independente e para a sociedade civil. Uma das grandes debilidades da Venezuela é a falta de uma sociedade civil vibrante". A National Endowment for Democracy (NED) tem um programa de 900 mil dólares na Venezuela que apóia o Instituto Democrata (NDI), o Instituto Republicano Internacional (IRI) e o Centro de Solidariedade Laboral (três institutos quase governamentais norte americanos) para fortalecer os partidos políticos e os sindicatos (a CTV). Este programa é útil, porém não é suficiente. Alem do que não é flexível e nem trabalha com novos grupos ou grupos não tradicionais. E também lhe falta um componente de meios de comunicação.
Desde então, a OTI marca a sua presença na Venezuela enviando milhões de dólares por ano para manter vivo o conflito no país. Segundo o último informe anual de 2010, a OTI atua a partir da Embaixada dos Estados Unidos e é parte de um esforço maior para promover a democracia naquele país.
O principal investimento dos 9 milhões de dólares em 2010 foi durante a campanha eleitoral da oposição para as eleições legislativas de 26 de setembro passado. A USAID trabalha com vários associados da sociedade civil oferecendo assistência técnica para os partidos políticos, apoio técnico para os trabalhadores em direitos humanos e apoiando esforços para fortalecer a sociedade civil. Na Venezuela, sabe-se que `sociedade civil' é o outro nome com que se identifica a oposição ao governo de Hugo Chávez.
Os partidos políticos e as organizações financiadas pela USAID têm sido documentados através de uma grande investigação realizada por esta escritora e incluem grupos como Súmate, Ciudadania Activa, Radar de Los Barrios, Primero Justicia, Um Nuevo Tiempo, Acción Democrática, Copei, Futuro Presente, Voluntad Popular, Universidad Católica Andros Bello, Universidad Metropolitana, Sinergia, Cedice, CTV, Fedecamaras, Espacio Publico, Instituto Prensa y Sociedad, Voto Joven entre tantos que têm se dedicado à desestabilização do país.
Um fluxo secreto de dinheiro
Não obstante, o atual abastecimento de dinheiro da USAID/OTI a grupos e partidos políticos venezuelanos é mantido em segredo. Quando abriu suas operações em 2002, a OTI contratou a empresa estadunidense Development Alternatives Inc. (DAÍ) um dos maiores prestadores de serviços ao Departamento de Estado, da USAID e do Pentágono em nível mundial. Essa empresa, a DAÍ, operava uma empresa no El Rosal - o Wall Street de Caracas - de onde distribuía fundos milionários a organizações venezuelanas através de pequenos convênios não superiores a 100 mil dólares cada um.
De 2002 a 2010 mais de 600 desses pequenos convênios foram entregues por esse escritório a grupos da oposição venezuelana para seguirem alimentando o conflito no país e apoiando os esforços para provocar a saída do poder do presidente Hugo Chávez.
Em finais de 2009, a empresa DAÍ começou a ter graves problemas com suas operações no Afeganistão, quando foram assassinados cinco de seus empregados por supostos militantes do Talibã durante um ataque com explosivos na cidade de Gardez em 15 de novembro. Alguns dias antes, um de seus empregados havia sido detido em Cuba e acusado de espionagem e subversão pela distribuição ilegal de componentes de satélite a grupos contra-revolucionários.
Quando escrevi um artigo publicado em 30 de dezembro de 2009, e agentes da CIA mortos no Afeganistão trabalhavam para uma empresa de fachada ativa na Venezuela e em Cuba, evidenciava-se o vínculo operacional da DAÍ no Afeganistão, em Cuba e na Venezuela e sua natureza suspeita, o próprio presidente e chefe executivo da empresa, Jim Boomgard, me contatou e alertou-me (melhor dizer ameaçou-me) que se continuasse a escrever o que escrevia, eu seria responsabilizada por qualquer coisa que se passasse com seus empregados em nível mundial.
Contudo, o senhor Boomgard, que disse não saber muito sobre as operações de sua empresa na Venezuela, conseguiu entender que o que faziam na Venezuela não valia tanto como o que faziam no Afeganistão. Semanas depois de sua entrevista comigo, o DAÍ, misteriosamente, fechou seu escritório em Caracas.
Entrementes, a OTI continua suas operações na Venezuela e mesmo tendo outros sócios norte americanos que manejam uma parte de seus fundos multimilionários, como IRI, NDI, Freedon House e a Fundación Panamericana Del Desarrollo (Fupad), não existe transparência sobre o fluxo de dinheiro de suas contrapartidas venezuelanas.
Um informe da Fundação para as Relações Internacionais e Diálogo Exterior (FRIDE) sobre a promoção da democracia na Venezuela, com data de maio de 2010, explica que grande parte do dinheiro vindo do exterior, mais de 50 milhões de dólares esse ano, segundo eles e que financia a grupos políticos de oposição na Venezuela, entra no país de forma ilícita em dólares ou euros e se transforma em dinheiro venezuelano no mercado negro (Assim que denunciei essas atividades ilegais baseadas no informe mencionado, o FRIDE desapareceu com o texto original e publicou um novo em que abandonava qualquer referência ao mecanismo de entrega de dinheiro externo a grupos venezuelanos).
Se o DAÍ já não atua na Venezuela realizando pequenos convênios com organizações opositoras com dinheiro estadunidense, o que cabe indagar é como chegam esses milhões de dólares a tais grupos e através de qual mecanismo? Segundo a USAID, suas operações estariam agora se realizando através da Embaixada dos Estados Unidos? Esta embaixada está entregando dinheiro diretamente a grupos de oposição venezuelanos?
O informe anual USAID/OTI de 2010 diz, especificamente, que seus esforços já estão dirigidos a um evento próximo: as eleições presidenciais de 2012 na Venezuela. Seguirão aumentando os milhões de dólares para a subversão e a desestabilização do país, incrementando a clandestinidade de suas operações na Venezuela, se o governo não tomar medidas concretas para impedir tal fato.
Operações psicológicas
Washington usa vários mecanismos de ingerência para tingir seus objetivos. As operações psicológicas são operações planificadas para transmitir informação seletiva e indicadores para públicos estrangeiros e com isso influir sobre suas emoções, motivos, racionalidade objetiva e - ultimamente - sobre o comportamento de governos, organizações, grupos e indivíduos, segundo o Pentágono.
No orçamento do Departamento de Defesa para 2011, há uma solicitação nova para operações psicológicas para o Comando Sul, que é quem coordena todas as missões militares dos Estados Unidos na América Latina. Em particular, tal solicitação fala de um programa de voz de operações psicológicas, o que se entende como rádio ou alguma outra transmissão de áudio que apóie esse objetivo.
Segundo a explicação contida no orçamento, a execução de operações psicológicas (PSYOP) inclui a investigação sobre audiências estrangeiras, desenvolvendo, produzindo e disseminando produtos (programas) para influir sobre essas audiências, bem como a condução de avaliações para determinar a eficácia das atividades de operações psicológicas. Essas atividades podem incluir a manutenção de várias páginas da web e o monitoramento de meios técnicos e eletrônicos.
O orçamento completo para as operações psicológicas durante o ano de 2011 é de 384.8 (trezentos e oitenta e quatro milhões e oitocentos mil) dólares, que inclui 201.8 (duzentos e um milhões e oitocentos mil) dólares para a divisão de operações psicológicas e o estabelecimento, pela primeira vez, de um programa de operações psicológicas com o uso da voz para o Comando Sul.
Este programa de operações psicológicas é totalmente distinto de iniciativas como A Voz da América, por exemplo, que é um programa do Departamento de Estado e da agência estatal Board Broadcasting Governors (BBG) que manejam a propaganda dos EUA em nível mundial. Na verdade, o orçamento da BBG para o ano de 2011 é de 768.8 milhões de dólares e inclui um programa de cinco dias a cada semana, em espanhol, para a televisão venezuelana.
O aumento das operações psicológicas dirigidos à Venezuela e a América Latina evidencia uma ampliação da agressão norte americana para com essa região. É preciso lembrar que, desde o ano de 2006, a Direção Nacional de Inteligência dos EUA desempenha uma missão especial de inteligência para a Venezuela e Cuba. Somente quatro dessas missões especiais existem no mundo: uma para o Irã, outra para a Coréia do Norte, uma terceira para o Afeganistão e o Paquistão e a quarta para Venezuela e Cuba. Essa missão recebe uma parte importante do orçamento de mais de 80 bilhões de dólares que emprega a Direção Nacional de Inteligência, entidade que coordena as 16 agências de inteligência em Washington.
* Eva Golinger é advogada e especialista em analisar documentos desclassificados pelo Departamento de Estado dos EUA, relativos a atividades na América Latina, em especial na Venezuela.
** Traduzido do espanhol por Izaías Almada.
.
Segundo o informe anual de 2010 do Escritório de Iniciativas para uma Transição (OTI) da Agência Internacional de Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID) sobre suas operações na Venezuela, 9,29 milhões de dólares foram investidos esse ano em esforços para apoiar os objetivos da política exterior norte-americana e promover a democracia neste país sul americano. Esta cifra representa um aumento de quase dois milhões de dólares em relação ao ano passado, quando esse mesmo escritório de transição financiou atividades políticas contra o governo de Hugo Chávez com 7,45 milhões de dólares.
A OTI é uma divisão da USAID dedicada a apoiar objetivos da política exterior dos EUA através da promoção da democracia (segundo sua avaliação) em países que se encontram em crise. A OTI fornece assistência rápida, flexível e de curto prazo para transições políticas e de estabilização. Ainda que a OTI seja, tradicionalmente, um mecanismo de curto prazo para injetar milhões de dólares em fundos líquidos que influem sobre a situação política de países estrategicamente importantes para Washington, o caso da Venezuela é diferente. A OTI abriu sua sede nesse país em 2002 e a mantém até hoje, apesar de não contar com a devida autorização do governo da Venezuela. Na verdade, é o único escritório que a USAID mantém durante tanto tempo em algum país.
As operações clandestinas da OTI
Em nota oficial com a data de 22 de janeiro de 2002, o presidente da OTI, Russel Porter, revela como e por que a USAID chegou à Venezuela. Dias antes, em 04 de janeiro, o escritório de Assuntos Andinos do Departamento de Estado pediu a OTI para estabelecer um programa para a Venezuela. Estava claro que havia uma preocupação crescente sobre a saúde política do país. Solicitaram à OTI que oferecesse programas e assistência para fortalecer os elementos democráticos (sic) que estavam sob a mira do governo de Chávez.
Porter visitou a Venezuela em 18 de janeiro de 2002 e logo comentou: "Para preservar a democracia, é necessário um apoio imediato para a mídia independente e para a sociedade civil. Uma das grandes debilidades da Venezuela é a falta de uma sociedade civil vibrante". A National Endowment for Democracy (NED) tem um programa de 900 mil dólares na Venezuela que apóia o Instituto Democrata (NDI), o Instituto Republicano Internacional (IRI) e o Centro de Solidariedade Laboral (três institutos quase governamentais norte americanos) para fortalecer os partidos políticos e os sindicatos (a CTV). Este programa é útil, porém não é suficiente. Alem do que não é flexível e nem trabalha com novos grupos ou grupos não tradicionais. E também lhe falta um componente de meios de comunicação.
Desde então, a OTI marca a sua presença na Venezuela enviando milhões de dólares por ano para manter vivo o conflito no país. Segundo o último informe anual de 2010, a OTI atua a partir da Embaixada dos Estados Unidos e é parte de um esforço maior para promover a democracia naquele país.
O principal investimento dos 9 milhões de dólares em 2010 foi durante a campanha eleitoral da oposição para as eleições legislativas de 26 de setembro passado. A USAID trabalha com vários associados da sociedade civil oferecendo assistência técnica para os partidos políticos, apoio técnico para os trabalhadores em direitos humanos e apoiando esforços para fortalecer a sociedade civil. Na Venezuela, sabe-se que `sociedade civil' é o outro nome com que se identifica a oposição ao governo de Hugo Chávez.
Os partidos políticos e as organizações financiadas pela USAID têm sido documentados através de uma grande investigação realizada por esta escritora e incluem grupos como Súmate, Ciudadania Activa, Radar de Los Barrios, Primero Justicia, Um Nuevo Tiempo, Acción Democrática, Copei, Futuro Presente, Voluntad Popular, Universidad Católica Andros Bello, Universidad Metropolitana, Sinergia, Cedice, CTV, Fedecamaras, Espacio Publico, Instituto Prensa y Sociedad, Voto Joven entre tantos que têm se dedicado à desestabilização do país.
Um fluxo secreto de dinheiro
Não obstante, o atual abastecimento de dinheiro da USAID/OTI a grupos e partidos políticos venezuelanos é mantido em segredo. Quando abriu suas operações em 2002, a OTI contratou a empresa estadunidense Development Alternatives Inc. (DAÍ) um dos maiores prestadores de serviços ao Departamento de Estado, da USAID e do Pentágono em nível mundial. Essa empresa, a DAÍ, operava uma empresa no El Rosal - o Wall Street de Caracas - de onde distribuía fundos milionários a organizações venezuelanas através de pequenos convênios não superiores a 100 mil dólares cada um.
De 2002 a 2010 mais de 600 desses pequenos convênios foram entregues por esse escritório a grupos da oposição venezuelana para seguirem alimentando o conflito no país e apoiando os esforços para provocar a saída do poder do presidente Hugo Chávez.
Em finais de 2009, a empresa DAÍ começou a ter graves problemas com suas operações no Afeganistão, quando foram assassinados cinco de seus empregados por supostos militantes do Talibã durante um ataque com explosivos na cidade de Gardez em 15 de novembro. Alguns dias antes, um de seus empregados havia sido detido em Cuba e acusado de espionagem e subversão pela distribuição ilegal de componentes de satélite a grupos contra-revolucionários.
Quando escrevi um artigo publicado em 30 de dezembro de 2009, e agentes da CIA mortos no Afeganistão trabalhavam para uma empresa de fachada ativa na Venezuela e em Cuba, evidenciava-se o vínculo operacional da DAÍ no Afeganistão, em Cuba e na Venezuela e sua natureza suspeita, o próprio presidente e chefe executivo da empresa, Jim Boomgard, me contatou e alertou-me (melhor dizer ameaçou-me) que se continuasse a escrever o que escrevia, eu seria responsabilizada por qualquer coisa que se passasse com seus empregados em nível mundial.
Contudo, o senhor Boomgard, que disse não saber muito sobre as operações de sua empresa na Venezuela, conseguiu entender que o que faziam na Venezuela não valia tanto como o que faziam no Afeganistão. Semanas depois de sua entrevista comigo, o DAÍ, misteriosamente, fechou seu escritório em Caracas.
Entrementes, a OTI continua suas operações na Venezuela e mesmo tendo outros sócios norte americanos que manejam uma parte de seus fundos multimilionários, como IRI, NDI, Freedon House e a Fundación Panamericana Del Desarrollo (Fupad), não existe transparência sobre o fluxo de dinheiro de suas contrapartidas venezuelanas.
Um informe da Fundação para as Relações Internacionais e Diálogo Exterior (FRIDE) sobre a promoção da democracia na Venezuela, com data de maio de 2010, explica que grande parte do dinheiro vindo do exterior, mais de 50 milhões de dólares esse ano, segundo eles e que financia a grupos políticos de oposição na Venezuela, entra no país de forma ilícita em dólares ou euros e se transforma em dinheiro venezuelano no mercado negro (Assim que denunciei essas atividades ilegais baseadas no informe mencionado, o FRIDE desapareceu com o texto original e publicou um novo em que abandonava qualquer referência ao mecanismo de entrega de dinheiro externo a grupos venezuelanos).
Se o DAÍ já não atua na Venezuela realizando pequenos convênios com organizações opositoras com dinheiro estadunidense, o que cabe indagar é como chegam esses milhões de dólares a tais grupos e através de qual mecanismo? Segundo a USAID, suas operações estariam agora se realizando através da Embaixada dos Estados Unidos? Esta embaixada está entregando dinheiro diretamente a grupos de oposição venezuelanos?
O informe anual USAID/OTI de 2010 diz, especificamente, que seus esforços já estão dirigidos a um evento próximo: as eleições presidenciais de 2012 na Venezuela. Seguirão aumentando os milhões de dólares para a subversão e a desestabilização do país, incrementando a clandestinidade de suas operações na Venezuela, se o governo não tomar medidas concretas para impedir tal fato.
Operações psicológicas
Washington usa vários mecanismos de ingerência para tingir seus objetivos. As operações psicológicas são operações planificadas para transmitir informação seletiva e indicadores para públicos estrangeiros e com isso influir sobre suas emoções, motivos, racionalidade objetiva e - ultimamente - sobre o comportamento de governos, organizações, grupos e indivíduos, segundo o Pentágono.
No orçamento do Departamento de Defesa para 2011, há uma solicitação nova para operações psicológicas para o Comando Sul, que é quem coordena todas as missões militares dos Estados Unidos na América Latina. Em particular, tal solicitação fala de um programa de voz de operações psicológicas, o que se entende como rádio ou alguma outra transmissão de áudio que apóie esse objetivo.
Segundo a explicação contida no orçamento, a execução de operações psicológicas (PSYOP) inclui a investigação sobre audiências estrangeiras, desenvolvendo, produzindo e disseminando produtos (programas) para influir sobre essas audiências, bem como a condução de avaliações para determinar a eficácia das atividades de operações psicológicas. Essas atividades podem incluir a manutenção de várias páginas da web e o monitoramento de meios técnicos e eletrônicos.
O orçamento completo para as operações psicológicas durante o ano de 2011 é de 384.8 (trezentos e oitenta e quatro milhões e oitocentos mil) dólares, que inclui 201.8 (duzentos e um milhões e oitocentos mil) dólares para a divisão de operações psicológicas e o estabelecimento, pela primeira vez, de um programa de operações psicológicas com o uso da voz para o Comando Sul.
Este programa de operações psicológicas é totalmente distinto de iniciativas como A Voz da América, por exemplo, que é um programa do Departamento de Estado e da agência estatal Board Broadcasting Governors (BBG) que manejam a propaganda dos EUA em nível mundial. Na verdade, o orçamento da BBG para o ano de 2011 é de 768.8 milhões de dólares e inclui um programa de cinco dias a cada semana, em espanhol, para a televisão venezuelana.
O aumento das operações psicológicas dirigidos à Venezuela e a América Latina evidencia uma ampliação da agressão norte americana para com essa região. É preciso lembrar que, desde o ano de 2006, a Direção Nacional de Inteligência dos EUA desempenha uma missão especial de inteligência para a Venezuela e Cuba. Somente quatro dessas missões especiais existem no mundo: uma para o Irã, outra para a Coréia do Norte, uma terceira para o Afeganistão e o Paquistão e a quarta para Venezuela e Cuba. Essa missão recebe uma parte importante do orçamento de mais de 80 bilhões de dólares que emprega a Direção Nacional de Inteligência, entidade que coordena as 16 agências de inteligência em Washington.
* Eva Golinger é advogada e especialista em analisar documentos desclassificados pelo Departamento de Estado dos EUA, relativos a atividades na América Latina, em especial na Venezuela.
** Traduzido do espanhol por Izaías Almada.
.
Os 75 anos da Aliança Nacional Libertadora
Reproduzo matéria publicada no sítio Vermelho:
Na próxima quinta-feira, 25, às 19h, acontece na sede do Comitê Central do PCdoB palestra sobre os 75 anos da insurreição da Aliança Nacional Libertadora. À frente do evento estará a professora Marly Vianna – autora de Revolucionários de 35 e Pão, Terra e Liberdade: Memória do Movimento Comunista de 1935 –, além do historiador Augusto Buonicore. O evento é uma iniciativa da Fundação Maurício Grabois e visa debater uma importante passagem da vida brasileira.
A Aliança Nacional Libertadora, criada em 1935, foi um dos mais importantes movimentos de caráter antiimperialista e antifascista em nosso continente. Com forte influência do Partido Comunista do Brasil, seu lema era “Pão, Terra e Liberdade”. Perseguida e fechada pelo governo Vargas, acabou se orientando para insurreição armada.
Em novembro daquele ano, eclodiram violentos e heroicos combates nas cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro. Sua derrota levou a uma das mais violentas repressões aos democratas e comunistas brasileiros. Milhares de pessoas foram presas e torturadas. Apesar de suas limitações e erros, os levantes de 1935 fazem parte das memoráveis lutas travadas pelo povo brasileiro.
A sede do PCdoB fica na Rua Rego Freitas, 192, República, São Paulo.
.
Na próxima quinta-feira, 25, às 19h, acontece na sede do Comitê Central do PCdoB palestra sobre os 75 anos da insurreição da Aliança Nacional Libertadora. À frente do evento estará a professora Marly Vianna – autora de Revolucionários de 35 e Pão, Terra e Liberdade: Memória do Movimento Comunista de 1935 –, além do historiador Augusto Buonicore. O evento é uma iniciativa da Fundação Maurício Grabois e visa debater uma importante passagem da vida brasileira.
A Aliança Nacional Libertadora, criada em 1935, foi um dos mais importantes movimentos de caráter antiimperialista e antifascista em nosso continente. Com forte influência do Partido Comunista do Brasil, seu lema era “Pão, Terra e Liberdade”. Perseguida e fechada pelo governo Vargas, acabou se orientando para insurreição armada.
Em novembro daquele ano, eclodiram violentos e heroicos combates nas cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro. Sua derrota levou a uma das mais violentas repressões aos democratas e comunistas brasileiros. Milhares de pessoas foram presas e torturadas. Apesar de suas limitações e erros, os levantes de 1935 fazem parte das memoráveis lutas travadas pelo povo brasileiro.
A sede do PCdoB fica na Rua Rego Freitas, 192, República, São Paulo.
.
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Mídias e os tempos sombrios da ditadura
Reproduzo artigo de Luís Carlos Lopes, publicado no sítio Carta Maior:
A intriga e a calúnia continuam a assombrar aos brasileiros. As grandes mídias insistem na desqualificação da presidenta eleita. Foram como abutres aos arquivos oficiais do Estado para conseguir combustível, insistindo na tese de que a eleita é uma ‘criminosa’, não tendo por isto condições e legitimidade para governar. Querem continuar um processo que já foi encerrado.
Agora, o objetivo não é mais de ganhar a eleição. Já perderam. O que desejam é paralisar a eleita, fazendo-a reviver o pesadelo de sua juventude. Lembrar o que ela já foi, obviamente, na versão parcial e difamatória a que estão acostumados. Afinal, o Estado sempre foi ‘pilotado’ por homens que jamais se levantaram contra a simbiose desse com as elites do país.
Lula sempre incomodou por ser um líder operário, grevista, que desafiou a ditadura militar e criou com os sindicatos combativos e a esquerda atomizada do final dos anos setenta, o Partido dos Trabalhadores. Nunca antes, isto havia ocorrido na história do país, cheia de ‘personalidades’ e compromissos com os mesmos de sempre.
A real politik alcançou o PT e o ímpeto mais radical de origem foi contido. Seguiu-se no país uma tendência generalizada no mundo de depois da queda do Muro de Berlim. No atual contexto, os neoliberais tentam de todo jeito ganhar terreno e oprimir mais e mais os trabalhadores. Querem por toda parte que eles paguem a fatura da crise que criaram. As novas oposições populares fazem o que podem para manter conquistas e fazer avançar os direitos dos trabalhadores.
O desenvolvimentismo social-democrático dominou a sigla brasileira no poder. A verdade é que houve progressos imensos no front do combate da miséria. Mas ainda há muito que fazer, tal como a presidenta eleita confirma e se propõe a executar. O problema é se os interesses nacionais e internacionais permitirão mudanças, mesmo que seus prejuízos sejam praticamente inexistentes. Eles querem sempre mais.
Para manter a ordem intacta, eles tentam de tudo. Com uma das mãos acenam com a aceitação da vontade popular, com a outra brandem, por meio das grandes mídias, suas armas preferidas: a intriga e a calúnia. Dilma, mulher e guerrilheira nos anos de chumbo do Brasil, é muito mais do que eles conseguem tolerar. Temem que ela vá além de Lula, fazendo, por exemplo, o que sua colega da Argentina fez. Acabando com a impunidade dos criminosos da época da ditadura, abrindo para valer os arquivos secretos dos militares e dizendo a todos qual é a verdadeira história destas mídias que tanto a difamam.
Dilma nem chegou ao governo e já enfrenta uma onda de acusações. Como nada podem falar do presente, foram buscar no passado lenha para acender suas fogueiras prediletas. Esta visão inquisitorial tem uma triste história no Brasil, desde o passado colonial. Isto só vai acabar quando seus fundamentos socioculturais forem enfrentados em profundidade. Os armários dessa gente têm mais esqueletos do que os ingênuos imaginam. Basta abri-los e deixar entrar a luz purificadora do sol.
Já se disse que a verdade histórica ilumina a democracia. O nazismo foi combatido na Alemanha durante anos, após o seu triste final. A desnazificação construiu a Alemanha atual, uma campanha sistemática que mostrou aos alemães os porões do hitlerismo. O mesmo esforço ainda é feito na Espanha pós-franquista, apesar de muita resistência das viúvas e viúvos do velho ditador.
Por aqui, quase nada falamos sobre os horrores do passado escravista do Brasil. O esquecimento preenche as lacunas da memória nacional. O mesmo foi feito com as excrescências das várias fases republicanas do país. Já se esqueceu da “grande noite” do Estado Novo e da ‘noite de horrores’ da ditadura militar.
A história do país continua sendo ensinada como uma arte do esquecimento. Não chega à maioria das escolas as verdades reais do passado do país. Por isso, é fácil destacar fatos isolados, pinçá-los, sem qualquer escrúpulo e gritar que a Dilma é alguém pouco confiável. Com isto, se quer paralisá-la, impedir sua marcha e conter qualquer ímpeto mais profundo do seu futuro governo. Espera-se que ela não peça desculpas pelo que foi no passado e que aproveite a oportunidade para denunciar os que a agridem.
.
A intriga e a calúnia continuam a assombrar aos brasileiros. As grandes mídias insistem na desqualificação da presidenta eleita. Foram como abutres aos arquivos oficiais do Estado para conseguir combustível, insistindo na tese de que a eleita é uma ‘criminosa’, não tendo por isto condições e legitimidade para governar. Querem continuar um processo que já foi encerrado.
Agora, o objetivo não é mais de ganhar a eleição. Já perderam. O que desejam é paralisar a eleita, fazendo-a reviver o pesadelo de sua juventude. Lembrar o que ela já foi, obviamente, na versão parcial e difamatória a que estão acostumados. Afinal, o Estado sempre foi ‘pilotado’ por homens que jamais se levantaram contra a simbiose desse com as elites do país.
Lula sempre incomodou por ser um líder operário, grevista, que desafiou a ditadura militar e criou com os sindicatos combativos e a esquerda atomizada do final dos anos setenta, o Partido dos Trabalhadores. Nunca antes, isto havia ocorrido na história do país, cheia de ‘personalidades’ e compromissos com os mesmos de sempre.
A real politik alcançou o PT e o ímpeto mais radical de origem foi contido. Seguiu-se no país uma tendência generalizada no mundo de depois da queda do Muro de Berlim. No atual contexto, os neoliberais tentam de todo jeito ganhar terreno e oprimir mais e mais os trabalhadores. Querem por toda parte que eles paguem a fatura da crise que criaram. As novas oposições populares fazem o que podem para manter conquistas e fazer avançar os direitos dos trabalhadores.
O desenvolvimentismo social-democrático dominou a sigla brasileira no poder. A verdade é que houve progressos imensos no front do combate da miséria. Mas ainda há muito que fazer, tal como a presidenta eleita confirma e se propõe a executar. O problema é se os interesses nacionais e internacionais permitirão mudanças, mesmo que seus prejuízos sejam praticamente inexistentes. Eles querem sempre mais.
Para manter a ordem intacta, eles tentam de tudo. Com uma das mãos acenam com a aceitação da vontade popular, com a outra brandem, por meio das grandes mídias, suas armas preferidas: a intriga e a calúnia. Dilma, mulher e guerrilheira nos anos de chumbo do Brasil, é muito mais do que eles conseguem tolerar. Temem que ela vá além de Lula, fazendo, por exemplo, o que sua colega da Argentina fez. Acabando com a impunidade dos criminosos da época da ditadura, abrindo para valer os arquivos secretos dos militares e dizendo a todos qual é a verdadeira história destas mídias que tanto a difamam.
Dilma nem chegou ao governo e já enfrenta uma onda de acusações. Como nada podem falar do presente, foram buscar no passado lenha para acender suas fogueiras prediletas. Esta visão inquisitorial tem uma triste história no Brasil, desde o passado colonial. Isto só vai acabar quando seus fundamentos socioculturais forem enfrentados em profundidade. Os armários dessa gente têm mais esqueletos do que os ingênuos imaginam. Basta abri-los e deixar entrar a luz purificadora do sol.
Já se disse que a verdade histórica ilumina a democracia. O nazismo foi combatido na Alemanha durante anos, após o seu triste final. A desnazificação construiu a Alemanha atual, uma campanha sistemática que mostrou aos alemães os porões do hitlerismo. O mesmo esforço ainda é feito na Espanha pós-franquista, apesar de muita resistência das viúvas e viúvos do velho ditador.
Por aqui, quase nada falamos sobre os horrores do passado escravista do Brasil. O esquecimento preenche as lacunas da memória nacional. O mesmo foi feito com as excrescências das várias fases republicanas do país. Já se esqueceu da “grande noite” do Estado Novo e da ‘noite de horrores’ da ditadura militar.
A história do país continua sendo ensinada como uma arte do esquecimento. Não chega à maioria das escolas as verdades reais do passado do país. Por isso, é fácil destacar fatos isolados, pinçá-los, sem qualquer escrúpulo e gritar que a Dilma é alguém pouco confiável. Com isto, se quer paralisá-la, impedir sua marcha e conter qualquer ímpeto mais profundo do seu futuro governo. Espera-se que ela não peça desculpas pelo que foi no passado e que aproveite a oportunidade para denunciar os que a agridem.
.
O congresso das rádios comunitárias de SP
Reproduzo artigo de Virginia Toledo, publicado na Rede Brasil Atual:
Nos dias 26 e 27 de novembro será realizado na cidade de Rio Claro, interior de São Paulo, o 2º Congresso Estadual da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço). O evento será conduzido pelas discussões em torno da democratização da comunicação e também no fortalecimento da radiodifusão. Só no estado de São Paulo, são 600 rádios comunitárias autorizadas, em operação.
Para Jerry Oliveira, coordenador nacional da Abraço, a realização do congresso acontece em um período importante para comunicação no Brasil, em que discussões sobre a regulamentação do setor envolvem diversos atores da sociedade, com diferentes opiniões. "Estamos vivendo um momento crítico e decisivo, no qual a rádio comunitária é protagonista", comemora.
Entretanto, ele aponta que é necessário que as rádios comunitárias organizem-se para que possam, junto ao novo governo e ao Congresso Nacional, acompanhar e reivindicar um novo projeto para a comunicação no país. E, posteriormente, articular com os veículos voltados a interesses sociais, açõe conjuntas para combater o que chama de "monopólios midiáticos".
"A gente precisa colocar as rádios comunitárias nas ruas, para defender a posição de que o Brasil precisa de uma outra comunicação. Este é o objetivo do congresso", afirma Oliveira.
No evento, serão escolhidos os delegados que representarão a Abraço/SP no congresso de radiodifusão de âmbito nacional, a ser realizado no mês de dezembro. Além de concretizar a regularização da entidade, estatutariamente, com a eleição de nova diretoria para os próximos três anos.
Confira a programação:
Dia 26 de Novembro de 2010
19:00 horas - Abertura
- Representante da Abraço Nacional
- Representante da Câmara de Vereadores de Rio Claro
- Representante da Prefeitura Municipal de Rio Claro
- Deputada Federal Luiza Erundina
20:00 horas - Painel
Os meios de comunicação voltados para a luta dos trabalhadores
- Representante das TVs Comunitárias
- Representante do Jornal dos Trabalhadores (rede Abraço/CUT)
- Representante do Jornal Brasil de Fato
- Representante da TV dos Trabalhadores
- Representante da Revista do Brasil
- Representante do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé
Dia 27 de Novembro
09:00 às 09:30 horas.
Credenciamento
09:30 horas - Painel
A situação da radiodifusão comunitária no Brasil:
Em debate: canalização do espectro de radiofreqüências, direito autoral (ECAD), procedimentos de análise de processos do Ministério das Comunicações, fiscalizações e multas.
- ABRAÇO/SP
- Representante da Anatel
- Representante Ministério das Comunicações
- Representante Escritório de Arrecadação do ECAD
- Intervozes
Debate em Plenária
12:00 horas – Almoço
13:30 horas – Leitura e aprovação dos estatutos da Abraço/SP
15:00 horas – Eleição e posse da nova diretoria da Abraço/SP
15:30 horas - Intervalo para café
16:00 horas – Eleição de delegados para o VII Congresso Nacional da Abraço
17:00 horas – Encerramento
O Congresso da Abraço será realizado na escola Estadual Paulo Koelle, na Rua 12, nº 867, Centro, Rio Claro SP. As emissoras comunitárias interessadas deverão se inscrever pelos seguintes e-mails: jerry.deoliveira@hotmail.com; abracosaopaulo@hotmail.com
Mais informações pelo blog: http://www.abracosp.blogspot.com ou pelos telefones: (19) 3739 4600 e (19) 9731 7632.
.
Nos dias 26 e 27 de novembro será realizado na cidade de Rio Claro, interior de São Paulo, o 2º Congresso Estadual da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço). O evento será conduzido pelas discussões em torno da democratização da comunicação e também no fortalecimento da radiodifusão. Só no estado de São Paulo, são 600 rádios comunitárias autorizadas, em operação.
Para Jerry Oliveira, coordenador nacional da Abraço, a realização do congresso acontece em um período importante para comunicação no Brasil, em que discussões sobre a regulamentação do setor envolvem diversos atores da sociedade, com diferentes opiniões. "Estamos vivendo um momento crítico e decisivo, no qual a rádio comunitária é protagonista", comemora.
Entretanto, ele aponta que é necessário que as rádios comunitárias organizem-se para que possam, junto ao novo governo e ao Congresso Nacional, acompanhar e reivindicar um novo projeto para a comunicação no país. E, posteriormente, articular com os veículos voltados a interesses sociais, açõe conjuntas para combater o que chama de "monopólios midiáticos".
"A gente precisa colocar as rádios comunitárias nas ruas, para defender a posição de que o Brasil precisa de uma outra comunicação. Este é o objetivo do congresso", afirma Oliveira.
No evento, serão escolhidos os delegados que representarão a Abraço/SP no congresso de radiodifusão de âmbito nacional, a ser realizado no mês de dezembro. Além de concretizar a regularização da entidade, estatutariamente, com a eleição de nova diretoria para os próximos três anos.
Confira a programação:
Dia 26 de Novembro de 2010
19:00 horas - Abertura
- Representante da Abraço Nacional
- Representante da Câmara de Vereadores de Rio Claro
- Representante da Prefeitura Municipal de Rio Claro
- Deputada Federal Luiza Erundina
20:00 horas - Painel
Os meios de comunicação voltados para a luta dos trabalhadores
- Representante das TVs Comunitárias
- Representante do Jornal dos Trabalhadores (rede Abraço/CUT)
- Representante do Jornal Brasil de Fato
- Representante da TV dos Trabalhadores
- Representante da Revista do Brasil
- Representante do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé
Dia 27 de Novembro
09:00 às 09:30 horas.
Credenciamento
09:30 horas - Painel
A situação da radiodifusão comunitária no Brasil:
Em debate: canalização do espectro de radiofreqüências, direito autoral (ECAD), procedimentos de análise de processos do Ministério das Comunicações, fiscalizações e multas.
- ABRAÇO/SP
- Representante da Anatel
- Representante Ministério das Comunicações
- Representante Escritório de Arrecadação do ECAD
- Intervozes
Debate em Plenária
12:00 horas – Almoço
13:30 horas – Leitura e aprovação dos estatutos da Abraço/SP
15:00 horas – Eleição e posse da nova diretoria da Abraço/SP
15:30 horas - Intervalo para café
16:00 horas – Eleição de delegados para o VII Congresso Nacional da Abraço
17:00 horas – Encerramento
O Congresso da Abraço será realizado na escola Estadual Paulo Koelle, na Rua 12, nº 867, Centro, Rio Claro SP. As emissoras comunitárias interessadas deverão se inscrever pelos seguintes e-mails: jerry.deoliveira@hotmail.com; abracosaopaulo@hotmail.com
Mais informações pelo blog: http://www.abracosp.blogspot.com ou pelos telefones: (19) 3739 4600 e (19) 9731 7632.
.
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Mídia e políticos: quem alimenta quem?
Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no Blog da Cidadania:
Você já se perguntou se é a mídia que serve à oposição de direita ou se é esta que serve àquela? Durante os últimos anos, como a mídia se dedicou a produzir factóides que servissem ao discurso oposicionista, prevaleceu a sensação de que Serra e sua turma a tinham nas mãos. Mas e se a for a mídia que usa os Serras, Alckmins e FHCs da vida?
Pensemos juntos. Por que a mídia bilionária serviria a um grupo político que dela depende para sobreviver? Todos viram o estrago que algumas míseras denúncias que saíram na mídia durante o processo eleitoral – quando esta deu a fatura por liquidada em favor de Dilma – fizeram na candidatura tucana à Presidência.
Ao contrário do grupo político lulo-petista, o grupo demo-tucano demonstrou não ter a menor resistência à investigação e ao questionamento de uma só das dezenas de denúncias não divulgadas que pesam contra os partidos de direita. Sem o apoio da mídia, PSDB, DEM e PPS talvez nem sobrevivessem a estas eleições.
A mídia parece ter um poder de barganha com os partidos de direita que os deixa muito distantes de poderem se servir dela. É mais provável, por esta linha de pensamento, que as famílias midiáticas é que escolham políticos que julguem com “potencial” para lograrem vitórias políticas, as quais serão usadas para atenderem a demandas de classe social.
Ou seja, a mídia tampouco é general de nada. No máximo, é tenente a serviço de um setor muito pequeno da sociedade que, através de empresários de comunicação, vinha conseguindo fazer com que os seus interesses nada representativos parecessem os interesses de todos.
Tal poder, porém, começou a minguar. Da virada do milênio para cá, essa mídia passou a perder doses maciças desse poder de eleger e/ou de derrubar políticos.
Note-se que a ida da eleição presidencial para o segundo turno mais uma vez – depois de ter sido logrado o mesmo em 2006 – evitou que os meios de comunicação se tornassem atores irrelevantes ou de somenos importância em processos eleitorais futuros.
Todavia, não se pode esquecer de que a direita brasileira perdeu a terceira eleição presidencial consecutiva apesar de todo o aparato de comunicação de que dispõe. É importantíssimo notar que uma consistente maioria do eleitorado brasileiro disse um enorme não aos factóides tucano-midiáticos, aos seus propagadores e ao candidato deles.
Não vamos nos esquecer de que quem ficou ao lado de Dilma e de Lula mesmo com a avalanche de denúncias que se viu, certamente acredita que os adversários deles – tanto na mídia quanto na classe política – mentiram.
O fato é que se esta linha de pensamento estiver certa, a cadeia de comando correta é elite branca, mídia e, por último, os partidos que se dispõem a representar os interesses de um estrato social extremamente rico e diminuto que põe à disposição dos seus soldados políticos um aparato de propaganda bilionário.
.
Você já se perguntou se é a mídia que serve à oposição de direita ou se é esta que serve àquela? Durante os últimos anos, como a mídia se dedicou a produzir factóides que servissem ao discurso oposicionista, prevaleceu a sensação de que Serra e sua turma a tinham nas mãos. Mas e se a for a mídia que usa os Serras, Alckmins e FHCs da vida?
Pensemos juntos. Por que a mídia bilionária serviria a um grupo político que dela depende para sobreviver? Todos viram o estrago que algumas míseras denúncias que saíram na mídia durante o processo eleitoral – quando esta deu a fatura por liquidada em favor de Dilma – fizeram na candidatura tucana à Presidência.
Ao contrário do grupo político lulo-petista, o grupo demo-tucano demonstrou não ter a menor resistência à investigação e ao questionamento de uma só das dezenas de denúncias não divulgadas que pesam contra os partidos de direita. Sem o apoio da mídia, PSDB, DEM e PPS talvez nem sobrevivessem a estas eleições.
A mídia parece ter um poder de barganha com os partidos de direita que os deixa muito distantes de poderem se servir dela. É mais provável, por esta linha de pensamento, que as famílias midiáticas é que escolham políticos que julguem com “potencial” para lograrem vitórias políticas, as quais serão usadas para atenderem a demandas de classe social.
Ou seja, a mídia tampouco é general de nada. No máximo, é tenente a serviço de um setor muito pequeno da sociedade que, através de empresários de comunicação, vinha conseguindo fazer com que os seus interesses nada representativos parecessem os interesses de todos.
Tal poder, porém, começou a minguar. Da virada do milênio para cá, essa mídia passou a perder doses maciças desse poder de eleger e/ou de derrubar políticos.
Note-se que a ida da eleição presidencial para o segundo turno mais uma vez – depois de ter sido logrado o mesmo em 2006 – evitou que os meios de comunicação se tornassem atores irrelevantes ou de somenos importância em processos eleitorais futuros.
Todavia, não se pode esquecer de que a direita brasileira perdeu a terceira eleição presidencial consecutiva apesar de todo o aparato de comunicação de que dispõe. É importantíssimo notar que uma consistente maioria do eleitorado brasileiro disse um enorme não aos factóides tucano-midiáticos, aos seus propagadores e ao candidato deles.
Não vamos nos esquecer de que quem ficou ao lado de Dilma e de Lula mesmo com a avalanche de denúncias que se viu, certamente acredita que os adversários deles – tanto na mídia quanto na classe política – mentiram.
O fato é que se esta linha de pensamento estiver certa, a cadeia de comando correta é elite branca, mídia e, por último, os partidos que se dispõem a representar os interesses de um estrato social extremamente rico e diminuto que põe à disposição dos seus soldados políticos um aparato de propaganda bilionário.
.
Quanto vale a palavra de torturadores?
Reproduzo artigo de Emir Sader, publicado no sítio Carta Maior:
O Superior Tribunal Militar abriu o processo da Presidenta eleita, Dilma Rousseff, que um órgão da imprensa – aquele cuja executiva disse que a mídia é o partido político da oposição – buscava afoitamente na reta final da campanha eleitoral.
O que teremos nesse processo? A versão que os torturadores davam das suas vítimas, dos torturados. Essa mesma imprensa que reclamava, com razão, da censura, vai agora acreditar no que os verdugos diziam do crime monstruoso da tortura, que praticavam? E do comportamento das vitimas indefesas desse crime hediondo?
É como se levassem a sério o que os censores devem ter escrito sobre as publicações que censuravam e os jornalistas. Nós nunca os tomaríamos a sério, utilizamos os documentos da censura para denunciar ainda mais o obscurantismo da ditadura.
O processo tem que ser mais um instrumento de denúncia da tortura – crime imprescritível – e não instrumento de manipulação política justo do jornal que emprestou carros para que a órgãos da ditadura, disfarçados de jornalistas, cometessem suas atrocidades. O mesmo órgão que considerou que não tivemos uma ditadura, mas uma “ditabranda”.
O processo é um testemunho dos agentes do terror, daqueles que assaltaram pela força o Estado, destruíram a democracia e se apropriaram dos bens públicos para transformá-los em instrumentos dos crimes hediondos que cometeram – em nome da “democracia”.
Nas mãos de democratas, se transformará em mais uma prova da brutalidade dos crimes cometidos pela ditadura militar contra seus opositores. Nas mãos dos que foram complacentes e se beneficiaram da ditadura, será instrumento político torpe. A mídia que acreditar no que diziam os torturadores, será conivente com eles, ao invés de denunciar os crimes que eles cometeram.
Para os que se sujaram com a ditadura é insuportável que houve gente que se comportou com heroismo e dignidade. Querem enlamear a todos, porque se houve tanta gente que resistiu à ditadura, mesmo em condições limites, havia alternativa que não a conciliação e a conivência com a ditadura.
.
O Superior Tribunal Militar abriu o processo da Presidenta eleita, Dilma Rousseff, que um órgão da imprensa – aquele cuja executiva disse que a mídia é o partido político da oposição – buscava afoitamente na reta final da campanha eleitoral.
O que teremos nesse processo? A versão que os torturadores davam das suas vítimas, dos torturados. Essa mesma imprensa que reclamava, com razão, da censura, vai agora acreditar no que os verdugos diziam do crime monstruoso da tortura, que praticavam? E do comportamento das vitimas indefesas desse crime hediondo?
É como se levassem a sério o que os censores devem ter escrito sobre as publicações que censuravam e os jornalistas. Nós nunca os tomaríamos a sério, utilizamos os documentos da censura para denunciar ainda mais o obscurantismo da ditadura.
O processo tem que ser mais um instrumento de denúncia da tortura – crime imprescritível – e não instrumento de manipulação política justo do jornal que emprestou carros para que a órgãos da ditadura, disfarçados de jornalistas, cometessem suas atrocidades. O mesmo órgão que considerou que não tivemos uma ditadura, mas uma “ditabranda”.
O processo é um testemunho dos agentes do terror, daqueles que assaltaram pela força o Estado, destruíram a democracia e se apropriaram dos bens públicos para transformá-los em instrumentos dos crimes hediondos que cometeram – em nome da “democracia”.
Nas mãos de democratas, se transformará em mais uma prova da brutalidade dos crimes cometidos pela ditadura militar contra seus opositores. Nas mãos dos que foram complacentes e se beneficiaram da ditadura, será instrumento político torpe. A mídia que acreditar no que diziam os torturadores, será conivente com eles, ao invés de denunciar os crimes que eles cometeram.
Para os que se sujaram com a ditadura é insuportável que houve gente que se comportou com heroismo e dignidade. Querem enlamear a todos, porque se houve tanta gente que resistiu à ditadura, mesmo em condições limites, havia alternativa que não a conciliação e a conivência com a ditadura.
.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Centrais sindicais podem ter horário na TV
Por Altamiro Borges
A Comissão de Trabalho da Câmara Federal aprovou nesta quarta-feira, dia 17, um projeto de lei que concede às centrais sindicais dez minutos por semana nas emissoras de TV e rádio do país. O texto substitutivo foi apresentado pelo deputado Roberto Santiago (PV-SP) e resulta da fusão de outros dois projetos. Um de autoria de Vicentinho (PT-SP), que fixava a veiculação semanal em horário nobre, e outro de Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), que propunha que programas sindicais fossem diários.
Entre outros aspectos positivos, o projeto aprovado prevê que: as peças produzidas pelas centrais irão ao ar entre 6h e 22h às terças-feiras; a veiculação poderá ser feita em bloco de dez minutos ou subdividida em inserções de 30 segundos a um minuto; a exibição não será facultativa, mas obrigatória e gratuita; e as emissoras poderão abater os custos de seus tributos. Nos programas, as centrais poderão tratar de três temas: matérias de interesse de seus representados; mensagens sobre a sua atuação sindical; e divulgação de posições políticas das centrais.
“Caráter conclusivo”
Segundo informa o sítio da Câmara Federal, o substitutivo tramita agora em “caráter conclusivo” pelas comissões da casa. Se aprovado nas duas que ainda restam (Justiça e Ciência/Tecnologia), ele irá direto a votação no Senado, sem passar pelo plenário da Câmara. “O projeto perderá esse caráter em duas situações: se houve parecer divergente entre as comissões; se depois de aprovado pelas comissões, houver recurso contra esse rito assinado por 51 deputados (10% do total)”.
Como se nota, são reais as possibilidades do sindicalismo brasileiro finalmente conseguir espaço para divulgar suas idéias nos veículos massivos da radiodifusão, que são uma concessão pública – é sempre bom lembrar. Essa conquista, o chamado de direito de antena, já existe vários países. No recente seminário sobre convergências da mídia, promovido pela Secretaria de Comunicação Social (Secom), o representante de Portugal, por exemplo, falou sobre esse avanço democrático.
Reação será violenta
Mas possibilidade não significa garantia. Pegos de surpresas, os barões da mídia deverão iniciar de imediato a sua gritaria contra o projeto do deputado Roberto Santiago. A Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert) tem “influência” no Congresso Nacional. A bancada da radiodifusão, dirigida pelo “senador” Evandro Guimarães, o homem da TV Globo, fará de tudo para barrar a aprovação do projeto. O sindicalismo já está antenado para fazer a contrapressão?
.
A Comissão de Trabalho da Câmara Federal aprovou nesta quarta-feira, dia 17, um projeto de lei que concede às centrais sindicais dez minutos por semana nas emissoras de TV e rádio do país. O texto substitutivo foi apresentado pelo deputado Roberto Santiago (PV-SP) e resulta da fusão de outros dois projetos. Um de autoria de Vicentinho (PT-SP), que fixava a veiculação semanal em horário nobre, e outro de Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), que propunha que programas sindicais fossem diários.
Entre outros aspectos positivos, o projeto aprovado prevê que: as peças produzidas pelas centrais irão ao ar entre 6h e 22h às terças-feiras; a veiculação poderá ser feita em bloco de dez minutos ou subdividida em inserções de 30 segundos a um minuto; a exibição não será facultativa, mas obrigatória e gratuita; e as emissoras poderão abater os custos de seus tributos. Nos programas, as centrais poderão tratar de três temas: matérias de interesse de seus representados; mensagens sobre a sua atuação sindical; e divulgação de posições políticas das centrais.
“Caráter conclusivo”
Segundo informa o sítio da Câmara Federal, o substitutivo tramita agora em “caráter conclusivo” pelas comissões da casa. Se aprovado nas duas que ainda restam (Justiça e Ciência/Tecnologia), ele irá direto a votação no Senado, sem passar pelo plenário da Câmara. “O projeto perderá esse caráter em duas situações: se houve parecer divergente entre as comissões; se depois de aprovado pelas comissões, houver recurso contra esse rito assinado por 51 deputados (10% do total)”.
Como se nota, são reais as possibilidades do sindicalismo brasileiro finalmente conseguir espaço para divulgar suas idéias nos veículos massivos da radiodifusão, que são uma concessão pública – é sempre bom lembrar. Essa conquista, o chamado de direito de antena, já existe vários países. No recente seminário sobre convergências da mídia, promovido pela Secretaria de Comunicação Social (Secom), o representante de Portugal, por exemplo, falou sobre esse avanço democrático.
Reação será violenta
Mas possibilidade não significa garantia. Pegos de surpresas, os barões da mídia deverão iniciar de imediato a sua gritaria contra o projeto do deputado Roberto Santiago. A Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert) tem “influência” no Congresso Nacional. A bancada da radiodifusão, dirigida pelo “senador” Evandro Guimarães, o homem da TV Globo, fará de tudo para barrar a aprovação do projeto. O sindicalismo já está antenado para fazer a contrapressão?
.
A internet foi decisiva na eleição
Reproduzo artigo de Lia Segre, publicado no Observatório do Direito à Comunicação:
Especialistas em internet que estiveram à frente das campanhas presidenciais mais votadas acreditam que a internet foi essencial para o desenrolar das eleições. Sem ela não teria acontecido segundo turno, acredita Caio Túlio Costa, jornalista, consultor de novas mídias e coordenador de campanha de Marina Silva (PV). A internet possibilitou a criação de um novo polo formador de opinião, diz Marcelo Branco, ativista pela liberdade do conhecimento – como se define - e coordenador da campanha de Dilma Roussef (PT) nas mídias sociais.
“Pela primeira vez temos um terceiro bloco formador de opinião. Os blocos tradicionais sempre foram os partidos e candidatos e, do outro lado, a imprensa. Eles formavam a impressão do leitor”, contou no 4º Seminário Internacional de Jornalismo Online (MediaOn), que aconteceu dias 9, 10 e 11 na capital paulista. Também participou da mesa a coordenadora da campanha online de José Serra (PSDB), ex-vereadora da cidade Soninha Francine.
Caio Túlio acredita que foi a internet que fez Marina Silva atingir 20 milhões de votos – algo que apontou como inédito no país em se tratando de um 3º colocado no pleito. Inicialmente com um desconhecimento de 60% por parte dos eleitores e com apenas 1 min e 23 s na TV contra 12 min de Dilma e 9 min de Serra, montaram estratégia eficiente na internet, com uso intenso de redes sociais dividida em 12 frentes como Blog, Twitter, sistema de arrecadação online entre outros. Esse trabalho levaou a candidatura a arrecadar 170 mil reais, doados por 2 mil pessoas, em 58 dos 242 dias que duraram sua campanha na internet. Caio segmentou os eleitores por rede social: “No Orkut a gente falava com os evangélicos, Facebook falávamos com classe média intelecutalizada, no twitter falamos com vanguarda da internet”.
Marcelo, coordenador de mídias sociais da campanha petista, acredita que a internet dá possibilidade aos eleitores de se expressarem pelas redes sociais, “possibilidade que milhões de pessoas tenham sua expressão e postem isso na internet”, e passaram a influenciar os candidatos. Soninha mencionou que a propaganda eleitoral tem apenas dez minutos, que um panfleto de debates televisivos não conseguem aprofundar temas tanto quanto a internet, onde se pode oferecer mais conteúdo. Para Marcelo, tratou-se de democratização da campanha, ainda que a base social de apoio ao governo do PT sejam os desconectados.
Ao contrário do candidato José Serra, que Marcelo acredita ter tido o apoio da mídia de massas em vozes como as de Reinaldo Azevedo e Ricardo Noblat, na campanha de Dilma as redes sociais pautaram a “mass media”, e não a mídia pautou as redes, como acontecia com o adversário.
Citou como os melhores momentos da campanha online o caso da publicidade da Globo que fazia apologia ao slogan do candidato tucano “O Brasil pode mais”, e quando Lula foi entrevistado no Jornal Nacional. Esses fatos que a princípio pareciam negativos para a campanha, ajudaram quando a emissora se desculpou por insinuar preferência. A capa da Época que “pretendia ser negativa acabou sendo positiva”, e virou material de campanha em camisetas e canecas. Marcelo também lembrou a repercussão no Twitter do “Dilma facts by folha” e o “bola de papel facts”, que ficou pouco mais de um dia no Twitter mundial.
Uma das principais características da campanha que o PT fez online contou com engajamento de militantes ou simpatizantes em blogs e redes sociais diversas. Para Soninha, que controlava o conteúdo do site da campanha tucana ao Planalto, a internet permite o engajamento voluntário, um aspecto da campanha que faz diferença pois “é cada vez é mais dificil as pessoas fazerem campanha de graça”. Na campanha de Serra, a doação por internet não foi substancial. A coordenadora esperava pouco da internet, mas se empolgou ao longo da campanha com o feedback de militantes online inesperados, como donas de casa e idosos.
Campanha online
“Visitamos os estados, consultamos sete mil pessoas, conhecemos pessoas que seriam motores da campanha da Dilma na internet”, explica Marcelo, contratado em abril. Foi essa experiência que o permitiu conhecer a base social que daria sustentação para a campanha, que define como descentralizada e feita principalmente por voluntários, acrescenta.
Marcelo acredita que campanha na internet é diferente, e a construção do coletivo tem que se dar de forma colaborativa. “O que funciona na rede é imprevisivel ainda. Temos que aproveitar qualidade da contrução colaborativa. Não centramos a campanha no dilma.com.br, e blog”. Foram milhares de ativistas e blogueiros que se somaram à campanha oficial - “a melhor cobertura não foi feita por nós, foi feita pelos outros”. Considera a melhor atuação a feita na blogosfera, e a pior no Facebook.
A campanha de Serra, assim como a de Dilma, separava internet de outras mídias. “A nossa configuração de internet era diferente. A gente não tinha coordenador de mídias sociais, eu era responsável pelo site oficial”, afirmou a ex-vereadora que se integrou a campanha em julho. A data avançada impediu a equipe de ter um formato definido para tocar a rede desde o começo, afirmou.
“O que imaginamos de internauta tipico se mostrou uma minoria na campanha”, disse Soninha. Ela se surpreendeu por mensagens com sugestões, críticas à campanha, e elogios de pessoas inesperadas, como “agricultores do interior do Espírito Santo”, idosos, donas de casa. Para ela, o site e a rede acabaram por ser não só oferta de conteúdo, mas ponto de encontro para militantes dos perfis mais diversificados, cujo encontro físico jamais se daria.
Ameaça
O fórum mais democrático da internet, onde a construção de conteúdo é colaborativa e as pessoas podem se expressar com certa amplitude, está ameaçado pela tramitação do Projeto de Lei (PL) 84/99, do senador Eduardo Azeredo (PSDB), lembrou Marcelo e Caio durante o debate do MediaOn. O PL se caracteriza por criminalizar ações da internet como download e compartilhamento de mp3, entre outros.
“Internet é sempre criminalizada”, afirmou Marcelo quanto à pergunta sobre baixaria nas eleições. “Não foi na internet, foi nas campanhas políticas”. O coordenador da campanha digital petista afirmou a baixaria se deu com acusações falsas, fraudes e declarações suspeitas, que apenas foram reproduzidas na internet e ganharam uma repercussão diferente.
Marcelo e Caio foram a favor de um pacto, no próprio ato do debate, de combate à lei de cibercrimes. “Não passarão”, disse um e repetiu o outro. Soninha não se manifestou.
.
Especialistas em internet que estiveram à frente das campanhas presidenciais mais votadas acreditam que a internet foi essencial para o desenrolar das eleições. Sem ela não teria acontecido segundo turno, acredita Caio Túlio Costa, jornalista, consultor de novas mídias e coordenador de campanha de Marina Silva (PV). A internet possibilitou a criação de um novo polo formador de opinião, diz Marcelo Branco, ativista pela liberdade do conhecimento – como se define - e coordenador da campanha de Dilma Roussef (PT) nas mídias sociais.
“Pela primeira vez temos um terceiro bloco formador de opinião. Os blocos tradicionais sempre foram os partidos e candidatos e, do outro lado, a imprensa. Eles formavam a impressão do leitor”, contou no 4º Seminário Internacional de Jornalismo Online (MediaOn), que aconteceu dias 9, 10 e 11 na capital paulista. Também participou da mesa a coordenadora da campanha online de José Serra (PSDB), ex-vereadora da cidade Soninha Francine.
Caio Túlio acredita que foi a internet que fez Marina Silva atingir 20 milhões de votos – algo que apontou como inédito no país em se tratando de um 3º colocado no pleito. Inicialmente com um desconhecimento de 60% por parte dos eleitores e com apenas 1 min e 23 s na TV contra 12 min de Dilma e 9 min de Serra, montaram estratégia eficiente na internet, com uso intenso de redes sociais dividida em 12 frentes como Blog, Twitter, sistema de arrecadação online entre outros. Esse trabalho levaou a candidatura a arrecadar 170 mil reais, doados por 2 mil pessoas, em 58 dos 242 dias que duraram sua campanha na internet. Caio segmentou os eleitores por rede social: “No Orkut a gente falava com os evangélicos, Facebook falávamos com classe média intelecutalizada, no twitter falamos com vanguarda da internet”.
Marcelo, coordenador de mídias sociais da campanha petista, acredita que a internet dá possibilidade aos eleitores de se expressarem pelas redes sociais, “possibilidade que milhões de pessoas tenham sua expressão e postem isso na internet”, e passaram a influenciar os candidatos. Soninha mencionou que a propaganda eleitoral tem apenas dez minutos, que um panfleto de debates televisivos não conseguem aprofundar temas tanto quanto a internet, onde se pode oferecer mais conteúdo. Para Marcelo, tratou-se de democratização da campanha, ainda que a base social de apoio ao governo do PT sejam os desconectados.
Ao contrário do candidato José Serra, que Marcelo acredita ter tido o apoio da mídia de massas em vozes como as de Reinaldo Azevedo e Ricardo Noblat, na campanha de Dilma as redes sociais pautaram a “mass media”, e não a mídia pautou as redes, como acontecia com o adversário.
Citou como os melhores momentos da campanha online o caso da publicidade da Globo que fazia apologia ao slogan do candidato tucano “O Brasil pode mais”, e quando Lula foi entrevistado no Jornal Nacional. Esses fatos que a princípio pareciam negativos para a campanha, ajudaram quando a emissora se desculpou por insinuar preferência. A capa da Época que “pretendia ser negativa acabou sendo positiva”, e virou material de campanha em camisetas e canecas. Marcelo também lembrou a repercussão no Twitter do “Dilma facts by folha” e o “bola de papel facts”, que ficou pouco mais de um dia no Twitter mundial.
Uma das principais características da campanha que o PT fez online contou com engajamento de militantes ou simpatizantes em blogs e redes sociais diversas. Para Soninha, que controlava o conteúdo do site da campanha tucana ao Planalto, a internet permite o engajamento voluntário, um aspecto da campanha que faz diferença pois “é cada vez é mais dificil as pessoas fazerem campanha de graça”. Na campanha de Serra, a doação por internet não foi substancial. A coordenadora esperava pouco da internet, mas se empolgou ao longo da campanha com o feedback de militantes online inesperados, como donas de casa e idosos.
Campanha online
“Visitamos os estados, consultamos sete mil pessoas, conhecemos pessoas que seriam motores da campanha da Dilma na internet”, explica Marcelo, contratado em abril. Foi essa experiência que o permitiu conhecer a base social que daria sustentação para a campanha, que define como descentralizada e feita principalmente por voluntários, acrescenta.
Marcelo acredita que campanha na internet é diferente, e a construção do coletivo tem que se dar de forma colaborativa. “O que funciona na rede é imprevisivel ainda. Temos que aproveitar qualidade da contrução colaborativa. Não centramos a campanha no dilma.com.br, e blog”. Foram milhares de ativistas e blogueiros que se somaram à campanha oficial - “a melhor cobertura não foi feita por nós, foi feita pelos outros”. Considera a melhor atuação a feita na blogosfera, e a pior no Facebook.
A campanha de Serra, assim como a de Dilma, separava internet de outras mídias. “A nossa configuração de internet era diferente. A gente não tinha coordenador de mídias sociais, eu era responsável pelo site oficial”, afirmou a ex-vereadora que se integrou a campanha em julho. A data avançada impediu a equipe de ter um formato definido para tocar a rede desde o começo, afirmou.
“O que imaginamos de internauta tipico se mostrou uma minoria na campanha”, disse Soninha. Ela se surpreendeu por mensagens com sugestões, críticas à campanha, e elogios de pessoas inesperadas, como “agricultores do interior do Espírito Santo”, idosos, donas de casa. Para ela, o site e a rede acabaram por ser não só oferta de conteúdo, mas ponto de encontro para militantes dos perfis mais diversificados, cujo encontro físico jamais se daria.
Ameaça
O fórum mais democrático da internet, onde a construção de conteúdo é colaborativa e as pessoas podem se expressar com certa amplitude, está ameaçado pela tramitação do Projeto de Lei (PL) 84/99, do senador Eduardo Azeredo (PSDB), lembrou Marcelo e Caio durante o debate do MediaOn. O PL se caracteriza por criminalizar ações da internet como download e compartilhamento de mp3, entre outros.
“Internet é sempre criminalizada”, afirmou Marcelo quanto à pergunta sobre baixaria nas eleições. “Não foi na internet, foi nas campanhas políticas”. O coordenador da campanha digital petista afirmou a baixaria se deu com acusações falsas, fraudes e declarações suspeitas, que apenas foram reproduzidas na internet e ganharam uma repercussão diferente.
Marcelo e Caio foram a favor de um pacto, no próprio ato do debate, de combate à lei de cibercrimes. “Não passarão”, disse um e repetiu o outro. Soninha não se manifestou.
.
Folha e o arquivo da ditadura contra Dilma
Reproduzo artigo de Celso Marcondes, publicado no sítio da revista CartaCapital:
“STM libera processo da ditadura contra Dilma”: essa é manchete de capa da edição desta quarta-feira 17 do jornal Folha de S.Paulo. A matéria principal ocupa quase toda a página 4 e na abertura já comemora: “Advogada da Folha diz que resultado é vitória ‘de toda a sociedade’”.
Essa “vitória” que o jornal encampa em nosso nome começou a ser organizada em setembro deste ano, quando a Folha protocolou mandado de segurança no Superior Tribunal Militar. Na ocasião, ela argumentou que era direito de todos os brasileiros saber o histórico da candidata antes que as urnas presidenciais fossem abertas.
No STM, o julgamento foi suspenso duas vezes, mas a Folha não se fez de rogada, em 19 de outubro apelou para o Supremo Tribunal Federal, na esperança de que ele determinasse a abertura dos arquivos antes da realização do segundo turno. Relatora do caso, a ministra Cármem Lúcia, devolveu o caso ao STM, que só agora, por 10 votos contra 1, liberou o acesso do ávido jornal paulistano ao processo.
Na próxima semana será publicada a ata da sessão e a partir daí os repórteres da Folha poderão se deliciar com a leitura de tudo o que os ditadores e seus funcionários escreveram sobre nossa presidenta eleita quando ela tinha cerca de 20 anos.
Até aqui, o que, em síntese, todos sabem, é que Dilma Rousseff combateu a ditadura militar desde muito jovem. Militou numa organização guerrilheira chamada Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares, ficou presa por mais de dois anos, foi torturada barbaramente e depois de libertada retomou sua vida no Rio Grande do Sul.
Do meu ponto de vista, é o suficiente, não preciso saber mais. Fico satisfeito em ter conhecimento que, mesmo usando de métodos que nunca aprovei, ela teve a coragem de combater os terroristas que tomaram de assalto o governo e o Estado brasileiro em 1964. Eram eles, como se sabe, militares, apoiados e sustentados por civis, entre os quais muitos empresários, inclusive da área de comunicação.
No entanto, para muita gente conhecer este resumo daquela fase da vida de Dilma não bastou. Desde o momento em que ela foi cogitada como candidata do presidente Lula, a internet foi dominada por uma onda de mensagens que questionavam o currículo militante da candidata. Taxada de cara como “terrorista” até uma ficha falsa foi montada, a descrever os atentados, sequestros e assaltos a banco nos quais ela teria se metido.
A mesma Folha, na época, foi o único jornal que embarcou na história da suposta ficha e a publicou em primeira página, com os devidos comentários desairosos. Sem ouvir antes a acusada. Revoltada, Dilma reagiu, pediu direito de resposta, o jornal foi obrigado a lhe dar espaço e a recuar na denúncia, reconhecendo que não tinha atestado a autenticidade da peça montada não se sabe aonde, o que se constituiu num dos episódios mais vergonhosos da história recente do jornal.
Porém, seus proprietários não pararam por aí e durante toda a campanha eleitoral colocaram jornalistas para investigar este período de sua vida. Não faltaram entrevistas com ex-companheiros de militância, nem com ex-militares ou carcereiros que teriam tido contato com Dilma nos anos 70. O que se buscava então era, digamos, algo mais concreto no currículo da militante: teria participado de algum sequestro ou assalto? Atirado ou matado alguém? Delatado companheiros? Em nenhum momento, porém, qualquer jornalista, depois de muitas entrevistas e pesquisas em outros arquivos que existem pelo País, conseguiu qualquer prova de participações ou atos da jovem de 20 anos em eventos semelhantes.
O que imaginavam os que pretendiam “conhecer melhor a história” da candidata era que, se acusada concretamente de participação numa ação violenta, haveria material de combustão suficiente para abalar sua campanha eleitoral. Numa sociedade pronta para ser comovida por campanhas conservadoras incentivadas por parte da grande mídia, é fácil imaginar a repercussão que teria uma manchete do tipo “Dilma participou de assalto que ocasionou morte de inocente”.
Esta manchete – ou similares – nunca chegou à televisão ou aos grandes jornais, embora tenha frequentado à exaustão a internet. Durante a campanha de José Serra, porém, cansamos de assistir a insinuação: “no meu currículo não há manchas, nem zonas obscuras”, ele dizia sempre, a deixar claro que o candidato “do bem” não tinha nada a esconder, mas a “do mal” deveria ter.
Às vésperas da realização do segundo turno, a liminar da Folha de S.Paulo endereçada ao STF gerou uma onda de rumores nas campanhas. Esperava-se que uma “grande novidade” vinda da abertura do processo causasse comoção suficiente para abalar a trajetória da candidata rumo à vitória nas urnas. A sabedoria da ministra Cármem Lúcia, porém, tirou do Supremo a responsabilidade pela decisão e inviabilizou o final da história antes do pleito.
Dentro de alguns dias o caso terá seu desfecho. Todo o Brasil saberá o que está escrito na ficha real de Dilma Vana Rousseff guardada no cofre militar até aqui.
Saberemos finalmente se a presidenta eleita – não diplomada ainda -, no auge dos seus 20 anos, participou ou não de assaltos, sequestros e atentados. Conheceremos também como foi seu comportamento nas masmorras.
Estará tudo lá, escrito, bonitinho, preto no branco, apenas marcado pela ação do tempo. Com carimbos, assinaturas, rubricas e protocolos. Também pareceres, fotos, recortes de jornais, talvez. Tudo com as devidas chancelas de Humberto de Alencar Castelo Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel.
Os jornalistas da Folha devorarão avidamente as informações do processo e nos brindarão com um resumo delas. Outros órgãos de imprensa, como já fizeram no dia de hoje com a decisão do STM, repercutirão tudo.
Aí então, uma parte dos brasileiros dirá: nada me toca, continuo a admirar a coragem que a presidenta tinha aos seus 20 anos. Se ela de fato participou de algum ato violento, seus algozes já a fizeram pagar por isso. Mesmo assim, não reconheço nenhuma credibilidade nos arquivos infectos e nos processos manchados de sangue dos generais que escreveram o pior momento da nossa história. E credibilidade é matéria prima da imprensa.
Porém, haverá quem vá dizer: não avisamos? Vocês elegeram uma terrorista.
O efeito que este debate irá causar ninguém sabe medir. È fato, porém, que a Folha comemora hoje a “vitória de toda a sociedade”. Enquanto ela comemora, muitos arquivos e processos continuam fechados. E torturadores e seus mandantes caminham impunes por nossas ruas. Ou morrem de velhice.
.
“STM libera processo da ditadura contra Dilma”: essa é manchete de capa da edição desta quarta-feira 17 do jornal Folha de S.Paulo. A matéria principal ocupa quase toda a página 4 e na abertura já comemora: “Advogada da Folha diz que resultado é vitória ‘de toda a sociedade’”.
Essa “vitória” que o jornal encampa em nosso nome começou a ser organizada em setembro deste ano, quando a Folha protocolou mandado de segurança no Superior Tribunal Militar. Na ocasião, ela argumentou que era direito de todos os brasileiros saber o histórico da candidata antes que as urnas presidenciais fossem abertas.
No STM, o julgamento foi suspenso duas vezes, mas a Folha não se fez de rogada, em 19 de outubro apelou para o Supremo Tribunal Federal, na esperança de que ele determinasse a abertura dos arquivos antes da realização do segundo turno. Relatora do caso, a ministra Cármem Lúcia, devolveu o caso ao STM, que só agora, por 10 votos contra 1, liberou o acesso do ávido jornal paulistano ao processo.
Na próxima semana será publicada a ata da sessão e a partir daí os repórteres da Folha poderão se deliciar com a leitura de tudo o que os ditadores e seus funcionários escreveram sobre nossa presidenta eleita quando ela tinha cerca de 20 anos.
Até aqui, o que, em síntese, todos sabem, é que Dilma Rousseff combateu a ditadura militar desde muito jovem. Militou numa organização guerrilheira chamada Vanguarda Armada Revolucionária – Palmares, ficou presa por mais de dois anos, foi torturada barbaramente e depois de libertada retomou sua vida no Rio Grande do Sul.
Do meu ponto de vista, é o suficiente, não preciso saber mais. Fico satisfeito em ter conhecimento que, mesmo usando de métodos que nunca aprovei, ela teve a coragem de combater os terroristas que tomaram de assalto o governo e o Estado brasileiro em 1964. Eram eles, como se sabe, militares, apoiados e sustentados por civis, entre os quais muitos empresários, inclusive da área de comunicação.
No entanto, para muita gente conhecer este resumo daquela fase da vida de Dilma não bastou. Desde o momento em que ela foi cogitada como candidata do presidente Lula, a internet foi dominada por uma onda de mensagens que questionavam o currículo militante da candidata. Taxada de cara como “terrorista” até uma ficha falsa foi montada, a descrever os atentados, sequestros e assaltos a banco nos quais ela teria se metido.
A mesma Folha, na época, foi o único jornal que embarcou na história da suposta ficha e a publicou em primeira página, com os devidos comentários desairosos. Sem ouvir antes a acusada. Revoltada, Dilma reagiu, pediu direito de resposta, o jornal foi obrigado a lhe dar espaço e a recuar na denúncia, reconhecendo que não tinha atestado a autenticidade da peça montada não se sabe aonde, o que se constituiu num dos episódios mais vergonhosos da história recente do jornal.
Porém, seus proprietários não pararam por aí e durante toda a campanha eleitoral colocaram jornalistas para investigar este período de sua vida. Não faltaram entrevistas com ex-companheiros de militância, nem com ex-militares ou carcereiros que teriam tido contato com Dilma nos anos 70. O que se buscava então era, digamos, algo mais concreto no currículo da militante: teria participado de algum sequestro ou assalto? Atirado ou matado alguém? Delatado companheiros? Em nenhum momento, porém, qualquer jornalista, depois de muitas entrevistas e pesquisas em outros arquivos que existem pelo País, conseguiu qualquer prova de participações ou atos da jovem de 20 anos em eventos semelhantes.
O que imaginavam os que pretendiam “conhecer melhor a história” da candidata era que, se acusada concretamente de participação numa ação violenta, haveria material de combustão suficiente para abalar sua campanha eleitoral. Numa sociedade pronta para ser comovida por campanhas conservadoras incentivadas por parte da grande mídia, é fácil imaginar a repercussão que teria uma manchete do tipo “Dilma participou de assalto que ocasionou morte de inocente”.
Esta manchete – ou similares – nunca chegou à televisão ou aos grandes jornais, embora tenha frequentado à exaustão a internet. Durante a campanha de José Serra, porém, cansamos de assistir a insinuação: “no meu currículo não há manchas, nem zonas obscuras”, ele dizia sempre, a deixar claro que o candidato “do bem” não tinha nada a esconder, mas a “do mal” deveria ter.
Às vésperas da realização do segundo turno, a liminar da Folha de S.Paulo endereçada ao STF gerou uma onda de rumores nas campanhas. Esperava-se que uma “grande novidade” vinda da abertura do processo causasse comoção suficiente para abalar a trajetória da candidata rumo à vitória nas urnas. A sabedoria da ministra Cármem Lúcia, porém, tirou do Supremo a responsabilidade pela decisão e inviabilizou o final da história antes do pleito.
Dentro de alguns dias o caso terá seu desfecho. Todo o Brasil saberá o que está escrito na ficha real de Dilma Vana Rousseff guardada no cofre militar até aqui.
Saberemos finalmente se a presidenta eleita – não diplomada ainda -, no auge dos seus 20 anos, participou ou não de assaltos, sequestros e atentados. Conheceremos também como foi seu comportamento nas masmorras.
Estará tudo lá, escrito, bonitinho, preto no branco, apenas marcado pela ação do tempo. Com carimbos, assinaturas, rubricas e protocolos. Também pareceres, fotos, recortes de jornais, talvez. Tudo com as devidas chancelas de Humberto de Alencar Castelo Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel.
Os jornalistas da Folha devorarão avidamente as informações do processo e nos brindarão com um resumo delas. Outros órgãos de imprensa, como já fizeram no dia de hoje com a decisão do STM, repercutirão tudo.
Aí então, uma parte dos brasileiros dirá: nada me toca, continuo a admirar a coragem que a presidenta tinha aos seus 20 anos. Se ela de fato participou de algum ato violento, seus algozes já a fizeram pagar por isso. Mesmo assim, não reconheço nenhuma credibilidade nos arquivos infectos e nos processos manchados de sangue dos generais que escreveram o pior momento da nossa história. E credibilidade é matéria prima da imprensa.
Porém, haverá quem vá dizer: não avisamos? Vocês elegeram uma terrorista.
O efeito que este debate irá causar ninguém sabe medir. È fato, porém, que a Folha comemora hoje a “vitória de toda a sociedade”. Enquanto ela comemora, muitos arquivos e processos continuam fechados. E torturadores e seus mandantes caminham impunes por nossas ruas. Ou morrem de velhice.
.
Veja e suas capas eleitorais - 1994/2010
Reproduzo artigo de Washington Araújo, publicado no sítio Carta Maior:
Vez por outra sinto-me inclinado a observar como a história do Brasil é contada através do cotejo de capas e manchetes dos principais jornais e revistas do país em momentos singulares de nossa história política e social. Há algum tempo nutri a curiosidade de saber como Veja – a revista semanal de informação com maior circulação no país – produziu suas capas nas duas últimas semanas dos pleitos presidenciais de 1994, 1998, 2006 e este mais recente de 2010.
A edição de Veja n° 1389, de 28/9/1994, trazia um macaco na capa e a manchete “O elo perdido” e o educativo subtítulo “pesquisadores descobrem na África o ancestral do homem mais próximo dos macacos”. O sucesso do Plano Real era de tal magnitude que a revista se abstinha de tratar do assunto mais impactante (e palpitante!) do ano, do mês e da quinzena: a eleição presidencial.
Mas, faltando apenas uma semana para o dia da eleição, a revista da Abril não conseguiu controlar sua ansiedade e resolveu transformar em panfleto sua última edição antes de os votos serem lançados na urna. É emblemática a capa da Veja (1360, de 5/10/1994) trazendo a ilustração de uma mão colocando o voto em uma urna e a manchete “O que o eleitor quer: Ordem, Continuidade e Prudência – O que o eleitor não quer: Salvador da Pátria, Pacotes e Escândalos”.
Todo o palavreado poderia ser descrito em apenas nove letras: Vote em FHC.
Quatro anos depois, novo pleito presidencial. A grande novidade dessas eleições – e também o maior escândalo político-financeiro do ano – foi a introdução na política brasileira do instituto da reeleição. A penúltima capa de Veja antes das eleições (1566, de 30/9/1998) trazia a imagem de um executivo engravatado e com a cabeça de madeira. Ou sejam, óleo de peroba é bom quando é para lustrar a cara-de-pau dos outros. A manchete colocava todos os políticos no mesmo balaio de gatos: “Por que o Brasil desconfia dos políticos” e o subtítulo “Os melhores e os piores deputados e senadores às vésperas das eleições”. Desnecessário dizer qual o critério de valoração utilizado pela revista. Se a capa anterior tratava de fincar o prego, na semana das eleições a revista tratava de lhe entortar a ponta.
E assim, sem qualquer melindre, sem ninguém para lhe chamar de governista ou para denunciar seu jornalismo como típico daquele produzido em comitê de campanha, a capa de Veja (1567, de 7/10/1998) trazia a foto de um sorridente Fernando Henrique Cardoso, fazendo o sinal de positivo com o polegar e a manchete “Agora é guerra”. Dificilmente uma imagem contraria tanto a mensagem escrita quanto esta. É que ninguém vai para a guerra sorrindo de orelha a orelha e cheio de otimismo. Mas foi essa a imagem escolhida pelo carro-chefe das revistas da Abril.
A opção preferencial da revista ficava bem em alto relevo nos subtítulos: “O desafio de FHC reeleito é impedir que a crise afunde o Brasil do Real – A mexida secreta na Previdência – As outras medidas que vêm por aí – Em maio ele pensou em desistir da reeleição”. Bem no estilo Jean-Paul Sartre para quem “o inferno são os outros”, Veja acenava com o paraíso a ser conquistado com a reeleição de seu presidente e carregava na cores do medo ao pintar um cenário em que o Plano Real afundaria e com este o país como um todo.
Nada como a constatação do filósofo contemporâneo Cazuza (1958-1990) de que realmente “o tempo não para”. Novo pleito presidencial. Estamos em 2002. Na semana em que se realizaria o primeiro turno a capa de Veja (1773, de 16/10/2002) trazia fotomontagem de dinossauros com cabeças de políticos simbolizando Quércia, Newton Cardoso, Brizola, Collor e Maluf. A manchete foi “O parque dos dinossauros” e uma tabuleta com o subtítulo “Estas espécies foram tiradas de circulação”.
Como aprendiz de clarividente a revista não foi aprovada como os anos seguintes iriam mostrar: Quércia sempre manteve seu poder político em São Paulo (e em 2010 estava em vias de se eleger senador caso não tivesse enfrentado grave problema de saúde na reta final da campanha); Newton Cardoso foi eleito Deputado Federal em 2010; Brizola morreu; Collor foi absolvido pela Supremo Tribunal Federal dos vários episódios que culminaram com seu impeachment em 1992 e em 2006 foi eleito senador por Alagoas; Paulo Maluf foi eleito Deputado Federal em 2006 com a maior votação proporcional do país e reeleito em 2010 com a terceira maior votação de São Paulo.
Na semana em que se realizou o segundo turno para presidente da República em 2002, a capa da revista Veja (1774, de 23/10/2002) trazia ilustração e fotomontagem de cachorro na coleira com três cabeças – Marx, Trotsky e Lênin. A manchete: “O que querem os radicais do PT?”. Na lateral superior esquerda o alerta “Brasil – o risco de um calote na dívida”. Como subtítulo: “Entre os petistas, 30% são de alas revolucionárias. Ficaram silenciosos durante a campanha. Se Lula ganhar, vão cobrar a fatura. O PT diz que não paga”. Ainda assim, é comum que a revista se apresente ao país como revista independente, sem qualquer vínculo político-partidário, plural etc., etc., etc.
Chega 2006 e com ele mais um pleito presidencial. Deixemos de lado as capas nas duas semanas dos primeiro turno. A capa de Veja (1979, de 25/10/2006) trazia a foto (um tanto assustado) do filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e como a lhe fazer sombra a imagem em tons fantasmagórica do pai presidente. A manchete: “O ´Ronaldinho´ de Lula” e o subtítulo “O presidente comparou o filho empresário ao craque de futebol. Mas os dons fenomenais de Fábio Luís, o Lulinha, só apareceram depois que o pai chegou ao Planalto”. As matérias internas eram compostos de livres exercícios de desconstrução da imagem do presidente candidato à reeleição.
Tudo o que podia existir de errado no país ao longo dos últimos quatro anos era creditado na conta de Luiz Inácio Lula da Silva. E o que, porventura, dera certo, estava creditado na conta de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, agora representado pelo candidato tucano Geraldo Alckmin. Este raciocínio, compartilhado não apenas pela revista da Abril - mas também pelos principais jornais e emissoras de rádio e tevê do país -, continua vigente até este ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na semana das eleições a capa de Veja (1980, de 01/11/2006) trazia duas cabeças de perfil – Alckmin e Lula, olhando em direções opostas. A manchete “Dois Brasis depois do voto?” Mais o subtítulo alarmista: “Os desafios do presidente eleito para unir um país dividido e fazer o Brasil funcionar”.
Parece que o baú de Veja não guarda truques novos. Apostar no medo, no pânico da população está sempre ao alcance de suas mãos. Também soa extemporâneo declarar o óbvio sobre quem “dividiu o país” e quem “fará o país funcionar”. Isso fica claro nas reportagens internas dessa edição.
Mudemos agora um pouco o padrão de análise a que me incumbi. Em relação ao pleito recém-concluído optei por destacar quatro capas de Veja, em sequência. Elas dizem à larga como a revista tomou partido ao longo dos últimos anos, como explicitou suas preferências partidárias e como encontrou fôlego para manter o discurso que é ‘politicamente independente e sem nenhum compromisso, a não ser perante ela própria e os seus leitores, e que não se identifica com nenhum partido ou grupo social’.
– Veja n° 2181, de 8/9/2010 trazia na capa a ilustração em primeiro plano de um polvo se enroscando no brasão da República. A aterrorizante imagem é realçada pelo fundo negro contra o qual é inserida a medonha ilustração. A manchete “O partido do polvo” e o subtítulo “A quebra de sigilo fiscal de filha de José Serra, é sintoma do avanço tentacular de interesses partidários e ideológicos sobre o estado brasileiro”. A revista pode até ter pudores de não dizer na capa quem é o seu candidato à presidência do Brasil mas não guarda nenhum pudor em satanizar quem, definitivamente, não merece seu respaldo.
– Veja n° 2182, de 15/9/2010 repetia na capa a mesma ilustração sendo que agora o polvo enrosca seus tentáculos em maços de dinheiro. Mudou o pano de fundo que agora é avermelhado. Manchete “Exclusivo – O polvo no poder”. Subtítulo “Empresário conta como obteve contratos de 84 milhões de reais no governo graças à intermediação do filho de Erenice Guerra, ministra-chefe da Casa Civil, que foi o braço direito de Dilma Rousseff”.
– Veja n° 2183, de 22/9/2010 tem novamente na capa o famoso molusco marinho da classe Cephalopoda lançando gigantescos tentáculos dentro do espelho d´água do Palácio do Planalto. Alguns tentáculos já se enroscando nas colunas projetadas por Oscar Niemeyer. A manchete: “A alegria do polvo”, um balão daqueles de revista em quadrinhos e delimitado por raios abarcava a interjeição “Caraca! Que dinheiro é esse?”. Ao lado longo texto explicativo sobre o autor da espantada locução: “Vinícius Castro, ex-funcionário da Casa Civil, ao abrir uma gaveta cheia de pacotes de dinheiro, na reação mais extraordinária do escândalo que derrubou Erenice Guerra”.
– Veja n° 2184, de 29/9/2010 mostra que os dias de celebridade do predador octopoda haviam terminado. Agora a capa reproduz página da Constituição Federal, onde se podia ler excertos do Art. 220 – Da Comunicação Social. Até aí nada demais. O que chama a atenção é uma estrela vermelha apunhalando a página. Coisa de ninja assassino lançando sua mais letal arma. Manchete: “A liberdade sob ataque”. Subtítulo: “A revelação de evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre”.
Para uma revista que tanto preza a Constituição do Brasil resta lamentar a falta que fez nessa edição uma boa reportagem sobre a regulamentação dos cinco artigos constitucionais dedicados à Comunicação Social. Especialmente aquele de número 225. Sim, este mesmo!, o que inicia com estas palavras: “Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.”
A grande imprensa brasileira parece usar dicionário bem diferente daquele usado por cerca de 200 milhões de brasileiros. Palavras como isenção, apartidarismo, independência editorial, adesão à pluralidade de pensamento, parecem completamente divorciadas de seu significado real, aquele mais comezinho, aquele que figura logo no início de cada verbete. E quanto mais parte considerável da imprensa mais vistosa – essa que tem maior circulação, maior carteira de assinantes, maior audiência etc. - afirma ser uma coisa mais demonstra ser exatamente o seu bem acabado oposto. O fenômeno parece com crise de identidade tardia, constante e renitente. Quer ser algo que não é. E a todo custo. Custo que inclui credibilidade, responsabilidade.
E não é por outro motivo que ao longo do mês de setembro de 2010 pululavam no microblog twitter mensagens como esta de 16/9/2010 dizendo o seguinte: “Faltam 18 dias, 2 capas de Veja e 2 manchetes de domingo da Folha para as eleições em que o povo brasileiro mostrará sua força política.”
Pelo jeito como a realidade deu conta de dar seu recado os efeitos das capas foram absolutamente inócuas junto à população. Se eram destinadas a produzir um efeito X, terminaram por produzir um efeito Y. Tanto em 2002 quanto em 2006 e há poucas semanas, também em 2010. Talvez tenha chegado o momento de voltar a dedicar suas capas à busca do elo perdido, aquele que deve nos ligar indissoluvelmente ao macaco ou então direcionar suas energias para encontrar algo mais nobre como o Cálice Sagrado, o Santo Graal. Outra opção poderia ser investir na localização de lugares como Avalon nas cercanias das Ilhas Britânicas. Mas como Veja tem mostrado pendores para eternizar seres marinhos talvez tenha mais proveito se buscar vestígios da Atlântida. Uma pista: boas indicações foram deixadas por Platão (428 a.C. – 348 a.C.) em suas célebres obras "Timeu ou a Natureza" e "Crítias ou a Atlântida".
.
Vez por outra sinto-me inclinado a observar como a história do Brasil é contada através do cotejo de capas e manchetes dos principais jornais e revistas do país em momentos singulares de nossa história política e social. Há algum tempo nutri a curiosidade de saber como Veja – a revista semanal de informação com maior circulação no país – produziu suas capas nas duas últimas semanas dos pleitos presidenciais de 1994, 1998, 2006 e este mais recente de 2010.
A edição de Veja n° 1389, de 28/9/1994, trazia um macaco na capa e a manchete “O elo perdido” e o educativo subtítulo “pesquisadores descobrem na África o ancestral do homem mais próximo dos macacos”. O sucesso do Plano Real era de tal magnitude que a revista se abstinha de tratar do assunto mais impactante (e palpitante!) do ano, do mês e da quinzena: a eleição presidencial.
Mas, faltando apenas uma semana para o dia da eleição, a revista da Abril não conseguiu controlar sua ansiedade e resolveu transformar em panfleto sua última edição antes de os votos serem lançados na urna. É emblemática a capa da Veja (1360, de 5/10/1994) trazendo a ilustração de uma mão colocando o voto em uma urna e a manchete “O que o eleitor quer: Ordem, Continuidade e Prudência – O que o eleitor não quer: Salvador da Pátria, Pacotes e Escândalos”.
Todo o palavreado poderia ser descrito em apenas nove letras: Vote em FHC.
Quatro anos depois, novo pleito presidencial. A grande novidade dessas eleições – e também o maior escândalo político-financeiro do ano – foi a introdução na política brasileira do instituto da reeleição. A penúltima capa de Veja antes das eleições (1566, de 30/9/1998) trazia a imagem de um executivo engravatado e com a cabeça de madeira. Ou sejam, óleo de peroba é bom quando é para lustrar a cara-de-pau dos outros. A manchete colocava todos os políticos no mesmo balaio de gatos: “Por que o Brasil desconfia dos políticos” e o subtítulo “Os melhores e os piores deputados e senadores às vésperas das eleições”. Desnecessário dizer qual o critério de valoração utilizado pela revista. Se a capa anterior tratava de fincar o prego, na semana das eleições a revista tratava de lhe entortar a ponta.
E assim, sem qualquer melindre, sem ninguém para lhe chamar de governista ou para denunciar seu jornalismo como típico daquele produzido em comitê de campanha, a capa de Veja (1567, de 7/10/1998) trazia a foto de um sorridente Fernando Henrique Cardoso, fazendo o sinal de positivo com o polegar e a manchete “Agora é guerra”. Dificilmente uma imagem contraria tanto a mensagem escrita quanto esta. É que ninguém vai para a guerra sorrindo de orelha a orelha e cheio de otimismo. Mas foi essa a imagem escolhida pelo carro-chefe das revistas da Abril.
A opção preferencial da revista ficava bem em alto relevo nos subtítulos: “O desafio de FHC reeleito é impedir que a crise afunde o Brasil do Real – A mexida secreta na Previdência – As outras medidas que vêm por aí – Em maio ele pensou em desistir da reeleição”. Bem no estilo Jean-Paul Sartre para quem “o inferno são os outros”, Veja acenava com o paraíso a ser conquistado com a reeleição de seu presidente e carregava na cores do medo ao pintar um cenário em que o Plano Real afundaria e com este o país como um todo.
Nada como a constatação do filósofo contemporâneo Cazuza (1958-1990) de que realmente “o tempo não para”. Novo pleito presidencial. Estamos em 2002. Na semana em que se realizaria o primeiro turno a capa de Veja (1773, de 16/10/2002) trazia fotomontagem de dinossauros com cabeças de políticos simbolizando Quércia, Newton Cardoso, Brizola, Collor e Maluf. A manchete foi “O parque dos dinossauros” e uma tabuleta com o subtítulo “Estas espécies foram tiradas de circulação”.
Como aprendiz de clarividente a revista não foi aprovada como os anos seguintes iriam mostrar: Quércia sempre manteve seu poder político em São Paulo (e em 2010 estava em vias de se eleger senador caso não tivesse enfrentado grave problema de saúde na reta final da campanha); Newton Cardoso foi eleito Deputado Federal em 2010; Brizola morreu; Collor foi absolvido pela Supremo Tribunal Federal dos vários episódios que culminaram com seu impeachment em 1992 e em 2006 foi eleito senador por Alagoas; Paulo Maluf foi eleito Deputado Federal em 2006 com a maior votação proporcional do país e reeleito em 2010 com a terceira maior votação de São Paulo.
Na semana em que se realizou o segundo turno para presidente da República em 2002, a capa da revista Veja (1774, de 23/10/2002) trazia ilustração e fotomontagem de cachorro na coleira com três cabeças – Marx, Trotsky e Lênin. A manchete: “O que querem os radicais do PT?”. Na lateral superior esquerda o alerta “Brasil – o risco de um calote na dívida”. Como subtítulo: “Entre os petistas, 30% são de alas revolucionárias. Ficaram silenciosos durante a campanha. Se Lula ganhar, vão cobrar a fatura. O PT diz que não paga”. Ainda assim, é comum que a revista se apresente ao país como revista independente, sem qualquer vínculo político-partidário, plural etc., etc., etc.
Chega 2006 e com ele mais um pleito presidencial. Deixemos de lado as capas nas duas semanas dos primeiro turno. A capa de Veja (1979, de 25/10/2006) trazia a foto (um tanto assustado) do filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e como a lhe fazer sombra a imagem em tons fantasmagórica do pai presidente. A manchete: “O ´Ronaldinho´ de Lula” e o subtítulo “O presidente comparou o filho empresário ao craque de futebol. Mas os dons fenomenais de Fábio Luís, o Lulinha, só apareceram depois que o pai chegou ao Planalto”. As matérias internas eram compostos de livres exercícios de desconstrução da imagem do presidente candidato à reeleição.
Tudo o que podia existir de errado no país ao longo dos últimos quatro anos era creditado na conta de Luiz Inácio Lula da Silva. E o que, porventura, dera certo, estava creditado na conta de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, agora representado pelo candidato tucano Geraldo Alckmin. Este raciocínio, compartilhado não apenas pela revista da Abril - mas também pelos principais jornais e emissoras de rádio e tevê do país -, continua vigente até este ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo. Na semana das eleições a capa de Veja (1980, de 01/11/2006) trazia duas cabeças de perfil – Alckmin e Lula, olhando em direções opostas. A manchete “Dois Brasis depois do voto?” Mais o subtítulo alarmista: “Os desafios do presidente eleito para unir um país dividido e fazer o Brasil funcionar”.
Parece que o baú de Veja não guarda truques novos. Apostar no medo, no pânico da população está sempre ao alcance de suas mãos. Também soa extemporâneo declarar o óbvio sobre quem “dividiu o país” e quem “fará o país funcionar”. Isso fica claro nas reportagens internas dessa edição.
Mudemos agora um pouco o padrão de análise a que me incumbi. Em relação ao pleito recém-concluído optei por destacar quatro capas de Veja, em sequência. Elas dizem à larga como a revista tomou partido ao longo dos últimos anos, como explicitou suas preferências partidárias e como encontrou fôlego para manter o discurso que é ‘politicamente independente e sem nenhum compromisso, a não ser perante ela própria e os seus leitores, e que não se identifica com nenhum partido ou grupo social’.
– Veja n° 2181, de 8/9/2010 trazia na capa a ilustração em primeiro plano de um polvo se enroscando no brasão da República. A aterrorizante imagem é realçada pelo fundo negro contra o qual é inserida a medonha ilustração. A manchete “O partido do polvo” e o subtítulo “A quebra de sigilo fiscal de filha de José Serra, é sintoma do avanço tentacular de interesses partidários e ideológicos sobre o estado brasileiro”. A revista pode até ter pudores de não dizer na capa quem é o seu candidato à presidência do Brasil mas não guarda nenhum pudor em satanizar quem, definitivamente, não merece seu respaldo.
– Veja n° 2182, de 15/9/2010 repetia na capa a mesma ilustração sendo que agora o polvo enrosca seus tentáculos em maços de dinheiro. Mudou o pano de fundo que agora é avermelhado. Manchete “Exclusivo – O polvo no poder”. Subtítulo “Empresário conta como obteve contratos de 84 milhões de reais no governo graças à intermediação do filho de Erenice Guerra, ministra-chefe da Casa Civil, que foi o braço direito de Dilma Rousseff”.
– Veja n° 2183, de 22/9/2010 tem novamente na capa o famoso molusco marinho da classe Cephalopoda lançando gigantescos tentáculos dentro do espelho d´água do Palácio do Planalto. Alguns tentáculos já se enroscando nas colunas projetadas por Oscar Niemeyer. A manchete: “A alegria do polvo”, um balão daqueles de revista em quadrinhos e delimitado por raios abarcava a interjeição “Caraca! Que dinheiro é esse?”. Ao lado longo texto explicativo sobre o autor da espantada locução: “Vinícius Castro, ex-funcionário da Casa Civil, ao abrir uma gaveta cheia de pacotes de dinheiro, na reação mais extraordinária do escândalo que derrubou Erenice Guerra”.
– Veja n° 2184, de 29/9/2010 mostra que os dias de celebridade do predador octopoda haviam terminado. Agora a capa reproduz página da Constituição Federal, onde se podia ler excertos do Art. 220 – Da Comunicação Social. Até aí nada demais. O que chama a atenção é uma estrela vermelha apunhalando a página. Coisa de ninja assassino lançando sua mais letal arma. Manchete: “A liberdade sob ataque”. Subtítulo: “A revelação de evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre”.
Para uma revista que tanto preza a Constituição do Brasil resta lamentar a falta que fez nessa edição uma boa reportagem sobre a regulamentação dos cinco artigos constitucionais dedicados à Comunicação Social. Especialmente aquele de número 225. Sim, este mesmo!, o que inicia com estas palavras: “Para os efeitos do disposto neste capítulo, o Congresso Nacional instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na forma da lei.”
A grande imprensa brasileira parece usar dicionário bem diferente daquele usado por cerca de 200 milhões de brasileiros. Palavras como isenção, apartidarismo, independência editorial, adesão à pluralidade de pensamento, parecem completamente divorciadas de seu significado real, aquele mais comezinho, aquele que figura logo no início de cada verbete. E quanto mais parte considerável da imprensa mais vistosa – essa que tem maior circulação, maior carteira de assinantes, maior audiência etc. - afirma ser uma coisa mais demonstra ser exatamente o seu bem acabado oposto. O fenômeno parece com crise de identidade tardia, constante e renitente. Quer ser algo que não é. E a todo custo. Custo que inclui credibilidade, responsabilidade.
E não é por outro motivo que ao longo do mês de setembro de 2010 pululavam no microblog twitter mensagens como esta de 16/9/2010 dizendo o seguinte: “Faltam 18 dias, 2 capas de Veja e 2 manchetes de domingo da Folha para as eleições em que o povo brasileiro mostrará sua força política.”
Pelo jeito como a realidade deu conta de dar seu recado os efeitos das capas foram absolutamente inócuas junto à população. Se eram destinadas a produzir um efeito X, terminaram por produzir um efeito Y. Tanto em 2002 quanto em 2006 e há poucas semanas, também em 2010. Talvez tenha chegado o momento de voltar a dedicar suas capas à busca do elo perdido, aquele que deve nos ligar indissoluvelmente ao macaco ou então direcionar suas energias para encontrar algo mais nobre como o Cálice Sagrado, o Santo Graal. Outra opção poderia ser investir na localização de lugares como Avalon nas cercanias das Ilhas Britânicas. Mas como Veja tem mostrado pendores para eternizar seres marinhos talvez tenha mais proveito se buscar vestígios da Atlântida. Uma pista: boas indicações foram deixadas por Platão (428 a.C. – 348 a.C.) em suas célebres obras "Timeu ou a Natureza" e "Crítias ou a Atlântida".
.
Assinar:
Postagens (Atom)